Criação de grupos reflexivos para tratamento da temática da saúde física, mental e jurídica de trans.

Transgênero/transexuais, travestis, não binárias etc.

10/03/2025 às 16:26
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Resumo: O termo "Trans" engloba indivíduos cuja identidade de gênero não coincide com o sexo atribuído ao nascimento, abrangendo transexuais, transgêneros, travestis e pessoas não binárias. A relação entre a saúde física, mental e jurídica das pessoas trans apresenta complexidade, caracterizada por desafios como o estigma, a exclusão, e o acesso limitado aos serviços de saúde. A implementação de grupos reflexivos surge como uma estratégia para tratar esses desafios, oferecendo espaços de diálogo entre profissionais de saúde, membros da comunidade trans e seus familiares, com o objetivo de promover práticas inclusivas e sensíveis às suas necessidades.

Palavras-chave:Trans, saúde, grupos reflexivos e inclusão.


1. Introdução

Contextualizando, em apertada síntese, o termo “Trans” é um termo amplo que engloba a identidade de gênero, não cis, utilizado para se referir a uma pessoa que não se identifica com o gênero ao qual foi designado em seu nascimento. Considerando o significado etimológico, o prefixo trans- (oriundo o latim) significa “além de”, “para além de”, “o outro lado” ou “o lado oposto”. O termo é utilizado como um “termo guarda-chuva” e se refere a todas as pessoas com identidades trans: transexuais, transgêneros, travestis, pessoas não binárias etc.

Neste sentido, segundo Keila Simpson, explica que o termo “Travestis” rompem com o muro entre o masculino e feminino, entretanto, ainda reivindicam o seu viver dentro do universo feminino, ao passo que, uma pessoa “Transgênero” (expressão atualmente adotada pelo movimento LGBTQIAPN+) seja masculino, seja feminino, ou seja, não se identifica com o sexo biológico do nascimento e sim com o gênero oposto, mantendo-se na esfera binária de gêneros, logo a pessoa transgênero não implica em um desejo de mudar de sexo biológico, nem a existência de atração por pessoas do mesmo sexo. O que há é um conflito de identidade de gênero.

Já a expressão “Transexual” possui o mesmo entendimento do termo transgênero, que são pessoas que não se identificam com o sexo biológico do nascimento, e sim com o gênero oposto, porém aquele que deseja alterar sua constituição biológica e fazer a mudança de sexo, sendo a cirurgia a única forma de se sentirem totalmente identificados e correspondidos na identidade de gênero que sentem pertencer.

É neste contexto, que a relação entre a saúde física, mental e até jurídica das travestis e transexuais (TT) têm sido caracterizadas por complexidade não só no Brasil, mas ao redor do mundo. Se, por um lado, houve um avanço significativo com a implementação do processo transexualizador, por outro lado, o acesso a esses serviços permanece condicionado ao diagnóstico de Transtorno de Identidade de Gênero (TIG), o que resulta em tratar a questão como doença.

Rememorando, a epidemia de HIV dos anos 80 que exacerbou o estigma e a exclusão enfrentados por esse grupo, agravando a dificuldade de acesso aos serviços de saúde especializados. Não se pode ignorar também que a violência, o preconceito, o acesso à saúde e o acesso ao mercado de trabalho são algumas, dentre as várias dificuldades enfrentadas pela comunidade TT.


2. Criação dos Grupos Reflexivos

Neste sentido, a criação de grupos reflexivos seria uma estratégia eficaz para tratar das questões complexas envolvendo as dificuldades deste grupo. Esses grupos de reflexão poderiam servir como espaços de diálogo e aprendizado, promovendo a compreensão mútua e a troca de experiências entre profissionais de saúde, dentre outros e membros da comunidade TT, bem como, de seus pais e familiares. O objetivo é desenvolver práticas mais inclusivas e sensíveis às necessidades específicas, abordando questões como a identidade de gênero, o estigma associado à saúde, a importância do acolhimento, da escuta ativa e da comunicação não violenta.


3. Objetivos dos Grupos Reflexivos

  • Promover o acolhimento dos membros da comunidade TT , pais e familiares: promover através de rodas de conversas, com o apoio de uma equipe multidisciplinar de saúde, temas como: uso correto do nome social; processo cirúrgico; autoestima; aceitação; comunicação não violenta; mercado de trabalho; contribuir para o diálogo entre o participante da comunidade TT e seus familiares, abordando temas como: compreensão mútua, preconceitos e estigmas históricos, buscar a reinserção do participante ao convívio familiar e etc.

  • Fortalecer a Colaboração e sugerir programas junto à comunidade: Estabelecer uma rede de apoio que envolva profissionais de saúde, jurídico, organizações da sociedade civil, comunidade TT e familiares; incentivar os participantes a contribuir com ações educativas na comunidade, por exemplo.


4. Estrutura dos Grupos Reflexivos

  • Participantes: Defensores públicos, advogados, profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, psicólogos), membros da comunidade TT, representantes de organização da sociedade civil, familiares, acadêmicos, voluntários e pessoas interessadas em entender a temática.

  • Facilitadores: Defensores públicos; Advogados; Especialistas em saúde LGBTQIAPN+; Autores com obras sobre o tema que estão interessados em conversar e discutir com os participantes e seus familiares; Psicólogos; profissionais com experiência em temas de diversidade de gênero; Profissionais da Mediação/Conciliação, por exemplo.

  • Formato das Reuniões: As reuniões podem ser presenciais ou virtuais, com encontros regulares, por exemplo, mensais ou bimestrais. Durabilidade da depender da proposta da ação, no mínimo 2h.

  • Métodos: Discussões guiadas, estudos de caso, workshops interativos, sessões de escuta ativa, por exemplo.


5 - Sugestões de atividades

  • Inclusão do participante na sociedade e principalmente em ambiente familiar: contribuir por meio de palestras educativas visando o estabelecimento de vínculos entre os participantes; Propor o fortalecimento de relações protetivas e a disseminação de informações importantes sobre direitos e assistência à população LGBTQIA+; Compartilhar saberes, conhecimentos e experiências, assim como promover reflexões sobre as relações; Discutir a importância do desenvolvimento de relacionamentos saudáveis a partir de ações que envolvam a educação, a paz e a prevenção da violência; Propor debates sobre o combate da Transfobia; Colaborar com informativos sobre o mercado de trabalho, educação escolar e outros aspectos pertinentes a temática, possibilitando ao indivíduo se reconhecer como parte integrante da sociedade.

  • Experiência de Estigma e Exclusão: contribuir para o compartilhamento de experiências sobre o impacto do estigma e da exclusão na saúde mental e física das pessoas TT.

  • Educação Permanente: desenvolvimento de programas e/ou atividades contínuas de aceitação e autoestima, etc.

  • Políticas e Práticas Inclusivas: Criação de grupos para avaliação das políticas existentes e discussão sobre melhorias necessárias para promover a equidade de gênero.


6. Metodologia e Abordagem

  • Escuta Ativa: Garantir que todos os participantes tenham a oportunidade de expressar suas opiniões e experiências.

  • Educação Mútua: Promover a troca de conhecimentos entre profissionais, membros da comunidade TT, pais e familiares.

  • Reflexão Crítica: Incentivar uma análise crítica das práticas e políticas atuais, buscando soluções inovadoras e inclusivas.

  • Documentação: Registrar as discussões e sugestões dos grupos.


7. Avaliação e Melhoria Contínua

  • Avaliação de Impacto: Realizar avaliações periódicas para medir o impacto dos grupos reflexivos nas práticas de atendimento e na satisfação dos participantes.

  • Ajustes e Melhorias: Adaptar as estratégias e abordagens com base no feedback recebido e nas necessidades emergentes.

Na região da Grande São Paulo, há iniciativas da sociedade civil, como o Centro de Cultura e Acolhimento Casa 1, que desempenham um papel fundamental no apoio a pessoas LGBTQIA+. A Casa 1 oferece serviços diversos, como abrigo, clínica social para saúde mental e centro cultural. Contudo, conforme conteúdo informativo1 a demanda supera a capacidade do centro, que realiza aproximadamente 3 mil atendimentos mensais, enfrentando desafios significativos para atender a todos que buscam suporte (Castro, 2024). (Angelo Castro, diretor de educação e cultura da Casa 1.)

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Conclusão

Os grupos reflexivos são ferramentas essenciais para o avanço das questões de saúde, em sua conceção ampla, enfrentadas pelas pessoas Trans (travestis e transexuais/transgêneros). A integração de abordagens que promovam equidade e responsividade no atendimento à saúde física e mental das pessoas TT, bem como, a inclusão de toda a rede apoio possível, tais como: os pais e familiares, os profissionais da saúde, jurídico, pesquisadores, a sociedade civil é essencial para superar as barreiras históricas e sociais enfrentadas por esse grupo. A oferta de um acolhimento, cuidado, escuta ativa que reconheça e valorize a identidade de gênero, aliada à educação permanente e ao apoio de iniciativas da sociedade civil, possibilita o conhecimento, empatia, quebra de preconceito e a construção de um olhar mais inclusivo. A experiência prática de centros como a Casa 1 demonstra a importância do acolhimento e da resposta adequada às necessidades dessa população, evidenciando também a necessidade de expansão dos recursos e do apoio para atender à crescente demanda.


Referências

ALMEIDA. Patty Fidelis de. SELLES. Beatriz Rodrigues Silva. Redes sociais de apoio às pessoas trans: ampliando a produção de cuidado. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/DW6XdZ75vKb5mX5HzNSHQFn/. Acesso em: 16/09/2024.

ARIAN, Marcia. Do diagnóstico de transtorno de identidade de gênero às redescrições da experiência da transexualidade: uma reflexão sobre gênero, tecnologia e saúde. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-73312009000100003. Acesso em: 16/09/2024.

SILVA, Bruno de Brito. Apoio e suporte social na identidade social de travestis, transexuais e transgêneros. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S1677-29702014000200004. 6. Acesso em: 16/09/2024.

SIMPSON, Keila. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Transexualidade e Travestilidade na Saúde. Brasília — DF. 2015. Pg. 9. SELLES. Beatriz Rodrigues Silva. ALMEIDA. Patty Fidelis de. Redes sociais de apoio às pessoas trans: ampliando a produção de cuidado. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/DW6XdZ75vKb5mX5HzNSHQFn/. Acesso em: 16/09/2024.


Nota

1https://www.brasildefato.com.br/2024/05/17/luta-contra-lgbtfobia-conheca-centros-que-acolhem-pessoas-discriminadas-por-orientacao-sexual-ou-identidade-de-genero


Abstract: The term "Trans" encompasses individuals whose gender identity does not align with the sex assigned at birth, including transgender, transsexual, travestis, and non-binary people. The relationship between the physical, mental, and legal health of trans people is complex, characterized by challenges such as stigma, exclusion, and limited access to healthcare services. The implementation of reflective groups emerges as a strategy to address these challenges, offering spaces for dialogue between healthcare professionals, members of the trans community, and their families, with the goal of promoting inclusive practices that are sensitive to their needs.

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Sobre a autora
Vivianne Ormond

Mestranda em Função Social do Direito. Graduada em Direito Pós graduação em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Especialização em Direito Tributário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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