RESUMO
Este artigo analisa a penhorabilidade das criptomoedas como virtual assets no ordenamento jurídico brasileiro, explorando sua natureza jurídica, classificações (descentralizadas voláteis, stablecoins e CBDCs) e os desafios técnicos para sua constrição. Trata-se de pesquisa que utiliza metodologia qualitativa e interdisciplinar (Direito e Tecnologia) e o método de abordagem dedutivo. Demonstra-se que, embora juridicamente penhoráveis, a efetivação da penhora esbarra na ausência de lastro institucional, na volatilidade e nas barreiras tecnológicas – como anonimato e custódia dos criptoativos em cold wallets –. O estudo conclui que, apesar do reconhecimento doutrinário e jurisprudencial do valor econômico das criptomoedas, a efetividade da tutela executiva nas execuções por quantia certa pode ser limitada pelos aspectos tecnológicos que envolvem o armazenamento do bem, pois em diversas situações será impossível penhorá-lo caso o devedor voluntariamente não queira fornecer as chaves privadas de acesso à sua carteira de modo que a viabilidade prática da constrição judicial do bem virtual pela penhora pode depender de cooperação institucional, adaptação normativa e do Judiciário à tecnologia blockchain.
Palavras-chave: Criptomoedas; Penhora; Ativos Virtuais; Blockchain; Direito Digital.
INTRODUÇÃO
É inegável que o mundo atual é profundamente dependente da tecnologia, sobretudo da tecnologia da informação (TI). Essa realidade acentua-se proporcionalmente à digitalização das relações sociais, culturais e econômicas, paralelamente ao aumento da adesão e confiança popular nestes recursos tecnológicos.
Em face ao acelerado ritmo de inovação tecnológica, associado ao aumento do acesso dos domicílios brasileiros aos dispositivos informáticos e à internet, a concepção de bens extrapola as noções de corpóreo e incorpóreo, material e imaterial, e passa a encontrar no verbete “digital” uma definição própria. É dizer: assim como a vida, o patrimônio das pessoas também vêm se digitalizando.
Assim, é primordial que o exequente estenda sua atenção ao acervo de bens digitais do devedor e que os mecanismos de busca patrimonial estejam equipados e preparados para localizar tais ativos que podem ser significativamente valiosos.
Diante disso, o presente estudo busca precipuamente averiguar em que medida os principais bens virtuais, especificamente as criptomoedas, são penhoráveis, a partir da compreensão dos seus aspectos tecnológico, econômico e jurídico.
Quanto à metodologia, esta pesquisa caracteriza-se como exploratória e de abordagem qualitativa, com viés interdisciplinar – articulando Direito e Tecnologia da Informação – , ao investigar como os avanços tecnológicos influenciam a classificação e a penhora de criptomoedas. Utiliza-se o método dedutivo como eixo central, que parte de premissas gerais, como a natureza jurídica dos bens digitais, para análises específicas, casos de penhora de criptomoedas como o bitcoin, stablecoins e moedas digitais de bancos centrais (CBDCs - Central Bank Digital Currency).
1. CONCEITO DE VIRTUAL ASSETS (BENS VIRTUAIS)
Embora a terminologia digital assets (bens digitais) seja amplamente utilizado para se referir a conteúdos digitais ou virtuais com valor econômico, em estudos internacionais também se encontram obras que empregam o termo virtual assets (bens ou ativos virtuais), possuindo significados distintos do conceito de digital assets.
De acordo com o pesquisador ucraniano Aleksandr Kud, um dos principais desafios enfrentados por legisladores internacionais é a tentativa de regular bens digitais ou virtuais sem compreender plenamente sua origem, o que resulta em falhas conceituais no marco legal. Além disso, ele aponta que a ausência de um conceito unificado e de uma classificação clara compromete a identificação de aspectos necessários para regulamentação, pesquisa científica e outras aplicações, convergindo com as ideias apresentadas por Erp (2023) (Kud, 2021, p. 52).
Segundo o referido autor, um ativo virtual (virtual asset), cuja natureza está lastreada pelos aspectos tecnológico, econômico e jurídico, é uma representação digital de valor que pode ser negociada digitalmente, transferida e que pode ser usada para fins de pagamentos ou investimentos, excluindo-se representações digitais de moedas fiduciárias, títulos financeiros ou outros ativos financeiros já cobertos por outras regulamentações (Kud, 2021).
Já os digital assets (bens digitais), em contraponto, são recursos informacionais únicos, originados de ativos reais, projetados para que possam serem aplicados de forma eficiente em práticas financeiras e contábeis (Kud, 2021, p. 54).
Com base nessa diferenciação, virtual asset é o gênero que abrange qualquer representação digital de valor que possa ser negociada ou transferida, ao passo que digital asset é uma espécie de virtual asset, específico por ser derivado de recursos informáticos, como um token que representa o direito de acessar um smart contract que registra direitos de propriedade intelectual; ao passo que o virtual asset pode se originar de elementos do mundo real, como uma criptomoeda, que representa um valor monetário utilizável como meio de pagamentos e investimentos.
No mesmo sentido, a organização governamental internacional (OGI) francesa Financial Actions Task Force (FATF), virtual asset é uma representação digital de valor que pode ser comercializada ou transferida digitalmente e utilizada para pagamento ou investimento (FAFT, 2020).
Sob outra perspectiva, Sung, define virtual assets como vouchers eletrônicos que possuem valor econômico e podem ser comercializados ou transferidos eletronicamente (Sung, 2022 , p. 217).
No Brasil, a Lei 14.478/2022, em seu art. 3º, traz o seguinte conceito de ativos virtuais (virtual assets):
(...)considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, não incluídos:
I - moeda nacional e moedas estrangeiras;
II - moeda eletrônica, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013;
III - instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e
IV - representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros (Brasil, 2022).
Percebe-se que sua significação está muito mais alinhada a uma perspectiva política e financeira, do que propriamente jurídica, pois visa externar ao mercado internacional que o país tutela juridicamente os ativos virtuais descentralizados, fomentando atração de capital externo para seus centros financeiros.
Ademais, embora a legislação não os considere como moeda nacional ou estrangeira, atribui-lhes as características de valor econômico, negociabilidade, transferibilidade e utilização em pagamentos ou investimentos, tais como as moedas oficiais.
CAPÍTULO 2. PENHORA DE BENS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Quando se pensa na execução por expropriação, a penhora é o ato que torna sólida a responsabilidade executiva, na medida que individualiza, dentro do acervo patrimonial do executado, os bens que serão expropriados para adimplir a obrigação (Mello, 2023, p. 260).
Se a execução é o meio de exercício da responsabilidade patrimonial do devedor, a penhora é ato constritivo que objetiva individualizar os bens do patrimônio do devedor, afetados ao pagamento do débito, para serem excutidos no momento adequado. Consiste em ato fundamental a qualquer execução por quantia, sem o qual a satisfação do credor não pode ser atingida (Gonçalves, 2016, p. 773-774).
Em outra definição, a penhora é o primeiro passo da ação de execução de título extrajudicial ou do cumprimento de sentença. Através da apreensão, o bem é afetado como forma de viabilizar sua expropriação ulterior e, enfim, satisfazer a pretensão executiva do credor (Silva; Senatori, 2014).
Em sua tese de doutorado, Peña conjectura a visão de que, segundo os estudiosos do Direito Processual Civil:
(...) o sistema brasileiro de justiça pública padece de graves problemas na execução e no cumprimento de sentença por quantia certa, em decorrência da morosidade, da incapacidade de proporcionar a localização de bens para serem constritos, dos elevados custos na realização da expropriação, entre outros (Peña, 2024, p. 11).
Ele também destaca como principais causas de ineficácia da tutela satisfativa executória a morosidade processual, a latente dificuldade para se localizar bens penhoráveis e um protecionismo exacerbado em relação à figura do devedor o que, segundo ele, já seria uma característica cultural (Peña, 2024, p. 30).
O art. 798, II, alínea c, do CPC atribui ao exequente o dever de, sempre que for possível, indicar os bens suscetíveis de penhora (Brasil, 2015). Ressalta-se que o próprio legislador teve a consciência de que, nem sempre, o exequente terá recursos e plenas condições para fazer uma pesquisa patrimonial efetiva.
Nesse caso, é válida a recordação de que o Estado é quem exerce a jurisdição e deve cooperar com as execuções, o que inclui a atividade de auxiliar a busca patrimonial através de recursos próprios e, também, valendo-se do poder requisitório, pois “é evidente que a penhora é precedida, sempre, em algum nível, de uma investigação patrimonial” (Peña, 2024, p. 33).
Não à toa, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assinou o Termo de Cooperação Técnica 133/2024 com a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCRIPTO) com o propósito de:
(1) desenvolver ações educacionais conjuntas; (2) desenvolver documentações educacionais e informativas conjuntas; (3) desenvolver a realização de pesquisas, trabalhos acadêmicos e técnicos; (4) desenvolver, incentivar à participação, utilização e o aperfeiçoamento de sistema eletrônico para a interligação do mercado de criptomoedas, criptoativos e ativos digitais ao poder judiciário, que tem por finalidade facilitar a tramitação de ofícios entre o Poder Judiciário e as Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (“PSAV”); e (5) desenvolver, incentivar à participação, utilização e o aperfeiçoamento de sistema eletrônico que tem por finalidade a custódia e liquidação de criptomoedas, criptoativos e ativos digitais eventualmente constritos. (Conselho Nacional de Justiça, 2024, p. 1-2).
Vê-se que o CNJ, órgão destinado à aperfeiçoar o sistema judiciário brasileiro, já estabelece as bases para que ocorra de maneira facilitada a busca, penhora, depósito e liquidação de criptomoedas, criptoativos e demais bens virtuais, sendo possível inferir que o raciocínio e posicionamento da instituição é favorável e tendente à possibilidade jurídica concreta da penhora de bens digitais patrimoniais ou de virtual assets.
3. A PENHORA DE CRIPTOMOEDAS
“Uma criptomoeda pode ser considerada uma moeda alternativa, sendo um híbrido entre moeda mercadoria e moeda fiduciária” (Sousa, 2024, p. 8).
As criptomoedas se originam com a construção de uma rede de computadores na Internet baseada na tecnologia de blockchain e seu funcionamento é rigorosamente regido pelas regras iniciais (Farias et al., 2022).
É comum ver diferentes terminologias de criptoativos, normalmente associadas a um critério que permite classificá-los de acordo com a função exercida. Os criptoativos que exercem função de pagamento na blockchain são chamados de criptomoedas.
No caso do Bitcoin, por exemplo, não é possível acrescentar novas programações através das linhas de códigos nas transações, coisa que a rede Ethereum, segunda criptomoeda com maior capitalização de mercado, permite, habilitando os chamados smart contracts (contratos inteligentes) – que nada mais são do que cláusulas contratuais digitais, que se valem de recursos em blockchain para validar e dar resolutividade às condições negociais estipuladas ou aceitas bilateralmente (Farias et al., 2022).
Através dos smart contracts, é possível fixar uma cláusula resolutiva para transferir uma quantia predefinida de Ethereum para determinada carteira virtual quando a outra parte da relação contratual cumprir uma condição estabelecida, como a transferência de um outro bem virtual.
Ou seja, criptomoedas são criptoativos que, pela sua natureza, valor e facilidade de utilização em pagamentos se assemelham a estruturas monetárias convencionais, mas que quando não são emitidas por nenhum Banco Central, nem estão atreladas a um governo, podem ser categorizadas como criptomoedas descentralizadas voláteis, como é o caso do Bitcoin, cujo valor para aquisição de cada unidade é altamente variável devido à ausência de lastro e em razão da escassez que decorre da finidade de bitcoins, já que a rede Bitcoin foi programada para registrar apenas 21 milhões de unidades de bitcoins (Monteiro, 2019).
Nesta discussão, criptomoedas como Ethereum, Dogecoin, BNB, etc., que se comportam de maneira semelhante ao Bitcoin - isto é, como um ativo virtual de alto valor especulativo, mais propenso a ser um investimento volátil baseado na sorte do que uma reserva de valor propriamente dita, - serão tratadas apenas como bitcoins, para simplificar o desenvolvimento do raciocínio.
Por outro lado, quando o criptoativo não é emitido por Bancos Centrais, mas busca combater a volatilidade de preço por meio de lastro em um ativo ou grupo de ativos existentes no mundo real, como moedas oficiais de Estados soberanos, por exemplo o real e o dólar, ele recebe a denominação de stablecoin (Barroso, 2022).
Já as moedas digitais de bancos centrais (CBDCs - Central Bank Digital Currency), como a própria nomenclatura sugere, são criptoativos emitidos de forma oficial e soberana por um país, através de um Banco Central. Nesse caso, as CBDCs funcionam como uma versão digital do dinheiro físico oficial de um país (Barroso, 2022, p. 4).
Sob o aspecto legal, seja uma criptomoeda sem lastro definido como o Bitcoin e o Ethereum, seja uma stablecoin ou uma CBDC, esses criptoativos, a princípio, não se enquadram nas hipóteses de impenhorabilidade previstas no rol do art. 833 do CPC.
Vale ressaltar que, ao contrário de outros bens digitais como perfis monetizados em redes sociais, o conteúdo das criptomoedas possui exclusivamente caráter econômico, ausentes vieses pessoais e personalíssimos.
Portanto, não é um absurdo concluir que tais bens sejam penhoráveis.
Nesse sentido, a Corte Especial do STJ, ao julgar no início de 2024 o REsp n. 1.660.671/RS, cuja questão central versa sobre a penhora de quantias depositadas em contas de investimento até o limite de 40 salários mínimos, manifestou-se brevemente sobre a possibilidade de penhora de bitcoins e criptomoedas similares:
(...) 22. A partir do raciocínio acima, a melhor interpretação e aplicação da norma é aquela que respeita as seguintes premissas: a) é irrelevante o nome dado à aplicação financeira, mas é essencial que o investimento possua características e objetivo similares ao da utilização da poupança (isto é, reserva contínua e duradoura de numerário até quarenta salários mínimos, destinada a conferir proteção individual ou familiar em caso de emergência ou imprevisto grave) - o que não ocorre, por exemplo, com aplicações especulativas e de alto risco financeiro (como recursos em bitcoin, etc.) (Brasil, 2024).
Com base nos argumentos tecidos pelo STJ e embora esse não seja o cerne da questão, é possível deduzir que bitcoins são passíveis de penhora, pois ainda que não seja equiparado a uma poupança ou aplicação de baixo risco, a Corte reconhece seu valor econômico e a integração ao patrimônio do titular.
No mesmo precedente acima colacionado, no item 22, alínea ‘d)’, a Corte Especial do STJ entende que é ônus da parte devedora produzir prova concreta de que a aplicação similar à poupança constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial ou a proteger o indivíduo ou seu núcleo familiar contra adversidades (Brasil, 2024).
Tratando-se de aplicações especulativas e tão voláteis como a compra de bitcoins, a produção dessa prova se mostra extremamente difícil, pois conforme pontua a Comissão de Valores Mobiliários “(...) a alta volatilidade dos preços dos criptoativos indica que eles não são adequados para assumir duas das três funções de uma moeda oficial: unidade de conta e reserva de valor” (CVM, 2018, p. 3). Assim, ausente a característica de reserva de valor do ativo, reservas financeiras nesse tipo de criptoativo não estável não é garantia de durabilidade para proteger o indivíduo e seu grupo familiar.
Portanto, sob perspectiva legal e jurisprudencial, bitcoins e criptomoedas que se comportam de maneira similar são penhoráveis e mesmo as reservas de capital em quantia equivalente até 40 salários-mínimos se mostram penhoráveis, segundo o STJ, devido ao fato de não serem aplicações com segurança duradoura, o que diverge com os princípios e propósitos da poupança.
No que diz respeito às stablecoins e às CBDCs, a vinculação desses ativos ao valor de moedas fiduciárias (como o real e o dólar) ou a metais preciosos, como ouro e prata, assegura que os valores praticados no mercado se mantenham dentro da normalidade esperada para moedas fiduciárias oficiais. Tal característica facilita para o devedor demonstrar que a reserva desses valores, até o montante correspondente a quarenta salários mínimos, é destinada à mesma finalidade de uma poupança e assim fazer jus à impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC.
Quanto ao tratamento jurídico dos criptoativos nas execuções, no caso do Bitcoin e seus similares e de stablecoins, tendo em vista que não são emitidos por organismos monetários competentes, no Brasil, o Banco Central do Brasil (BCB) não as reconhece como moeda nacional ou estrangeira:
Ativos virtuais (chamados popularmente de moedas virtuais, criptomoedas ou moedas criptográficas) não são emitidos nem garantidos pelo Banco Central (BC). Não têm as características de uma moeda, ou seja, de meio de troca, de reserva de valor e de unidade de conta, mas, sim, as características de ativo. Por isso a moeda virtual é chamada de ativo virtual. Seu valor decorre exclusivamente da confiança entre quem adquire e quem emite, e o risco pelas transações com moedas virtuais é exclusivo dessas pessoas.
Não são ativos virtuais:
I - moeda nacional e moedas estrangeiras;
II - moeda eletrônica, conforme Lei nº 12.865, de 2013;
III - instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e
IV - representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros (BCB, 2023).
Com isso, é evidente que bitcoins e stablecoins não se adequam às definições de moeda, nacional ou estrangeira, tampouco as plataformas que costumam ser utilizadas para comercializá-lo, chamadas de “exchanges”, enquadram-se no conceito de instituições financeiras (Castello, 2019), razão pela qual não teriam prioridade na ordem de penhora prevista no art. 835, inciso I, do CPC (Brasil, 2015).
No Brasil, está em fase de testes a DREX, moeda que vem sendo desenvolvida pelo BCB, que será, segundo a Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal, “(...) o real em formato digital, emitido em plataforma digital operada pelo Banco Central (BC)” (Brasil, 2025).
Acerca da DREX, que será uma CBDC nacional:
É importante destacar que o DREX não é uma stablecoin ou uma criptomoeda de alta volatilidade, ele é uma nova expressão digital do Real, e será garantido pelos mesmos fundamentos e políticas econômicas que definem o valor e a estabilidade do Real convencional, sendo assim, não havendo qualquer forma de mineração (Camargo; Riccio, 2024, p. 8).
Nesse caso, por mais que utilize a tecnologia de registro distribuído (DLT), assim como a bitcoin, sua natureza jurídica é a mesma do real na versão de cédulas, qual seja, de moeda nacional.
Assim, eventuais valores em DREX que um devedor alvo de execução ou cumprimento de sentença por quantia certa tenha sob sua custódia, poderão ser penhorados, como se dinheiro fosse.
Diferente do bitcoin e de outras stablecoins, o DREX, por ser emitido pelo BCB e necessitar de instituições financeira como intermediárias para acesso à plataforma (BCB, 2023), pode favorecer a obtenção de informações acerca de numerários do real digital e facilitar a constrição do bem pela penhora, mormente porque o principal gargalo que há no processo de penhora de criptoativos é saber onde eles estão armazenados, já que nem todos os titulares de criptomoedas armazenam-nas em exchanges, mas sim em cold wallets (carteiras digitais frias) que tornam a existência desse patrimônio anônima perante plataformas governamentais, como SISBAJUD (CVM, 2018).
As cold wallets, normalmente armazenadas em hardware ou papel, não estão conectadas à internet. O usuário pode fazer o download da criptomoeda em um dispositivo físico e transportá-la para qualquer lugar (Oliveira, 2022).
A segurança das cold e hot wallets advém da criação das chaves pública e privada de modo que a chave pública é o endereço de rede onde o criptoativo pode ser localizado, enquanto a chave privada é a senha necessária para acessar a carteira digital e, assim, poder realizar quaisquer operações transacionais envolvendo o ativo (Oliveira, 2022).
No processo de criação das chaves públicas e privadas das transações envolvendo o bitcoin, a identidade real do usuário não é registrada no blockchain, o que pode gerar a sensação de anonimato. Contudo, dados como o endereçamento de rede em IPv6 (Internet Protocol version 6) – protocolo de rede que endereça e identifica dispositivos na internet – são registrados e podem ser auditados a qualquer tempo (Ulrich, 2014).
Portanto, caso o usuário que cadastrou as chaves da sua carteira bitcoin não tenha se precavido com mecanismos artificiais de mascaramento de IP e outras proteções, apesar de ser um processo complexo, é uma forma de identificá-lo.
Entretanto, por mais que o anonimato não seja absoluto, ele é muito forte e o processo de pesquisa através da checagem individual de cada chave pública é extremamente complexo e inviável pela perspectiva do Judiciário, que teria o trabalho de checar incontáveis endereços públicos da rede Bitcoin e fazer a checagem de milhões de chaves públicas, com o fim de localizar um registro de transações envolvendo criptoativos descentralizados, cuja transferência tenha sido registrada com o endereço IP do devedor.
Ou seja, na prática, a pesquisa judicial para localizar criptoativos descentralizados como o bitcoin em carteiras custodiadas pelo próprio devedor, pessoa física ou jurídica, é extremamente inviável.
A chance mais provável de êxito na busca por criptoativos descentralizados como bitcoins e stablecoins deriva da busca e apreensão de bens móveis no endereço residencial ou laborativo do devedor, que pode vir a encontrar a chave pública do ativo armazenada em hardware ou papel.
Porém não basta localizar o endereço web ou de rede onde está localizado o criptoativo, pois o bem só estará efetivamente sujeito à constrição com a entrega da chave privada. Ou seja, a penhora das criptomoedas descentralizadas depende da vontade do devedor em fornecer as senhas e chaves privadas para acesso às carteiras onde os ativos estão armazenados.
Tal análise é corroborada por Araújo:
(...) o aparato estatal não tem como efetuar penhoras sobre esses criptoativos, assim como tampouco conseguiria oficiar alguma instituição que pudesse – a wallet digital, em regra, será de acesso direto restrito do usuário, não sendo submetida a bancos ou demais instituições financeiras tradicionais (Araújo, 2023, p. 43).
Essas características confirmam a avaliação de Roggini, ao afirmar que o maior problema enfrentado pelo credor ao requerer a constrição de criptomoedas por meio da penhora não é a impossibilidade jurídica, mas a viabilidade de efetivá-la, tendo em vista os mecanismos que favorecem o anonimato e ocultação patrimonial inerentes à própria tecnologia por trás dos blockchains (Roggini, 2019).