Paradigma do processo penal brasileiro: colaboração premiada.

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24/03/2025 às 16:29
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Resumo : Reconhece-se que a colaboração premiada é um dos maiores paradigmas do novo processo penal brasileiro trazendo ultimamente temas de profundas discussões na doutrina e na jurisprudência brasileira. Há ainda pontos a serem esclarecidos e interpretados, particularmente tendo em vista a impossibilidade do legislador galgar toda a casuística que abrange a aplicação prática do referido instituto. Não pode ser encarado como sendo tábua de salvação de todo o processo penal brasileiro, mas, certamente caracteriza-se como mais uma boa ferramenta da persecução criminal, visando sobretudo a alcançar os altos níveis de criminalidade, daquela criminalidade que age nas sombras e que dificilmente será alcançada sem a utilização de modernas ferramentas de investigação. Deve-se alertar para sua banalização que poderá obter efeito reverso e reduzir todo o processo penal a mera barganha sem limites, invalidando a velha máxima de que o crime não compensa.

Palavras-chave: Direito Processual Penal. Direito Penal. Colaboração Premiada. Delação Premiada. Meio de Prova. Constituição Federal brasileira de 1988.


Primeiramente, cabe ressaltar como a colaboração premiada foi interpretada pelo Supremo Tribunal Federal e que se insere nas disposições de direito premial adotando normas que garantem atenuação e até total isenção da pena tida como prêmio para aquele que se arrepende de uma conduta criminosa e então colabora com a Justiça Criminal.

Tais dispositivos ganham maior destaque progressivamente nos mais diversos ordenamentos jurídicos no mundo.

A colaboração premiada foi regulada pela Lei 12.850, de 2 de agosto de 2014, que disciplina os meios de obtenção de prova relacionados à investigação das organizações criminosas. Ganhou destaque especialmente em razão de seu uso em caso de expressiva repercussão nacional e internacional, tendo levado os tribunais superiores brasileiros, notadamente o STF, a profundas reflexões sobre o instituto e sua eficácia.

Sobre a justiça premial no Brasil é recomendada a leitura da obra de autoria de Vinicius Gomes de Vasconcelos, intitulada Barganha e Justiça Criminal Negocial1, onde analisou as tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro, onde o doutrinador analisou criticamente tal tendência, fundamentalmente, a partir da introdução de mecanismos negociais, como a barganha, que, em termos amplo, possibilita a concretização antecipada do poder punitivo por meio de reconhecimento de culpabilidade consentido do acusado em troce, geralmente, de obter o benefício da redução em sua punição criminal.

Foram diversos os diplomas legais que disciplinaram a colaboração premiada ao longo do tempo, a começar com a Lei 8.072/1990 até a Lei 12.850/2013.

Ao definir organização criminosa e dispor sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, alterou o Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (CP) e revogou a Lei 9.034, de 3 de maio de 1995, e deu outras providências.

Indo além de tipificar o crime de organização criminosa, apesar de nosso país já ter internalizado a Convenção de Palermo, o diploma legal disciplinou os meios de obtenção de provas especiais a serem usados no combate do crime organizado, entre estes, o da colaboração premiada.

E, a referida lei entrou em vigor após decorridos os quarenta e cinco dias de sua publicação oficial, conforme consta do DOU de 5.8. 2013.

O conceito de organização criminal2 veio logo no primeiro artigo onde prevê a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Pela doutrina o conceito de organização criminosa é de difícil aceitação, tendo em vista a inexistência de conceito unívoco, e por apresentar alguns elementos que lhes sejam característicos, como: a associação de pessoas, a divisão de tarefas, o objetivo econômico e, a prática de infrações criminais graves.

Destaca-se que tais características estão presentes na maioria dos conceitos de organização criminosa, mas, Guaracy Mingardi destacou que há ainda a previsão de lucros, a hierarquia, a divisão de trabalho, a ligação com órgãos estatais, planejamento das atividades e delimitação da área de atuação.

E, o doutrinador estabelece ainda uma divisão em dois modelos, a saber: a organização criminosa tradicional ou territorial e a empresarial. Acrescenta-se ainda a organização criminosa institucionalizada dentro do Estado.

Com a recepção pelo Brasil da Convenção de Palermo, o STF se pronunciou no sentido de adotar os critérios daquela definição para o julgamento de casos relacionados à matéria de crime organizado.

Scarance Fernandes ainda estabelece três correntes doutrinárias que procuram conceituar o crime organizado, a saber: a primeira, que tenta definir o conceito de organização criminosa e para a qual o crime organizado seria todo aquele praticado por essa modalidade de organização; a segunda corrente, que define os elementos essenciais do crime organizado, sem especificar os tipos penais; e, a derradeira que estabelece um rol de tipos penais, qualificando-os como crime organizado.

Desponta também como característica, o caráter transnacional aproveita-se de deficiências do sistema penal, a partir de sua estruturação organizacional e de sua estratégia de atuação global; atuação resulta em dano social acentuado; realiza várias infrações, com vitimização difusa ou não; aparelhado com instrumentos tecnológicos modernos; conexões com outros grupos criminosos, organizados ou não; mantém ligações com pessoas que ocupam cargos oficiais, na vida social, econômica e política; utiliza-se de atos de violência; e beneficia-se da inércia ou fragilidade de órgãos estatais.

De modo em geral, a organização criminosa tem aparato operacional, podendo ser informal ou clandestina e ilícita nos objetivos identificáveis.

A organização criminosa pode também, eventualmente ou ordinariamente, exercer atividades lícitas com finalidade ilícita, apesar de revestir-se de forma e atuação formalmente regulares.

Um estabelecimento bancário que realiza operações legais e lícitas em deliberado obséquio de atividades ilícitas de terceiro, é o exemplo que recomenda cuidado e atenção na compreensão de suas características.

É essencial que haja afinidade associativa entre as pessoas (usualmente pessoas físicas, mas não é impossível a contribuição de pessoas jurídicas), ainda que cada uma tenha para si uma pretensão com motivação e objetos distintos das demais e justificativas individuais, todavia logicamente reunidas por intenção e vontade comum nos resultados.

Temos na figura da associação de pessoas o elemento básico para a constituição da organização criminosa, figura central do tipo penal. Foram acrescidos, ainda, outros casos de aplicação da Lei n° 12.850/2013:

§ 2º Esta Lei se aplica também: I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

E o legislador fez referência às infrações penais previstas nos diversos tratados ou convenções internacionais de natureza transnacional.

Deve-se destacar que o Brasil ratificou diversos instrumentos nos últimos tempos que buscam coibir o crime organizado transnacional:

Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena), promulgada pelo Decreto n° 154, de 26 de julho de 1991;

- Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), promulgada pelo Decreto n° 5.015, de 12 de março de 2004;

- Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, promulgado pelo Decreto n° 5.017, de 12 de março de 2004;

- Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao combate ao Tráfico de Migrantes por via terrestre, marítima e aérea, promulgado pelo Decreto n° 5.016, de 12 de março de 2004;

- Convenção para a Supressão do Financiamento do Terrorismo, promulgada pelo Decreto n° 5.640, de 26 de dezembro de 2005;- Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), promulgada pelo Decreto n° 6.587, de 31 de janeiro de 2006;

- Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, suas Peças e Componentes e Munições, complementando a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, promulgado pelo Decreto n° 5.941, de 26 de outubro de 2006.

Convenção de Palermo estabelece que a infração será de caráter transnacional:- Se for cometida em mais de um Estado;

- For cometida em um só Estado, mas uma parte substancial de sua preparação, planejamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado;

- For cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; - For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado.

O inciso II, por sua vez, estabelece que a lei também se aplica às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional:

II - às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

A boa doutrina destaca que a noção [de organização criminosa] é fundamental e precisa a todo tempo ser integral e integradamente compreendida de modo sistemático em benefício da clareza e precisão da aplicação da lei em toda sua amplitude.”

Pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro fora tipificado o crime de pertinência à organização criminosa, previsto no artigo 2° da Lei:

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

Embora a Lei n° 9.613/1998, em sua redação original, já estabelecesse ser crime antecedente da lavagem de dinheiro quando praticado por organização criminosa, havia entendimento jurisprudencial das cortes superiores pela inaplicabilidade em razão da ausência de tipificação, no ordenamento jurídico nacional, do crime de organização criminosa.

Em que pese posição contraria, uma vez que entendemos, na redação anterior da Lei de Lavagem de Dinheiro, que qualquer crime antecedente, quando praticado por organização criminosa, cuja definição já existia na Convenção de Palermo (devidamente internalizada pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004 e, portanto, com força de lei), uma vez que já estabelecia o conceito de “Grupo criminoso organizado”

Verificando a jurisprudência brasileira, observa-se , o julgamento dos HC 96.007/SP, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio, decidido em 12/06/2012, no âmbito da Primeira Turma:

Ementa: TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME ANTECEDENTE.

A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo.

LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria.

Decisão: Após os votos dos Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli, que deferiam o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator, pediu vista do processo a Ministra Cármen Lúcia. Presidência do Ministro Carlos Ayres Britto. 1ª Turma, 10.11.2009. Decisão: A Turma concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 1ª Turma, 12.6.2012.

Noutro julgamento, no julgamento do HC 108.715-RJ, também sob relatoria do Min. Marco Aurélio, julgado em 24/09/2013, no âmbito da Primeira Turma:

HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IMPUGNAÇÃO. A teor do disposto no artigo 102, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus.

TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME ANTECEDENTE.

A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo.

LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria.

Decisão: Após o voto do Senhor Ministro Marco Aurélio, Relator, que julgava inadequada a via do habeas corpus como substitutivo de recurso ordinário e concedia a ordem, de ofício, pediu vista do processo o Senhor Ministro Luiz Fux apenas quanto à concessão da ordem de ofício, pois, quanto à inadequação do habeas corpus, acompanhou o Relator.

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Aguardam as Senhoras Ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, e o Senhor Ministro Dias Toffoli, Presidente, tanto sobre a análise da preliminar quanto sobre a análise da questão de fundo.

Por unanimidade, a Turma acatou a proposta do Relator quanto à concessão de liminar para suspender a tramitação do processo na origem até o final julgamento deste habeas corpus. Falou o Dr. Fernando Fernandes, pela Paciente. 1ª Turma, 7.8.2012.

Decisão: Após os votos do Senhor Ministro Marco Aurélio, Relator, e da Senhora Ministra Rosa Weber, que julgavam extinta a ordem de habeas corpus por inadequação da via processual, mas a concediam, de ofício; e do voto do Senhor Ministro Luiz Fux, Presidente, que apenas julgava extinta a ordem de habeas corpus por inadequação da via processual, pediu vista do processo o Senhor Ministro Dias Toffoli. 1ª Turma, 14.5.2013.

Decisão: Por unanimidade, a Turma julgou extinta a ordem de habeas corpus por inadequação da via processual. Por maioria de votos, concedeu a ordem, de ofício, para trancar a ação penal em relação a todos os acusados quanto à lavagem de dinheiro, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Luiz Fux, Presidente. Não participou, justificadamente, deste julgamento, o Senhor Ministro Roberto Barroso. 1ª Turma, 24.9.2013.

Apesar da alteração legislativa imposta pela Lei n° 12.683/2012, que extinguiu o rol de crimes antecedentes, o voto-vista do Ministro Luiz Fux foi no sentido de ser infundada a alegação de que o inciso VII do artigo 1° da lei n° 9.613/1998 não poder ser aplicado em razão da ausência de definição legal de um crime de organização criminosa, uma vez que, conforme já expusemos na obra Lavagem de Dinheiro e Cooperação Jurídica Internacional, trata-se da forma de prática do crime, tecendo o Ministro argumentação no sentido de que a expressão não equivaleria a um crime em si, mas sim, trata-se da figura do sujeito passivo responsável pela consecução do delito antecedente, estando o crime cometido por qualquer das espécies de organização criminosa que conhecemos, apto a figurar como antecedente da lavagem de dinheiro.

Anselmo ainda destaca que a Lei n°. 12.694, de 24 de julho de 2012, que “Dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas”, considera, de acordo com o artigo 2°, o conceito de organização criminosa como:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Observa-se, portanto, a existência de três conceitos de organização criminosa no ordenamento jurídico pátrio: o conceito originariamente previsto na Convenção de Palermo; o conceito previsto na lei que instituiu os julgamentos colegiados para os crimes praticados por organizações criminosas e, por fim, o conceito atual dado pela atual lei de organizações criminosas (Lei n° 12.850/13), cuja diferença primordial denota-se no número de elementos para a configuração do crime.

Enquanto nos dois primeiros casos há a previsão de três ou mais pessoas, no caso do crime de organização criminosa há a previsão de que esta seja formada pela associação de quatro ou mais elementos.

Assim, afigura-se que tal dissonância de conceitos resultará em dificuldades interpretativas, a título exemplificativo, no caso de uma investigação criminal de organização criminosa cuja composição seja de apenas três membros, cuja situação fática não se subsumirá ao tipo penal previsto no atual tipo penal.

Causas de aumento de pena e outras providências Os parágrafos 2 a 4 preveem causas de aumento de pena ao crime previsto no artigo 2°: § 2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.

A primeira delas trata-se do aumento até a metade no caso de a organização criminosa empregar arma de fogo. § 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.

A segunda, por sua vez, trata-se de circunstância agravante para quem exerce o comando da organização criminosa, ainda que não pratique diretamente os atos de execução.

Duas observações devem ser feitas: primeiro, o comando pode ser individual ou coletivo, de forma que a agravante pode ser reconhecida para mais de um “líder” da organização; segundo, como é cediço, essas organizações possuem, na maioria das vezes, complexa estrutura de divisão de tarefas, visando propiciar aos líderes que se mantenham cada vez mais distantes da base de execução das atividades criminosas.

A terceira causa de aumento de pena, a qual a legislação atribui o aumento de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), prevê cinco causas:

I – quando há participação de criança ou adolescente, cujo conceito encontra-se

no artigo 2° da Lei n° 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente):

II – quando há concurso de funcionário público, cujo conceito é previsto no artigo 327 do Código Penal, segundo o qual:

Art. 327. - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública

§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público

III - quando o produto direto do crime (objeto sobre o qual a conduta recaiu) ou seu proveito (transformação do produto em pecúnia, por exemplo, gerando lucro ou vantagens) se destinar no todo ou em parte ao exterior;

IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;

V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.

Portanto, que os incisos III e V têm entre si relação direta, em relação à transnacionalidade. Acreditamos que o inciso III mantenha com o inciso V uma relação de continência uma vez que, tendo o produto ou proveito do crime sido destinado no todo ou em parte ao exterior, fato é que há circunstâncias que indicam a transnacionalidade da organização criminosa. A utilização dos dois incisos, a nosso ver, gera bis in idem na dosimetria da pena e deve ser adotada de maneira excludente.

Quanto ao inciso IV, têm-se como causa de aumento de pena a conexão com outras organizações criminosas independentes, circunstância que deve ser auferida no caso concreto quando, no curso das investigações, se verifique relação entre organizações criminosas, como por exemplo, entre uma organização que atua na produção de substância entorpecente e outra que atue na sua distribuição e varejo ou, ainda, no caso de crime de evasão de divisas por meio da figura de “doleiros”, mediante o relacionamento em redes de compensação em casos de dólar-cabo.

No caso de funcionário público que integre organização criminosa, facultando ao juiz a decretação do afastamento cautelar uma vez sendo a medida necessária à investigação ou instrução processual.

Assim, entendemos que a medida pode ser pleiteada tanto na fase do inquérito policial, pelo Delegado de Polícia ou Ministério Público, ou ainda na fase da ação penal, sendo decretada sempre de maneira fundamentada, por tratar-se de medida restritiva de direitos.

Quando evidenciada a participação de policial na organização criminosa investigada, o dispositivo prevê a necessidade de comunicação da instauração do inquérito ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a conclusão.

Tal dispositivo não nos parece redigido com a melhor técnica, uma vez que o Ministério Público acompanha a tramitação do inquérito policial em qualquer circunstância. Nos parece aqui que a mens legis é no sentido de que possa existir um acompanhamento por parte dos órgãos de controle externo da atividade policial, notadamente pelo parquet, nos casos do envolvimento de policiais em organizações criminosas.

Ademais, também deve ser destacado que nem sempre essa participação e identificada de plano, quando da instauração do inquérito, bem como não é recomendável, pela boa técnica, a instauração de inquérito policial para apurar exclusivamente a conduta do policial, uma vez que a mesma, geralmente, se encontra inserida num contexto mais amplo.

Essa ausência de comunicação não acarreta qualquer vício à investigação uma vez que tem por objetivo apenas dar maior higidez às investigações e evitar que corporativismos indevidos interfiram no curso do inquérito.

O Ministério Público, por sua vez, deve, dentro de sua estrutura organizacional, estabelecer as regras de atuação dos membros no controle externo da atividade policial e, caso necessário, ao tomar conhecimento da investigação, efetuar, da mesma forma, as devidas comunicações.

Trata-se de um importante foco de atuação para exercício do controle externo pelo Ministério Público, que carece ser exercido de forma profunda visando garantir a real apuração das organizações criminosas quando compostas por agentes do Estado, notadamente integrantes de corpos policiais.

A principal característica da Lei n° 12.850/2013 foi ter disciplinado a utilização de diversos meios de obtenção de prova, entre eles a colaboração premiada, conforme dispõe o artigo 3° da Lei.

Vários desses meios já tenham tratamento por legislações anteriores, tais como o afastamento de sigilo financeiro, bancário e fiscal, regido pela Lei Complementar n° 105/2001, assim como a interceptação das comunicações telefônicas, prevista na Lei n° 9296/1996, outros meios de investigação, meramente nominados na legislação anterior, passaram a ser disciplinados pelo novo diploma legal, como no caso da colaboração premiada, ação controlada e da infiltração de agentes.

Desnecessário sublinhar que não se tratam de meios de obtenção de prova a serem utilizados exclusivamente para o criminalidade organizada, uma vez que cada um deles tem o regime próprio de cabimento, seja regido pela lei atual, como no caso da ação controlada ou da infiltração de agentes, ou mesmo previsto em outros diplomas legais, como o acesso a dados cadastrais, as interceptações telefônicas (conforme previsão no artigo 2° da Lei n° 9.296/96), a quebra de sigilo fiscal, entre outros.

Ainda a lei prevê a utilização da interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, o afastamento de sigilos financeiro, bancário e fiscal, cuja disciplina ocorre por meio de diplomas legais usados como meio de investigação em geral, mas que também devem ser aplicados à criminalizada organizada. Igualmente a lei estabelece a cooperação entre as instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.

Há previsão de necessidade de autorização judicial nos casos dos incisos V (interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas),VI (afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal) e VII (infiltração, por policiais, em atividade de investigação).

Quando aos demais meios, no caso da colaboração premiada, a participação judicial se dá na fase de homologação do acordo e, no caso da ação controlada, a lei estabelece a necessidade de comunicação ao juízo e não de autorização.

No caso da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, opticos ou acústicos (inciso II), assim como no acesso a registros de ligações telefônica e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais (inciso IV) e na cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal (inciso VIII) a lei não estabelece a necessidade de autorização judicial prévia, não havendo, da mesma forma, disciplina acerca do seu procedimento, tal como ocorreu com a colaboração premiada e outros institutos ora previstos.

Ao final do tratamento do tema, foram introduzidos pela Lei nº 13.097/2015 os parágrafos 1° e 2° que tratam da dispensa de licitação para contratação de serviços técnicos especializados, aquisição ou locação de equipamentos por parte da polícia judiciária para fins da implementação dos meios de obtenção de prova consistentes na captação ambiental de sinais e interceptação de comunicações.

Tal mecanismo revela-se fundamental a fim de evitar a publicização dos equipamentos utilizados pelas autoridades de law enforcement na implementação dessas medidas.

Por outro lado, tal medida não afasta eventual medida dos mecanismos de controle de gestão pública, devendo sua auditoria ser reforçada a fim de evitar desvios de finalidade.

A colaboração premiada para Renato Brasileiro de Lima apud Anselmo trata-se, in litteris: “Espécie do Direito Premial, a colaboração premiada pode ser conceituada como uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.”

Apesar de serem tratados como sinônimos os termos "delação" e colaboração, Brasileiro de Lima diferencia os termos estabelecendo que a delação premiada exige a revelação de algum coautor, enquanto a colaboração premiada é mais ampla e abrange diversas formas de colaboração sem que necessariamente haja uma delação.

O doutrinador utiliza, como exemplo, quando o autor colabora para libertar uma vítima de sequestro, para recuperar o produto do crime, para evitar novos crimes ou para impedir a continuidade de um crime. Assim, a colaboração seria um gênero, da qual a delação seria uma das espécies, na qual, como característica, ocorre a revelação de um coautor.

Luiz Flávio Gomes também diferencia delação de colaboração:

“Não se pode confundir delação premiada com colaboração premiada. Esta é mais abrangente. O colaborador da justiça pode assumir a culpa e não incriminar outras pessoas (nesse caso, é só colaborador3). Pode, de outro lado, assumir a culpa (confessar) e delatar outras pessoas (nessa hipótese é que se cogita em delação premiada). Em outras palavras: a delação premiada é uma das formas de colaboração com a justiça.”

A maioria da doutrina não apresenta distinção entre os termos e o que se observa, na prática, é a associação do termo delação a uma associação pejorativa, negativa do instituto que, tecnicamente, de acordo com a legislação, é chamado de colaboração premiada.

Segundo Aranha apud Anselmo, a delação pressupõe a confissão. Consiste na “afirmativa de um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido pela polícia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, atribuiu a um terceiro a participação como seu comparsa.

Destaca-se que a delação premiada somente ocorre quando o réu também confessa, porque, se negar a autoria e atribuí-la a um terceiro, estará escusando-se e o valor da afirmativa como prova é nenhum. Portanto, o elemento essencial da delação, sob o prisma de valor como prova, é a confissão do delator, pois com a escusa de modo algum pode atingir o terceiro apontado.”

Conclui-se que a colaboração processual é um fenômeno amplo e que indica qualquer ato praticado pelo réu ou investigado que tenha como objetivo efetivo colaborar com ele. Acrescendo-se o termo premiada, temos a concessão de algum benefício em troca dessa colaboração.

A colaboração pode ou não implicar em delação, pois, conforme previsto no artigo 4° do diploma legal em referência, esta é apenas um de seus objetivos:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Registra-se historicamente a colaboração premial desde longo tempo. O professor Damásio de Jesus indica que, ainda nas Ordenações Filipinas, que vigoraram de janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal do Império de 1830, no Título VI, que definia o crime de “Lesa Majestade”, bem como no Título CXVI, encontram-se os arcabouços históricos do instituto sob a rubrica “Como se perdoará aos malfeitores que derem outros à prisão”.

Da mesma forma, para André Estefam, “Não se trata, contudo, de novidade no Brasil, uma vez que desde as Ordenações Filipinas, cuja parte criminal vigorou de 1603 a 1831, já se previa a delação premiada

A colaboração premiada tem como vetor de internacionalização do instituto as Convenções de Palermo (Crime Organizado) e Mérida (Corrupção), que buscam a previsão do instituto nos ordenamentos nacionais.

Na legislação brasileira, podemos apontar sua gênese na história recente com a Lei 8.072/1990, que introduziu no artigo 159 do Código Penal que trata do crime de extorsão mediante sequestro, o seguinte dispositivo: “§4º. Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o coautor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.”

A partir de então, diversos outros dispositivos passaram a tratar do instituto, que serão objeto de análise em capítulo próprio, tais como a Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Lei de Crimes contra a Ordem Econômica, Lei de Lavagem de Dinheiro, entre outras.

Em um modelo originário, que segue até a Lei n° 9.807/99, a legislação tratava da figura do acusado que “através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.” Essa lógica foi repetida por diversos diplomas legais.

Destaque-se que não havia aqui qualquer menção a uma pactuação prévia, sobretudo visando garantir maior segurança jurídica. A partir da Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei 9.807/1999) e da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei n° 9.613/1999), passa-se à melhor disciplina do instituto.

A maioria dos críticos o fazem sob a perspectiva ética, como por exemplo, Alberto Silva Franco, que atribui ao instituto a “consagração da traição” ou mesmo Zaffaroni, para quem a colaboração “constitui uma séria lesão à eticidade do Estado”, uma vez que se utilizaria da cooperação de um delinquente para “fazer justiça”.

Ainda nessa perspectiva, Rômulo de Andrade Moreira busca negar a validade do instituto apelando para aspectos extrajurídicos em razão da ausência de condições do Estado em garantir a integridade física do delator.

Sobre o aspecto ético da colaboração premiada, Carlo Velho Masi35 aponta duas perspectivas: “por um lado, o colaborador é identificado com a figura do traidor (e quem pode confiar na palavra desleal de um traidor, ainda mais se esse infiel tem interesse de obter um prêmio?), e, por outro, a necessidade do recurso à colaboração seria uma confissão da ineficiência do Estado na investigação do crime, tarefa que lhe é constitucionalmente atribuída.

Desta forma, o Estado estaria exaltando a traição (os fins justificariam os meios), promovendo um pacto entre criminosos e autoridades.”

Negando qualquer violação ao aspecto ético, Renato Brasileiro de Lima destaca que:

“Apesar de ser uma modalidade de traição institucionalizada, trata-se de instituto de capital importância no combate à criminalidade, porquanto se presta ao rompimento do silêncio mafioso (omertá), além de beneficiar o acusado colaborador. De mais a mais, falar-se em ética de criminosos é algo extremamente contraditórios, sobretudo se considerarmos que tais grupos à margem da sociedade, não só tem valores próprios, como também desenvolvem suas próprias leis.”

“A rejeição à ideia da colaboração premiada constituiria um autêntico prêmio ao crime organizado e aos delinquentes em geral, que, sem a menor ética, ofendem bens jurídicos preciosos”, complementa Guilherme de Souza Nucci.

Ainda nesse cenário, valorizando a questão ética, Carlo Velho Masi pontua que:

“Talvez a mudança de paradigma necessária aqui seja visualizar no colaborador ou no delator alguém que pode efetivamente arrepender-se da prática delituosa. Não se nega com isso que haja interesse em obter um prêmio. Todavia, seria demasiado julgar que toda colaboração/delação se dá de forma espúria e falsa, com único propósito de beneficiamento próprio ou denunciação caluniosa.”

Antonio Magalhães Gomes Filho e Gustavo Badaró criticam o instituto sob a perspectiva de afastar a competência jurisdicional do magistrado, além de atentar contra os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que “subtraem do Poder Judiciário a possibilidade de julgar o feito”.

Uma parte dos questionamentos se dava em razão da falta de regramento do instituto, que, com o advento do novo diploma legal, passou a ser objeto de exaustiva regulamentação.

Como parece lógico, impossível ao legislador prever casuísticas peculiares na aplicação do instituto. Assim, tanto as críticas sob a perspectiva ética quanto aquelas em relação à ausência de procedimento não merecem prosperar.

Destaca-se a existência de dois modelos de sistemas no tratamento da colaboração: no primeiro, que predomina nos países anglo-saxões, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Polônia, o arrependido efetua suas declarações em juízo passando a assumir a condição de testemunha protegida; no segundo modelo, o arrependido intervém na fase de investigação, colaborando com as autoridades que atuam na persecução penal, como ocorre na Alemanha, Áustria, Holanda e Espanha, por exemplo.

O ordenamento jurídico alemão, no § 129 do Código Penal Alemão (StGB), ao tratar do crime de associação criminosa, prevê que:

6. O tribunal pode atenuar a pena segundo seu critério (§ 49, inciso 2), ou pode prescindir de uma pena segundo estas normas quando o autor:

1. Se empenhe livre e seriamente em impedir a continuidade da associação ou a prática de um fato punível que corresponda a um de seus objetivos; ou

2. Livremente revele seu conhecimento a uma autoridade pública tão oportunamente que os crimes cujo planejamento tenha conhecimento, podendo impedi-los; se o autor alcança sua meta de impedir a continuidade da associação ou se alcança sem sua intervenção, não será castigado.

Outros dispositivos premiais constam ainda em relação ao tráfico de drogas (BtMG) nos § 31 e 31ª, bem como na lei de lavagem de dinheiro (OrKG), § 261, IX e X.

Na Espanha, além das atenuantes genéricas - como por exemplo a prevista no artigo 21.4 do Código Penal, que estabelece que aquele que confessa a prática da infração penal antes de tomar conhecimento do procedimento judicial em seu desfavor, bem como aquele que repara o dano causado à vítima visando diminuir seus efeitos antes do juízo oral - há previsões antes e durante o processo penal, quanto aos crimes de tráfico de drogas (artigo 376 do Código Penal Espanhol) e terrorismo (artigo 579.3 do Código Penal Espanhol).

No caso dos artigos 376 e 579.3, há uma atenuação significativa da pena para aquele que abandona definitivamente estas atividades criminosas e cumpre com os requisitos legais.

Quanto à natureza jurídica da colaboração premiada, inicialmente, a colaboração não se trata de meio de prova, mas deve ser classificada como um meio de obtenção de elementos de prova, como bem coloca Gilson Langaro Dipp, em que pese o propósito da mesma apontado pelo autor não corresponda à realidade, apontado como “promover a rápida apuração dos ilícitos e de modo célere a aplicação das punições correspondentes em face de condutas de difícil comprovação”.

Não se trata de promover a rápida apuração e/ou punição, mas sim de alcançar toda a estrutura da organização criminosa investigada, sobretudo com a apresentação ou indicação da localização de provas materiais dos fatos investigados.

Quanto à natureza de meio de obtenção de prova, essa foi a posição de diversos julgados no Supremo Tribunal Federal, como por exemplo no HC 90.688-PR (Rel. Ministro Lewandowski) onde se depreende que:

“Nessa ocasião a Corte fixou entendimento de não constituir esse documento meio de prova, mas meio de obtenção dela assim não se submetendo necessariamente ao contraditório ou ampla defesa, podendo manter-se sobre ele o sigilo às demais partes (não envolvidas no acordo) ou interessados, enquanto não conveniente para a instrução ou até que a lei o dispense.

Segundo se depreende do entendimento do STF, com o qual concordamos, a colaboração premiada tratar-se-ia de meio de obtenção de prova e as declarações do colaborador, por sua vez, meio de prova, que, para a formação do convencimento do juiz, deve ser corroborado por outros meios idôneos de prova.

Mais adiante, ainda na mesma decisão, a natureza da colaboração é asseverada como negócio jurídico-processual, capaz de garantir ao colaborador uma série de direitos:

“Assinalou que a colaboração premiada seria negócio jurídico-processual, o qual, judicialmente homologado, confere ao colaborador o direito de: a) usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica; b) ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; c) ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; e d) participar das audiências sem contato visual com outros acusados. (grifo nosso)”

Vladimir Aras classifica ainda a colaboração premiada como “meio especial de obtenção de provas, ou técnica especial de investigação, a colaboração premiada é indispensável para o enfrentamento da criminalidade grave, especialmente a de cunho mafioso. Todavia, este instituto é sobretudo uma ferramenta defensiva, um “recurso” inerente à ampla defesa, no sentido empregado pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.”

A colaboração premiada situa-se, em meio a outros meios especiais de obtenção de provas, tais como a interceptação telefônica ou de sinais, a infiltração policial e a ação controlada, aptos a alcançar elementos probatórios em relação a uma modalidade específica de criminalidade grave: a criminalidade organizada. Importante menção do autor também à colaboração como ferramenta defensiva.

Da mesma forma, entendemos a colaboração como um exercício do direito de defesa do réu ou investigado, sendo a colaboração premiada, com a formalização do acordo, um direito subjetivo dele. Em que pese não exista direito líquido e certo à colaboração, ela passa a ser encarada também como uma ferramenta defensiva do investigado.

Quanto aos seus efeitos intrínsecos, a colaboração premiada pode ser classificada como “chamamento do corréu” ou “confissão delatória”. Por fim, quanto aos seus efeitos extrínsecos, a colaboração premiada tem a natureza de causa especial de diminuição de pena.

A colaboração deve atingir os resultados previstos no artigo 4° da lei: I - A identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Já no que tange às circunstâncias objetivas e subjetivas, o autor destaca que a colaboração não se trata de um direito subjetivo do investigado/imputado/condenado a realização do acordo, mas sim o mesmo deve ser analisado pelo Delegado de Polícia e pelo membro do Ministério Público à luz da estratégia de investigação e persecução penal, sobretudo levando-se em conta também a repercussão social dos fatos e sua gravidade.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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