Airbnb

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Brasília, 17 de fevereiro de 2025.

A controvérsia no ambiente condominial é uma disputa histórica e recorrente nas grandes cidades e aglomerações urbanas. Com a crescente ocupação territorial e, consequentemente, a redução de áreas livres, as grandes cidades se viram no fenômeno da verticalização. Desse modo, prédios cada vez mais altos emergiram, assim como condomínios das mais diversas naturezas.

Nessa mesma linha de pensamento, tais condomínios se organizaram, instituindo as convenções, acordos e regras de convivência mútua. Num ambiente de espaço limitado e maior possibilidade de interação entre os condôminos, tais regramentos se mostram essenciais.

Assim, com o advento das novas tecnologias, criou-se o AIRBNB, plataforma que conecta proprietários de imóveis e pessoas interessadas em realizarem locações de curto prazo, seja para viagens, lazer ou trabalho. A grande problemática, além de questões tributárias, está na possível desconfiguração da natureza de imóvel locado por intermédio da plataforma.

Em muitos condomínios, como no caso do Condomínio do Edifício Coorigha, situado à Avenida Carlos Gomes, 531-549, na cidade de Porto Alegre – RS, objeto do RECURSO ESPECIAL Nº 1.819.075 - RS, há disposição em sua convenção de que os imóveis têm natureza exclusivamente residencial. No caso citado, conforme tribunal de origem, a proprietária fazia o aluguel recorrente do imóvel, inclusive realizando alterações físicas no apartamento, a fim de melhor atender os hóspedes:

O acórdão, conforme descrito, considerou a existência de "contrato atípico de hospedagem", tendo em vista: i) "a ausência de vinculação entre os 'clientes'; ii) a reforma do apartamento no sentido de criar novos quartos e acomodar mais pessoas e o fornecimento de serviços; iii) a alta rotatividade de pessoas; e iv) "o fato de a demandada ter conseguido adquirir em curto espaço de tempo mais um apartamento, o qual também foi destinado à mesma atividade, apenas reforça a tese de que a ré estaria realizando uma exploração comercial".

Desse modo, a discussão centra-se em verificar se a disponibilização de imóvel para aluguel de curtíssima temporada, em plataformas digitais, representa alteração no status residencial previsto pelo condomínio.

Em princípio, vale destacar que o assunto está em discussão no Superior Tribunal de Justiça. No recurso acima citado, em que o relator, que versou acerca do provimento do recurso que beneficiaria a parte locadora, mas foi voto vencido por seus pares. Além disso, há o REsp 2.121.055/MG, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, além do REsp nº 1954824 / MG, da quarta turma, de relatoria do ministro João Otávio de Noronha. Todos possuem em comum o interesse do proprietário e da plataforma em realizar tais locações, impedidos pelo condomínio.

Nos processos, a “AIRBNB IRELAND UC” solicita sua participação como assistente, visto seu claro interesse na liberação de seus serviços em condomínios, assim como a argumentação de que sua plataforma está inserida no escopo do aluguel por temporada, o que é regulamentado e permitido no Brasil, conforme nota da plataforma à imprensa:

"O aluguel por temporada no Brasil é legal, expressamente previsto na lei do inquilinato. O Airbnb está acompanhando o caso mencionado pela reportagem e está comprometido a apoiar o crescimento econômico no Brasil, ajudando proprietários de imóveis a obterem renda extra ao se tornarem anfitriões na plataforma, participando ativamente da economia do turismo com praticidade e segurança. O Airbnb acredita que o diálogo é o melhor caminho para todos. Para mais informações, o Airbnb possui uma página especial com orientações sobre locação por temporada em condomínios." (https://www.migalhas.com.br/quentes/408814/stj-analisa-se-condominio-residencial-pode-proibir-locacao-por-airbnb)

Assim, para verificar a possibilidade de aluguel de curtíssima temporada, intermediado por plataforma digital, é preciso pontuar alguns aspectos. À primeira vista, a lei 4.591/64, aponta:

Art. 10. É defeso a qualquer condômino:

III - destinar a unidade a utilização diversa de finalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossêgo, à salubridade e à segurança dos demais condôminos.

Desse modo, ficaria vedada a utilização do aluguel citado em condomínios que adotam exclusivamente características residenciais, uma vez que a indiscriminada locação por curtos períodos se distingue das definições de residência, que se relacionam ao conceito de permanência, tranquilidade, previsibilidade e sossego,

Nesse espectro, vale citar, que o código civil de 2002 foi alterado em relação a necessidade do quórum de 2/3 para a alteração de natureza da destinação das unidades mobiliárias em condomínios. Assim, fica evidente que o condômino não pode, individualmente, definir qual é o regime da natureza de sua unidade.

Por outra linha de raciocínio, o ministro relator do RECURSO ESPECIAL Nº 1.819.075 - RS, Luís Felipe Salomão, aponta a lei 11.771/2008, que dispões sobre políticas de turismo, cita-se:

Art. 23. Consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual ou coletiva de uso exclusivo de hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados serviços de hospedagem, mediante instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária. (Redação dada pela Lei nº 14.978, de 2024)

§ 1º Os empreendimentos ou estabelecimentos de hospedagem que explorem ou administrem, em condomínios residenciais, a prestação de serviços de hospedagem em unidades mobiliadas e equipadas, bem como outros serviços oferecidos a hóspedes, estão sujeitos ao cadastro de que trata esta Lei e ao seu regulamento.

§ 2º Considera-se prestação de serviços de hospedagem em tempo compartilhado a administração de intercâmbio, entendida como organização e permuta de períodos de ocupação entre cessionários de unidades habitacionais de distintos meios de hospedagem.

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Assim, a mera disponibilização de imóvel na plataforma AIRBNB não configuraria todo conceito do meio de hospedagem, o qual contempla uma gama de serviços completa, que vai além da mera disponibilização do apartamento.

No que tange à legislação vigente, nota-se que não há no ordenamento jurídico brasileiro, leis que regulamentem especificamente o instituto da locação de curtíssima duração, ainda mais exercida por intermédio de startups digitais. Ainda assim, vislumbra-se que, quanto à modalidade de locação, a que mais se assemelharia aos fatos aqui narrados, seria a de locação por temporada, no entanto, não se pode cravar especificamente como tal, uma vez que tal modalidade não prevê os direitos do locador e locatário, da lei abaixo citada, assim como a mesma não prevê a informalidade do aluguel de curtíssima temporada e o fracionamento de espaços compartilhados.

Desse modo, observa-se o exposto na lei 8.245/1991, em especial, a seção II:

SEÇÃO II

Da locação para temporada

Art. 48. Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.

Parágrafo único. No caso de a locação envolver imóvel mobiliado, constará do contrato, obrigatoriamente, a descrição dos móveis e utensílios que o guarnecem, bem como o estado em que se encontram.

Dito isso, aponta-se que a utilização de plataformas como o AIRBNB é válida, no entanto, é preciso verificar a convenção condominial. Não há problemática, por exemplo, para a realização de locação residencial utilizando a plataforma. Agora, caso se utilize do AIRBNB para realização de locações de curtíssima duração, em imóvel unicamente residencial, em desacordo com as normas condominiais, vislumbra-se prejuízo aos demais moradores.

Além de promover o aumento exponencial do trânsito de pessoas desconhecidas no interior do edifício, questões como barulho, festas, rotatividade e uso das áreas comuns vão contra os ideais preceituados em uma edificação unicamente residencial.

Ainda nesse espectro, o aluguel de curtíssima temporada exige profissionais de portaria e segurança diferenciados, além de serviços de limpeza e arrumação permanentes, recepção e zeladoria, que não são compatíveis com os de um condomínio puramente residencial.

Portanto, vislumbra-se que é possível realizar a inserção de imóvel residencial em plataforma digital, para locação. No caso de locação de curtíssimo tempo, no entanto, tal instituto só é possível caso não só a estrutura do empreendimento seja compatível, como também não se caracterize a desconfiguração da característica de imóvel residencial.

Desse modo, caso seja da vontade dos proprietários, deve-se alterar a característica dos imóveis, em assembleia coletiva, com no mínimo 2/3 dos votos, para que se reconfigure e permita a destinação comercial do uso do imóvel. Não sendo isso permitido, não configura abuso ao direito de propriedade que o condomínio restrinja tal tipo de locação, com vistas a garantir o conforto, previsibilidade e segurança dos moradores da edificação.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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