Capa da publicação Advocacia, tecnologia e o futuro jurídico
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Artigo Destaque dos editores

Da advocacia tradicional à disrupção tecnológica.

Ética, humanização e o futuro da prática jurídica

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3. O Futuro da Advocacia: Integração Tecnológica e Humanizada

A digitalização da advocacia trouxe atualmente avanços significativos, como a otimização de processos da rotina jurídica, o aumento da acessibilidade à informação e a automação de tarefas repetitivas, consultas, entre outros. No entanto, essa transformação levanta um questionamento essencial: até que ponto a tecnologia pode substituir a interação humana sem comprometer a confiança do cliente na advocacia?

Para estas e outras questões que aparentemente mostram uma tensão entre a tecnologia e a humanização, Childs (2016, p.12), é atual ao deixar apresentar a ideia de que “esta tensão advém da forma como nós próprios lidamos com a tecnologia e não com alguma característica autónoma inerente ao domínio tecnológico”.

Entre o advogado, a humanização do atendimento e o uso da tecnologia, não há contradição por natureza. Por isso, o advogado deve entender que sua função transcende a figura de um mero operador técnico da lei por meio da tecnologia. Ele deve atuar como um profissional que lida com dilemas humanos complexos, o que exige um equilíbrio delicado entre a eficiência tecnológica e um atendimento realmente humanizado.

O uso excessivo de ferramentas digitais sem um contato humano adequado pode gerar distanciamento e insegurança. Os clientes que são assistidos pelo profissional, podem sentir falta da empatia e da escuta ativa que um advogado tradicionalmente proporciona. Assim, a tecnologia deve ser um suporte que agrega eficiência e não um substituto da relação interpessoal na advocacia.

Um estudo realizado pela Análise Editorial (2023) demonstrou que 42% dos escritórios de advocacia no Brasil utilizam novas tecnologias para otimizar a gestão de suas operações. Além disso, 29% dos entrevistados afirmam que a maior contribuição da inovação tecnológica é a melhoria no atendimento ao cliente.

Outra pesquisa, dessa vez publicada pelo Valor Econômico em julho de 2024 revelou que 65% dos pequenos escritórios de advocacia estão utilizando soluções de Inteligência Artificial (IA) para automatizar tarefas rotineiras e focar em questões estratégicas. Em contraste, apenas 40% dos grandes escritórios demonstraram o mesmo interesse. A acessibilidade de soluções de IA jurídica gratuitas tem democratizado o acesso à tecnologia avançada, permitindo que até mesmo os menores escritórios se beneficiem de funcionalidades antes restritas a grandes firmas.

De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Portal Consecti em março de 2025, 78% dos profissionais de direito que usam Inteligência Artificial Generativa, a utilizam semanalmente, colhendo frutos como a otimização do tempo em atividades repetitivas, o aprimoramento da qualidade dos documentos legais e um incremento geral na eficiência tanto individual quanto das organizações.

À luz deste cenário, é crucial compreender como as iniciativas digitais podem servir como aliadas e não substitutas da empatia e da escuta ativa na prática jurídica. A capacidade de acolher e compreender as singularidades do paciente não pode ser substituída por sistemas automatizados, conforme expõe Castells (2002), pois é justamente nesse contato pessoal que se constrói a confiança e a efetividade da prestação de serviços jurídicos.

Olhando em retrospectiva para ambos os desafios e oportunidades que a digitalização trouxe, é evidente que a transformação no Direito não pode ser vista como um processo unidimensional, mas sim como um que é multifacetado e continua a exigir mudanças em frentes complementares.

O uso de novas tecnologias, apesar de todos os seus indiscutíveis benefícios operacionais, requer uma reconfiguração da cultura e de uma renovada abordagem ética e humana nas relações jurídicas.

O contexto atual evidencia uma tendência irreversível à digitalização dos serviços jurídicos. Instituições e operadores do Direito vêm incorporando, progressivamente, ferramentas tecnológicas que prometem maior eficiência, precisão e rapidez na gestão da informação. Como salienta Bittar (2018, p. 938):

“diante da tecnologia avançada, da inteligência artificial e da aceleração da vida, entra-se de fato numa nova era de transformações que demandam a revisão integral dos métodos tradicionais de atuação jurídica.”

É importante observar, também, que a automatização também gera desafios, especialmente no que diz respeito ao atendimento ao cliente. Esse cenário exige uma abordagem híbrida, na qual a tecnologia seja utilizada como ferramenta de aprimoramento da relação profissional, e não como um substituto da interação humana, conforme aponta Truzzi (2023),

“Apesar do avanço da digitalização, algumas pessoas ainda têm resistência em relação ao atendimento online. No entanto, a proposta do escritório digital é utilizar a tecnologia para melhorar a vida do cliente, oferecendo um atendimento ágil, prático e eficiente, sem abandonar os valores da advocacia tradicional. “

É importante que esse processo de digitalização e automação seja realizado de forma bastante consciente. São diversas ferramentas disponíveis e ser interrompido em momentos de concentração, horários de recreação, entre outros, é mais fácil do que parece. Uma boa gestão do tempo e uma priorização eficaz seriam vitais em um estilo de prática jurídica onde o profissional está online, mesmo quando não está praticando.

3.1. O Valor do Atendimento Humano

O atendimento humanizado continua sendo um pilar essencial da advocacia, especialmente em situações que envolvem questões sensíveis e complexas. A empatia, a escuta ativa e a capacidade de interpretar as necessidades individuais do cliente são elementos que nenhuma máquina é capaz de replicar integralmente. Castells; Cardoso (2006, p. 26) enfatizam que, “a introdução da tecnologia só por si não assegura nem a produtividade, nem a inovação, nem melhor desenvolvimento humano”.

Em casos que envolvem disputas familiares, direitos fundamentais ou litígios criminais, o contato direto entre advogado e cliente é indispensável. A digitalização pode oferecer praticidade, mas não substitui a necessidade de escuta ativa e empatia. Como aponta Magalhães (2025, p. 3), “o domínio e compreensão dos elementos da comunicação jurídica capacita os operadores do Direito não somente na interpretação normativa, mas também na construção de uma relação efetiva com o cliente”.

A relação entre tecnologia e identidade humana torna-se cada vez mais complexa, pois as inovações tecnológicas delimitam constantemente as fronteiras do que significa ser humano, influenciando nossa percepção sobre nós mesmos e sobre a sociedade (Martins, 2004). O verdadeiro diferencial competitivo do advogado está na sua capacidade de equilibrar eficiência tecnológica e atendimento personalizado, garantindo que a modernização do Direito não comprometa sua dimensão humana.

3.2. O Equilíbrio Necessário: Integração entre Tecnologia e Humanização

A perspectiva humana, que reconhece nuances, contextos e emoções que escapam à análise algorítmica, é insubstituível para a excelência na prestação de serviços jurídicos. A tarefa desafiadora que aguarda a advocacia é navegar pelo espaço entre a eficiência operacional e uma experiência de serviço humanizada.

Embora a tecnologia ofereça inúmeras vantagens, é fundamental que os profissionais do Direito a utilizem de forma consciente, garantindo que ela sirva como uma aliada na construção de relações de confiança e não como uma barreira.

Childs (2016) ressalta que “a tecnologia não apenas transforma a sociedade de forma positiva, mas também pode criar barreiras nas relações humanas, afastando as pessoas umas das outras”. Isso significa que cabe aos profissionais do Direito decidirem como integrar as novas ferramentas à sua prática, garantindo que a automação não comprometa a escuta ativa e a personalização no atendimento. O advogado deve, portanto, discernir quais momentos exigem um atendimento digital ágil e quais demandam um contato mais próximo, garantindo que a tecnologia seja utilizada para aprimorar, e não substituir, a relação de confiança com o cliente.

O autor Childs (2016, p. 9), demonstra ainda maior assertividade ao esclarecer que é o ser humano quem determina o uso da tecnologia e suas consequências, pois a tecnologia, por si só, não gera efeitos inerentes, conforme explicita:

“Por oposição ao Pessimismo Tecnológico, há autores que defendem que o que conduz a esta desumanização aparentemente inerente ao avanço tecnológico não é a tecnologia em si e sim o uso que lhe é dado, a forma como nós lidamos com ela, acreditando, em suma, que o que torna a tecnologia anti-humanista, isto é, não centrada no ser humano, são os próprios seres humanos e não a tecnologia; a capacidade de mudar está, desta forma, nas nossas mãos.”

Embora a digitalização e a incorporação de novas tecnologias representem avanços significativos na eficiência dos serviços, é fundamental que o advogado não perca de vista a importância do acolhimento e da comunicação pessoal. É neste contexto que DE PAULA, Juliana (2023) afirma:

“A advocacia humanizada constrói uma relação de confiança com o cliente, permitindo visualizar com clareza não somente a sua necessidade, mas também todas as formas variáveis envolvidas, resultando em um planejamento capaz de alcançar os objetivos propostos com maior eficiência.”

O êxito na prática jurídica repousa na capacidade de integrar essas duas dimensões de forma harmônica, garantindo que a modernização tecnológica potencialize, e não substitua, a relação de confiança que caracteriza a verdadeira prestação de assistência jurídica.

De acordo com Bittar (2018) e Magalhães (2025), os profissionais de Direito devem combinar uma sólida compreensão das inovações tecnológicas com uma abordagem humanizada. Em outras palavras, o advogado do século XXI precisa integrar esses dois aspectos para aprimorar sua prática jurídica por meio das ferramentas digitais, sem perder o compromisso com um atendimento ético, acolhedor e focado nas necessidades individuais de seus clientes.

Embora o mundo jurídico possa ter dificuldades com a tecnologia, uma vez que o escritório do futuro ainda não está definido, humanizar o serviço é sempre um pilar da prática jurídica. A interação direta entre advogado e cliente é insubstituível, especialmente quando se considera a complexidade e a sensibilidade dos casos. A transformação digital possibilita uma comunicação mais rápida e eficiente, porém, não dispensa o valor do contato humano.

Truzzi (2023) traz uma definição exemplar do escritório digital, quando diz “a proposta do escritório digital é utilizar a tecnologia para melhorar a vida do cliente, oferecendo um atendimento ágil, prático e eficiente, sem abandonar os valores da advocacia tradicional”.

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O escritório ele deve agregar comodidade, ética, atendimento cuidadoso e em horários mais personalizados. Contudo, sem perder de vista a seriedade, qualidade e ética que permeiam e devem permear a atividade do advogado. Segundo Borges (2023):

“O profissional do direito necessita entender que não se trata, friamente, somente de um instrumento de aplicação da lei e garantia de direitos, mas sim que está a representar pessoas, seres humanos, que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade e inquietude.”

Portanto, é possível utilizar plataformas digitais para agilizar a forma como se contacta clientes e lhes são encaminhadas informações, mas o tempo para o diálogo e compreensão é essencial, já que cada cliente é único e possui um contexto diferente. Essa integração é decisiva para que a prática do Direito continue sendo humanizada e, ao mesmo tempo, eficiente diante das exigências contemporâneas.

3.3. Segurança Cibernética e Proteção de Dados

A segurança cibernética emerge como um tema central na era digital, sobretudo para escritórios que lidam com informações confidenciais e sensíveis dos clientes. A necessidade de implementar medidas que previnam ataques cibernéticos e violações de dados é cada vez mais urgente.

Os avanços tecnológicos proporcionam um ambiente de trabalho mais ágil, mas também ampliam as vulnerabilidades de sistemas que, se não forem devidamente protegidos, podem resultar em danos significativos tanto para os profissionais quanto para os clientes.

A implementação de políticas internas de segurança, a adoção de firewalls, sistemas de antivírus e a realização de backups regulares são ações imprescindíveis para a proteção do ambiente digital. Segundo o portal E-Direito (2023), é obrigação do advogado:

“Salvaguarda da confidencialidade: Os escritórios de advocacia têm a obrigação fundamental de manter a confidencialidade das informações dos clientes. Eles devem implementar medidas razoáveis para proteger os dados do cliente contra acesso, divulgação ou manuseio não autorizado. Isso inclui proteger sistemas eletrônicos, implementar controles de acesso e empregar criptografia quando apropriado.”

A digitalização da advocacia é um processo irreversível, mas sua implementação precisa ser orientada por valores éticos e humanizados. A automatização de tarefas e o uso de inteligência artificial são ferramentas poderosas, mas nenhuma delas pode substituir o que um advogado faz de melhor: ganhar confiança, ouvir e ter um compromisso com a justiça.

O advogado do futuro não será aquele que apenas domina as novas tecnologias, mas aquele que souber utilizá-las para fortalecer, e não enfraquecer, o relacionamento com seus clientes. Diante desse cenário, surge uma questão fundamental: estamos utilizando a tecnologia para garantir a justiça ou apenas para tornar o processo jurídico mais fácil?


Considerações Finais

O equilíbrio estratégico entre tecnologia e humanidade consolida-se como o ponto focal para um novo paradigma na advocacia. A adaptabilidade dos profissionais, aliada a uma visão estratégica e a um compromisso ético, é crucial para transformar os desafios da era digital em oportunidades de crescimento e aprimoramento. Assim, a transformação digital transcende a mera obtenção de ganhos operacionais, constituindo-se em um vetor de revolução cultural no campo do Direito.

Entre os anos de 1980 e 2025, a migração dos métodos tradicionais para recursos digitais provocou uma revolução na prática jurídica brasileira, conferindo avanços expressivos na eficiência da pesquisa, na automação dos processos e na democratização do acesso à informação.

Todavia, tais inovações trazem à tona desafios complexos que vão desde a implementação de medidas robustas de segurança cibernética até a necessidade premente de valorizar o atendimento humanizado. Para o advogado contemporâneo, a capacitação contínua, a atualização tecnológica e a conscientização quanto à proteção dos dados dos clientes são imperativos incontornáveis, que se somam à capacidade de oferecer um acolhimento diferenciado.

A integração de novas ferramentas tecnológicas deve, necessariamente, ser acompanhada de uma reflexão ética permanente e de uma estratégia de modernização que preserve o atendimento personalizado. A humanização do atendimento, com foco no acolhimento do cliente/paciente, emerge como um diferencial estratégico, permitindo uma compreensão mais profunda e sensível de suas demandas e necessidades.

A transformação digital na advocacia representa uma oportunidade histórica para reconfigurar a prática jurídica. Essa reconfiguração visa não apenas ganhos de eficiência e maior acessibilidade à justiça, mas também a manutenção dos valores humanos fundamentais que sustentam o exercício do Direito, com ênfase na escuta atenta e na empatia.

A história do Direito é marcada por transformações contínuas, e os desafios atuais, embora significativos, não são inéditos nem insuperáveis. Essa capacidade de adaptação e evolução é, sem dúvida, um dos fatores que tornam o Direito uma área tão fascinante e essencial para a sociedade.

Em suma, o trabalho demonstrou que, apesar das inovações tecnológicas que transformam a advocacia, a humanização no atendimento e a ética permanecem como pilares essenciais para a prática jurídica eficaz. O sucesso na era digital exige dos operadores jurídicos uma postura de constante aprendizado e adaptação, embasada em princípios éticos rigorosos e em investimentos contínuos em infraestrutura tecnológica. Somente dessa forma será possível transformar os desafios impostos pelas inovações digitais em fundamentos para a construção de um sistema jurídico mais justo, sem jamais negligenciar o valor intrínseco do contato humano e da compreensão das particularidades de cada cliente.

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Sobre o autor
Bernardino Soares de Oliveira Cunha

Acadêmico de Direito (Centro Universitário UMA em Belo Horizonte/MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Bernardino Soares Oliveira. Da advocacia tradicional à disrupção tecnológica.: Ética, humanização e o futuro da prática jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7965, 22 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113218. Acesso em: 5 dez. 2025.

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