CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O consumo é uma atividade humana que por tempos vem passando por diversas alterações, amoldando-se a realidade de cada tempo, cada sociedade, cada cultura. Naturalmente a forma de consumo evolui e seus métodos também. Impulsionados pelo capitalismo e o movimento liberal que passou a imperar nos modelos econômicos da maioria dos países, o consumo aos poucos deixou de atender a essencialidade, o necessário e passou a suprir desejos e anseios pessoas que suprem a satisfação do indivíduo.
Esse anseio, por aquilo que não é essencial veio sendo reforçado com a modernidade dos meios de comunicação e as técnicas de publicidades, que passaram a atingir diariamente o consumidor com novas ideias de consumo, passando então o consumidor a se posicionar no mercado consumista. A ideia de incentivar o consumo foi reforçada com o advento do crédito, que passou a dar suporte a realização dos desejos pessoais, ora não necessários ou essenciais, que o consumidor ansiar.
A ideia do crédito, trouxe consigo uma nova realidade, pois possibilitou a inclusão de novos indivíduos no mercado de consumo. Antes, produtos e serviços só então utilizados pelas classes médias passaram a fazer parte da vida das classes mais baixas, e aqueles das classes mais altas, puderam ser acessadas pela classe média, tudo isso graças ao crédito.
Essa política de crédito, incentivada em grande parte pelo próprio estado, é visto positivamente, na esteira de ser um incentivador e estimulador da economia. O incentivo ao crédito é uma política de Estado, que devidamente planejada faz parte do plano de alçar a economia a novos rompantes. Porém, é importante que essas políticas sejam aplicadas levando em consideração o perfil dos indivíduos que farão parte desse cenário. Quando se trata de política de crédito, é necessário que os indivíduos atingidos por essa política tenham um mínimo de conhecimento para avaliar os riscos e limites que deve aceitar a concessão do crédito e em que irá investi-lo.
No Brasil, o nível de conhecimento sobre produtos financeiros é pouco ou nenhum, principalmente nas classes mais baixas onde se tem déficits na educação básica. Além disso, tal temática não é uma disciplina tratada pelas Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Assim, estes indivíduos são os mais prejudicados, pois nessas condições são vulneráveis ou hipervulneráveis, ante o poderio publicitário contratado pelos agentes financeiros para incentivá-los a adquirir produtos ou serviços, mediante crédito, sem qualquer planejamento adequado ou avaliação da sua condição financeira real para adquirir tal passivo.
Nessa fase, a oferta constante de crédito, mediante a facilidade de acesso, contribui para que os indivíduos se aventurem em projetos inusitados da vida, como uma viagem, a compra de um veículo, a aquisição de serviços antes não utilizados, o curso de graduação dos sonhos ou qualquer outra realização pessoal. Diante da tentadora oferta do agente financeiro, oferecendo prazos longos para pagamento, parcelas que cabem no bolso e o famoso “crédito sem consulta ao SPC ou SERASA”, os consumidores são incentivados a consumo desmedido e sem o devido planejamento.
Além da facilidade, tem também a omissão dos fornecedores de crédito quanto aos aspectos importantes, inerentes aos contratos de crédito, que por vezes escondem ou nem informam ao consumidor a modalidade de crédito, os juros praticados, o tempo de pagamento e o custo efetivo final, do qual o consumidor nem se deu conta no momento da contratação.
O problema vem a seguir, com passivos sem o devido planejamento, o consumidor inicia um calvário para, assiduamente, honrar, mês a mês, seus compromissos creditícios, porém, ante o imprevisto, um acidente da vida, é inevitável que se mantenha adimplente, passando a endividado em inadimplência, e em seguida a condição de superendividado, pois sem condições de manter seus compromissos, passa a comprometer o mínimo existencial necessário a sua subsistência e de sua família.
Nesse momento é que o superendividamento aparece como um problema, pois no individuo superendividado causa reflexos sociais consequentes da exclusão do mercado de crédito, o que atingi sua dignidade e condição de permanecer dignamente com sua família. São apontados, ainda, outras consequências como estado psicológico abalado, desestruturação familiar e profissional, entre outros.
No aspecto social econômico, o inadimplente deixa de honrar seus compromissos e com isso trava pouco a pouco a circulação de capital, pois na posição de superendividado, deixa de consumir e assim, a cadeia econômica perde força, o que por sua vez passa a atingir outras partes da economia e impacta a política econômica do país.
O superendividamento enquanto fenômeno global, ficou evidente, no Brasil, após a Pandemia de Covid-19. Milhões de brasileiros frente a crise econômica desencadeada pela pandemia, entraram em colapso econômico. Inesperadamente, foram atingidos pelo acidente da Pandemia. A produção teve que desacelerar, elevando os preços de produtos, perdendo postos de trabalhos, aumentando os indivíduos em condição de desempregados, atingidos em cheio em seu poder econômico. Nesse cenário, consumidores passaram a condição de superendividado, pois incentivados pelo crédito facilitado e a publicidade massiva de consumismo, tomaram crédito sem cogitar a possibilidade de um imprevisto acontecer.
A alteração na lei de proteção e defesa do consumidor evidencia o problema da publicidade e a falta de informações claras e objetivas que ajudariam o consumidor a tomar decisões mais arrazoadas no momento de adquirir qualquer crédito. Pois nas alterações deu ênfase a publicidade abusiva, vedando a prática de anúncios que instigue o consumidor endividado inadimplente a contrair mais dívidas. Além do mais, estabeleceu e reforçou o mandamento de que as informações dos contratos devem ser estritamente claras e visíveis ao consumidor, inclusive estabelecendo formas para a apresentação das informações e quais informações devem obrigatoriamente constar na capa do contrato.
Com isso, distribuiu a responsabilidade do crédito, concedido ao consumidor, de acordo com o princípio da boa-fé do consumidor e do fornecedor, devendo este ativamente contribuir com a oferta do crédito responsável, inclusive avaliando junto com o consumidor a sua realidade financeira e sua condição para assumir riscos creditícios. Desta forma, passou o fornecedor a ser parte ativa nesse novo modelo de concessão de crédito, sob pena de ter congelados seus créditos, para cobrança, junto ao consumidor que encontra-se superendividado diante de um pedido de socorro judicial para negociar seus passivos sem comprometer sua condição de sobrevivência e dignidade essencial.
Desta forma, verificou-se que o superendividamento do consumidor está integrado a políticas econômicas do estado, quando aplicadas de maneira desmedida ou sem planejamento, mais principalmente ao acelerado avanço dos meios de disponibilidade de crédito, com excessivas ofertas e facilidades de aquisição, associadas ao avanço nos métodos de publicidade nos quais tendenciosamente, impulsionam o consumidor a assumir riscos desnecessários ou não planejados, apenas para satisfação pessoal, o que muitas vezes só é possível graças ao crédito.
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ABSTRACT
This work will present a portrait of the abusive offer of credit to indebted consumers and its relationship with over-indebtedness. This is an agenda developed from the compilation of several legal-dogmatic studies of legislation, jurisprudence, Brazilian doctrines and scientific articles, which aims to point out marketing practices considered abusive and which significantly contribute to consumer over-indebtedness. It is believed that the abusiveness of financial institutions, in the indiscriminate offer of credit to indebted consumers, is not the only one, but one of the causes of consumer over-indebtedness. Financial credit is a complex product that requires knowledge and planning for its healthy use, therefore, consumers who use this product without the necessary knowledge may acquire unplanned debts and, in the future, other social problems that arise from over-indebtedness. Financial institutions constantly target consumers with marketing practices considered abusive, ranging from the omission of relevant information about credit interest rates and complex contracts, to the delivery of credit directly to the consumer's account without their authorization or request. Furthermore, it is common for financial agents, even though it is a prohibited practice, to encourage negative consumers to take on more debt, offering the famous “credit for negative people”. Thus, this research in the field of consumer law and its legal dogmatics, intends, through the literature review method, to investigate and understand the impacts of these abusive practices on the consumer's financial life and their consequences for over-indebtedness.
Key words : Right. Consumer. Over-indebtedness. Abusiveness. Offer. Credit.