5 DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO PROCESSO ESTRUTURAL TRABALHISTA
5.1 Desafios dogmáticos e operacionais
A implementação do processo estrutural no âmbito trabalhista enfrenta diversos desafios dogmáticos e operacionais, que demandam uma releitura dos institutos processuais clássicos e uma adequação às peculiaridades da jurisdição laboral. Entre os principais desafios, destacam-se:
a) A superação da concepção tradicional do processo como instrumento de resolução de conflitos intersubjetivos, em favor de uma compreensão mais ampla, que reconheça sua função de transformação social e de concretização dos direitos fundamentais. Como pondera Marinoni (2018, p. 45), "o processo não é mais visto como mero instrumento de composição de litígios, mas como meio de realização dos valores constitucionais e de implementação dos direitos fundamentais";
b) A compatibilização do princípio da demanda e dos limites objetivos da coisa julgada com as exigências de flexibilidade e adaptabilidade do processo estrutural. Conforme observa Zaneti Jr. (2019, p. 78), "o processo estrutural demanda uma releitura do princípio da congruência, admitindo-se a adoção de providências que, embora não expressamente requeridas, mostram-se necessárias para a efetiva tutela do direito";
c) A adequação do contraditório às peculiaridades dos litígios estruturais, marcados pela multipolaridade de interesses e pela complexidade das relações jurídicas envolvidas. Como destaca Vitorelli (2022, p. 112), "o contraditório nos litígios estruturais não pode ser compreendido a partir do paradigma adversarial tradicional, exigindo novas formas de participação e de representação dos interesses em jogo";
d) O equilíbrio entre a efetividade da tutela jurisdicional e o respeito à separação dos poderes, especialmente em casos que envolvem políticas públicas trabalhistas ou a atuação de órgãos administrativos. Como pondera Grinover (2013, p. 125), "a intervenção judicial em políticas públicas deve respeitar certos limites, relacionados à razoabilidade da pretensão, à disponibilidade financeira do Estado e à preservação do mínimo existencial".
5.2 Experiências e perspectivas brasileiras
No Brasil, embora o processo estrutural ainda esteja em fase de consolidação doutrinária e jurisprudencial, já é possível identificar algumas experiências relevantes no âmbito trabalhista. Destaca-se, nesse sentido, a atuação do Ministério Público do Trabalho na propositura de ações civis públicas com pretensões estruturais, visando à reforma de estados de coisas ilícitos no âmbito das relações laborais.
Um caso emblemático é o da Ação Civil Pública nº 0001704-55.2016.5.10.0020, proposta pelo Ministério Público do Trabalho contra a União, visando à implementação de condições adequadas de trabalho para os auditores fiscais do trabalho. Nesse caso, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu a necessidade de medidas estruturais para a reforma da política de fiscalização trabalhista, adotando uma perspectiva prospectiva e dialógica na definição das providências necessárias à efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores (BRASIL, 2020).
Outro exemplo significativo é o caso do frigorífico JBS, objeto da Ação Civil Pública nº 0000915-47.2011.5.24.0086, na qual o juízo trabalhista determinou a adoção de diversas medidas estruturais para a adequação do ambiente laboral às normas de saúde e segurança do trabalho, estabelecendo um cronograma progressivo de implementação e mecanismos de monitoramento contínuo (BRASIL, 2011).
No plano normativo, o Projeto de Lei nº 8.058/2014, que "estabelece um procedimento especial para o controle e intervenção em políticas públicas pelo Poder Judiciário", embora não se refira especificamente ao processo estrutural trabalhista, pode representar um importante avanço para a sistematização e regulamentação das técnicas processuais estruturantes no ordenamento jurídico brasileiro.
Como perspectiva futura, vislumbra-se a consolidação do processo estrutural como importante instrumento de efetivação dos direitos transindividuais trabalhistas, especialmente em litígios complexos e multipolares, que demandam intervenções sistêmicas e transformadoras. Esse movimento depende, contudo, da superação dos desafios dogmáticos e operacionais mencionados, bem como da construção de uma cultura jurídica mais aberta à flexibilidade procedimental e à dimensão coletiva dos direitos.
5.3 O diálogo com o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos
O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos tem exercido importante papel na consolidação e no desenvolvimento dos processos estruturais, especialmente por meio das chamadas "medidas de não repetição", determinadas pela Corte Interamericana em casos de violações sistemáticas de direitos humanos. Como explica Piovesan (2018, p. 453), "as sentenças da Corte Interamericana têm natureza declaratória, condenatória e constitutiva, estabelecendo não apenas a reparação das vítimas, mas também medidas que visam à transformação do contexto violador de direitos".
No âmbito trabalhista, destaca-se o caso "Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil" (2016), no qual a Corte Interamericana condenou o Estado brasileiro por violação à proibição de trabalho escravo e determinou a adoção de diversas medidas estruturais para prevenir a ocorrência de situações semelhantes, incluindo a implementação de políticas públicas, a capacitação de agentes estatais e o fortalecimento do sistema de fiscalização trabalhista (CIDH, 2016).
Esse diálogo com o Sistema Interamericano oferece importantes subsídios para o desenvolvimento do processo estrutural trabalhista no Brasil, tanto no plano normativo quanto no plano operacional, contribuindo para a efetivação dos direitos transindividuais laborais em consonância com os padrões internacionais de proteção dos direitos humanos.
6 CONCLUSÃO
O processo estrutural apresenta-se como um importante instrumento para a efetivação dos direitos transindividuais trabalhistas, oferecendo técnicas processuais adequadas ao enfrentamento de litígios complexos e multipolares, que demandam intervenções sistêmicas e transformadoras. Sua compatibilidade com a jurisdição trabalhista decorre tanto da natureza dos direitos tutelados quanto das características do processo do trabalho, marcado pela instrumentalidade, pela flexibilidade e pela busca de efetividade.
No ordenamento jurídico brasileiro, diversos instrumentos processuais podem ser utilizados para a implementação do processo estrutural trabalhista, com destaque para a Ação Civil Pública, que constitui o principal veículo para a tutela dos direitos metaindividuais laborais. As técnicas processuais estruturantes, como as decisões em cascata, a negociação processual, a ampliação do contraditório e a execução negociada, mostram-se particularmente adequadas às peculiaridades dos litígios trabalhistas de natureza estrutural.
A despeito dos avanços doutrinários e jurisprudenciais, a consolidação do processo estrutural trabalhista ainda enfrenta diversos desafios, relacionados à superação de paradigmas processuais tradicionais, à adequação do contraditório, à calibração dos poderes do juiz e à compatibilização com o princípio da separação dos poderes. A superação desses desafios exige uma releitura dos institutos processuais clássicos e uma abertura para novas formas de tutela jurisdicional, mais adequadas à complexidade dos conflitos contemporâneos.
Por fim, o diálogo com o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos oferece importantes subsídios para o desenvolvimento do processo estrutural trabalhista, contribuindo para a efetivação dos direitos transindividuais laborais em consonância com os padrões internacionais de proteção da pessoa humana. Esse diálogo reforça a compreensão do processo como instrumento de concretização dos direitos fundamentais e de transformação social, em consonância com os valores constitucionais e com os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.
REFERÊNCIAS
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ABSTRACT
This article analyzes structural injunctions as an instrument for the effectiveness of transindividual labor rights. It starts from the premise that the traditional procedural model, with its individualistic and bipolar character, is insufficient for the adequate protection of metaindividual rights. The research investigates how structural procedural techniques can contribute to the realization of collective labor rights, based on the understanding of Labor Law as a legal branch essentially dedicated to social protection and worker dignity. The compatibility of structural litigation with labor jurisdiction is analyzed, identifying the possibilities and challenges of its implementation. The deductive method is used, with bibliographical and documentary research, based on the analysis of specialized doctrine, national and international legislation, and relevant jurisprudence. It concludes that structural injunctions represent an important mechanism for the realization of transindividual labor rights, especially in litigation involving systemic and complex violations, requiring, however, a reinterpretation of classic procedural institutes and the overcoming of dogmatic and pragmatic obstacles for its full implementation.
Key words : Structural Injunctions; Transindividual Rights; Labor Law; Effectiveness; Collective Protection.