O princípio da reserva do possível e a garantia do mínimo existencial à luz da jurisprudência do STF

Exibindo página 1 de 2
26/03/2025 às 15:45

Resumo:


  • O trabalho aborda o princípio da reserva do possível e a garantia do mínimo existencial, analisando sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal.

  • É discutido o surgimento legal do princípio da reserva do possível e a proteção constitucional, bem como os fatores influenciadores e as consequências da adoção desse entendimento.

  • O Supremo Tribunal Federal tem decidido que o poder público não pode invocar a reserva do possível para comprometer o núcleo básico do mínimo existencial, garantindo a efetividade dos direitos sociais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso trata sobre o princípio da reserva do possível e a garantia do mínimo existencial. A pesquisa objetiva analisar a aplicação do direito da reserva do possível, bem como os institutos jurídicos da garantia do mínimo existencial sobre a ótica do supremo tribunal federal. Inicialmente, verifica-se o surgimento legal do princípio da reserva do possível e a proteção constitucional sob entendimento dos tribunais superiores no âmbito da proteção de direitos. Em seguida, são investigados os fatores influenciadores e as consequências da adoção deste entendimento principiológico, em uma contraposição de haver a garantia ao mínimo existencial de alguns direitos constitucionais fundamentais. Por fim, são descritas as respostas jurídicas acerca do princípio da reserva do possível e a garantia ao mínimo existencial acerca do entendimento do supremo tribunal federal. O trabalho conclui que existem consequências relacionada à adoção do princípio da reserva do possível em circunstância absoluta, assim como o debate de que possa haver responsabilização do ente público para com a medida, embora ainda tais respostas não sejam suficientes.

PALAVRAS-CHAVE: Reserva do possível. Mínimo Existencial. Supremo Tribunal Federal. Garantias Constitucionais.


1. INTRODUÇÃO

É constantemente visível que a prestação de alguns direitos sociais por parte do estado brasileiro, encontra sempre condicionado à existência de recursos financeiros, ou seja, de dinheiro nos cofres públicos. Assim eventual não realização de algum direito social teria como principal fundamento estatal a insuficiência de recursos, já que eles são escassos.

Em contrapartida, a Constituição Federal de 1988 veio a trazer consigo diversos direitos sociais. Assim, devido a esta condição, o princípio da reserva do possível surge e intimamente se liga a possível realização desses tais direitos sociais elencados na carta magna.

Porém, devido o estado brasileiro enfrentar problemas de escassez de recursos, surge a ideia do princípio da garantia do Mínimo Existencial, necessário para estabelecer prioridades para a garantia direitos sociais considerados essenciais ou fundamentais para que alcancem os indivíduos da sociedade.

A principal justificativa que interessa e impulsiona a pesquisa cientifica sobre o presente tema, é como que princípio da reserva do possível e a garantia do mínimo existencial vem se demonstrando, e, até que ponto é possível o indivíduo pode exigir o cumprimento de direitos sociais da máquina pública.

Assim sendo, expõe a pesquisa sobre como o Supremo Tribunal Federal vem adequando-se seus entendimentos sobre o tema em questão.

Todavia, com objetivo geral, é pretendido analisar o princípio da reserva do possível e a garantia do mínimo existencial à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

E com objetivos específicos, a presente pesquisa tende a estudar o contexto histórico sobre o surgimento do princípio da reserva do possível e posteriormente o nascimento da garantia do mínimo existencial.

Adiante, verificar os impactos sofridos na segurança jurídica quando o Supremo Tribunal Federal se utiliza dos instrumentos supracitados para a solução de conflitos oriundos da legislação brasileira.

E por fim, explicar a importância de como o princípio da reserva do possível, se utilizado em sua plenitude, pode ajudar a melhorar a aplicação de direitos fundamentais e posteriormente a manutenção do princípio da dignidade da pessoa humana.


2. O SURGIMENTO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSIVEL

A pesquisa adiante irá tratar sobre o surgimento do princípio da reserva do possível em seu contexto histórico a contar de sua primeira aparição, chegando-se ao ponto de aplicação na qual vivemos nos dias de hoje e a busca principal de sua aplicação na cobrança de direitos sociais, em especial a dignidade da pessoa humana garantida de nossa constituição de 1988.

2.1. Evolução Histórica

O Princípio da Reserva do Possível, também conhecido como Princípio da Reserva de Consistência é um princípio jurídico pertencente a jurisdição alemã originada em decorrência de um ação judicial que buscava conceder a determinados estudantes o direito de cursar o ensino superior público, fato acontecido no início da década de 1970, na qual se originou na Alemanha, a então “Teoria da Reserva do Possível” por meio do julgado BVerfGE 33, 303., acordão executado pelo Tribunal Constitucional Federal, decisão essa que também ficou conhecida como Numerus Clausus.

O processo judicial diz respeito a estudantes que desejavam ingressar nas universidades de Medicina de Hamburgo e Munique, mas que não foram admitidos haver a existência de limite de vagas nas cotas dos programas para os cursos superiores adotado pelo país em 1960, pois, há no texto da Lei Fundamental da República da Alemanha, em seu Art. 12, I, em que “todos os alemães têm o direito de escolher livremente a sua profissão, o lugar de trabalho e de formação profissional (...)”.

No caso em apreço, o Supremo Tribunal Alemão decidiu que somente se pode exigir do Estado a prestação em benefício do interessado, desde que sejam observados os limites da razoabilidade, assim, os direitos sociais que requerem uma provisão para se concretizarem, estarão vinculados à “Reserva do Possível” no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, possa razoavelmente esperar da sociedade, ou seja, justificaria a limitação do Estado em razão de sua condição econômica e estrutural.

Encontrando respaldo na “Reserva do Possível”, a justiça Alemã julgou improcedente o direito pretendido, entendendo que, apesar de o Estado possuir leis que regem os direitos fundamentais, há um limite para a quantidade de recursos disponíveis para efetivar tais direitos, o que configura uma restrição na prática, ou um limite fático. E, ainda que o Estado disponha de recursos materiais e humanos suficientes, deve agir dentro dos limites da razoabilidade, conforme entendeu o Tribunal da Alemanha no caso em tela.

Assim, segundo Martins (2005, p. 633) de acordo com a Corte alemã, entendeu que:

Mesmo na medida em que os direitos sociais de participação em benefícios estatais não são desde o início restringidos àquilo existente em cada caso, eles se encontram sob a reserva do possível, no sentido de estabelecer o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da coletividade.

Ao desenvolver esta consideração, defendeu o Tribunal, conforme explica Martins (2005, p. 664):

(...) fazer com que os recursos públicos só limitadamente disponíveis beneficiem apenas uma parte privilegiada da população, preterindo-se outros importantes interesses da coletividade, afrontaria justamente o mandamento de justiça social, que é concretizado no princípio da igualdade.

Ao final, concluiu que:

(...) se a pretensão jurídica da admissão universitária for entendida como direito (social) de participação a prestações (benefícios) estatais, então sua restringibilidade decorre do fato de os direitos de participação – como já mencionado – serem submetidos à reserva do possível, e necessariamente terem que ser regulamentados.

Desse Jeito, a razoabilidade dependeu de determinação do legislador no caso em analisado. Dessa forma, a jurisprudência se firmou no sentido de que não havia razoabilidade na solicitação dos estudantes, uma vez que, o Estado não tinha a obrigação de servir a tal direito. Nesse sentido, os direitos sociais prestacionais foram relacionados ao que foi definido como a “Reserva do Possível”, que abrange a disposição do direito social e o princípio da razoabilidade.

O autor alemão Andreas Krell (2002, p. 42) argumenta que:

vários autores brasileiros tentam se valer da doutrina constitucional alemã para inviabilizar um maior controle das políticas sociais por parte dos tribunais. Essa posição é discutível e, na verdade, não corresponde às exigências de um Direito Constitucional Comparado produtivo e cientificamente coerente

2.2. Adoção da Temática no Brasil

Depois de ser utilizado inicialmente o instituto da reserva do possível pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão, o princípio ganhou força e se espalhou, dando surgimento a “Teoria da Reserva do Possível”, que, posteriormente seria usado como justificativa a existência de limitações ao cumprimento dos direitos sociais.

Por isso, a expressão começou a ser veiculada não apenas na Alemanha, mas também em vários outros países. A exemplo, em Portugal, a doutrina vem se ocupando e mantendo alinhamento ao pensamento da reserva do possível. José Joaquim Gomes Canotilho (2004, p. 481) é um crítico do princípio, afirmando que:

“rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) para traduzir a ideia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob “reserva dos cofres cheios” equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica”.

No Brasil, da mesma forma, a entendimento sobre a reserva do possível se expandiu, porém, um dos pontos de diferença aqui, contudo, deu a expressão a perda parte de seu sentido inicial, uma vez que a doutrina não possui o costume de justificar a razoabilidade da pretensão, mas apenas focar no que diz respeito à disponibilidade ou não de recursos públicos, referindo-se apenas a reserva do financeiramente possível.

Olhando por essa perspectiva, Fernando Facury Scaff (2010, p. 151) faz tratamento ao tema, ao afirmar que “todo orçamento possui um limite que deve ser utilizado de acordo com exigências de harmonização econômica geral”.

Outros renomados autores também entendem o reconhecimento da relação entre a reserva do possível e disponibilidade financeira. Nesse mesmo sentido Ana Paula de Barcellos (2011, p. 276), faz seu posicionamento e entende que “a expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas”.

Não só entendendo dessa forma, a autora ainda divide a reserva do possível entre distinção fática e jurídica. Contudo, alega que a reserva do possível fática estaria estritamente ligada à existência de recursos, sendo que, já na reserva do possível jurídica diria respeito à previsão orçamentária dos mesmos recursos para bancar a despesa.

Neste ponto, vale mencionar a interessante observação que na opinião de Ingo Sarlet (2001, p. 151), por vez, entende que a reserva do possível teria a existência de uma dimensão tridimensional, pois além de ser observadas os aspectos da reserva do possível fática e jurídica, apresenta um terceiro ponto, que “envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade”. Sendo assim, insere um aspecto de racionalidade em uma parte, e em outra um aspecto econômico da reserva do possível, como aqui vem tratando.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Ana Paula de Barcellos (2011, p. 276), após introduzir a classificação da reserva do possível fática e jurídica, questionou sobre a possibilidade de reportar a reserva do possível fática, não houve por parte da administração, recursos em dinheiro em caixa, uma vez que o Estado tem como captar cada vez mais recursos. No entanto, é a própria sociedade que é responsável por fornecer recursos ao Estado. De fato, esse raciocínio leva à conclusão de que, se for entendido como um “estoque factualmente possível” nunca haverá um estoque possível, pois o Estado sempre tem acesso a novos recursos.

Por esse motivo, Ricardo Lobo Torres (2009, p.104) desenvolveu um conceito extremamente crítico de equacionar ao identificar a reserva do possível com a reserva do possível fática. Ele afirma que a reserva do possível no Brasil fora entendida como reserva do possível fática:

ou seja, possibilidade de adjudicação de direitos prestacionais se houver disponibilidade financeira, que pode compreender a existência de dinheiro sonante na caixa do Tesouro, ainda que destinado a outras dotações orçamentárias! Como o dinheiro público é inesgotável, pois o Estado sempre pode extrair mais recursos da sociedade, segue-se que há permanente possibilidade fática de garantia de direitos, inclusive na via do sequestro da renda pública! Em outras palavras, faticamente é impossível a tal reserva do possível fática!

Muitos autores denunciam o uso indiscriminado da clausula da reserva do possível como forma de limitar de maneira acidental a efetividade dos direitos sociais. Vidal Serrano Nunes Junior (2009, p. 171-193) como forma de critica a aplicação da reserva do possível, para a qual ele seria a exceção, apontou a alegação de tratar-se de uma ideia como limitação acidental à efetivação dos direitos sociais, na medida em que “advoga que a concretização dos direitos fundamentais sociais ficaria condicionada ao montante de recursos previstos nos orçamentos das respectivas entidades públicas para tal finalidade”.

O autor questiona a incorporação desse conceito oriundo da Alemanha adotado pela doutrina brasileira, pois “as condições jurídico-positivas nas quais a teoria nasceu não se reproduzem no Brasil”. Segundo ele, além das diferenças legais entre os países, tal fusão também deve levar em conta as diferenças socioeconômicas, levando em consideração que:

a definição do que, em determinado momento, pode-se exigir da sociedade, uma vez atendidos os direitos públicos subjetivos e respeitado o mínimo vital, só pode ser sopesado à luz das condições socioeconômicas de cada país e das disponibilidades orçamentárias existentes.

Como é observado nas considerações feitas, a ênfase da doutrina do Estado no tema reserva do possível sempre tem tratado na sua dimensão financeira. Também a respeito do tema, merece destaque nesta questão a atuação do jurista alemão Robert Alexy, que se distanciou do atual entendimento brasileiro sobre a reserva do possível. De acordo com Alexy (2011, p. 69):

em uma constituição como a brasileira, que conhece direitos fundamentais numerosos, sociais generosamente formulados, nasce sobre esse fundamento uma forte pressão de declarar todas as normas não plenamente cumpríveis, simplesmente, como não vinculativas, portanto, como meras proposições programáticas. A teoria dos princípios pode, pelo contrário, levar a sério a constituição sem exigir o impossível. Ela declara as normas não plenamente cumpríveis como princípios que, contra outros princípios, devem ser ponderados e, assim, estão sob uma “reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo pode requerer de modo razoável da sociedade.

Na observância do conceito da reserva do possível proposto pela jurisprudência alemã na qual, “a reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo pode requerer de modo razoável da sociedade”, o autor desenvolve sua aplicação nos casos brasileiros. Assim, Robert Alex utiliza um conceito da reserva do possível que pode diferir daquela utilizada pela maioria das doutrinas brasileiras, pois não a vincula com a existência de recursos para a efetivação de direitos constitucionais de modo geral.

O autor acima adota o que segundo dispõe a teoria dos princípios, que em caso de conflito entre os direitos fundamentais contidos na norma de princípios, o princípio da proporcionalidade é utilizado para determinar qual direito prevalece em um caso específico. O ainda o autor conclui que o princípio princípios “devem ser ponderados e, assim, estão sob uma ‘reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo pode requerer de modo razoável da sociedade’”.

Assim sendo, como precedente primordial, em decisões que evidenciaram o termo "reserva do possível", o Tribunal Constitucional Federal Alemão fez jus a necessidade de observar todas as vezes o “princípio da proporcionalidade".

Virgílio Afonso da Silva entendeu o mesmo que Alexy, sendo:

tanto quanto qualquer outro direito, um direito social também deve ser realizado na maior medida possível, diante das condições fáticas e jurídicas presentes. O conteúdo essencial, portanto, é aquilo realizável nessas condições. Recursos a conceitos como o “mínimo existencial” ou a “reserva do possível” só fazem sentido diante desse arcabouço teórico. Ou seja, o mínimo existencial é aquilo que é possível realizar diante das condições fáticas e jurídicas, que, por sua, vez, expressam a noção, utilizada às vezes de forma extremamente vaga, de reserva do possível.

No entanto, apesar dessa postura, conforme observado anteriormente, a doutrina foca em questões econômicas ao tratar da reserva do possível.


3. DA GARANTIA AO MÍNIMO EXISTENCIAL

A definição de “mínimo existencial” surgiu-se na Alemanha, em 1954, por intermédio de uma decisão do Tribunal Federal Administrativo Alemão. Tendo definido assim, a tal decisão natureza pragmática, uma vez que estabeleceu que o Estado deve prestar assistência material às pessoas necessitadas, o que é um direito subjetivo. Em resumo, fora combinada, assim, a dignidade humana, liberdade material e status social.

No Brasil, o ministro Celso de Mello foi quem utilizou pela primeira vez o conceito de existência do mínimo existencial em medidas preventivas decididas em seu relatório da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 45/DF em 29 de abril de 2004. A medida debateu a constitucionalidade do veto presidencial na formulação da lei orçamentária anual de 2004, mas, entretanto, fora omitida a ação da perda de bens sob a prejudicialidade decorrente da demanda. Assim criou-se o entendimento que, quando se trata de políticas públicas, o mais importante é priorizar as metas do orçamento da administração.

Em outra expressão, o mínimo existencial tornou o conjunto de direitos sociais fundamentais que asseguram a dignidade humana. E com base nisso, é possível afirmar que o mínimo existencial existe por causa de dois elementos fundamentais, sejam eles, os direitos sociais fundamentais e a dignidade humana.

A nossa Constituição Federal em seu art. 6º e 7º, IV concorda, no que dispõe por unanimidade, que deve ser garantido uma série de direitos fundamentais relativos à dignidade da pessoa humana, ou seja, uma série de bens e utilidades básicos necessários a uma vida digna, tais como a saúde, habitação e educação básica. Embora não conste expressamente essa Garantia ao Mínimo Existencial, Constituição Federal, deve resguardar seus princípios fundamentais em conjunto com as ideias de direitos humanos, liberdade em todos os sentidos, e os princípios da igualdade, especialmente a dignidade da pessoa humana.

Para isso Sarlet (2001, p. 60.) expressa seu conceito sobre a dignidade da pessoa humana de seguinte modo:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.

3.1. Da correlação entre “Reserva do Possível” e “Mínimo Existencial”

Para não haver confusão precipitada, o livro, Liberalismo Político do autor alemão John Rawls, expõe que há distinção entre o conteúdo do mínimo existencial sobre o princípio da diferença, pois o primeiro deixa de ser o objetivo dos legisladores e passa a ser um direito constitucionalmente garantido, independente do Poder Legislativo, no entanto, benefícios além desse mínimo devem depender da lei, para que se adequem na justiça social e suas políticas públicas.

Para Rawls, John. p. 218., “o mínimo existencial se diferencia do princípio da diferença, constituindo um elemento essencial, que não depende de lei, ao contrário do princípio da diferença”. Assim sendo, Rawls, John. p. 219 define o mínimo existencial, como “um princípio constitucional, fora dos dois princípios básicos de justiça.”.

Compreende-se, portanto, que será possível perceber deve haver garantia do mínimo existencial, sempre em que ocorrer omissões na efetivação dos direitos fundamentais inerentes à dignidade humana, e os administradores públicos não tiverem liberdade de ação, assim havendo, a violação. Ademais, também não é possível perceber se existe realmente consenso, entre a possibilidade de se invocar ou não o princípio da reserva do possível em relação aos direitos que compõem o mínimo existencial.

Assim é o entendimento de Barcellos (2002, p. 246):

Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverão investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.

Porém, é possível notar que a Reserva do Possível pode conviver pacificamente com o Mínimo Existencial, pois este atua como um limite para a invocação daquela, ou seja, a Reserva do Possível só poderá ser invocada quando realizado o juízo da proporcionalidade e da garantia do Mínimo Existencial com relação a todos os direitos em questão. De um lado é notório quem defenda que não existe direito definitivo ao mínimo existencial, por outro lado, há quem atribua um caráter absoluto ao mínimo existencial não se submetendo ao princípio da reserva do possível.

3.2. Da Proteção dos Direitos Fundamentais Sociais ligados ao Mínimo Existencial

São considerados como direitos sociais aqueles listados no artigo 6º da Constituição Federal:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição

Vale lembrar que outros direitos sociais podem ser elencados nesse rol pela legislação infraconstitucional ou pela própria Constituição. Um exemplo é o valor social do trabalho, que protege a liberdade e dignidade do trabalhador e está disposto nos artigos 7º a 11º da Magna Carta.

Os direitos sociais fundamentais devem ser providos e impulsionados pelo Estado, de maneira positiva e podem surgir em forma normativa ou fática. Porém, para melhor esclarecer, nem todos os direitos sociais fundamentais compreendem acerca do mínimo existencial, apenas o trato principal desses direitos é o que constitui para a formação do mínimo existencial.

Entretanto, é importante ressaltar que os direitos sociais são irrenunciáveis, sob justificativa de serem enquadrados na categoria de direitos fundamentais. Neste contexto, seguem as palavras de André Ramos Tavares (2018, p. 19):

Os direitos sociais são, nesse sentido, considerados normas cogentes, vale dizer, de ordem pública, não anuláveis por força da vontade dos interessados ou, no caso das relações trabalhistas, pela vontade das partes contratantes

3.2.1 A dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial

O segundo elemento de base do mínimo existencial, a dignidade da pessoa humana encontra-se consagrado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal. O trecho prevê que a dignidade humana é um dos pilares onde o Estado Democrático de Direito se firma, sendo então o firmamento central da República. Assim, é fato que é princípio fundamental da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana. Mas é importante destacar que a essência do mesmo já vinha sido herdado desde a época da Constituição de 1934.

Assim exposto, o professor Alexandre de Moraes (2003. p. 639), argumenta que a dignidade da pessoa humana é:

Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade

Nesse mesmo seguimento, Flávia Piovesan (2012, p. 460) afirma, que tal entendimento obriga o intérprete da norma a aplicá-la de forma mais “favorável à proteção dos direitos humanos”.

Sobre o autor
Abraão Lima Taveira

Advogado inscrito na OAB/AMAZONAS sob o nº 18.054. Atuante nas áreas de Direito do Consumidor e Direito Previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos