Resumo: Uma análise das caraterísticas e particularidades que circundam as entidades fechadas de previdência complementar permitirá compreender o correto funcionamento e propósito desses entes. Esta pesquisa se faz necessária porque eventuais alterações no contrato de trabalho do participante podem impactar diretamente na viabilidade econômica do plano de benefícios, ainda que contrato de trabalho e contrato de previdência privada sejam relações jurídicas independentes.
Palavras-cheve: Previdência complementar fechada. Contrato de trabalho. Interdependência.
Introdução
A sociedade brasileira passa atualmente por um período de transição demográfica onde se constata o aumento da longevidade. Tal fato, aliado ao alto custo de vida, leva o trabalhador a programar seu futuro com mais prudência.
Neste contexto, nem sempre a renda oriunda da previdência social é suficiente para suprir tantos custos provenientes da terceira idade. Assim, paralelamente ao regime geral e ao regime próprio de previdência há a previdência complementar, cujo objetivo é prover um amparo acional à proteção mínima previdenciária garantida constitucionalmente.
Os planos de previdência privada surgem como uma alternativa para a complementação da renda e são negociados através de contratos de longo prazo. Ocorre que, em razão do logo lapso temporal desde sua contratação até a data do efetivo requerimento do benefício perante a entidade de previdência muitas situações podem se alterar.
Circunstância recorrente que quando alterada pode impactar diretamente no custeio do plano de benefícios diz respeito ao contrato de trabalho, principalmente para as entidades fechadas de previdência complementar. Porém, embora a lei seja expressa ao dispor que contrato de trabalho e contrato de previdência complementar fechada são independentes, não se pode negar a correlação entre ambos.
Regime de previdência complementar: considerações iniciais
A Constituição Federal estabelece em seu texto o regime complementar de previdência social, também conhecido como regime de capitalização, o qual é regulamentado através das Leis Complementares 108 e 109, ambas de 2001. Este sistema tem como característica a desvinculação com o Regime Geral de Previdência Social – RGPS e com o Regime Próprio de Previdência Social – RPPS, seu caráter facultativo e privado, sendo administrado pelas chamadas entidades de previdência privada, as quais são fiscalizadas pelo poder público.
Estas entidades de previdência complementar, podem se dividir em entidades abertas ou fechadas, sendo estas objeto principal do presente estudo.
As Entidades Abertas de Previdência Complementar – EAPC, somente podem ser constituídas sob a forma de sociedades anônimas, possuem fins lucrativos e seu objetivo é ofertar e operar planos de benefícios previdenciários acessíveis a qualquer pessoa física, conforme preceitua o art. 36 da LC 109/01. Aqui estão inseridas as instituições financeiras e seguradoras, as quais poderão ofertar planos na forma de renda continuada ou de pagamento único ao contratante2.
Neste ponto, destaca-se que em virtude das características próprias deste tipo de contratação, somente a relação jurídica existente entre a EAPC e o contratante será regida pelo código de defesa do consumidor, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ3. Ademais, estas instituições são fiscalizadas pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, órgão do Ministério da Fazenda.
De outro lado, a LC 109/01 em seu art. 31§1º prevê as Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC, as quais não possuem fins lucrativos, poderão se estruturar sob a forma de fundação ou sociedade civil, sendo que sua criação é direcionada para atender exclusivamente os integrantes de determinada empresa ou grupo de empresas, órgãos públicos e associações. Em virtude da temática tratada no presente estudo, se faz necessário aprofundar-se no estudo específico das EFPC’s.
2.1 Entidades Fechadas de Previdência Complementar
Neste seguimento, na hipótese dos empregadores (empresas, órgãos e entes da administração direta/ indireta) instituírem plano de benefícios para seus empregados, eles receberão a denominação de patrocinadores. Já os instituidores correspondem às entidades classistas ou pessoas jurídicas de caráter profissional que ofertem planos previdenciários fechados aos seus associados4.
As pessoas físicas que tenham vínculo com os patrocinadores/ instituidores, ou seja, os empregados ou associados, respectivamente, que aderirem ao plano de previdência complementar fechado serão chamados de participantes. A última classe de sujeitos nesta relação são os assistidos, ou seja, os participantes ou beneficiários que já estejam usufruindo do benefício contratado5.
Neste ponto, vale destacar que o empregador que decida ofertar planos de previdência para seus empregados deverá fundar uma entidade específica para este fim, de maneira que não se confunda a personalidade jurídica e o patrimônio da instituidora/ patrocinadora com a personalidade da EFPC6.
2.1.1 Plano de benefícios ofertados
Como mencionado anteriormente, a partir do momento que a EFPC é criada pela instituidora/ patrocinadora, surge para os associados/ empregados a facultatividade de aderir ao plano de benefícios ofertado. Neste diapasão, o pretenso beneficiário firmará contrato com a entidade de previdência, intitulado de plano de benefícios.
Este plano regulará o tipo de benefício contratado, a maneira com que será feito o aporte de recursos, a forma de investimento da renda acumulada, os requisitos para a concessão do benefício e todos os demais direitos e obrigações que envolvam as partes contratantes7.
Logo, resta configurada uma relação tipicamente privada/civilista, conforme já disciplinou o STJ, em interpretação a contrário sensu de sua súmula de número 563. Porém, não obstante este caráter privado, o fato é que as EFPC’s são fiscalizadas pelo poder público por intermédio da Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda8.
A elaboração do plano de benefícios é realizada com base em estudos atuariais, os quais levam em consideração a probabilidade de ocorrência de certos eventos como invalidez, idade para aposentadoria e morte. Aliados a estes fatos, também são levados em consideração a idade do participante, as características de seus dependentes e seu histórico laboral, bem como premissas futuras, a exemplo de taxas de juros, rentabilidade de investimentos e número de contribuições9.
Porém, tendo em vista que este plano de benefícios é pensado a partir de presunções, pode ocorrer de que o cenário esperado não se concretize, seja para melhor ou pior, razão pela qual se justifica a constante revisão do plano e de seu custeio.
Logo, tendo em vista que neste tipo de contratação o beneficiário adere a um plano de benefícios cujo objeto (pagamento da quantia) só será pleiteado, em regra, em logo prazo, é comum neste interim que o regime previdenciário contratado sofra alterações e as regras vigentes no momento de implemento dos requisitos não mais correspondam às que foram pactuadas no passado.
Em razão deste descompasso entre regras contratadas e regras vigentes para resgate do benefício muitas ações foram ajuizadas perante o judiciário. A pacificação para a contenda foi proferida pelo Superior Tribunal de Justiça ao firmar a tese de que:
O regulamento aplicável ao participante de plano fechado de previdência privada para fins de cálculo da renda mensal inicial do benefício complementar é aquele vigente no momento da implementação das condições de elegibilidade, haja vista a natureza civil e estatutária, e não o da data da adesão, assegurado o direito acumulado10.
Uma vez esclarecido que as regras a serem aplicas serão aquelas vigentes no momento em que o beneficiário implementar os requisitos para o requerimento do benefício, cumpre destacar as espécies de previdência complementar disponíveis no mercado.
O pretenso beneficiário poderá aderir à previdência complementar fechada através dos seguintes planos: contribuição definida (CD), benefício definido (BD), ou contribuição variável (CV), conforme bem especifica a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar - ABRAPP11. Veja-se.
Para os planos de contribuição definida, previamente se determina o montante da contribuição, sendo que o valor do benefício somente será estabelecido no momento da sua concessão, conforme o patrimônio acumulado durante o período contratado e levando em consideração as aplicações realizadas com o montante. O CD apresenta como características principais: conta individual do beneficiário, valor do benefício é indefinido, não há excedentes ou insuficiência de recursos.
O benefício definido é aquele plano em que se define, no momento da adesão, um valor preestabelecido que o benefício do participante terá ao fim do plano. Para tanto, as contribuições poderão variar no curso do tempo. As marcas do BD são: contribuições variáveis, valor dos benefícios desvinculados das oscilações das reservas, repartição coletiva nos superávits e déficits.
A contribuição variável é a modalidade que mescla características dos dois planos anteriores, tendo em vista que na fase de aporte de valores possui as características de CD, já que destinado à conta individual do participante. De outro lado, a partir do momento de recebimento do benefício as particularidades do BD se sobressaem, como por exemplo a desvinculação das oscilações das reservas do fundo nos benefícios vitalícios.
2.1.2 Custeio do Plano de Benefícios
O custeio do fundo de previdência complementar e a correta aplicação das reservas matemáticas dos participantes é fundamental para a manutenção do sistema. Neste contexto, cumpre destacar que na previdência complementar vige o sistema da capitalização, o qual pressupõe o acúmulo de haveres durante a vida laboral do participante, valores estes que suportarão o custeio do benefício complementar de aposentadoria contratado12.
Quando os planos de benefícios são ofertados pelas empresas a seus empregados, a então patrocinadora poderá subsidiar parcela dos custos do plano, passando a fazer contribuições periódicas aos benefícios de seus empregados13. Porém, conforme leciona a LC 108/01 em seu art. 6º, a contribuição normal do patrocinador não poderá exceder à contribuição do participante.
O participante, por sua vez, custeará o plano de benefícios contratado através de aportes, os quais podem se dar de inúmeras formas. O financiamento poderá se dar com aporte inicial, um tipo de “parcela de entrada” feita pelo participante para dar início ao plano de previdência. Seu valor varia conforme as especificações do contrato, mas, em regra, não se requer que sejam valores altos e em alguns casos sequer é exigido. De todo o modo, este investimento inicial deverá ser sucedido por aportes mensais14.
Os aportes mensais serão aquele investimento realizado mês a mês pelo participante. Já os aportes extras são identificados como aquelas contribuições que são oriundas de recursos como heranças, férias, venda de bens, dentre outros15.
Como se vê, o custeio dos benefícios se dará com os recolhimentos feitos pela patrocinadora e pelo participante, os quais constituirão a reserva financeira do benefício, assegurando também o equilíbrio financeiro e atuarial do plano de previdência privada.
Esta reserva de recursos, através de um sistema de capitalização (acúmulo de valores durante o período ativo de trabalho do participante), formará um patrimônio, o qual custeará o benefício previdenciário, conforme já mencionado. Ocorre que este montante será constantemente investido no mercado, conforme o perfil contratado pelo participante16.
A rentabilidade destes investimentos será fundamental para garantir o cumprimento das obrigações assumidas pela EFPC perante o participante, pois além do montante efetivamente acumulado, com aplicação da devida correção monetária, o resultado dos investimentos deverá gerar um ganho real, significando um fator multiplicador do que fora aportado17.
Neste contexto, vale destacar a forma pela qual é definido o valor da contribuição do participante e da patrocinadora. A quantia a ser aportada será definida levando em consideração o salário de participação, o qual poderá ser adotado como “base de cálculo das contribuições normais do participante e da patrocinadora, ou seja, as rubricas efetivas descritas no contracheque”18, ou então será “composto pela remuneração mensal, excluídas as verbas de natureza indenizatória”19 ou ainda o “valor das parcelas remuneratórias normais (todas aquelas recebidas a título de remuneração, excluídas outras parcelas consideradas eventuais) que o participante receba”20.
Através dos exemplos mencionados, percebe-se que a definição de salário de participação, assim como as verbas consideradas em sua composição, varia conforme o contrato firmado entre o participante e a EFPC, mas, em todo caso, será a base de cálculo das contribuições e estará correlacionado diretamente com a remuneração mensal do participante21.
O contrato de trabalho no contexto das EFPC’s
A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT disciplina em seu art. 442 que o contrato individual de trabalho será o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. Por relação de emprego entende-se todo e qualquer vínculo jurídico de trabalho executado por pessoa física que reúna as características da pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.
Logo, o contrato de trabalho será o instrumento jurídico pelo qual o empregado põe à disposição do empregador sua força de trabalho em troca de uma remuneração.
Conforme manifestado nos parágrafos anteriores, o custeio do fundo de previdência se dará mediante as contribuições do participante e da empresa patrocinadora através de um percentual vinculado ao valor da remuneração do participante, fato que revela relação entre a previdência complementar e o contrato de trabalho.
Ademais, vale recordar que é condição indispensável para que o participante possa aderir ao plano de benefícios da EFPC que ele seja empregado da empresa patrocinadora, fato que também constata a correlação entre estes dois contatos.
Ocorre que a LC 109/01 prevê em seu art. 68 que:
Art. 68. As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstos nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência complementar não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes.
Depreende-se que, embora a EFPC se utilize da remuneração estipulada no contrato de trabalho como base de cálculo dos aportes do participante e da patrocinadora, o fato é que os planos de benefícios não integram o contrato de trabalho.
Assim, como consequência lógica desse entendimento, é razoável mencionar que o art. 468 da CLT22 não incidirá na relação entre participante, patrocinadora e EFPC, de modo que se admite que haja alterações nos planos de benefícios, até mesmo aquelas que instituam condições menos benéficas ao participante. Assim, ao se afastar o princípio trabalhista da inalterabilidade contratual lesiva prestigia-se o princípio da pacta sunt servanda, corolário do direito civil.
Porém, ainda que expressamente prevista a independência entre o contrato de trabalho e o contrato de previdência complementar fechada, a competência para julgamento das ações envolvendo o pleito de complementação de aposentadoria esteve na alçada da Justiça do Trabalho até 2013. A mudança de competência somente ocorreu no referido ano quando o Supremo Tribunal Federal – STF enfrentou o tema por meio do julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida23.
Na oportunidade, assentou-se que as demandas ajuizadas em face de entidades de previdência complementar seriam de competência da justiça comum, tendo em vista a independência entre o Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário. Ademais, tal posicionamento privilegia o texto do art. 202, §2º da CF, bem como traz maior efetividade e racionalidade ao sistema24.
Muito embora tenha havido a mudança de competência para a justiça comum, é fato que algumas disposições pertinentes à previdência complementar continuam correlacionadas à esfera trabalhista e ao contrato de trabalho do participante. Exemplo oportuno é a disciplina da prescrição quanto à pretensão à complementação dos proventos de aposentadoria que se mantem disciplinada nas súmulas 326 e 327 do Tribunal Superior do Trabalho – TST25.
3.1 Análise jurisprudencial
Ainda que o texto constitucional e a LC 109 sejam uníssonos quanto a independência entre o contrato de trabalho e o contrato de previdência complementar, a correlação entre ambos é inevitável, sobretudo no que toca às entidades fechadas de previdência privada.
Neste sentido, esta matéria é tema recorrente de amplos debates no judiciário, principalmente no que diz respeito à possibilidade de recálculo do benefício complementar, após sua concessão, em razão de alterações realizadas no salário de participação em virtude de sentença trabalhista transita em julgado, nos casos em que a ação fora ajuizada após a extinção do contrato de trabalho.
O que muito se questionou foi a possibilidade de inclusão das horas extras habituais, incorporadas à remuneração do participante por decisão da justiça do trabalho, aos proventos de aposentadoria complementar pago por entidade fechada26.
O presente tema era matéria controvertida nos tribunais e até mesmo nas próprias turmas do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Porém, a jurisprudência tomou novos rumos após acórdão proferido sobre a sistemática do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR.
Como exemplo desta controvérsia é possível citar o Resp. 1.525.732/RS27, oportunidade em que a Terceira Turma do STJ assentou que, em regra, se nega a integração das horas extras ao cálculo dos proventos de aposentadoria, mas que, excepcionalmente será admitida, caso tenha sido paga a referida verba durante a vigência do contrato de trabalho e que ela conste no plano de benefícios como base de cálculo do salário de participação.
Por outro lado, o mesmo acórdão fundamenta que para os casos em que o pagamento das horas extras tenha sido feito de forma extemporânea, como nas hipóteses de reconhecimento do direito mediante reclamatória trabalhista, deverá ser verificado o montante que o participante teria contribuído caso o pagamento das horas extras tivesse ocorrido no momento oportuno. Após estes cálculos, deveria ser feita a compensação destes valores (custeio) com os que teria direito o participante em razão da complementação (valor final do benefício)28.
Por fim, a decisão destaca que é facultado ao participante integralizar a cota parte que a patrocinadora deveria ter aportado, facultando-se a devida indenização em ação própria perante a empresa empregadora.
O exame desta decisão permite depreender que para atender ao pleito de complementação do valor de aposentadoria bastaria que a entidade de previdência atualizasse o valor do benefício do participante/ assistido, tendo por base o novo salário de participação e compensasse deste valor os aportes das contribuições que deveriam ter sido realizadas. Como se vê, o aporte extemporâneo das contribuições é dado como solução para que o benefício de aposentadoria seja complementado.
Ocorre que esta hipótese se mostra inapropriada por desrespeitar os princípios da prévia fonte de custeio e do equilíbrio financeiro e atuarial. Como é sabido, o sistema de previdência complementar é calcado no regime de capitalização, o qual pressupõe a acumulação das reservas matemáticas que serão investidas e cujo produto custeará o benefício contratado.
Assim, ao se admitir que aportes extemporâneos sejam feitos mediante simples cálculo aritmético, ainda que devidamente atualizados, não se mostra suficiente para recompor o benefício, uma vez que estas contribuições não foram objeto de investimento prévio e, por conseguinte, não geraram qualquer rendimento. Em outras palavras, esta hipótese concretiza o recebimento de benefício para o qual o participante não contribuiu previamente, o que viola o princípio da prévia fonte de custeio.
Ademais, medida adequada para o caso seria “a efetiva recomposição atuarial do plano, para possibilitar a inclusão dessas verbas no benefício, com a indispensável formação da reserva matemática (reserva de benefícios a conceder), exigida pela lei”29.
Por outro lado, contribuições pagas de forma intempestiva também violam o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, o qual preconiza que a EFPC deverá se atentar para a ligação entre o custeio do plano e o pagamento de benefícios30.
Tendo em vista que a previdência complementar tem por fundamento o regime de capitalização e que o pleito de revisão do benefício se dá em momento em que o participante já está em seu gozo, resta evidente que o participante pleiteia valores para os quais não contribuiu, já que não houve prévio suporte financeiro. Assim, resta evidente que esta conduta causaria sérios danos à EFPC, uma vez que ela, seria a responsável por arcar com a complementação dos valores do benefício.
Este é um cenário preocupante, pois estas entidades não possuem fins lucrativos e eventuais prejuízos/ déficits sofridos por ela são repartidos com todos os participantes do fundo, nos termos do art. 21 da LC 109/01. Logo, ao fim e ao cabo, instalar-se-ia um cenário de ameaça ao equilíbrio financeiro e atuarial do plano, pondo em risco sua subsistência.
Assim, dando seguimento ao debate, merece destaque a decisão proferida no Agravo Regimental no Recurso especial n. 1.557.698/ RS pela Quarta Turma do STJ31.
Nesta oportunidade, deliberou-se:
Inviável o pedido de inclusão das verbas salariais incorporadas ao salário por decisão da Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos proventos de complementação de aposentadoria, por ausência de prévia formação da reserva matemática necessária ao pagamento do benefício.
O julgado fez questão de ressaltar a independência entre o contrato de trabalho e o plano de previdência, bem como o sistema de capitalização inerente à previdência complementar, de forma que é elementar o acúmulo de reservas matemáticas durante longo período para que se custeie o benefício contratado.
Depreende-se que neste julgado a Corte decidiu o mérito do caso mediante a observância exata das disposições normativas inerentes às entidades de previdência complementar, tendo como exemplo o art. 202 da Constituição Federal e no art. 18 da LC 109/01.
Como é sabido, é condição para a viabilidade dos planos de previdência complementar o equilíbrio entre as contribuições do participante, da patrocinadora, a rentabilidade dos investimentos feitos com essa reserva patrimonial e o efetivo pagamento dos benefícios contratados.
Neste sentido, a decisão se mostra adequada, pois eventual permissão de aportes intempestivos somente restaurariam a reserva financeira de forma atuarial após complexas perícias contábeis e análises combinatórias (as quais deveriam retroceder ao momento em que cada contribuição deixou de ser feita), situação que demandaria elevados custos para a EFPC e, reflexamente, a todos os seus participantes32.
Assim, ao se negar a incorporação intempestiva de aportes no plano de benefício quando o participante já está em seu gozo se enfatiza a necessidade da prévia fonte de custeio e o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial. Deste modo, pode-se dizer que o STJ primou pela viabilidade econômica do plano de benefícios e pela segurança da coletividade dos participantes em detrimento do pleito individual do participante.
Visando dirimir as controvérsias existentes, o Resp. 1.312.736 - RS foi afetado para julgamento nos termos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, já que o tema em debate era questão controvertida no âmbito do STJ, situação que acarretava grande insegurança jurídica, tendo em vista que ações desta natureza têm se tornado cada vez mais comuns.
Nesta ação ressaltou-se: a autonomia existente entre o contrato de trabalho e o contrato de previdência complementar; o caráter civilista do plano de benefícios contratado, já que será a “lei entre as partes”; o regime de capitalização, aliado ao princípio da prévia fonte de custeio, como pressupostos de subsistência da EFPC; a importância dos lucros nos investimentos para a composição do salário de benefício e a imprescindibilidade do equilíbrio financeiro e atuarial do plano de previdência.
O acórdão proferido firmou a seguinte tese:
A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria33.
Porém, como forma de se resguardar o interesse da coletividade, os efeitos da decisão foram modulados. Assim, para as ações ajuizadas na justiça comum até a data de julgamento do recurso (08/08/2018) se facultou a possibilidade excepcional de inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias reconhecidas em reclamatória trabalhista aos cálculos do salário de benefícios, desde que: haja previsão no plano de benefícios para tanto e haja recomposição prévia e integral dos aportes, cujos valores devem ser apurados em estudo atuarial individualmente.
Conteúdo de suma importância que foi tratado no referido julgamento e que também aborda a correlação entre contrato de trabalho e contrato de previdência complementar fechada diz respeito à responsabilização da patrocinadora no contexto da complementação dos valores de aposentadoria em razão do reflexo de verbas reconhecidas na justiça do trabalho.
Se faz necessário relembrar que as demandas objeto do presente estudo se originaram porque durante a vigência do contrato de trabalho a empresa empregadora deixou de efetuar o pagamento correto de verbas trabalhistas/ remuneratórias, a exemplo das horas extras. Assim, após o fim do pacto laboral, o empregado pleiteia tais direitos, os quais, uma vez reconhecidos em sentença transitada em julgado, podem alterar sua remuneração.
Uma vez que tal remuneração, não raras vezes, é base de cálculo para o salário de participação nos planos de previdência complementar fechada, configura-se o reflexo da justiça laboral no âmbito previdenciário, regido pelo direito civil.
Uma vez que o empregado/ participante se vê duplamente lesado pela empresa/patrocinadora, já que esta não adimpliu com suas obrigações trabalhista e tal fato resultou em aportes a menor, tanto por parte do participante, quanto por parte da patrocinadora, se faz necessário recompor o que deixou de ganhar.
Logo, é medida de justiça que o participante seja indenizado dos prejuízos que sofreu na esfera previdenciária. Evidentemente que a majoração do benefício previdenciário é questão de ordem para se minorar os danos sofridos.
Ocorre que sobre o assunto o STJ concluiu que, caso a entidade de previdência complementar fechada não tenha praticado qualquer ilegalidade, os valores reconhecidos em reclamatória trabalhista transitada em julgado em momento em que o participante já estiver em gozo do benefício contratado não poderão repercutir em seu valor34.
De qualquer modo, a decisão ressaltou que o pleito por reparação de eventuais prejuízos que o participante tenha sofrido em virtude de ato ilícito perpetrado pela patrocinadora que tenha causado o recebimento de aposentadoria menor do que lhe seria devido deverá ser movido contra ela perante a justiça do trabalho, situação que corrobora a interdependência entre previdência complementar e contrato de trabalho.