RESUMO
O presente trabalho tem como tema a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, visando contribuir para a conscientização das pessoas, visto que a violência contra a mulher ocorre diariamente e atinge a todos na sociedade. Este estudo tem como objetivo amplo demonstrar a importância da celeridade na aplicabilidade da lei Maria da Penha, punindo com rigor os agressores buscando condições e agilidade no cumprimento da lei contra aqueles que promovem a violência. Apesar do avanço, após a implantação da Lei 11.340/06, são necessárias medidas que a tornem realmente eficaz, por meio de políticas públicas, adotando mecanismos de criminalização do agressor e medidas que visem à prevenção, proteção e assistência às mulheres em situação de violência, as quais podem ter danos irreparáveis, físico e/ou psicológico.
Palavras-chaves: Violência doméstica; Lei Maria da Penha; Aplicabilidade.
INTRODUÇÃO
Neste presente trabalho, a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, será estudada no âmbito jurídico visando à importância da sua aplicabilidade no combate à violência contra a mulher no ambiente doméstico e familiar.
Mesmo com a aprovação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como "Convenção de Belém do Pará", em 6 de junho de 1994, que reconheceu que os direitos das mulheres são direitos humanos, até 2006, o Brasil não tinha nenhuma lei que tratasse especificamente da violência doméstica. Esses casos eram enquadrados na Lei 9.099/95, a dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, conhecidos como “pequenas causas”. De acordo com a professora Carmen Campos1, essa lei não tem perspectiva de gênero, já que não foi pensada para isso, porém acabou sendo usada para julgar os casos de violência doméstica.
Sancionada em 07 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha tornou-se a lei de maior impacto na luta pelos direitos das mulheres, pois baseia-se em princípios de igualdade de gênero, proteção e prevenção. Esta lei tem a intenção de garantir o direito das mulheres de viverem em um ambiente seguro e livre de violência.
Conforme definido no artigo 5º da Lei Maria da Penha “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, (BRASIL, 2006).
Com a criação da Lei 11.340/06 deu-se um passo importante na promoção dos direitos das mulheres. O acesso à justiça para as vítimas foi facilitado, proporcionando-lhes um meio de se fazer justiça, pois ao aumentar as penalidades para os agressores foi uma forma de responsabilizá-los pelos seus atos. A lei em estudo também prevê que o agressor seja afastado do domicílio e que seja proibido de se aproximar da vítima.
Neste contexto, a Lei Maria da Penha é de suma importância para a proteção e promoção dos direitos das mulheres ao estabelecer medidas rigorosas de prevenção da violência doméstica. Entretanto é necessário a celeridade na aplicabilidade da Lei 11.340/6 em punir com rigor os infratores, buscando condições e agilidade no cumprimento da lei contra os possíveis agressores no ambiente doméstico e familiar.
Objetivos
O objetivo inicial deste trabalho de pesquisa visa analisar o impacto da Lei 11.340/06 e sua aplicabilidade a fim de diminuir e proteger a mulher contra a violência dentro do seu ambiente doméstico e familiar. E identificar se realmente há eficácia na referida lei, pois a violência contra as mulheres ocorre diariamente, e causa danos irreparáveis em muitas vítimas, independente da classe social, raça ou etnia.
Problemática
A Lei 11.340/6 garante a prisão do suspeito de agressão, auxílio às vítimas, estabelece medidas rigorosas de prevenção contra a violência doméstica, pois tem como função proibir e punir qualquer agressão contra a mulher, e todas as pessoas que se identifiquem com o sexo feminino.
Apesar de intensas lutas, por que a violência contra as mulheres continua a existir nos dias atuais? Por que em muitos casos as vítimas se sentem reprimidas em realizar denúncias, fazendo com que em muitos casos não sejam julgados?
Urge a necessidade de fortalecer a rede de proteção para que as vítimas se sintam acolhidas e protegidas. Faz-se necessário também, por meio de medidas sócio educativas, modificar o comportamento do agressor a fim de evitar que ele se torne mais violento. Cabe ao poder público investir na capacitação dos profissionais de segurança pública, pois é necessária uma resposta de execução efetiva para combater a violência contra as mulheres.
Metodologia
Para desenvolver o presente trabalho, a metodologia adotada teve como base pesquisas bibliográficas a partir de materiais teóricos publicados como: livros, artigos científicos, revistas e publicações em periódicos, legislações e jurisprudência sobre o tema e em sites jurisdicionais.
Também serão realizadas entrevistas com integrantes da Delegacia da Mulher e da Casa de Apoio à Mulher para entender na prática a aplicabilidade da Lei 11.340/06 no combate a violência contra as mulheres.
Para que os objetivos deste trabalho sejam alcançados, abordaremos no primeiro capítulo os princípios de proteção a mulher, discorrendo acerca do motivo pelo qual a Lei 11.340/6 recebeu o nome de Lei Maria da Penha destacando-se as medidas integradas de proteção que a lei prevê. Serão, também, pontuadas e discutidas algumas das contribuições, avanços e desafios no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.
O segundo capítulo será acerca das violências domésticas contra a mulher, conceituando-as e explicitando as etapas que elas ocorrem.
No terceiro capítulo será abordada a questão do por que algumas mulheres não denunciam seus agressores. Mesmo que, com a Lei Maria da Penha, tendo um aumento no número de denúncias de violência contra a mulher, muitas não denunciam, fazendo com que, em muitos casos o agressor não seja julgado e muito menos punido. Serão abordados também os abalos psicológicos sofridos pelas mulheres que foram agredidas, discorrendo sobre algumas síndromes que podem afetar as vítimas.
No quarto capítulo será discutida a importância da aplicabilidade da Lei 11.340/6, onde será discorrido a respeito dos procedimentos e as providências que devem ser adotadas diante de uma denúncia, além de fazer uma análise sobre a corresponsabilidade da atuação de forma integrada de todos os agentes públicos que compõem a rede de atendimentos, e se as políticas públicas têm efetividade para combater e erradicar a violência contra a mulher.
E por fim, no capítulo cinco será apresentado um parecer de integrantes da Delegacia da Mulher e a Casa de Apoio à Mulher para elucidar como é na prática o funcionamento desses órgãos, que tem como função proteger e acolher a vítima de agressão.
1. A LEI MARIA DA PENHA
Sancionada em 07 de agosto de 2006, a Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, recebeu este nome devido à luta que Maria da Penha teve na busca por reparação e justiça pela violência doméstica sofrida2.
Natural de Fortaleza, a então farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes sofria constantes agressões por parte de seu marido, Marco Antônio Heredia Viveiros. No ano de 1983, seu esposo na época, tentou matá-la com um tiro de espingarda. Apesar de ter escapado da morte, Maria ficou paraplégica, e após voltar para casa depois de internação e tratamentos, seu marido cometeu outra tentativa de assassinato, tentando eletrocutá-la (FERNANDES, 2012).
Ao tomar a decisão de denunciar seu agressor, Maria da Penha encontrou-se numa situação enfrentada por diversas mulheres em casos de violência, a descrença e falta de amparo legal da justiça brasileira.
Maria da Penha conseguiu apoio depois da repercussão do seu livro “Sobrevivi... posso contar” em 1994. Ela também acionou dois órgãos: o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL)3 e o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM)4, que encaminharam seu caso para a Comissão Interamericano de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 1998 (FERNANDES, 2012).
O Brasil foi acusado pela OEA de descumprir dois tratados internacionais dos quais é signatário, a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra Mulher, conhecida como Convenção de Belém, aprovada em 1993. A OEA solicitou oficialmente ao Brasil, por três vezes, que prestasse esclarecimentos sobre o caso. O governo brasileiro não respondeu a nenhuma das solicitações, então a OEA deu prosseguimento ao processo e acabou condenando o Brasil por omissão e negligência. O país teve que assumir o compromisso de reformular as suas leis e políticas em relação à violência doméstica5.
Quanto a Heredia Viveiros, foi a julgamento no dia 3 de dezembro de 1991, sendo condenado a 15 anos de prisão, mas por não ter antecedentes criminais, cumpriria apenas 10 anos. Porém, a defesa alegou erros processuais e conseguiram a anulação da sentença. Em um novo julgamento, foi condenado novamente com a mesma pena e mais uma vez a defesa entrou com recurso conseguindo com que respondesse em liberdade. Apenas em 2003 Heredia foi preso, ficando apenas dois anos na cadeia6.
Segundo a cartilha “Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006): Coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher”, durante o ano de 2005, foram feitas inúmeras audiências públicas em Assembleias Legislativas das cinco regiões do país, que contou com intensa participação da sociedade civil. E em agosto de 2006 foi decretada, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) entrando em vigor no dia 22 de setembro do mesmo ano.
De acordo com a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ): "a Lei Maria da Penha estabeleceu um marco histórico fundamental para o combate à violência de gênero, mas que é preciso reforçar o cumprimento integral da lei em todas as cidades".
O Vice-líder do Governo na Câmara, o deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE) afirmou que: "A Lei Maria da Penha, sancionada pelo presidente Lula em 2006, é considerada pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres. É uma lei que vem salvando muitas vidas”.
Segundo Lins (2018) a Lei 11.340/06 trouxe profundas mudanças em relação ao tratamento jurídico dado anteriormente à violência doméstica. A autora cita que antes da lei Maria da Penha, o tratamento jurídico da violência doméstica no Brasil era responsabilidade da Lei nº 9.099/957, pois o crime era avaliado como um “crime de menor potencial” ofensivo, cujas penas muitas vezes eram comutadas em pagamento de cestas básicas ou serviço à comunidade. Ainda de acordo com LINS (2018), para julgar esses crimes considerados de menor potencial ofensivo, a referida lei nº 9.099/95 criou o JECRIM (Juizado Especiais Criminais) responsáveis pela regulamentação de procedimentos judiciais relacionados às infrações consideradas brandas.
Sendo a pioneira em estabelecer medidas que visam coibir a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha se aplica a todas as mulheres que sofrem abuso, independentemente da sua orientação sexual, e o agressor não precisa necessariamente ser um homem. E segundo o entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)8, a Lei Maria da Penha também se aplica a mulheres transgênero.
Segundo o Senado Federal:
Com a Lei Maria da Penha, a violência doméstica passou a ser tipificada como uma das formas de violação aos direitos humanos e os crimes a ela relacionados passaram a ser julgados em Varas Criminais, até que sejam instituídos os juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher nos estados.
No Capítulo I, arts. 5º e 6º, temos as disposições gerais da lei:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Desde que a Lei Maria da Penha foi sancionada, ela ocasionou uma série de melhorias na prevenção e punição da violência doméstica. De acordo com Carmen Hein (s.d., apud FREITAS, 2016) a lei preocupa-se com a criação de uma rede de atendimento ás mulheres em situação de violência e dentre elas, a cartilha de “Enfrentando a violência doméstica e familiar contra a mulher” cita:
Na Segurança Pública:
Delegacias de Polícia comuns e especializadas (DEAMs);
Patrulhas da Polícia Militar comuns e Patrulhas Maria da Penha;
Guardas Municipais comuns e Maria da Penha;
Corpo de Bombeiros;
Instituto Médico Legal. No Sistema de Justiça:
Juízos comuns e especializados;
Promotorias comuns e especializadas;
Defensorias comuns e Núcleos de Defesa da Mulher das Defensorias Públicas.
Na Saúde:
Postos/Centros de Saúde;
Hospitais;
Serviços de saúde especializados em atendimento a mulheres em situação de violência;
SAMU.
Na assistência social:
Casas-Abrigo;
Casas de Acolhimento para Mulheres em Situação de Violência;
Centros de Referência Especializados de Assistência Social - CREAS;
Centros de Referência de Assistência Social – CRAS. Além desses, as mulheres podem, também, contar com:
Casas da Mulher Brasileira;
Centros de Referência/Especializados de Atendimento à Mulher;
Unidades Móveis de Atendimento à Mulher;
Central de Atendimento à Mulher Ligue 180.
Para a promotora Lindinalva Rodrigues Dalla Costa9: "A Lei Maria da Penha tirou a violência doméstica da invisibilidade, ganhou o gosto popular e é conhecida e reconhecida pela população, que se sente mais segura após sua entrada em vigor para fazer suas denúncias".
1.1 Mitos e Verdades sobre a Lei Maria da Penha
A lei 11.340/06 estabeleceu três eixos fundamentais que são: proteção à vítima, prevenção à violência e responsabilização do autor, de acordo com Bertolin e Carvalho (2020). Segundo as autoras (p. 24, 2020), "a lei criou mecanismos para o atendimento humanizado ás mulheres, pois agregou uma perspectiva de direitos humanos a uma espécie de violência que se encontra profundamente enraizada na sociedade patriarcal ".
O Ministério Público, através da cartilha “MARIA DA PENHA EM AÇÃO: Prevenção da Violência Doméstica nas Instituições de Ensino” , cita alguns mitos e verdades sobre a Lei Maria da Penha, dos quais valem a pena destacar:
A violência doméstica é um fenômeno esporádico: Mito. O número de mulheres agredidas no Brasil, acontece a cada 15 segundos, diariamente.
Violência doméstica ocorre somente em famílias de baixa renda: Mito. A violência doméstica é um fenômeno que não faz distinção de classe econômica, raça ou cultura.
Agressores não controlam as emoções: Mito. Se fosse esse o caso, eles também agrediriam outras pessoas do seu convívio e não apenas a esposa, companheira ou namorada.
As advogadas Mayra Cardozo10 e Poliane Almeida11 também falam sobre alguns mitos e verdades que versam sobre a lei, dentre eles:
Não faz diferença a Lei Maria da Penha: Mito. Pois desde a sua criação, ela trouxe mecanismos fundamentais para combater a violência doméstica e proteger a vítima.
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A Lei já teve alterações ao longo dos anos: Verdade. Importantes mudanças vêm sendo feitas desde 2017, como por exemplo, a lei 13.505 que trouxe a possibilidade das mulheres em situação de violência doméstica e familiar serem atendidas, preferencialmente, por policiais e peritos do sexo feminino, e também a lei 13.641 que qualificou o crime em caso de descumprimento de medidas protetivas. E o afastamento do agressor do lar, antes de uma autorização judicial.
A aplicação da Lei tem muito em que melhorar: Verdade. Apesar da Lei Maria da Penha representar um grande avanço na luta pelo direito das mulheres, ainda tem um grande problema estrutural e cultural em que a Lei é insuficiente para solucionar, que seria o medo e a dificuldade que a maioria das vítimas têm de expor seu agressor.
Os instrumentos inseridos na Lei Maria da Penha devem ser amplamente divulgados, pois é ela quem garante a segurança e os direitos das mulheres.
2. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Associa-se a violência doméstica e familiar contra as mulheres, a imagem de um homem, namorado ou ex, que agride a companheira, motivado por um sentimento de posse sobre a vida e as escolhas daquela mulher.
A Organização das Nações Unidas (ONU) define a violência contra as mulheres como "qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres, inclusive ameaças de tais atos, coação ou privação arbitrária de liberdade, seja em vida pública ou privada".
Em sua Declaração pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres12 a ONU reconheceu que a violência contra as mulheres é “como uma forma de discriminação e violação de direitos humanos” (1993, apud SARDENBERG e TAVARES, 2016, p. 11).
De fato, essa violação de direitos atenta contra a liberdade, o direito à vida e a integridade física e mental da mulher. Contudo, a violência contra as mulheres continua sendo uma triste realidade no Brasil e no mundo. É um fenômeno que não distingue classe social, raça, etnia, religião, orientação sexual, idade e grau de escolaridade.
De acordo com Almeida, Perlim e Vogel, (p. 14-15, 2023):
A violência contra a mulher, como outras formas de violência, é resultado de uma complexa relação entre cultura, indivíduo, relacionamento, contexto e sociedade. Assim, quando se pensa em quão amplo é o fenômeno da violência contra a mulher, compreende- se que esse não interessa apenas à pessoa ou à família que passa por essa situação, interessa a todos nós.
De acordo com a Lei Maria da Penha, em seu art. 5º “violência doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
2.1 Formas de Violência
A violência doméstica não se trata apenas de violência física. A Lei Maria da Penha define cinco formas de violência doméstica e familiar, pois é fato, que não existe apenas violência que deixa marcas físicas evidentes.
Segundo Sara Alves (2020), em um relacionamento abusivo, o parceiro busca controlar sua vítima, na posse de seu corpo, seu dinheiro e bens e de toda sua vida.
As formas de violência estudadas serão: violência psicológica, violência física, violência sexual, violência patrimonial e violência moral.
2.1.1 Violência Física
Para a OMS (Organização Mundial da Saúde): "violência física são atos violentos, nos quais se fez uso da força física de forma intencional, não-acidental, com o objetivo de ferir, lesar, provocar dor e sofrimento ou destruir a pessoa, deixando, ou não, marcas evidentes no seu corpo".
De acordo com a Coordenadoria da Mulher13 do Estado de Sergipe “a violência física contra a mulher é visual, sendo qualquer conduta que ofenda integridade ou saúde corporal da mulher. É praticada com uso de força física do agressor, que machuca a vítima de várias maneiras”.
Para o advogado Albuquerque14, a violência física é mais reconhecida pelas pessoas, por que quase sempre deixam marcas evidentes, resultado de tapas, socos, chutes, beliscões entre outras agressões. Ainda de acordo com o autor: "violência física é aquela em que uma pessoa, que possui uma relação de poder superior à outra tenta causar ou causa dano não acidental, através do uso de força física ou de arma, o que pode provocar lesões internas, externas ou ambas".
A cartilha “Viver Sem Violência é Direito de Toda a Mulher” (p. 24, 2015), cita como exemplos de violência física:
Bater e espancar;
Empurrar, atirar objetos e sacudir;
Morder ou puxar os cabelos;
Estrangular, torcer ou apertar os braços;
Queimar, cortar, furar, mutilar e torturar;
Usar arma branca, como faca ou ferramentas de trabalho, ou arma de fogo.
Muito além da agressão física, conhecidos e familiares omissos, que têm conhecimento dos abusos sofridos pela vítima, mas que ficam inertes acaba provocando, também, outra forma de agressão.
Para os fins da Lei Maria da Penha, conforme seu art. 7º, inciso I considera-se violência física “como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”.
Tal conduta pode ser uma ação ou omissão/negligência que venha ferir a condição saudável do corpo da mulher. A negligência configura-se, por exemplo, como privação de alimentos, de cuidados indispensáveis, de tratamento médico ou necessidade de remédios entre outros (HERMANN, 2008).
A Lei Maria da Penha fez uma importante mudança no art. 129. do Código Penal, que trata da lesão corporal, adicionando o § 9:
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
Como o crime não é de menor potencial ofensivo (que são aqueles com pena máxima de até dois anos), não será de competência do JECRIM (Juizado Especial Criminal), então em vez de um mero TC (Termo Circunstanciado), que não tem função investigativa, apenas constata a ocorrência, será o caso de inquérito policial, instrumento que viabiliza a investigação e tem como objetivo apurar infrações penais.
2.1.2 Violência Psicológica
A violência psicológica acontece quando o agressor manipula o emocional de suas vítimas, o que pode gerar tantos problemas psicológicos quanto emocionais, como baixa autoestima, ansiedade e pode acarretar uma certa sensação de dependência do abusador (GALVÃO, 2023).
Essa forma de violência pode ser identificada por meio de desrespeito contendo falas com conteúdo de humilhações, ofensas, intimidações e até com ameaças de morte. Segundo o professor Antonio Serafim15:
a violência psicológica compreende um conjunto de características que envolve pincipalmente um processo de desrespeito ao outro. Ela acontece em várias relações, como nas relações inter/pessoais. Contudo, ela costuma acontecer muito em situações em que é presente uma ligação afetiva entre as partes. Nesses casos, a carga afetiva é muito grande. O parceiro passa a acreditar que, sem o outro, sua vida seria insuficiente.
Esse tipo de violência é usada de manobra pelo agressor para controlar e abalar a autodeterminação da vítima provocando, comprovadamente, por meio de laudos médicos, patologias de ordem psíquicas. De acordo com a cartilha “Viver Sem Violência é Direito de Toda Mulher” (p. 22, 2015), são exemplos de violência psicológica:
Xingar e humilhar;
Ameaçar, intimidar e amedrontar;
Criticar continuamente, desvalorizar os atos e desconsiderar opinião ou decisão da mulher, debochar publicamente, diminuir a autoestima;
Tirar a liberdade de ação, crença e decisão;
Tentar fazer a mulher ficar confusa ou achar que está ficando louca;
Atormentar a mulher, não deixá-la dormir ou fazê-la se sentir culpada;
Controlar tudo o que ela faz, quando sai, com quem e onde vai;
Impedir que ela trabalhe, estude saia de casa vá à igreja ou viaje;
Procurar mensagens no celular ou e-mail;
Usar as/os filhas/os para fazer chantagem;
Isolar a mulher, de amigos e parentes.;
A violência psicológica está tipificada no art. 7º, inciso II da Lei Maria da Penha:
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
Para Dias (2019), a violência psicológica é a mais difícil de identificar, pois como as sequelas deixadas são psicológicas, é mais trabalhoso de se observar e identificar.
Inserido no Código Penal pela Lei 14.188/2016, por meio do artigo 147- B, o crime de violência psicológica contra a mulher tem a seguinte redação:
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021).
Reforçando, assim, a criminalização de atos dessa natureza.
2.1.3 Violência Sexual
Para Vernek (2010), a violência sexual é um tipo de violência envolvendo relações sexuais que não consentidas, podendo ser praticada por conhecidos, familiares ou um estranho.
A Lei Maria da Penha define como violência sexual, em seu art. 7º, inciso III:
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
De acordo com a Lei citada, a violência sexual não abrange apenas o ato sexual em si. Há também outras formas que podem configurar esse tipo de violência como, por exemplo, fazer com que a vítima olhe imagens de cunho sexual, submetê- la a relações com estranhos e obrigá-la a ter relação pelo uso da força ou intimidação.
Segundo Carvalho, Ferreira e Santos (p. 51, 2010), “a prática dessas violências deve ser considerada como um problema de saúde pública pelas consequências que podem causar, entre elas doenças venéreas, gravidez, problemas psicológicos entre outros”.
Segundo Almeida, Perlim e Vogel (p. 43, 2023), são exemplos de atitudes que configuram violência sexual:
Constranger à prática de atos sexuais não desejados;
Obrigar a posar para fotos ou vídeos;
Impor o uso de acessórios, vestimentas ou a realização de fantasias;
Humilhar durante o ato sexual;
Agredir fisicamente durante o ato sexual;
Forçar à prostituição.
Conforme o Código Penal Brasileiro a violência sexual é considerada uma transgressão pesada e classificada em quatro tipos: Estupro, Violação Sexual Mediante Fraude, Importunação Sexual e Assédio Sexual.
No caso do Estupro, o Código Penal tipifica em seu art. 213:
Constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Pena- reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
A Violação Sexual Mediante Fraude está tipificada no art. 215. do Código Penal:
Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
O art. 251-A do Código Penal, prevê a Importunação Sexual:
Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave
No tocante ao Assédio Sexual, o Código Penal assim tipifica o art. 216:
Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. Parágrafo único. (VETADO)
§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
De acordo com Almeida, Perlim e Vogel (p. 46, 2023) “não é porque acontece durante o casamento que deixa de ser estupro”. É o chamado estupro marital, que só difere do crime de estupro devido ao grau de intimidade efetiva de quem o comete. Entretanto muitas mulheres não compreendem que o ato sexual forçado é uma violência. Pelo fato do agressor ser seu companheiro, as vítimas veem o ato como um dever conjugal.
Além disso, o Código Penal prevê aumento de pena quando a violência sexual é praticada por cônjuge ou companheiro:
Art. 226. A pena é aumentada:
II-de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela.
Há outras majorantes do art. 226, além do inciso II que são importantes de serem mencionadas:
I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;
III - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
IV - de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado:
Estupro coletivo
a) mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes;
Estupro corretivo
b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.
Segundo Silva (2020), o matrimônio não torna sexo obrigatório, é preciso que haja consentimento das partes.
2.1.4 Violência Patrimonial
Uma das formas de violência contra a mulher é a patrimonial, que é aquela onde o agressor gera prejuízo financeiro ou perda de bens que tenham valor sentimental para a vítima.
De acordo com Miato (2023), violência patrimonial é “aquela em que o agressor se utiliza do dinheiro, documento ou bens (sejam eles de valor financeiro ou sentimental) para tentar controlar a vítima podando sua liberdade”.
O controle dos recursos financeiros deixa a vítima dependente do agressor. Segundo Navarro (p. 23, 2023), “a vítima é frequentemente privada de acesso ao dinheiro tornando-se incapaz de procurar independência financeira. Isso cria uma armadilha de dependência e submissão”.
A Lei Maria da Penha tipificou a violência patrimonial no art. 7º, inciso IV:
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
Constituem violência patrimonial a serem considerados, de acordo com o Instituto Maria da Penha17, os seguintes atos:
Controlar o dinheiro;
Deixar de pagar pensão alimentícia;
Destruição de documentos pessoais;
Furto, extorsão ou dano;
Estelionato, falsificação de assinatura de alguém;
Privar de bens, valores ou recursos econômicos;
Causar danos propositais a objetos da mulher ou dos quais ela mais goste;
Além de gerar impactos negativos na saúde mental da vítima, a dependência financeira, o isolamento, a vulnerabilidade social contribui para que o ciclo da violência continue.
A Lei Maria da Penha, em seu art. 24, traz algumas medidas protetivas de urgência que o juiz pode tomar para a proteção patrimonial:
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.
De acordo com o advogado Mário Delgado18, “a violência patrimonial está nucleada em três condutas: subtrair, destruir e reter”. Segundo ele, o verbo subtrair conduz ao tipo penal conhecido como furto, previsto no art. 155. do Código Penal que consistem em: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”, com pena prevista de reclusão de um a quatro anos e multa.
Entretanto, como afirma Delgado: "não é todo e qualquer furto contra a mulher, ainda que praticado por ex-cônjuge ou ex-companheiro, que irá caracterizar a violência patrimonial. É preciso que a subtração ocorra em situação de violência doméstica, ou seja, em razão do gênero".
Quanto a destruição parcial ou total de objetos, documentos, instrumentos de trabalho, o tipo penal correspondente é o crime de dano previsto no art. 163. do Código Penal: “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”, com pena de detenção de um a seis meses ou aplicação de multa.
Já o ato de reter bens ou valores tem a mesma natureza jurídica que a apropriação indébita prevista no art. 168. do Código Penal de “Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção”, a pena é de reclusão de um a anos mais a multa.
2.1.5Violência Moral
Segundo a cartilha “Enfrentando a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher” (p. 12, 2020), violência moral é “qualquer ação que desonre a mulher diante da sociedade com mentiras ou ofensas. É também acusá-la publicamente de ter praticado crime”.
A Lei Maria da Penha tipifica a violência moral e seu art. 7º, inciso V: “a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.
Para a advogada Camila Cruz19, a prática de humilhar a mulher na frente de terceiros também configura violência moral. Ela afirma que expor a vida íntima do casal para outras pessoas, ou contar histórias com o intuito de diminuir a mulher perante terceiros, são alguns exemplos de violência moral.
O Instituto Maria da Penha lista alguns exemplos que são considerados como violência moral:
Acusar a mulher de traição;
Emitir juízos morais sobre conduta;
Fazer críticas mentirosas;
Rebaixar a mulher por meio de xingamentos que incidem sobre a sua índole;
Desvalorizar a vítima pelo seu modo de se vestir.
De acordo com Albuquerque: "A violência moral está intimamente ligada à violência psicológica, que pode ser entendida como comportamentos ofensivos como humilhações, ofensas, xingamentos, entre outros, que causam dano emocional e diminuem a autoestima das mulheres".
Quando o agressor praticar os crimes contra a honra, tipificados no Código Penal como calúnia, difamação e injúria, além de violar o art. 7, inciso V, da Lei Maria da Penha, estará sujeito às penalidades do referido código.
Calúnia é acusar uma pessoa de ter cometido um crime sabendo que ela não o cometeu. E de acordo com o Código Penal:
Art. 138. - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
A difamação é a atribuição a alguma pessoa de fato que lhe seja ofensivo, prejudicando sua reputação. Não há relevância se a atribuição do fato é verdadeira ou não, mas sim se houve a intenção da ofensa. Segundo o Código Penal, art. 139: “Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”, com pena de detenção de três meses a um ano e a multa.
Já a injúria ocorre quando se ofende a dignidade do outro, independentemente da divulgação para outras pessoas. O que conta principalmente é a percepção da mulher de ter sido ofendida. E de acordo com o art. 140. do Código Penal: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”. A pena é de detenção de um a seis meses ou aplicação de multa.
A violência moral abala demais o psicológico das vítimas, geralmente o agressor é alguém por quem sentem carinho e afeto, isso faz com que degrade sua autoestima.
2.2 Crime de “Stalking” na Violência Contra a Mulher
A Lei nº 14.132 de 31 de março de 202120, inseriu no Código Penal o crime de perseguição, incriminando condutas conhecidas como stalking.
Na tradução literal, stalking significa perseguição e pode ser definido como assédio persistente e uma invasão da privacidade da vítima.
De acordo com Silva, stalking é:
Conduta de perseguir alguém reiteradamente; não se trata de um fenômeno contemporâneo, contudo com o surgimento da internet e das redes sociais, o stalking foi elevado a outra dimensão, afinal, no ambiente digital há uma gama de possibilidades no que concerne a vigilância e monitoramento da vítima, sem que seja preciso nenhum esforço por parte do stalker, basta navegar nas mídias sociais. Não há limitações na conduta de perseguição, a mulher é mais vulnerável à conduta. Logo pode-se compreender como uma violência de gênero, onde a mulher se torna presa e o agressor o predador. (p. 287, 2021)
A autora ainda destaca que pode ser considerada como violência doméstica e familiar, pois pode ocorrer dentro da própria casa.
A violência provocada pela perseguição é devastadora para a mulher, pois retira da vítima a liberdade e pode causar danos psicológicos.
Antes da Lei 14.132/2021 tipificar como crime o comportamento do “stalker”, o tipo penal estava previsto no art. 65. da Lei das Contravenções Penais, sendo a pena de prisão simples de quinze dias a dois meses ou pagamento de multa.
Embora qualquer pessoa possa ser vítima de perseguição, a geralmente as vítimas são mulheres, e por essa razão o “stalking” acaba sendo tratado, em alguns casos, como uma das formas de violência contra as mulheres, de acordo com os prepostos na Lei Maria da Penha.
De acordo com Silva (2020), podemos citar como exemplos de perseguição as seguintes situações:
Ligações e mensagens excessivas;
Rastreio da vítima através do celular;
Visitas surpresas no trabalho ou em qualquer lugar onde a vítima disse que estaria;
Necessidade de acompanhar passo a passo todas as atividades diárias;
Para a advogada Tammy Fortunato21 “tipificar como crime a perseguição contumaz, traz às mulheres uma proteção e uma garantia que seu perseguidor será punido”.
Entrando em vigor no dia 1º de abril de 2021, o crime de perseguição está previsto no artigo 147-A do CP, implantado pela lei 14.132/21:
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)
I – contra criança, adolescente ou idoso; (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121. deste Código; (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma. (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)
§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência. (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)
§ 3º Somente se procede mediante representação. (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)
Entretanto para tipificar o crime de stalking, a perseguição deverá ser reiterada, assim não basta que seja apenas uma ou duas vezes.