O credor de uma demanda, ou seja, a parte que possui o direito ao recebimento de valores para pagamento de uma dívida pode se utilizar de dois mecanismos de cobrança, mais comuns no mundo jurídico. O Título Executivo Extrajudicial (como cheques, duplicatas, notas promissórias etc.) ou através do Cumprimento de Sentença quando já possuem uma decisão judicial lhe garantindo o direito ao recebimento.
Tais disposições encontram respaldo na lei brasileira, no Código de Processo Civil, o qual determina que para ocorrer o adimplemento do débito, o credor pode utilizar a penhora de bens.
De acordo com o artigo 835 do Código de Processo Civil, a penhora obedecerá uma ordem legal, estando o dinheiro em primeiro lugar na ordem de preferência.
Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
II - títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;
III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;
IV - veículos de via terrestre;
V - bens imóveis;
VI - bens móveis em geral;
VII - semoventes;
VIII - navios e aeronaves;
IX - ações e quotas de sociedades simples e empresárias;
X - percentual do faturamento de empresa devedora;
XI - pedras e metais preciosos;
XII - direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;
XIII - outros direitos.
Contudo, nos casos em que não é possível o recebimento através de ativos financeiros, a lei permite a penhora de outros bens, a exemplo dos imóveis.
A penhora de imóveis é uma das mais efetivas formas de adimplemento do crédito. Contudo, de acordo com o artigo 844 do Código de Processo Civil, não basta apenas haver o deferimento judicial da referida constrição.
A Lei determina que o credor deve providenciar o registro da penhora no Cartório de Registro de Imóveis competente:
Art. 844. Para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, cabe ao exequente providenciar a averbação do arresto ou da penhora no registro competente, mediante apresentação de cópia do auto ou do termo, independentemente de mandado judicial.
Com a finalidade de dar publicidade acerca de uma constrição judicial sobre determinado bem imóvel, o registro de penhora sobre a matrícula imobiliária é um ato realizado no cartório de registro de imóveis.
Para além de uma simples publicidade, esse mecanismo é comumente utilizado por credores para que seus créditos sejam garantidos de alguma forma, a se evitar dilapidação ou ocultação patrimoniais por parte do devedor e invalidações de aquisições de boa-fé por terceiros.
Significa dizer, que o registro da penhora autorizada, além de evidenciar que há uma restrição naquele bem em favor do credor, ainda impede que sejam realizados atos de dilapidação do patrimônio, de forma a configurar fraude.
Caso o devedor doe ou venda seu imóvel com penhora registrada na matrícula, será reconhecida a chamada “fraude à execução”, artimanha essa praticada pelo devedor para não sofrer bloqueio de bens.
Dispõe o artigo 792 do Código de Processo Civil, que quando há na matrícula do imóvel, o registro da penhora realizada em um processo de execução, qualquer alienação desse bem configura-se fraude.
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828. ;
III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
Corroborando o dispositivo de lei, atualmente, a exigência do registro de penhora para a configuração de fraude à execução decorre também da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual estabelece que:
O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.
O entendimento decorrente da Súmula acima, trata-se, portanto, de um entendimento majoritário. Diante disto que se verifica a importância do registro para conceder mais segurança jurídica aos credores.
No entanto, recente decisão da 2ª Seção do STJ reformulou esse entendimento em casos específicos em que há evidente tentativa de ocultação de bens, dispensando a necessidade de averbação da penhora na matrícula do imóvel.
A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Embargos de Divergência no REsp 1.896.456, decidiu que a penhora registrada não é imprescindível para a caracterização da fraude à execução, especialmente em casos de doações de bens entre familiares que configuram blindagem patrimonial.
O caso analisado pela Corte Cidadã envolveu a doação de um imóvel feita por uma sócia de empresa familiar dissolvida irregularmente em favor de seus descendentes. Ocorre que, no momento da doação, já havia uma decisão judicial determinando a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, a permitir que o patrimônio pessoal da sócia fosse alcançado para saldar débitos empresariais.
A Terceira Turma do STJ, ao aplicar a Súmula 375, havia entendido que, sem a averbação da penhora, não se poderia reconhecer a fraude à execução. No entanto, a decisão foi reformada pela 2ª Seção, que adotou uma interpretação mais flexível, alinhando-se à jurisprudência da 4ª Turma do referido tribunal.
Segundo o relator, Ministro João Otávio de Noronha, “a caracterização de má-fé decorre do contexto fático de blindagem patrimonial, sendo irrelevante a ausência de registro”. Assim, destacou-se que, em casos como esse, a má-fé não precisa ser provada pelo credor, pois decorre do próprio contexto fático: a doação foi feita dentro do núcleo familiar, com o imóvel permanecendo sob posse da doadora, evidenciando a intenção de frustrar a satisfação do crédito.
Ressaltou-se, ainda, que a aplicação da Súmula nº 375 do STJ tem sido relativizada em casos de blindagem patrimonial familiar, pois, “em casos de transmissão no âmbito familiar, especialmente quando o bem permanece no núcleo familiar e há indícios claros de blindagem patrimonial, como doações entre ascendentes e descendentes inclusive com reserva de usufruto (exatamente o caso em tela), a jurisprudência tende a relativizar a aplicação da súmula porque se considera que o vínculo familiar permite a caracterização de má-fé do donatário, dispensando a lógica do registro da penhora e afastando a necessidade de comprovar o desconhecimento do adquirente”.
Então, a tese fixada no julgamento do recurso especial foi de que o registro da penhora na matrícula do imóvel é dispensável para o reconhecimento de fraude à execução em hipóteses de doação entre ascendentes e descendentes que configure blindagem patrimonial em detrimento de credores.
A jurisprudência da Corte Cidadã ainda é minoritária no sentido acima, mas essa decisão proferida pela 2ª Seção já representa um importante avanço à proteção dos direitos dos credores.
De todo modo, considerando que a decisão acima ainda se encontra minoritária, ainda formando-se precedentes mais firmes, é recomendável sempre efetuar o registro da penhora, como forma de se garantir maior efetividade à execução.