O deputado Luiz Carlos Hauly apresentou uma PEC que implanta, entre nós, o sistema semipresidencialista de governo.
O sistema presidencialista de governo, que incumbe ao Poder Executivo a execução do orçamento anual aprovado pelo Congresso Nacional, desde o advento da emenda individual inserida pela EC nº 86, de 17/3/2015, seguida da emenda de bancada, em 2019, da emenda do relator, em 2022, e, agora, da emenda de comissões, não vem mais atuando em sua inteireza.
A emenda do relator foi declarada inconstitucional pelo STF por afronta ao princípio da transparência, mas, no dia seguinte, ressurgiu sob outra roupagem. Foi incorporada à emenda individual, que passou de 1% para 2% da RCL da União.
Assim, Legislativo e Executivo participam do ato de governar o país, pois governar, afinal, nada mais é do que direcionar a aplicação de recursos financeiros consignados na Lei Orçamentária – LOA –, de iniciativa do Poder Executivo, refletindo o plano de ação governamental para o exercício seguinte ao do envio da respectiva proposta orçamentária ao Congresso Nacional.
Às vezes, o Judiciário também intervém no ato de governar, ao interferir, com frequência cada vez maior, na execução de políticas públicas.
Só para nos situarmos nos episódios mais recentes, o STF determinou que o Executivo apresentasse um plano de combate a incêndios na região amazônica. E, mais recentemente ainda, interveio na política de segurança pública, de exclusiva alçada dos estados, fixando um prazo para a colocação de câmeras corporais nos policiais militares em operações de rua.
Neste último caso, a Suprema Corte violou, simultaneamente, o princípio da independência e harmonia dos poderes e o princípio da autonomia dos entes federados.
A recente Lei Complementar nº 210, de 26/11/2024, estabeleceu diretrizes para a proposição e execução de emendas parlamentares na LOA.
Efetivamente, essa Lei Complementar traz consigo a transparência na execução de despesas públicas, impossibilitando a transferência de recursos da emenda individual por meio de PIX, por exemplo, como ocorria até então.
Mas o problema não está apenas na violação do princípio da transparência fiscal. Essas emendas afrontam não apenas o sistema presidencialista de governo — contornável com a implementação do sistema semipresidencialista, como propõe o autor da PEC —, como também esbarram no princípio federativo, protegido em nível de cláusula pétrea, que assegura a autonomia político-administrativa aos três entes da Federação Brasileira.
Em outras palavras, o semipresidencialismo — ou o semiparlamentarismo, tanto faz — pressupõe a existência da Federação, que é forma de Estado, não se confundindo com o sistema de governo.
A Federação brasileira, desde a primeira Constituição Republicana de 1891, ao contrário da federação americana (federação centrífuga), é de origem centrípeta, isto é, formou-se de dentro para fora: províncias do Império transformaram-se em estados autônomos. Daí o centralismo do poder central.
Esse centralismo da União, na era Vargas, foi levado ao extremo.
A Constituição liberal de 1946 manteve esse centralismo, porém de forma mitigada, passando a ser exacerbado nas duas Constituições que se seguiram (1967/69), durante o regime militar.
A Constituição Cidadã de 1988, igualmente, manteve o centralismo exacerbado da União. Basta ler os arts. 21 e 22 da Constituição, que enumeram, por meio de 56 incisos, as competências administrativas e legislativas da União. O art. 21 contém, ainda, nada menos que 10 alíneas, o que faz desses dois artigos os mais longos da Constituição em vigor.
Esse gigantismo do poder central refletiu-se no poder de tributação, concentrando nas mãos da União sete impostos privativos, além de inúmeras contribuições sociais, cuja arrecadação ultrapassa a dos próprios impostos privativos.
Enquanto isso, estados e municípios dispõem de apenas três impostos privativos cada um, sendo-lhes vedada a instituição de contribuições sociais, ressalvada a contribuição previdenciária para custear benefícios previdenciários de seus servidores públicos.
Dessa forma, é a União quem “dá de comer” a estados e municípios, seja por meio do FPE e do FPM — formados com 50% do produto da arrecadação do IPI e do Imposto de Renda —, seja por meio de transferências voluntárias a obedientes chefes dos Executivos estaduais e municipais.
Agora, essa Federação enfraquecida foi engolida de vez pela União, por meio de uma tresloucada reforma tributária, que retirou do estado o imposto de maior arrecadação, o ICMS, e do município, o ISS, o mais expressivo imposto municipal, fundindo-os no IBS dual, criado pela União e administrado por um Comitê Gestor composto por 54 membros — sendo 27 dos estados e outros 27 dos municípios —, que, por óbvio, serão nomeados pelo governo central.
Como é possível que 5.570 municípios elejam apenas 27 representantes no colegiado criado pela União?
Com essa reforma desatinada, a União aumentou ainda mais o seu centralismo fiscal. Além da CBS, que substitui o IPI e as contribuições sociais sobre o faturamento, passou a contar com o imposto seletivo, completando oito impostos privativos.
Logo, o semipresidencialismo, dentro desse quadro de anomalia da Federação, não trará os resultados almejados pelo autor da proposta, que, ao que tudo indica, busca benefícios próprios: mais dinheiro público para gastar como quiser.
Para dar certo, a Federação deveria ser desfeita, transformando o Brasil em um país unitário, como os países da Europa, de onde foi importado o IVA com o nome de IBS.
A única dificuldade para o restabelecimento do Brasil-Império reside na questão da legitimidade do Imperador a ser empossado.
Mas os benefícios seriam bem maiores, com o enxugamento de órgãos e instituições, resultando em significativa economia de recursos e consequente melhoria da qualidade de vida da população brasileira.
Na teoria, a população brasileira é protegida por três entes federados, mas, na prática, é espoliada por essas três entidades políticas, com impostos cada vez mais escorchantes para custear as benesses dos detentores do poder político.
O deputado Cunha Bueno, grande expoente da Monarquia, conseguiu que, em 1993, fosse realizado um plebiscito no dia 21 de abril, para que a população brasileira optasse entre a República com presidencialismo e a restauração da Monarquia. Antes mesmo da realização do plebiscito, já se sabia o resultado, por obra e graça da mídia financiada pelo governo, a exemplo do que veio a ocorrer com a reforma tributária. Com o passamento do deputado Cunha Bueno, o movimento pró-monarquia caiu no esquecimento.
Porém, o conteúdo material da atual Constituição de 1988 é talhado para a forma unitária de Estado. O certo, portanto, ao invés da PEC do semipresidencialismo, seria restabelecer a monarquia constitucional, que tem dado certo em vários países adiantados. Reduzir-se-ia extraordinariamente o tamanho do Estado, que já não cabe mais dentro do PIB, beneficiando tremendamente a população em geral, em detrimento dos detentores do poder político, que vêm se servindo do Estado.
República vem do latim res publica, que significa “coisa pública” ou “coisa do povo”. Por isso, está proclamado no parágrafo único do art. 1º da CF que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Acontece que temos o maior parlamento do mundo, que custa uma fortuna à nação, e os representantes eleitos exercem o poder em proveito próprio. Isso não é República! Não faz sentido o povo continuar sustentando 513 deputados que legislam em causa própria, como na PEC sob comento, além de produzir, em escala industrial, normas nebulosas, dúbias, confusas e contraditórias, para implantar o caos na ordem jurídica do país.