3. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA
Desde que entrou em vigor, a Lei Maria da Penha ocasionou uma série de melhorias quanto à prevenção e punição no caso de violência doméstica, a fim de garantir os direitos humanos das mulheres nas relações familiares. A lei não contextualizou apenas o crime.
Segundo Carmen Hein (s.d., apud FREITAS, 2016), A Lei 11.340/06 não contextualiza apenas crime ela envolve a questão social, o acolhimento, a atuação das políticas públicas, e fala do sistema de justiça, dos procedimentos e da questão do agressor.
Quando a Lei 11.340/06 foi implantada, diversas foram as interpretações de como se daria a sua aplicabilidade na prática:
a priori ela somente seria aplicada nas situações em que as vítimas e agressores viviam maritalmente independentemente de serem casados ou não, melhor dizendo, onde as partes conviviam sobre o mesmo teto, fazendo assim uma interpretação literal da lei (CASONI, p. 38, 2020).
Com o passar do tempo e com os avanços da sociedade, foram surgindo novos entendimentos, e a aplicabilidade da Lei Maria da Penha foi admitida, também, nos casos em que envolva a existência prévia de relacionamento com o agressor, incluindo então namorados e ex-companheiros.
O que se observa é se existe ou existiu vínculo de relação doméstica familiar ou de afetividade. Segundo Dias (p. 63, 2019), “passou a se admitir a aplicabilidade da Lei Maria da penha em qualquer relação íntima de afeto, por mais fugaz ou passageira que tenha sido o relacionamento”.
De acordo com Fundo Brasil de Direitos Humanos: "A vítima precisa estar em situação de vulnerabilidade em relação ao agressor. Este não precisa ser necessariamente o companheiro. Se uma pessoa ou parente do convívio da vítima for o agressor, a Lei Maria da Penha também ampara esse cenário".
A Lei também ampara pessoas que se identificam com o sexo feminino. Foram inúmeros os benefícios alcançados pelas mulheres com a Lei Maria da Penha, dentre eles a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra as Mulheres com competência cível e criminal, reforço na atuação das Delegacias de Atendimento à Mulher, da Defensoria Pública e da rede de serviços de atenção à mulher vítima de violência doméstica e familiar.
Do ponto de vista policial e jurídico a Lei Maria da Penha:
tornou possível a realização de prisões em flagrante, prescreveu a forma de atendimento da vítima pela autoridade policial e por uma equipe multidisciplinar, criou medidas protetivas emergenciais, aumentou a pena máxima para três anos de reclusão, impediu a aplicação da pena do pagamento de cesta básica e dispôs sobre a criação dos JVDs, órgãos da Justiça Comum com competência civil e criminal para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica (LINS, p. 31, 2018).
Segundo Almeida, Perlin e Vogel (2023) muitas pessoas têm conhecimento somente dos aspectos punitivos da lei ao agressor, e não se dão conta da proteção integral que a lei possibilita à mulher.
3.1 Medida Protetiva
Segundo a jornalista Érica Alcântara, em uma reportagem pelo Jornal do Ouvidor22:
As medidas protetivas são ordens judiciais concedidas com a finalidade de proteger um indivíduo que esteja em situação de risco, perigo ou vulnerabilidade, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade ou religião.
De acordo com a Lei Maria da Penha medidas protetivas são medidas cautelares de urgência que tem a finalidade de proteger a vítima de violência doméstica e familiar e em regra são expedidas no prazo de 48 horas.
A advogada Tatiane Oliveira da Silva23, explica que:
a medida protetiva é solicitada pela vítima e expedida pela justiça de forma emergencial. Uma vez expedida, determina certas condutas ao agressor, como o seu afastamento – a mais comum. Mas também pode ser a estipulação de pensão alimentícia, proibição de contato com a vítima e a suspensão ou restrição de porte de arma, se for o caso.
Elas podem ser concedidas apenas com o relato da vítima, não há oitiva do Ministério ou do agressor. E o pedido pode ser feito pela própria mulher, a presença de um advogado ou de um defensor público não é obrigatória.
3.1.1 Medida Protetiva de Urgência
De acordo com o advogado Messias Mateus Pontes de Melo24, a Lei Maria da Penha “trouxe as medidas protetivas que visam coibir a violência contra a mulher sendo está considerada parte vulnerável e protegida pela legislação”.
A advogada Aline Ribeiro Pereira25 esclarece que a Lei “prevê dois tipos de medidas protetivas de urgência: as que obrigam o agressor a não praticar determinados atos e as direcionadas a vítima e seus filhos com o objetivo de protegê-los”.
As medidas que se referem ao agressor estão dispostas no art. 22. da Lei Maria da Penha:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
IV - aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
V - contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
VI - frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
VII - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
VIII - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
IX – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)
X – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)
As medidas que amparam e auxiliam a vítima estão reguladas nos arts. 23. e 24:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga. (Incluído pela Lei nº 13.882, de 2019)
VI – conceder à ofendida auxílio-aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 (seis) meses. (Incluído pela Lei nº 14.674, de 2023)
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.
Como essas medidas protetivas de urgência são de caráter provisório, elas podem, a qualquer tempo, serem revogadas ou substituídas por outra de eficácia maior de acordo com a necessidade da vítima, podendo chegar a uma prisão preventiva do agressor (CASONI, 2020).
A Lei Maria da Penha, originalmente, não estipulou um prazo de vigência para as medidas protetivas de urgência, então a lei 14.550/202326, acabou com a discussão sobre o assunto acrescentando o § 6º ao art. 19: “As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes”. Além disso, a lei 14.550/2023 também acrescentou o § 5º no referido art. 19, estabelecendo que "As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência".
No dia 14 de setembro de 2023, a lei 14.674/2023 foi sancionada alterando a Lei Maria da Penha incluindo o mais um inciso VI no art. 23, que dispõe sobre o auxílio-aluguel que poderá ser concedido pelo juiz á ofendida afastada do lar por estarem em situação de risco e inviável a permanência no lar. Segundo o site Migalhas27:
O auxílio-aluguel não poderá ter duração superior a seis meses, e será pago por estados, municípios ou Distrito Federal, utilizando os recursos destinados à assistência social. Já a decisão de pagar o aluguel deve partir do juiz responsável pelo caso de violência doméstica.
Os objetivos da Lei Maria da Penha são: proteger, dar a assistência às vítimas e prevenir a violência doméstica e familiar e para isso os textos legislativos são essenciais. É inegável que a Lei 11.340/06 trouxe um avanço inquestionável quanto à proteção das mulheres vítimas de violência doméstica, entretanto não basta só tornar a legislação efetiva.
Todavia, ainda há falhas na efetivação das políticas públicas, em especial, no aspecto criminal, na celeridade na aplicação penal, de controle e fiscalização judicial e policial na aplicação das medidas protetivas além de uma melhor estrutura judiciária para atendimento as vítimas. Para a autora, apesar do aumento do número de denúncias feitas por mulheres vítimas de violência, o Estado ainda não está estruturado para atendê-las como deveria e não se move com a emergência necessária para isso. Assim cria-se um descrédito por parte das mulheres que sofrem violência doméstica e uma confiança falsa da impunidade dos agressores (BIAGI, 2014).
3.1.2 Estruturas de Assistência e Apoio às Mulheres
Com o objetivo de dar assistência e apoio às mulheres vítima de violência doméstica e familiar, o Estado disponibiliza uma Rede de Atendimento, isto é, um conjunto de instituições para atender as vítimas de violência, assim como seus filhos. Dentre essas redes, a cartilha “Enfrentando a Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher” (2020), cita:
Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs): são unidades especializadas que realizam ações, prevenção, proteção e investigação dos crimes praticados contra mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Cabem a elas, por exemplo, o registro de Boletim de Ocorrência e a solicitação ao juiz de medidas protetivas de urgência.
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; são órgãos responsáveis por processar, julgar e executar a causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Casas de Abrigo são locais seguros que oferecem abrigo protegido e integral e a mulheres em situação de violência doméstica sob risco de morte. É um serviço temporário que tem como objetivo disponibilizar proteção e tempo para as mulheres poderem voltar às suas atividades normais.
Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) acompanham e orientam as mulheres em situação de violência sobre seus direitos. Importante ressaltar que esses centros atendem todo tipo de violência contra a mulher (violência doméstica e familiar contra a mulher), tráfico de mulheres, assédio sexual etc.
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é uma unidade pública onde são oferecidos serviços programas e benefícios, com o objetivo de prevenir situações de risco e fortalecer os vínculos familiares e comunitários.
Conforme ressalta a referida cartilha (p. 31, 2020):
A Rede de Atendimento à mulher é grande e funciona com os serviços entre si e para facilitar a compreensão da comunidade, o governo Federal criou o serviço 180.
O Ligue 180 é um serviço gratuito e confidencial que tem como objetivo receber denúncias de violência, reclamações e prestar orientação sobre os serviços de atendimento à mulher. É possível fazer a ligação de qualquer lugar do Brasil, além de mais 16 países.
A cartilha ainda reforça a importância dessa rede de atendimento (p. 32, 2020), por ser “uma ferramenta importante e necessária para enfrentarmos a violência doméstica e familiar contra a mulher. São vários profissionais envolvidos para que a mulher e sua família fiquem protegidas”.
Apesar das políticas públicas tentarem tornar o ambiente mais acolhedor, por meio das redes de atendimento, muitas mulheres ainda temem denunciar seus agressores. Muitas não fazem por vergonha, por medo de retaliações ou por estarem em situações desconfortáveis, as quais pode gerar mais sofrimento às vítimas. Cabe, então, ao Estado orientar os profissionais envolvidos para que as alterações legislativas e as decisões judiciárias possam ser implantadas para tornar a Lei Maria da Penha eficaz.
3.2 Funcionamento Ininterrupto das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher
Promulgada em 3 de abril de 2023, a lei 14.541, dispõe sobre o funcionamento ininterrupto das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
Segundo a Rádio Senado28, transcrito por Hérica Christian:
As Delegacias de Atendimento às Mulheres, que são vítimas de violência, deverão funcionar quando elas mais precisam, que é 24 horas por dia e nos finais de semana. Então, as estatísticas demonstram isso, que a maioria das mulheres são vítimas nesse período e antes, as delegacias estavam fechadas.
A lei também trouxe outros benefícios como descrito em seu art. 2º:
Art. 2º Além das funções de atendimento policial especializado para as mulheres e de polícia judiciária, o Poder Público prestará, por meio da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), e mediante convênio com a Defensoria Pública, os órgãos do Sistema Único de Assistência Social e os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ou varas criminais competentes, a assistência psicológica e jurídica à mulher vítima de violência.
Além disso, também estabeleceu que o atendimento às mulheres nas delegacias será realizado em local reservado e feito, preferencialmente, por policiais do sexo feminino. E que esses policiais deverão receber treinamento adequado para permitir o acolhimento das vítimas de maneira eficaz e humanitária
Esta lei é um grande avanço no combate a violência doméstica e familiar contra a mulher.