Resumo: Este artigo mergulha na profunda transformação que a advocacia vem experimentando com a digitalização, desde a pesquisa jurídica automatizada até a inteligência artificial. A análise aborda a evolução da pesquisa jurídica, os desafios éticos no uso da tecnologia e a necessidade urgente de equilibrar inovação com o atendimento humanizado. Descubra como a Lei de Acesso à Informação impulsionou a transparência, enquanto a segurança cibernética se tornou uma prioridade. O texto explora a redefinição do papel do advogado, que deve integrar habilidades tecnológicas e sensibilidade humana. Prepare-se para uma reflexão essencial sobre o futuro da profissão, onde a tecnologia aprimora, mas não substitui, a empatia e a busca pela justiça. Um debate instigante sobre como garantir que a inovação sirva à sociedade, sem comprometer os valores que sustentam o Direito.
Palavras-chave: Advocacia digital. Inovação Jurídica. Ética. Acesso à informação. Humanização. Transformação Digital
Sumário: Introdução. 1. A Evolução da Pesquisa Jurídica: Do Manuscrito ao Digital. 1.1. A Pesquisa Jurídica na Era Pré-Digital (1980-2000). 1.2. O Impacto da Internet na Disseminação da Informação Jurídica. 1.3. A Consolidação da Era Digital: Lei de Acesso à Informação, Velocidade e Abrangência (2010-2025). 2. A Transformação da Advocacia na Era Digital – Desafios e Oportunidades. 2.1. A Transição Histórica e a Evolução do Perfil do Advogado. 2.2. Transformação das Ferramentas e Práticas Profissionais. 2.3. A Inovação Jurídica e a Redefinição do Escritório de Advocacia. 3. O Futuro da Advocacia: Integração Tecnológica e Humanizada. 3.1. O Valor do Atendimento Humano. 3.2. O Equilíbrio Necessário: Integração Entre Tecnologia e Humanização. 3.3. Segurança Cibernética e Proteção de Dados. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A advocacia tem passado por transformações significativas com o avanço da tecnologia, incluindo a digitalização de processos, o uso da inteligência artificial e a automação de tarefas da advocacia, tornando a prática do direito mais dinâmica e acessível.
Mas também surgem preocupações quanto à manutenção do serviço personalizado, ao uso ético das ferramentas tecnológicas e aos desafios de adaptação enfrentados pelos profissionais diante dessa realidade. Além dos benefícios, a digitalização da advocacia traz desafios, como a necessidade de adaptação profissional, o uso ético da tecnologia e a manutenção do atendimento humanizado, que continua essencial para a prática jurídica eficaz.
Este estudo visa conceituar a transformação do desempenho do direito na era digital, desde a pesquisa jurídica tradicional até as consequências da automação no cotidiano dos advogados. Também será abordada a evolução da pesquisa jurídica, os impactos da digitalização na profissão e a importância da humanização no atendimento ao cliente.
Apesar dos avanços tecnológicos, a prática do direito deve preservar sua característica humanista, garantindo que a eficiência e a acessibilidade não comprometam a qualidade do atendimento jurídico.
O futuro da profissão depende da capacidade contínua dos advogados de integrar inovação com ética: garantir que a tecnologia seja uma aliada, e não um impedimento, na busca pela justiça.
1. A Evolução da Pesquisa Jurídica: do Manuscrito ao Digital
A consolidação da escrita representou um avanço essencial para o desenvolvimento das estruturas jurídicas e do pensamento sistemático. Nessa perspectiva, Castells (2002, p. 413) destaca que “a criação do alfabeto na Grécia, por volta de 700 a.C., foi um marco decisivo para a evolução da filosofia e da ciência ocidental, conforme argumentam estudiosos como Havelock."
A tecnologia sempre esteve presente na evolução da humanidade, sendo um elemento essencial para o progresso. Childs (2016) ressalta que o desenvolvimento humano sempre esteve atrelado à inovação, e a pesquisa jurídica não é exceção. O avanço das tecnologias digitais não apenas otimiza o acesso às informações, mas também impõe desafios quanto à curadoria e à confiabilidade das fontes.
Os mitos de uma tecnologia que um dia descarta o ser humano, sempre são despertados em momentos de transformação. E no mundo jurídico não é diferente. O brilhante autor Thomas Childs (2016. P.8), denomina esse pensamento de pessimismo tecnológico.
“Em primeiro lugar, podemos considerar uma visão negativa da relação entre tecnologia e humanidade, que, por conveniência terminológica, apelidarei de Pessimismo Tecnológico. Esta forma de encarar a tensão descrita defende, de um modo geral, que a tecnologia e a humanidade (o que define o ser humano enquanto tal, como ficou estabelecido em cima) são incompatíveis e que não há nada que possa ser feito para resolver ou suavizar esta tensão, para além de uma postura de resignação perante o estado atual da sociedade. Esta é uma visão partilhada por muitos pensadores e filósofos, dos quais destaco Jacques Ellul, Landon Winner e Oswald Spengler.”
E no mundo jurídico não é diferente. Há quem diga que o advogado será desnecessário, que se trata de uma profissão que será substituída pelas máquinas. No entanto, é importante verificar que a humanidade se reinventa a todo instante, necessariamente não se trata de algo já existiu, mas existiu de outra forma ou símbolo. Como bem diz Castells (2002, p. 459),
"Portanto, quando os críticos da mídia eletrônica argumentam que o novo ambiente simbólico não representa a 'realidade', eles implicitamente referem-se a uma absurda ideia primitiva de experiência real 'não codificada' que nunca existiu. Todas as realidades são comunicadas por intermédio de símbolos. E na comunicação interativa humana, independentemente do meio, todos os símbolos são, de certa forma, deslocados em relação ao sentido semântico que lhes são atribuídos. De certo modo, toda realidade é percebida de maneira virtual."
Portanto, o meio de comunicação e organização social, não é um fenômeno exclusivo do nosso tempo. As sociedades ao longo da história, desenvolveram formas tecnológicas de representação e transmissão da realidade, conforme Castells (2002). Assim, a tecnologia sempre existiu, ainda que de formas distintas, adaptando às necessidades culturais e sociais de cada período. O que temos hoje é uma ampliação dessas dinâmicas, acelerando a comunicação e alterando a própria noção de tempo e espaço.
1.1. A Pesquisa Jurídica na Era Pré-Digital (1980-2000)
Até o alvorecer do século XXI, a pesquisa jurídica se caracterizava por sua natureza eminentemente manual, com o acesso à informação circunscrito a espaços físicos como bibliotecas, arquivos públicos e tribunais. É o que aponta Segundo Sambaquy (1978, p. 52):
“Como se sabe, as Bibliotecas surgiram, há muito tempo, como parte integrante dos mais antigos templos e palácios reais, quando o homem começou a registrar e documentar suas descobertas, invenções, emoções e ideias. Desde então, as informações registradas, de alguma maneira, em qualquer tipo de material disponível, conforme a época, passaram a ser, naturalmente, reunidas, organizadas e conservadas para uso dos homens de pensamento e guardadas para a posteridade.”
A consulta a acórdãos, pareceres e demais documentos relevantes invariavelmente demandava visitas presenciais aos tribunais, transformando o processo de pesquisa em uma atividade dispendiosa em termos de tempo e recursos.
A materialidade do conhecimento jurídico exigia paciência e persistência. A pesquisa era morosa e demandava conhecimento prévio sobre os sistemas de indexação da época, pois a busca por um julgado específico ou por um artigo doutrinário relevante poderia levar horas ou até dias.
A necessidade de organização e sistematização da informação jurídica não é uma preocupação recente. Mesmo antes da era digital, já havia um esforço para transformar bibliotecários em técnicos da informação, buscando maior eficiência na recuperação de dados, como aponta Lima (1972. P. 213),
“Para passar de conservador de livros, como foi considerado, a técnico da organização de bibliotecas e, principalmente, a incentivador do uso de livros como instrumento de informação, o Bibliotecário levou mais de 20 séculos — da Antiguidade ao Século 20. Entretanto, nos últimos 20 anos, viu-se de repente transformado em documentarista e mais recentemente em técnico da informação, uma vez que o crescimento tecnológico [...]”
Ainda remetendo à Lima (1972), a falta de acesso à informação organizada e de recuperação rápida era vista, inclusive, como causa e efeito do subdesenvolvimento do Brasil na década de 70. Se antes havia a necessidade de organização e sistematização de todo o arcabouço jurídico produzido diariamente no Brasil, hoje não é diferente. Novamente Sambaquy (1978, p. 55), revela que a automação se apresentava como a grande solução para os trabalhos bibliotecários, de documentação e informação.
Castells (2002) já falava, há mais de vinte anos, sobre como a tecnologia da informação vem mudando a forma como as sociedades se organizam. Ele explica que esse novo modelo tecnológico tem alterado a produção e o compartilhamento de informações, criando impactos em várias áreas, inclusive no Direito. Com essa transformação, os profissionais da advocacia precisam se adaptar, já que a digitalização dos processos jurídicos está se tornando cada vez mais comum.
Alteraram-se o meio, mas a busca pelo acesso com facilidade à informação ainda é presente na sociedade. O que parece claro, no entanto, é que as ideias do século XX não são mais adequadas, como bem descreve Hogemann (2018). Diante das limitações inerentes ao acesso e à organização dos documentos físicos, surgem desafios significativos que evidenciam a necessidade de uma transformação para os métodos digitais, conforme será explorado a seguir.
Apesar de seu valor histórico, a pesquisa jurídica na era pré-digital era limitada pelo acesso restrito a documentos físicos e pela rápida obsolescência das informações. Ela enfrentava desafios significativos devido à dificuldade de acesso e à obsolescência das informações. O acesso a materiais específicos era frequentemente restrito a grandes centros urbanos ou bibliotecas especializadas, o que dificultava a pesquisa para profissionais em regiões remotas ou com recursos limitados. Essa limitação impedia o acesso a jurisprudências, legislação e processos arquivados, exigindo deslocamentos físicos aos tribunais, o que tornava o processo lento, custoso e dependente da disponibilidade de horários e da organização dos arquivos.
Além disso, a rápida atualização das normas jurídicas, combinada com a morosidade na divulgação das decisões judiciais e as dificuldades em acompanhar as mudanças jurisprudenciais, gerava defasagem da informação e insegurança jurídica. A atualização dependia da aquisição constante de novas edições de livros e códigos, o que era financeiramente inviável para muitos. A organização e o armazenamento de documentos físicos também representavam um obstáculo prático, demandando espaço físico e tempo para a localização de informações.
O advento da internet e a popularização dos computadores nas décadas de 1980 e 1990 prenunciaram uma nova era para a pesquisa jurídica, marcada pela automação e pela digitalização da informação. É o que vemos em artigo escrito por Borja (1996, p. 10):
“O sistema exigirá deles um maior grau de responsabilidade, pois não estarão controlados como nos centros de educação convencionais. Cada estudante será responsável pelo seu próprio aprendizado, terá todas as informações necessárias, a rede informática, o CD-ROM, a Internet e os novos softwares, constituídos em ferramentas de aprendizado, lhes abrirão horizontes inexplorados para suas tarefas educativas. O disco compacto, capaz de concentrar uma imensa quantidade de informações em forma de texto, imagem, gráficos e som, permitirá ao estudante "navegar" pelas suas informações.
As primeiras bases de dados digitais e os CD-ROMs jurídicos surgiram como alternativas promissoras aos métodos tradicionais, oferecendo aos profissionais do Direito um acesso mais rápido e eficiente a um volume crescente de informações.
Em abril de 2002, o Senado anunciava o lançamento do CD-Rom com 17 mil referências na área de direito. Na época reuniram 71 mil documentos produzidos em 21 anos anteriores. É o que nos mostra matéria do Senado:
[...] Senado preparou edição especial em CD-ROM da Bibliografia Brasileira de Direito (BBD), que reúne referências bibliográficas na área de 1980 a 2001. Praticamente toda a produção de leis, pareceres jurídicos, artigos e outros textos afins do período estão registrados na publicação, que contém cerca de 71 mil documentos. (SENADO FEDERAL, 2022)”
Entre 1980 e 2001, conforme verificado acima, o acervo da biblioteca do Senado cresceu para 71 mil documentos. Atualmente, a Biblioteca Digital do Senado conta com 340 mil documentos, conforme informações disponibilizadas pelo Senado Federal ([s.d.]). Igualmente inovadores à época eram sistemas particulares, como a LexisNexis, que atua há mais de 40 anos na área de processamento e análise de big data (LEXISNEXIS, [s.d.]), e outras iniciativas locais passaram a disponibilizar coleções legislativas e jurisprudenciais em formato digital, permitindo aos usuários realizarem buscas por palavras-chave, por temas e por outros critérios relevantes, sem a necessidade de consultar manualmente os livros e arquivos.
Outro momento importantíssimo na digitalização foi a promulgação da Lei n. 11.419/2006. Conforme relatado por Muller, Melo, Sewald e Rotta (2014, p. 16), a criação da Lei 11.419, em 19 de dezembro de 2006, que regula a digitalização do processo judicial, define a estrutura legal para o uso de meios eletrônicos no processamento de processos civis, criminais e trabalhistas. Como observam os autores, a evolução das tecnologias de informação, juntamente com essa lei, permitiu a legalização do tribunal digital, que proporcionou serviços jurídicos mais rápidos, baratos e sem papel.
O avanço da internet transformou radicalmente o acesso à informação jurídica, possibilitando que advogados, acadêmicos e operadores do Direito tenham contato imediato com decisões judiciais, doutrinas e debates especializados. Conforme Castells (2002), a era digital promoveu uma reorganização do conhecimento, permitindo maior interatividade e descentralização na produção e no compartilhamento de informações. A disseminação de conteúdos jurídicos por meio de plataformas virtuais, fóruns de discussão, bibliotecas virtuais, de repositórios digitais e bancos de dados contribuiu para tornar o conhecimento mais acessível e atualizado, reduzindo a dependência dos tradicionais meios físicos.
1.2. A Consolidação da Era Digital: Lei de Acesso à Informação, Velocidade e Abrangência (2010-2025)
A partir da década de 2010, a pesquisa jurídica no Brasil experimentou uma transformação ainda mais profunda, impulsionada pela popularização dos portais jurídicos e dos tribunais online. Instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os tribunais estaduais passaram a disponibilizar seus acórdãos, súmulas e outros documentos relevantes em formato digital, permitindo aos usuários acessarem a jurisprudência dos tribunais de forma rápida, fácil e gratuita.
Portais jurídicos privados, como JusBrasil e Consultor Jurídico (ConJur), oferecem um vasto acervo de informações, incluindo notícias, artigos e jurisprudência. Essas plataformas revolucionaram a forma como os profissionais do Direito acessam e atualizam seus conhecimentos.
A transição da pesquisa jurídica do meio físico para o digital representou um marco significativo na democratização do acesso à informação. Se antes o conhecimento jurídico estava restrito a bibliotecas especializadas, tribunais e arquivos físicos, hoje ele está amplamente disponível em plataformas online, bases de dados e portais jurídicos. Essa transformação trouxe inúmeros benefícios, como a rapidez na obtenção de informações, a ampliação das fontes de pesquisa e a possibilidade de consulta remota.
No entanto, a digitalização também trouxe novos desafios. O excesso de informações disponíveis pode dificultar a filtragem de fontes confiáveis, especialmente diante da disseminação de conteúdos jurídicos sem a devida curadoria acadêmica. Além disso, o acesso a determinadas bases de dados ainda é condicionado a assinaturas pagas, o que gera uma nova forma de desigualdade no acesso ao conhecimento jurídico.
Nesse contexto, a Lei de Acesso à Informação (LAI), promulgada em 2011, tornou-se um divisor de águas ao estabelecer o princípio da transparência e garantir o direito dos cidadãos ao acesso a dados públicos. Jardim (2013. P. 387), descreve que é fundamento da LAI o tenha pleno uso social:
“O fundamento da LAI é a primazia da transparência do Estado sobre a opacidade. Para tal, as condições de acesso à informação arquivística governamental devem ser garantidas ao cidadão. Trata-se, neste caso, de cumprir o disposto no parágrafo 2º do artigo 216 da Constituição Federal: “Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem”. A gestão da informação governamental é, portanto, um requisito básico para que a LAI tenha pleno uso social.”
Com a obrigatoriedade da disponibilização de informações governamentais, incluindo decisões judiciais e atos administrativos, a LAI consolidou a pesquisa jurídica digital como um instrumento de controle social e de fortalecimento da democracia.
Assim, percebe-se que, embora a digitalização tenha modernizado a pesquisa jurídica e ampliado seu alcance, o desafio atual não é apenas acessar a informação, mas também saber interpretá-la criticamente, diferenciando fontes seguras e compreendendo as implicações jurídicas de um mundo cada vez mais automatizado. Dessa forma, a evolução da pesquisa jurídica continua em andamento, exigindo dos profissionais do Direito uma constante adaptação às novas tecnologias e às novas formas de organização do conhecimento jurídico.
2. A Transformação da Advocacia na Era Digital – Desafios e Oportunidades
O impacto do processo de transformação digital na advocacia é profundo, exigindo por consequência, que os profissionais se adaptem a novas tecnologias e redefinam sua forma de atuação. Segundo Truzzi (2023), “Na área da advocacia, as mudanças no comportamento das pessoas em resposta à evolução tecnológica trouxeram a necessidade de inovação, resultando no surgimento do escritório de advocacia digital”. Essa reinvenção não se limita à adoção de novas ferramentas, mas envolve uma mudança estrutural na forma como advogados pesquisam, atendem clientes e conduzem processos. O chamado ‘advogado digital’ não apenas utiliza sistemas tecnológicos, mas incorpora inteligência artificial, análise de dados e comunicação online como parte essencial de sua prática jurídica.
2.1. A Transição Histórica e a Evolução do Perfil do Advogado
No passado, a advocacia dependia fortemente de práticas tradicionais, como consultas a códigos impressos e petições datilografadas. A introdução da transmissão eletrônica de dados pela Lei nº 9.800/1999 representou um dos primeiros passos na informatização do setor. Posteriormente, a Medida Provisória nº 2.200/2001 regulamentou a assinatura eletrônica, e a Lei nº 11.419/2006 consolidou a digitalização do processo judicial. Essas mudanças permitiram que o advogado passasse de um profissional restrito ao meio físico para um operador jurídico integrado ao ambiente digital.
Hoje, a convivência entre diferentes gerações de advogados promove um intercâmbio de experiências, no qual o conhecimento tradicional é fortalecido pelo uso das novas tecnologias. A transição da advocacia tradicional para a era digital exigiu não apenas a adoção de novas ferramentas, mas também uma reestruturação da forma como o conhecimento jurídico é organizado e acessado. Como afirmava Atienza (1979, p. 19):
“[...] a reunião, análise e indexação da doutrina, da legislação (leis, decretos, decretos-leis, atos, resoluções, portarias, projetos de leis ou de decretos legislativos ou de resoluções legislativas, ordens internas, circulares, exposições de motivos etc.), da jurisprudência (acórdãos, pareceres, recursos, decisões etc.) e de todos os documentos oficiais e atos normativos ou administrativos.”
Esta citação, extraída de um estudo pioneiro na documentação jurídica, ressalta a importância do rigor metodológico mesmo diante das inovações tecnológicas. Para que a advocacia do futuro se desenvolva de forma sustentável, é necessário que os profissionais possam dialogar com o passado, entendendo as raízes dos métodos tradicionais e integrando-os ao universo digital. Essa dualidade constitui o grande desafio de transformar a prática do Direito, unindo tradição e inovação.
Com base nas informações de Cabral e Pasitto (2023), esse processo teve continuidade com a edição da Medida Provisória nº 2.200/2001, que regulamentou o uso da assinatura eletrônica em petições. Posteriormente, a Lei nº 11.419/2006 estabeleceu a informatização dos procedimentos judiciais, marco relevante para a digitalização do processo judicial. Essa norma foi significativamente alterada pela Lei nº 13.793/2019, que ampliou suas disposições e reforçou a transição para o ambiente digital no âmbito jurídico.
Essa pluralidade de perfis evidencia uma trajetória evolutiva que vai do acesso restrito e linear de informações aos métodos dinâmicos e multifuncionais promovidos pelos recursos digitais. A convivência entre gerações de advogados permite não apenas a troca de experiências, mas também a promoção de uma cultura de inovação, na qual o conhecimento tradicional é potencializado pelas novas tecnologias.
2.2. Transformação das Ferramentas e Práticas Profissionais
A transformação digital não envolve apenas a modernização das ferramentas, mas também impacta a forma como o Direito é comunicado e interpretado no ambiente digital. No ambiente digital, essa linguagem assume novas formas, exigindo clareza, objetividade e domínio das ferramentas de comunicação eletrônica, que vão desde petições eletrônicas até o uso de linguagem visual no Direito. De acordo com Bertho e Sanches (2015, p. 574):
“Para o advogado, entretanto, tudo é linguagem: é esse o único instrumento de que ele dispõe para tentar convencer, refutar, atacar ou defender-se. Também é na linguagem que se concretizam as leis, as petições, as sentenças ou as mais ínfimas cláusulas de um contrato que não passam, no fundo, de normas peculiares de textos que o advogado terá de redigir ou interpretar. O profissional do Direito, desse modo, precisa conhecer os principais recursos do idioma para que, assim, seja um usuário privilegiado da língua portuguesa.”
Paralelamente, o armazenamento e a gestão documental se transformaram. A digitalização dos arquivos e o uso de nuvens de armazenamento proporcionam segurança e praticidade ao acesso aos processos e documentos jurídicos. A possibilidade de se acessar informações em tempo real, independentemente da localização geográfica do profissional, reforça a importância da adaptação às novas tecnologias para manter a competitividade no mercado.
A segurança da informação tornou-se uma preocupação central na advocacia digital, especialmente após a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que impõe obrigações rigorosas para o tratamento de dados pessoais. Para se adaptar a esse cenário, advogados e escritórios podem adotar práticas como:
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Utilizar criptografia em comunicações sensíveis e armazenamento de documentos.
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Implementar autenticação de dois fatores para acesso a sistemas jurídicos.
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Utilizar redes privadas virtuais (VPNs) ao trabalhar remotamente.
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Estabelecer políticas internas de privacidade e boas práticas de proteção de dados.
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Realizar treinamentos periódicos sobre segurança cibernética e riscos de ataques digitais.
Além disso, escritórios podem investir em softwares jurídicos certificados que garantam conformidade com a LGPD, reduzindo vulnerabilidades no manuseio de dados de clientes. Segundo Ludgero (2024):
“A segurança da informação é uma preocupação primordial na advocacia digital. Garantir a privacidade e proteção dos dados dos clientes é fundamental para manter a confiança e cumprir os requisitos legais. Investir em tecnologias seguras e treinar a equipe sobre boas práticas de segurança são medidas importantes.”
Outro desafio importante é a necessidade de constante atualização e capacitação dos profissionais. Muitos advogados, sobretudo aqueles que construíram suas carreiras em ambientes predominantemente analógicos, encontram dificuldades para adaptar-se às novas ferramentas e metodologias digitais. Essa lacuna de conhecimento pode acarretar uma redução na qualidade do serviço prestado ou, inclusive, a perda de competitividade no mercado.
A integração dos meios digitais à prática jurídica impõe uma série de desafios éticos que exigem reflexão e postura responsável. A facilidade de comunicação e o acesso quase ilimitado à informação podem levar, inadvertidamente, a práticas que comprometem a confidencialidade e a segurança dos dados processuais. O advogado, ao utilizar plataformas digitais, deve estar ciente dos limites éticos que regem o sigilo profissional e a proteção das informações dos clientes. Neste sentido, Ensinam Bertozzi e Bucco (2017, p.56-57apud COUTINHO & SANT’ANNA, 2024, p. 357)) ensinam que:
“Estatisticamente as redes sociais para a advocacia não funcionam como captação nem que se quisesse fazer isto, porém como reforço de imagem e da marca jurídica individual e coletiva a que defende. (...) ganhar relevância na mente nas pessoas com o poder do capital intelectual e a capacidade de inovar em mercados jurídicos saturados (...) o efeito a ser desejado é o do boca a boca, mais pessoas falando do seu nome e assim o busquem para um consulta. Desta forma em nada fere o código de ética.”
Outro ponto relevante refere-se à utilização de algoritmos e inteligência artificial na análise das informações jurídicas. Apesar de tais ferramentas oferecerem vantagens em termos de agilidade e precisão, existe o risco de que sua utilização desprovida de um critério ético possa minar o papel do advogado como intérprete do Direito.
As considerações éticas na defesa digital devem estender-se à necessidade de transparência e responsabilidade na partilha de informações. À medida que os dados atravessam os limites dos sensores e a distinção entre público e privado continua a erodir-se, cabe aos advogados implementarem as medidas que garantam a veracidade e a fidelidade das informações divulgadas.
Nem advogados nem escritórios de advocacia estão impedidos de atuar através das redes sociais, desde que as publicações estejam dentro dos limites impostos pelo Código de Ética e Disciplina da OAB e pelo Provimento 205/2021. Chatbots, ou robôs de resposta automatizada, são permitidos para melhorar o fluxo de comunicações e otimizar o atendimento de clientes individuais. Um site simples também pode ser mantido para fornecer informações básicas aos clientes, aceitar o envio de informações e documentos de forma organizada.
Aprofundando um pouco mais verificamos que tão pouco são permitidas publicações sobre sentenças e decisões favoráveis nos processos judiciais ou administrativos, destaco o Provimento Nº 205/2021 da OAB:
“Art. 4º, § 2º. Na divulgação de imagem, vídeo ou áudio contendo atuação profissional, inclusive em audiências e sustentações orais, em processos judiciais ou administrativos, não alcançados por segredo de justiça, serão respeitados o sigilo e a dignidade profissional e vedada a referência ou menção a decisões judiciais e resultados de qualquer natureza obtidos em procedimentos que patrocina ou participa de alguma forma, ressalvada a hipótese de manifestação espontânea em caso coberto pela mídia.”
No entanto, é fundamental observar que a promoção de serviços jurídicos por meio de publicidade paga ou impulsionada é vedada, garantindo a conformidade com as normas da profissão. Novamente é importante trazermos aqui limites dessa configuração do escritório do advogado. É o que verificamos no Acórdão da APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006332-56.2018.4.04.7100/RS, em que a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por meio do voto da desembargadora Vânia Hack de Almeida, que enfatizou:
“Restou evidenciada, portanto, a conduta ilícita por parte dos réus ao se valerem de estrutura jurídica de sociedade empresarial não submetida à fiscalização da OAB para captar clientes a partir de publicidade inidônea a tanto de acordo com as vedações normativas acima referenciadas.”
Uma postura ética não apenas fortalece a confiança dos clientes e dos colegas de profissão, mas também contribui para a legitimação de um sistema jurídico mais justo e transparente.
2.3. A Inovação Jurídica e a Redefinição do Escritório de Advocacia
A revolução digital tem alterado não somente o perfil dos profissionais, mas também a estrutura dos escritórios de advocacia. Tradicionalmente, os escritórios foram concebidos como espaços físicos fixos, dotados de salas de reunião, despachos e amplos arquivos de documentos. Segundo Truzzi (2023):
“A imagem tradicional de um escritório de advocacia, com armários cheios de documentos e pilhas de papéis acumulando sobre as mesas, está sendo substituída por um ambiente virtual onde os arquivos físicos dão lugar a documentos digitais e o atendimento presencial é substituído por consultas e reuniões online.”
Esta nova formação organiza a rotina de trabalho de uma forma que reduz os custos operacionais, aumenta a flexibilidade e integra as equipes em diferentes locais. No entanto, fazer parte da realidade digital cria uma possibilidade de reunião virtual entre vários atores, incluindo vários atores de informação que precisam saber de coisas para fazer coisas acontecerem.
Assim, a reconceitualização do escritório transcende a fronteira física, incorporando uma mudança de paradigma cultural dentro das organizações, que abrange eficiência, adaptabilidade, interdisciplinaridade, e provoca um espaço inovador. Portanto, o redesenho dos espaços de trabalho representa não apenas uma mera resposta à digitalização dos meios, mas um rejuvenescimento da forma como concebemos os paradigmas nos quais a oferta de serviços jurídicos está baseada.
Se alguém olha para o cenário atual e os problemas que afligem a profissão jurídica nesta era digital, é evidente que a transformação é apenas uma criança. Os constantes avanços em tecnologias de informação e comunicação sugerem que os futuros advogados precisarão desenvolver não apenas uma base legal, mas também uma ampla gama de habilidades tecnológicas para permanecerem competitivos.
Campolina (2021, p. 139), traz uma reflexão importante sobre a educação jurídica na era da transformação digital:
“A Era da Transformação Digital representa muito mais que uma mera mudança de contexto – do presencial para o virtual. O mindset, ou seja, a mentalidade da função jurídica caminha para permitir o pensamento da inovação incremental ou sustentada. Existem cenários com espaço para as metodologias ativas, ágeis, o Design Thinking e Storytelling. Storytelling é uma expres¬são que significa a narrativa, a contação de história, e é atualmente utilizada na área jurídica para explicar fatos em processos por meio de narrativas em letramento visual jurídico (Visual Law) ou em infográficos.”
Em maior medida, o crescimento perpétuo da tecnologia, com domínios como I.A., big data e machine learning, ajudará a refinar os métodos de examinar e entender dados jurídicos. Quando os sistemas se tornarem complexos, integrados e sofisticados, o trabalho dos advogados poderá residir em transferir os discernimentos cruciais e as habilidades de contextualização que as máquinas não conseguem substituir completamente.
Os escritórios de advocacia devem entender o momento e se prepararem para esse novo forma, é que o que aponta Edna Hogemann 2018, p. 108):
“Os escritórios de advocacia se tornarão mais como plataformas legais com ênfase na conexão de profissionais legais e outros profissionais e no gerenciamento da colaboração. Em um mundo de plataformas, matchmaking e colaborações baseadas em projetos, advogados e consultores jurídicos devem estar cientes da maneira como a tecnologia em rede funciona. Eles também devem começar a usar o poder das mídias sociais para construir sua própria rede.”
Contudo, para que essa perspectiva se concretize, é imperativo que os operadores do Direito se preparem para uma formação contínua e multidisciplinar. E neste contexto, Feferbaum (2019), é clara ao analisar essas mudanças para o advogado:
“Raciocínio jurídico não se limita a predizer como o juiz vai julgar. Entretanto, um jurista que dialoga com um programador para pensar em todas as possibilidades de litígio, antever possíveis soluções, pensar em interpretações e outras implicações a fim de programar um software está, também, desenvolvendo um raciocínio jurídico que servirá de sentido consolidado para os demais casos.”
Vez após vez, a digitalização da profissão jurídica não deve ser vista como uma descontinuidade ou uma ruptura com sua existência anterior, mas como uma integração do melhor do que existia com o que está por vir. O advogado digital, ao incorporar essas mudanças, reafirma a importância do conhecimento jurídico aliado à capacidade de adaptação e à busca constante pela excelência profissional. É este novo perfil — que é tanto tradicional quanto inovador — que garantirá a relevância e eficácia do direito diante dos desafios modernos e na sociedade com um número crescente de conexões.
Segundo Gregório (2019, p. 15, apud campolina, 2021, p. 138):
“Visualizo-a como uma ponte entre o passado e o futuro. Deixa de um lado volumosos autos em papel, computadores em desuso, aparelhos de fac-símile, servidores desmotivados, chegando ao outro lado onde as mais modernas técnicas da tecnologia se apresentam para auxiliar o mais conservador dos Poderes de Estado. Da sua leitura se pode concluir: o futuro chegou.
A transformação digital está mudando irreversivelmente a forma como o direito é praticado. A transição de um mundo analógico para um digital envolve mudanças sísmicas nas práticas de pesquisa, nas ferramentas de gestão de documentos, nos modos de comunicação e até na configuração dos próprios escritórios de advocacia.
Nesse contexto, o "advogado digital" surge como um profissional que integra o conhecimento tradicional com inovações tecnológicas, que trabalha de forma mais ágil, mais detalhada e comprometido com o valor ético que rege o exercício da atividade jurídica.
Embora a digitalização traga muitos desafios, como manter a segurança da informação, estar continuamente atualizado e lidar com questões éticas, as oportunidades também são enormes. O potencial para acesso instantâneo a grandes conjuntos de dados, a melhoria da pesquisa por meio da inteligência artificial e a transformação dos espaços de trabalho colaborativos estão abrindo caminho para um sistema de trabalho jurídico mais integrado e fluido.
O futuro do Direito aponta para uma atuação híbrida, onde a integração inteligente da tecnologia expande, ao invés de suplantar, o conjunto de habilidades interpretativas e de defesa dos profissionais, sem substituir o julgamento perspicaz que é o cerne da profissão legal. A ninguém é dado o direito de desconhecer a lei (código civil brasileiro, art. 3º e código penal brasil, art. 21).
A transformação digital do advogado não é simplesmente uma adaptação às demandas do mercado, mas sim uma mudança de "clima" que se instala no mundo moderno. Com essas tecnologias integradas de forma harmoniosa na prática jurídica, os profissionais do Direito poderão se engajar na construção de um sistema legal mais robusto e democrático, que atenda às necessidades de um mundo em constante evolução.
Cabe ao advogado do século XXI, além de dominar o conteúdo normativo, desenvolver competências relacionadas à tecnologia e à gestão da informação, tornando-se, assim, um agente ativo na evolução do Direito. Essa postura inovadora e crítica é imprescindível para que o Direito contemporâneo se adapte aos desafios e oportunidades proporcionados pela nova era digital. Bittar (2018, p. 940), afirma que:
“E, de fato, a esta terceira dimensão da realidade - chamada realidade digital pela filósofa Marcia Tiburi - já corresponde uma nova fronteira da ciência do direito, qual seja, o direito digital, também chamado de direito virtual. Este é apenas um aspecto da relação entre direito e tecnologia. O outro aspecto é propriamente aquele que implica novos desafios, e, com isso, um impacto das novas tecnologias que irá recambiar a teoria do direito, em múltiplas dimensões, especialmente em capítulos mais diretamente sensíveis às novas fronteiras das transformações sociais.”
A era digital trouxe mudanças irreversíveis para a advocacia, exigindo dos profissionais uma constante adaptação às novas tecnologias. No entanto, o verdadeiro desafio não está apenas na incorporação de ferramentas digitais, mas na capacidade do advogado de manter o equilíbrio entre inovação e ética, garantindo que a tecnologia seja uma aliada e não um fator de desumanização da prática jurídica.
Com base nessa perspectiva, uma questão que os advogados precisam enfrentar é esta: Como podemos garantir que o progresso tecnológico fortaleça a justiça, e não apenas a torne mais ágil? A forma como essa questão é respondida definirá o futuro sucesso ou fracasso da profissão jurídica na sociedade digital.