O tema nº 498 do Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a tese de que é inconstitucional distinção entre cônjuges e companheiros, nos termos do art. 1.790, do Código Civil (CC/2002), devendo ser aplicados aos casos o art. 1.829, do CC/2002. O caso em tela versa sobre o alcance do direito sucessório em face de união estável homoafetiva, ou seja, entre casais homossexuais.
O Min. Rel. Marco Aurélio Melo, no RE 646721, fixou a tese presente, ancorado na igualdade, na dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, de que é inconstitucional a distinção entre cônjuges e companheiros, sejam heterossexuais ou homossexuais, haja vista que não há hierarquia no direito sucessório, em outra tese do pretório excelso, entre casais heterossexuais ou homossexuais em regime de casamento ou união estável.
Portanto, ver-se-á no presente texto alguns argumentos utilizados pelo Min. Rel. Marco Aurélio Melo, sendo eles: diferentes formas de famílias e a igualdade, dignidade e proporcionalidade no reconhecimento de famílias formadas por casais homoafetivos.
1. A concepção de família homoafetiva
A família é um dos institutos mais antigos da sociedade Ocidental. É um pilar social, recebendo proteção especial no art. 226, da Constituição Federal (CF/88), com a seguinte redação: "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado." Sendo o instituto familiar gozado de especial proteção do Estado, não é apenas a ideia liberal-burguesa de "família tradicional", mas as várias concepções de famílias.
Uma delas é a família homoafetiva. O termo família homoafetiva foi cunhado pela eminente Maria Berenice Dias (2009), sendo aquela concepção familiar formada por pessoas do mesmo sexo. Foi esta concepção reconhecida graças à suprema corte brasileira, nos julgados do informativo n. 625, com a ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF. O termo família homoafetiva foi cunhado pela eminente Maria Berenice Dias (2009), sendo aquela concepção familiar formada por pessoas do mesmo sexo. Desse modo, o STF, nos julgados supramencionados, equiparou a união estável entre casais homoafetivos à união estável entre casais heterossexuais, visto que todos são iguais perante a lei, sem quaisquer distinções, consoante o art. 5º, caput , da CF/88.
Ante o exposto, reconheceu-se que há diversas concepções de família, com enfoque na família homoafetiva pelo presente texto, e não apenas a de famílias formadas por casais heterossexuais, concepção esta restritiva e anti-igualitária.
2. Igualdade e dignidade referente às famílias homoafetivas
O art. 5º, caput, da CF/88 afirma que:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"
Tendo em vista o artigo da Carta Magna supramencionado, é inconstitucional o tratamento discriminatório em sentido amplo, incluindo à sexualidade. Fala-se, no próprio caput do artigo, em proteção e inviolabilidade do direito à igualdade e à liberdade. Esta está, nos dizeres de SARMENTO (2024), intrinsecamente ligada à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88) em seu elemento de autonomia privada. Por autonomia privada entende-se a capacidade de uma pessoa autodeterminar-se, tomar suas decisões, buscar sua felicidade em sua própria concepção de bem (BARROSO, 2022, p. 81-82). Vê-se que os casais homoafetivos possuem o direito a se autodeterminar, conforme a dignidade humana, à liberdade e autonomia privada dos casais, também consoante o art. 226, § 7º, da CF/88, ao enunciar que "Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal [...]."
Ademais, referente à igualdade, o art. 226, § 3°, da CF/88, amplia os direitos do casamento à união estável ao enunciar:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Ampliando com uma interpretação conforme à Constituição Cidadã o conceito familiar, o STF, nos julgados mencionados, equiparou a união estável de casais homoafetivos a casais heterossexuais, entre homem e mulher. Não deveria ser diferente no direito sucessório, porquanto há equiparação entre ambas as concepções familiares.
Portanto, conforme o Tema nº 498 do STF, o Min. Rel. Marco Aurélio Melo julgou procedente o Recurso Extraordinário em questão, visto que os casais homoafetivos são familiares, sendo seu reconhecimento embasado na igualdade e na dignidade da pessoa humana. Desse modo, o art. 1.790, do CC/2002, é inconstitucional, pois faz distinção entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado ao caso o art. 1.829, do então Código Civil vigente.
3. Conclusão
Conclui-se, diante do exposto, que a Tese nº 498 do STF, fixando a inconstitucionalidade do art. 1.790, do CC/2002, por ferir a igualdade e a dignidade da pessoa humana, devendo ser aplicado o art. 1.829, do mesmo diploma legal, é acertada, porquanto é inconstitucional quaisquer formas de discriminação pela Carta Republicada de 1988 brasileira, inclusive quanto à orientação sexual do casal.
Referências bibliográficas
Código Civil. 1 ed. São Paulo: Edipro, 2024.
Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 59. ed. São Paulo: Saraiva, 2024.
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. 7. ed. São Paulo: Fórum, 2022.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 3. ed. São Paulo: Fórum, 2024.
Tema 498 do Supremo Tribunal Federal - STF. Disponível em: https://tesesesumulas.com.br/tese/stf/184. Acesso em: 25 de mar. 2025.