O Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência como um instrumento necessário para a implementação de políticas públicas

Exibindo página 2 de 2

Resumo:


  • A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência instituiu o Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência como ferramenta estratégica para garantir direitos e subsidiar políticas públicas.

  • O Cadastro-Inclusão é crucial para mapear as necessidades das pessoas com deficiência e tornar mais eficientes as políticas públicas.

  • Desafios como segurança dos dados, acessibilidade digital e atualização periódica das informações revelam a necessidade de melhorias no Cadastro de Inclusão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO CADASTRO-INCLUSÃO

A criação e implementação do Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Cadastro-Inclusão) são frutos de uma colaboração interinstitucional envolvendo o Governo Federal, o Ministério da Família e dos Direitos Humanos, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e a DATAPREV. Essa parceria é formalizada por meio de Termos de Execução Centralizada, um instrumento que define claramente as responsabilidades de cada instituição e viabiliza a implementação técnica e operacional do cadastro. Essa estrutura organizacional permite integrar bases de dados e construir um sistema robusto, essencial para identificar e mapear as pessoas com deficiência no Brasil.

O Cadastro-Inclusão é um registro público eletrônico composto por duas frentes fundamentais: a base de dados analítica, que agrega informações provenientes de censos nacionais, pesquisas oficiais e políticas públicas já implementadas no país, proporcionando uma visão ampla e macro da realidade socioeconômica dessa população; e o cadastro referência, destinado ao armazenamento de informações específicas das pessoas com deficiência, a partir da avaliação biopsicossocial e do cruzamento de dados das políticas públicas aplicadas. Dessa forma, o sistema não apenas identifica as características individuais dessa população, mas também as barreiras físicas, ambientais e atitudinais que dificultam sua participação plena e efetiva na sociedade.

A operacionalização do Cadastro-Inclusão é viabilizada pela plataforma Meu INSS, desenvolvida pela DATAPREV em parceria com o INSS. Essa plataforma centraliza as informações de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da Aposentadoria Especial. Ela funciona como ponto inicial para integrar e cruzar dados relacionados às pessoas com deficiência, de forma segura e acessível. Isso facilita o acesso a políticas públicas, como cotas em concursos e universidades, isenções tributárias e benefícios para a compra de veículos adaptados. Além disso, a inclusão de APIs (chaves de acesso) permite que órgãos públicos, empresas e entidades governamentais consultem informações diretamente na base de dados, agilizando a concessão de direitos e benefícios.

Atualmente, o Cadastro-Inclusão abrange cerca de 2,5 milhões de pessoas, inicialmente focado nos beneficiários do BPC e da Aposentadoria Especial. Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania mostram que esse número foi ampliado para 3,5 milhões, abrangendo pessoas que tiveram a deficiência formalmente reconhecida, mas tiveram benefícios negados por questões administrativas. Esse avanço amplia a cobertura do cadastro, mas ainda indica a necessidade de estratégias mais eficazes para incluir a totalidade das pessoas com deficiência, estimada em 18,6 milhões de brasileiros, segundo a PNAD.

Apesar dos progressos alcançados, o Cadastro-Inclusão ainda enfrenta desafios importantes. A manutenção e expansão do sistema dependem de financiamento contínuo – a primeira fase do projeto contou com um investimento inicial de R$ 824 mil. A renovação periódica dos Termos de Execução Centralizada, firmados com o INSS e a DATAPREV, é fundamental para garantir sua continuidade.

Além disso, a falta de uma regulamentação definitiva do Modelo Único de Avaliação Biopsicossocial impede a inclusão de pessoas com deficiência que não recebem BPC ou Aposentadoria Especial.

Outro desafio crucial envolve a tecnologia e a acessibilidade. Embora a plataforma Meu INSS represente um avanço importante no acesso digital, é essencial garantir que o sistema seja plenamente acessível a todas as pessoas com deficiência, especialmente considerando as barreiras tecnológicas enfrentadas em regiões mais afastadas do país.

Superar esses desafios é fundamental para que o Cadastro-Inclusão se consolide como um instrumento estratégico no desenvolvimento, implementação e monitoramento de políticas públicas efetivas, contribuindo para a inclusão social e a garantia dos direitos fundamentais dessa população.


5 PERSPECTIVAS FUTURAS E PROPOSTAS DE APRIMORAMENTO

Apesar dos avanços iniciais do Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Cadastro-Inclusão), uma grande parte da população com deficiência ainda está fora do sistema. Estima-se que 80% dessas pessoas não estão contempladas, especialmente aquelas que não se encaixam nos critérios restritivos para concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou da Aposentadoria Especial.

Essa exclusão revela uma lacuna persistente e preocupante, sobretudo considerando que a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), sancionada há quase 10 anos, estabeleceu o cadastro como um instrumento essencial para garantir os direitos fundamentais das pessoas com deficiência.

A falta de regulamentação completa e efetiva do Cadastro-Inclusão expõe uma omissão institucional por parte dos Poderes Executivo e Legislativo. Esse cenário revela um desalinhamento com as demandas sociais e com princípios constitucionais como dignidade humana e igualdade.

Tal negligência agrava as desigualdades enfrentadas por essas pessoas, que já convivem com altas taxas de analfabetismo, desemprego e exclusão social. Além das limitações físicas e sensoriais, elas enfrentam barreiras burocráticas e sociais que tornam o acesso a políticas públicas um processo fragmentado, excludente e oneroso.

A ausência de universalização do Cadastro-Inclusão, somada à falta de regulamentação da avaliação biopsicossocial, impõe um ciclo repetitivo e desgastante: as pessoas com deficiência precisam apresentar laudos médicos e sociais a cada nova tentativa de acesso a direitos já garantidos em lei, como cotas em concursos públicos e universidades, reserva de vagas no mercado de trabalho, isenções tributárias e o programa Passe Livre. Esse processo burocrático não apenas perpetua a insegurança jurídica, mas também reforça a exclusão, colocando sobre os indivíduos o ônus de comprovar repetidamente sua condição.

A universalização do Cadastro-Inclusão está diretamente ligada à implementação efetiva e nacional da avaliação biopsicossocial, conforme previsto no artigo 2º da LBI. Esse modelo permite caracterizar a deficiência com base em critérios objetivos e multidimensionais, identificando não apenas as limitações individuais, mas também as barreiras ambientais, sociais e atitudinais que dificultam a plena participação dessas pessoas na sociedade. Sua regulamentação e aplicação nacional são passos fundamentais para que o cadastro cumpra sua função de maneira abrangente, justa e equitativa.

Além disso, o aprimoramento do Cadastro-Inclusão exige investimentos tecnológicos contínuos, garantindo sua acessibilidade, segurança e eficiência em nível nacional. Ferramentas avançadas podem facilitar a atualização permanente dos dados, a integração com outras bases de informação governamentais e a proteção das informações pessoais, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Para assegurar a transparência, é crucial implementar mecanismos de monitoramento com indicadores precisos e painéis de controle que permitam avaliar a efetividade do sistema e corrigir falhas operacionais.

A participação social também é indispensável para o aprimoramento contínuo do cadastro. O diálogo com entidades representativas das pessoas com deficiência e com a sociedade civil é fundamental para identificar demandas específicas e construir um sistema democrático, inclusivo e alinhado às reais necessidades dessa população.

Diante desse contexto, é essencial refletir sobre a efetividade das políticas públicas inclusivas que dependem dos dados fornecidos pelo Cadastro-Inclusão. Embora a estrutura atual represente um avanço inicial, as barreiras estruturais e burocráticas exigem um compromisso mais robusto por parte do Estado.

A ampliação do cadastro, a regulamentação da avaliação biopsicossocial e a integração dos sistemas são passos urgentes e necessários. Quando plenamente implementado e aprimorado, o Cadastro-Inclusão tem o potencial de se tornar um instrumento estratégico para promover a justiça social e garantir os direitos fundamentais dessa parcela da população.

Isso permitirá o acesso igualitário a oportunidades educacionais, econômicas e sociais, em conformidade com os princípios da dignidade humana e da igualdade material previstos na Constituição Federal.


6 CONCLUSÃO

O presente artigo analisou a estrutura, o funcionamento e os desafios do Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Cadastro-Inclusão), previsto na Lei Brasileira de Inclusão (LBI - Lei nº 13.146/2015). Foram abordados os fundamentos jurídicos e políticos que sustentam a criação desse cadastro, sua implementação inicial voltada aos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da Aposentadoria Especial, bem como os impactos e limitações enfrentados ao longo de sua operacionalização.

Identificou-se que, embora o Cadastro-Inclusão represente um avanço importante no reconhecimento das necessidades das pessoas com deficiência, ele ainda apresenta limitações significativas, como a falta de universalização e desafios estruturais, tecnológicos e burocráticos. Apesar de sua relevância legal e teórica, o sistema ainda não cumpre integralmente seu papel de garantir os direitos dessa população. A ausência de um cadastro abrangente, que contemple os 18,6 milhões de brasileiros com deficiência, evidencia uma lacuna preocupante no cumprimento da legislação, que já completou quase uma década.

Essa falha perpetua barreiras burocráticas, como a exigência recorrente de laudos médicos e sociais a cada tentativa de acesso a políticas públicas essenciais. Esse ciclo desnecessário reforça o processo de exclusão social e econômica, dificultando ainda mais a vida das pessoas com deficiência.

Para que o Cadastro-Inclusão cumpra sua finalidade, é urgente implementar medidas concretas e estruturais. Entre elas, destaca-se a universalização da avaliação biopsicossocial em escala nacional, permitindo uma caracterização multidimensional das pessoas com deficiência, identificando tanto suas limitações individuais quanto as barreiras ambientais e sociais que enfrentam, conforme estipulado pela LBI.

Além disso, é necessário realizar investimentos contínuos em tecnologia para assegurar a acessibilidade à plataforma, a atualização permanente e a segurança dos dados, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A criação de mecanismos de monitoramento contínuo e transparência, por meio de indicadores precisos e painéis de controle, também se mostra fundamental para avaliar a efetividade do cadastro e implementar ajustes sempre que necessário.

Outro ponto crucial é ampliar o diálogo com as entidades representativas das pessoas com deficiência. A participação social é indispensável para aprimorar o Cadastro-Inclusão de maneira democrática e inclusiva, permitindo a identificação de demandas específicas e a formulação de soluções alinhadas com as necessidades reais dessa população.

Conclui-se que o fortalecimento do Cadastro-Inclusão é um passo indispensável para consolidá-lo como um instrumento estratégico na formulação e implementação de políticas públicas eficazes. Somente com um sistema abrangente, operacional e atualizado será possível enfrentar as desigualdades históricas, promovendo justiça social e garantindo o acesso efetivo a direitos fundamentais. Dessa forma, as pessoas com deficiência poderão usufruir de igualdade de oportunidades em todas as áreas da sociedade.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Luiz Alberto David; MAIA, Maurício. O conceito de pessoas com deficiência e algumas de suas implicações no direito brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 86, p. 165-181, 2014.

______. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. 4. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2011.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Benefício de Prestação Continuada (BPC). [página da internet]. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/acoes-e-programas/assistencia-social/beneficios-assistenciais/beneficio-assistencial-ao-idoso-e-a-pessoa-com-deficiencia-bpc. Acesso em: 2 out. 2024.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, 1991. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 28 set. 2024.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União, 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 29 ago. 2024.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD Contínua – Microdados. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-Pnad-continua.html?edicao=37280&t=microdados. Acesso em: 28 set. 2024.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD Contínua – Resultados. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-Pnadcontinua.html?edicao=37280&t=resultados. Acesso em: 28 set. 2023.

NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Os Direitos das Pessoas com Deficiência e sua Transformação Histórica. Ano 106, v. 986. São Paulo: Ed. RT, 2018.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO).Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. Tradução brasileira da Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília e Sociedade Brasileira de Bioética. Paris, 2005. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf. Acesso em: 20 nov. 2024.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. 5. ed. Rio de Janeiro: WVA, 2003.


1 Decreto Legislativo 186, de 09.07.2008, ratificada em 01.08.2008 e promulgada pelo Dec. 6.949, de 25.08.2009.

2 Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Os Estados Partes da presente Convenção, e) Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.


The National Register of Inclusion for Persons with Disabilities as a tool for implementing public policies

El Registro Nacional de Inclusión de Personas con Discapacidad como herramienta para implementar políticas públicas

Abstract: The Brazilian Inclusion Act of the Disabled Person, Law No. 13,146/2015, established the National Registry of Inclusion of the Disabled—Registry-Inclusion as a strategic tool to guarantee rights and subsidize public policies oriented to social inclusion and accessibility in Brazil. This paper seeks to address an analysis of the legal ground, structure, functioning, and role of the Registry in promoting the citizenship of persons with disabilities. For this, it used a qualitative methodology, and in addition to the literature review, it included document analysis from laws and technical reports. It is established that the Register-Enrollment is crucial to map the needs of the PwDs in order for the design and implementation of the public policy to be more efficient. Still, the related issues regarding data security, digital accessibility, and the periodic updating of the information turn out to be challenges. Conclusion It is noted that, even with advances, the Inclusion Register still requires structural and technological improvements that effectively make it a tool for the promotion of rights.

Key words : National Register of Inclusion; Person with Disabilities; Social Inclusion; Public Policies; Brazilian Law of Inclusion.

Sobre a autora
Giuliana Debiazi Tomaz de Souza

Analista Judiciário do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Pós-Graduada em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito - EPD. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. São Paulo – SP, Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos