Dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial no crédito trabalhista

07/04/2025 às 13:10

Resumo:


  • O governo federal criou uma medida provisória para oferecer linha de crédito consignado com garantia do saldo FGTS e juros mais baixos.

  • O Código de Defesa do Consumidor foi atualizado pela Lei do Superendividamento para lidar com o fenômeno crescente de superendividamento.

  • A expansão do crédito consignado para trabalhadores com salário-mínimo fere os princípios da dignidade da pessoa humana e da preservação do mínimo existencial.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O governo federal, em 12/03/2025, criou uma medida provisória (MP) que cria linha de crédito consignado para o trabalhador com garantia do saldo FGTS, com juros mais baixos e conveniados os bancos (públicos e privados) com o governo federal1. Mais uma vez, o governo brasileiro trabalha em prol dos bancos, a favor do neoliberalismo, deixando o povo à mercê das instituições financeiras. Mais uma vez, ressalte-se, haverá mais litígios judiciais, administrativos e extrajudiciais2 entre consumidores e instituições financeiras.

O Código de Defesa do Consumidor3 (CDC) foi editado pela Lei 14.181/2021, chamada de Lei do Superendividamento. Esta lei abarcou o fenômeno tão comum na atualidade, que é o superendividamento. Caracteriza-se este como “a impossibilidade global de o devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos)4.” O superendividamento é um fenômeno comum nas sociedades de consumo conteporâneas, devido ao crédito mais acessível para consumir cada vez mais. O “ter” está ligado ao status na sociedade de consumo, necessitando as pessoas consumires cada vez mais para se sentirem realizadas, uma espécie, digamos, de autoafirmação.

O art. 54-A, §1°, do CDC, define o superendividamento nos seguintes termos:

Art. 54-A. Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) 5

§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.

O que se entende por mínimo existencial são as condições básicas de vida dos indivíduos a serem garantidas pelo Estado Democrático de Direito (incluindo não apenas as condições materiais de vida, mas também a cultura, educação, esporte e lazer, por exemplo)6. Sem as condições básicas de vida (incluindo educação, lazer, turismo, esportes e demais direitos fundamentais consagrados na Carta Magna), não há, de fato, inclusão do cidadão endividado na sociedade.

O mínimo existencial é corolário da dignidade da pessoa humana7. Está ele no art. 6, XII, do CDC, como direito básico do consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;

Portanto, o governo federal, ao aumentar (“democratizar”) o acesso ao crédito, alegando ser ele mais baixo que a taxa de juros de mercado8, não está incluindo o trabalhador no mercado, mas, sim, endividando-o. Não há aí preservação do mínimo existencial, conforme o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, mas a negação do mínimo existencial ao trabalhador brasileiro. Onde está a preservação da dignidade da pessoa humana, cujo elemento importante é a preservação do mínimo existencial9? Se o próprio governo de um povo, que deveria prezar pelo bem comum (justiça ou bem público) dele, oferece crédito para um país que 77,9% das famílias estão endividadas10, as taxas de juros abusivas no país são uma das mais altas mundialmente (o 4º mais alto do mundo de taxas de juros reais)11 e o governo federal aumenta, mesmo com a 4ª taxa de juros real mais alta mundialmente e altíssimos índices de desigualdade social, e expande o crédito consignado para os trabalhadores brasileiros que recebem, em sua maioria, um salário-mínimo, sendo R$1.518,00.

Em suma, a expansão da oferta de crédito consignado para trabalhadores que recebem um salário-mínimo (R$1.518,00) fere os princípios da dignidade da pessoa humana e da preservação do mínimo existencial, visto que o Brasil é o 4º país com a maior taxa real de juros mundial, com alto índice de pobreza e desigualdade social, sendo desmesurado aumentar a oferta de crédito no país pelas situações supramencionadas.


01 Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2025/marco/governo-federal-cria-o-credito-do-trabalhador-linha-com-juros-mais-baixos. Acesso em: 06 de abr. 2025.

02 Extrajudicialmente e administrativamente em audiências conciliatórias dos Procons.

03Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078compilado.htm. Acesso em 6 de abr. 2025.

04BENJAMIN, Antonio Herman. [Et al]. Comentários à Lei n 14.181/2021: a atualização do CDC em matéria de superendividamento. São Paulo: Thomson Reuters, 2021.

05https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14181.htm#art1

06 SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 3. ed. São Paulo: Fórum, 2024.

07 Estando a dignidade da pessoa humana no art. 1º, III, da Constituição de 1988.

08Sendo o Brasil um dos países com as taxas mais altas e abusivas de juros mundialmente...

09SARMENTO, op. cit, 2024.

10Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/02/16/brasil-bate-recorde-de-endividados-com-nome-sujo-a-gente-nao-e-nada.ghtml. Acesso em: 6 de abr. 2025.

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11 Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/03/19/brasil-cai-para-4o-no-ranking-de-maiores-juros-reais-do-mundo-mesmo-com-alta-da-selic-veja-lista.ghtml. Acesso em: 6 de abr. 2025.

Sobre o autor
Erick Labanca Garcia

Graduando em Direito, estagiário jurídico, escritor e cronista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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