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O efeito Eco: por que temos tantas leis?

Resumo:


  • O Brasil é um dos países com maior número de leis vigentes.

  • O excesso de leis inúteis ou sem sentido contribui pouco para o progresso do país.

  • A prática de fazer avolumar leis pode ludibriar o povo e desviar a atenção de questões importantes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O excesso de leis no Brasil serve à manipulação política, criando distrações e burocracias ineficazes. Por que leis inúteis prosperam enquanto a justiça social é esquecida?

Resumo: É de conhecimento púbico que o Brasil é um dos países com maior número de leis vigentes. Estamos ainda entre os que mais compilam leis inúteis ou sem sentido, para as quais o bom senso bastaria. Partindo daí, analisaremos as causas desse fenômeno que engrossa cada vez o ordenamento jurídico pátrio, mas que pouco contribui para o progresso do país, para seu enriquecimento e tampouco para promoção da justiça social. Com ajuda da mitologia e de obras de brilhantes escritores, buscaremos exemplificar e entender como a prática de fazer avolumar leis se presta a ludibriar o povo, enquanto o que realmente importa fica relegado ao segundo plano ou efetivamente esquecido.

Palavras-chave: Eco, Excesso, Filosofia, Justiça, Mitologia.


INTRODUÇÃO

Os ordenamentos jurídicos das nações são de suma importância para regular as interações sociais, quer seja na seara penal, prevendo condutas tidas como criminosas, quer regrando os contratos, recolhimento de tributos, relações de consumo, enfim, praticamente tudo. As normas legais cumprem bem seu papel de possibilitar que a civilização moderna se erga sobre elas, pois mesmo sendo abstratas, ou seja, de não passarem ideias postas por meio de letras em códigos dos mais diversos, os Estados, por meio de instituições fortes, dão às leis a força de que necessitam para que sejam cumpridas.

Antes que se pense diferente, frisa-se que o objetivo deste trabalho não é, sob nenhum aspecto, desmerecer ou diminuir de algum modo a importância das leis para as sociedades, já que abandonar o Estado de Direito nos conduziria ao anarquismo, ou pior, ao totalitarismo nutrido por um Estado policial no qual os direitos civis pereceriam. O que se pretende aqui é observar que, apesar da importância das leis, não raramente, exageramos em editá-las, tanto em quantidade, quanto na falta de qualidade. O efeito é que ficamos com a impressão de que certas leis não passam de perfumaria legislativa, ou seja, são supérfluas.

Ocorre, todavia, que, em alguns casos, essas leis supérfluas, apesar de não cumprirem com nenhum papel relevante para a sociedade à qual são endereçadas, parecem servir para atender a interesses pessoais que, por vezes, são meros caprichos, ou pior, apesentam-se como imbróglios legais criados com o fim de desviar a atenção das pessoas de aspectos realmente importantes, servindo, portanto, como uma espécie de cortina de fumaça ou ardil que confunde a visão enquanto coisas outras são decididas às cegas dos que se verão impactados negativamente. Quem nunca leu manchetes de jornais dizendo que determinada lei foi aprovada “no apagar das luzes” desta ou daquela casa legislativa? Pois bem, dentre outras coisas que veremos, é também disso que se trata.


ECO DAS LEIS

Com o intuito de trazer exemplos que ilustrem o que se pretende demonstrar, buscaremos personagens da mitologia grega e também da literatura que, cada qual a sua maneira, guardam relação com a questão aqui abordada.

Comecemos, portanto, pela mitologia, mais especificamente pelo mito grego de Eco que, aliás, empresta seu nome a este trabalho e ao fenômeno sonoro que aparenta estender ou repetir falas ou ruídos em determinados ambientes nos quais a acústica o favorece. Na mitologia grega, Eco é uma ninfa (divindade relacionada às águas) de radiante beleza, mas com uma característica muito peculiar: é tagarela, mas para sermos menos coloquiais, diremos que é eloquente:

Eco prendia-se em longos papos, sempre tinha assunto e jamais se permitiria silenciar

(MARIANO / MELLO, pag.114, 2022).

Na lenda, sua habilidade única de falar pelos cotovelos foi percebida por ninguém menos que o próprio Zeus, deus dos deuses e senhor do panteão olímpico, que não tardou em fazer uso escuso e em proveito próprio do dom da bela ninfa:

Zeus, sabendo que Eco tinha a capacidade de falar incessantemente, contava com a ajuda da ninfa para que distraísse Hera com a sua verborragia, no intuito de cometer atos de adultério com ninfas e mortais.

E prossegue:

Eco, em sua loquacidade de trivialidades, conseguia ardilosamente iludir e despistar a deusa Hera quando esta decidia tentar flagrar Zeus se divertindo com as ninfas daquele local

(MARIANO / MELLO, pag.114, 2022).

Inferimos dos trechos acima, retirados da brilhante obra intitulada “O Mito da ninfa Eco e as vozes de mulheres silenciadas”, que o dom de que disponha Eco, ou seja, ser extremamente prolixa em suas falas, quase sempre argumentando trivialidades, serviu a único propósito, que foi o de desviar a atenção de Hera, esposa de Zeus, enquanto este se deleitava com outras mulheres. Eis, portanto, o que muitas das leis que compõe nosso ordenamento jurídico são; um amontoado de normas que nada produzem de útil à sociedade, mas que ainda assim vigoram como instrumentos legais. O problema disso é que, além de não serem relevantes de forma alguma ao progresso, ainda constituem empecilhos a ele, pois que criam demandas inúteis e rotinas burocráticas para dar cumprimento à leis que não têm sentido. A única conclusão que se pode obter disso é que o intuito de normas desse tipo é o mesmo que o de Zeus em relação à Hera, ou seja, de iludir. Afinal de contas, nessa relação mitológica, caso Zeus seja substituído pelos governantes de modo geral; Eco pelos legisladores em todos os níveis; e Hera pelo povo enganado e perdido em meio a tanta inutilidade obrigatória, tudo passa a fazer sentido.

Além da mitologia, a literatura também nos apresenta exemplos de construções legais propositalmente redigidas com o fim de dificultar suas interpretações e, por consequência, impedir ou criar obstáculos para o acesso à justiça e busca por direitos.

Uma das obras de literatura que melhor retrata esse cenário é “O Processo”, do escritor tcheco Franz Kafka (1883 – 1924). Na obra, publicada em 1925, portanto, postumamente, por um editor e amigo próximo de Kafka, são descritos os desafios e os revezes sofridos pelo personagem principal, Josef K, que na manhã de seu aniversário de trinta anos é surpreendido com a presença de oficiais de justiça em seu quarto, informando-lhe que pesa contra ele um processo no qual deverá se defender. No desenrolar da trama fica evidente que se defender naquele processo se mostrará uma tarefa hercúlea, para não dizer impossível. Os obstáculos a serem superados variam muito, desde informações desencontradas e incompletas prestadas pelos funcionários do tribunal, até a confusão legal devida a leis pouco claras e até injustas:

São sem dúvida códigos, e é da natureza desta justiça que sejamos condenados não só em completa inocência, mas ainda em completa ignorância da lei

(KAFKA, pág. 33, 1925).

E prossegue:

Nestas circunstâncias, a defesa encontra-se claramente numa situação muito desvantajosa e difícil. Mas isto é também propositado. Porque, na realidade, a lei não autoriza a defesa, tolera-a simplesmente; e a questão de saber se a alínea em causa deve ser interpretada pelo menos no sentido da tolerância, é ela própria controversa

(KAFKA, pág. 66, 1925).

Franz Kafka, que além de escritor era formado em Direito, tendo trabalhado numa companhia de seguros, era bastante íntimo das normas legais e das burocracias delas decorrentes. Sua formação acadêmica aliada a sua experiência profissional certamente contribuíram para que ele retratasse as nuances confusas que orbitam o sistema judiciário como um todo. A prova de sua percepção acurada acerca das dificuldades que, especialmente, pessoas leigas em matéria de Direito enfrentam diante de questões legais, está nas paginas desta magnífica obra. E disso inferimos que não deveria ser assim. Afinal, se as normas legais e o sistema judicial como um todo se prestam – ou deveriam se prestar – a regrar as relações sociais, eliminar contendas privadas e a sanar dúvidas, leis confusas, desnecessárias e óbices disfarçados de burocracias administrativas úteis não deveriam existir.


POR FALAR EM ECO

Fazendo também coro ao título deste trabalho e à nossa bela ninfa tagarela, analisaremos o que a obra “O Nome da Rosa”, do escritor italiano Umberto Eco, tem a nos ensinar sobre a relevância das leis nas relações entre as pessoas numa sociedade por elas regidas:

Bem, continuou Guilherme, se um sozinho pode fazer mal as leis, muitos não seria melhor? Naturalmente, sublinhou, estava-se falando de leis terrenas, concernentes ao bom andamento das coisas civis.

(ECO, pág. 287, 1980).

Na trama, ambientada na Europa e dentro das sombrias muralhas de uma abadia medieval, o frei, Guilherme de Baskerville, protagonista do livro, juntamente de seu pupilo, o jovem Adso, são chamados à investigar uma série de mortes que parecem estar relacionadas de alguma maneira. Guilherme, apesar de muito afamado por suas profícuas diligências investigativas, conduzidas de forma científica e à luz da razão, colecionava muitos inimigos velados entre os inquisidores, pois estes tinham o hábito de desprezar os métodos racionais de Guilherme e promoviam seus julgamentos com base nas leis da igreja, valendo-se dos métodos eclesiásticos, que incluíam a tortura, para obtenção de confissões, de modo que, quase sempre, os réus recebiam a pena capital. Como depreendemos do trecho acima, além de seguir métodos científicos, Guilherme repudiava o uso de leis e juízes clericais para julgar crimes, como o homicídio, pois, para ele, essa não deveria ser uma atribuição da igreja, que deveria se ocupar da fé e de seus mistérios, deixando que as leis dos tribunais terrenos cuidassem de julgar suspeitos de serem criminosos, senão vejamos:

A igreja pode e deve advertir o herege que ele está saindo da comunidade dos fiéis, mas não pode julgá-lo na terra e obrigá-lo contra sua vontade. Se Cristo tivesse querido que seus sacerdotes obtivessem poder coativo, teria estabelecido preceitos precisos como fez Moisés com a lei antiga. Não o fez. Portanto não o quis

(ECO, pág. 369, 1980).

Sendo, apesar de clérigo, um homem da razão, Guilherme também não via com bons olhos que pessoas comuns e sem conhecimento acurado das sagradas escrituras e demais dogmas da igreja, fossem julgadas criminalmente por aqueles que haviam dedicado suas vidas inteiras em conhecê-las com profundidade. A ignorância sobre as leis que determinavam seus crimes, como o de heresia, por exemplo, era acentuada pelo pouco ou nenhum acesso que os mais humildes tinham daqueles textos. Mas essa ignorância das leis era proposital, como se infere a seguir:

E por isso, também para eles, a biblioteca é escrínio. Mas justamente por isso, compreendeis, ela não pode ser penetrada por qualquer um. E além disso - acrescentou o Abade como a desculpar-se pela pequenez do último argumento - o livro é criatura frágil, sofre a usura do tempo, teme os roedores, as intempéries, as mãos inábeis. Se por séculos e séculos cada um tivesse podido tocar livremente os nossos códices, a maior parte deles não existiria mais

(ECO, pág. 73, 1980).

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E prossegue:

O Abade sorriu: Ninguém deve. Ninguém pode. Ninguém, querendo, chegaria ali. A biblioteca defende-se por si, insondável como a verdade que abriga, enganadora como a mentira que guarda. Labirinto espiritual, é também labirinto terreno

(ECO, pág. 73 / 74, 1980).

Portanto, percebemos claramente que conservar os povos em estado de ignorância é uma ferramenta eficaz para mantê-los sob o jugo dos mandatários, fossem eles religiosos e monarcas de outrora, sejam eles governantes e legisladores eleitos em modernas democracias.


LEGES INUTILES

Como dito e exemplificado, com base na mitologia grega e em obras magníficas da literatura, leis inúteis e em grande número representam um desserviço à sociedade. Mas antes que alguém imagine que os exemplos até aqui trazidos não correspondem à realidade brasileira e que tal alegação carece de lastro, analisemos o que a imprensa, com a liberdade de que precisa para levar a efeito o seu nobre papel de informar, tem a nos dizer sobre o assunto:

Nos corredores do Congresso Nacional, aumentam os comentários sobre a improdutividade legislativa de 2023. Quem acompanha de perto as atividades da Câmara dos Deputados e do Senado Federal viu um ano de trabalho com poucas pautas relevantes... Felipe Rodrigues, mestre em poder Legislativo, explica que apesar dessas leis terem baixo impacto para a maioria dos brasileiros, elas foram criadas para agradar pequenos grupos... “Quantas dessas leis, aprovadas e sancionadas em 2023, resolvem grandes problemas no país? Quantas resolvem, de fato, questões complexas e historicamente arraigadas?”, questiona Rodrigues. Ele ainda acrescenta que a quantidade de leis aprovadas é muito alta, o que dificulta ainda mais que os cidadãos acompanhem o que está sendo decidido pelo Parlamento

(VILELA, Gazeta do Povo, 2023).

Os trechos acima foram extraídos da reportagem de Marlice Pinto Vilela, publicada pelo jornal Gazeta do Povo em 22/12/2023. Na espetacular matéria ficam evidentes os dois principais aspectos abordados neste trabalho, ou seja, a quantidade exorbitante de leis aprovadas e a irrelevância de muitas delas para os problemas reais da sociedade brasileira.

Sem querer trazer contradição ao tema deste trabalho, insta, contudo, frisar que algumas leis são tremendamente importantes para qualquer sociedade, em especial, as democráticas. A matéria citada acima é um bom exemplo do que boas leis podem produzir, pois sem a liberdade de imprensa, garantida constitucionalmente no Brasil, nem mesmo a obtenção de dados para sua edição teria sido possível. Impor óbices legais à liberdade da palavra seria, aliás, uma subversão à todas as outras leis, pois os homens rapidamente deixam de respeitar as leis que não podem criticar, como nos ensina o filósofo Baruch Spinoza (1632 – 1677), cuja vida e obras foram analisadas pelo também filósofo e historiador estadunidense Will Durant (1885 – 1981) em sua obra História da Filosofia:

Mais um governo luta para suprimir a liberdade de pensamento, mais obstinada resistência encontra dos que, pela boa educação, sã moralidade e virtude, se tinham tornado mais livres. São os homens em geral constituídos de tal modo que nada sofrem com menos paciência do que verem as ideias que julgam justas serem tidas como crimes contra a lei. Sob tais circunstancias não consideram desonroso, antes acham honrosíssimo, detestar as leis e tudo fazer contra o governo

(DURANT, pág. 200, 1942).

A questão é tão relevante que, como já evidenciado acima, ao longo dos séculos, brilhantes filósofos também se debruçaram sobre o tema buscando clarear o caminho para oferecer soluções para o problema. Afinal, a filosofia, que permeia todas as ciências conhecidas, não poderia se furtar de pensar e repensar sobre a mais importante delas: a de governar homens, que se convencionou chamar de política.

Dito isso, buscaremos nos socorrer desses célebres pensadores para, quem sabe, compreender melhor as raízes da ineficiência legislativa e suas consequências:

O príncipe bom, sábio e correto é simplesmente uma espécie de corporificação da lei. Portanto, ele não economizará esforços para promulgar as melhores leis possíveis, as mais benéficas para o estado, e não um grande número delas. Um número muito pequeno de leis será suficiente em um estado bem ordenado, com um bom príncipe e magistrados honestos, e se as coisas forem diferentes, nenhuma quantidade de leis será suficiente. Quando um médico incompetente experimenta um remédio após o outro, seus pacientes tendem a sofrer

(ROTERDÃ, pág. 121, 1516).

A citação acima, em que pese seja curta, condensa muita informação sobre o tema abordado neste trabalho. Extraída da obra “A Educação de um Príncipe Cristão”, do filósofo, teólogo e escritor Erasmo de Roterdã (1466 – 1536), bem exemplifica e sintetiza a questão em voga, pois defende que poucas leis serão suficientes, desde que o governante tenha sabedoria para aprová-las e bondade ao aplicá-las. Erasmo alude ainda ao papel desempenhado pelos magistrados, intérpretes das leis, frisando que estes devem ser honestos, pois, do contrário, nenhuma quantidade de leis bastará ao bom funcionamento do Estado e ao bem estar do povo.

Apesar de muito esclarecedores, diretos e precisos, não esgotaremos com Baruch Spinoza e Erasmo de Roterdã os ensinamentos filosóficos acerca do assunto em questão. Assim, como vimos, não apenas a criação de leis em demasia constitui um problema, mas também suas modificações feitas sem as devidas reflexões e debates podem causar malefícios. Quiçá seja prudente que os legisladores fizessem uso de alguns conceitos filosóficos valiosos ao se debruçarem sobre mudar ou não normas legais que atingirão a todos. Um conceito filosófico muito útil para tal seria a chamada “Cerca de Chesterton”, que foi cunhado pelo escritor e filósofo inglês Gilbert Keith Chesterton (1874–1936) e que, em linhas gerais, ensina-nos a não alterar algo, seja uma norma, um costume ou uma tradição, sem antes entendermos os motivos de existirem da forma que existem. Em suma, é um sábio conselho contra radicalizações ideológicas que, em matérias legais, podem arrastar nações inteiras à abismos.

Um exemplo claro de como a criação ou alteração de leis feitas no calor de momentos críticos e em meio a comoções sociais podem impactar negativamente uma nação, foi a aprovação da chamada Lei Plenipotenciária ou Lei de Plenos Poderes, havida em 23 de março de 1933, com a qual o Parlamento Alemão concedia ao Chanceler, Adolf Hitler, poderes para aprovar e alterar leis vigentes, sem a necessidade de submetê-las ao crivo legislativo. A motivação para aquela fatídica decisão foi o incêndio que destruiu, em 27 de fevereiro de 1933, o Palácio do Reichstag, sede do Parlamento Alemão, abrindo o caminho aos nazistas para transformar a frágil democracia alemã num Estado policial, dando início às perseguições dos que tinham como inimigos:

A Lei de Restauração do Serviço Público Profissional, aprovada em 7 de abril de 1933, determinava que fossem dispensados todos os comunistas, simpatizantes de esquerda, e todos os não-arianos. Isso envolveu uma exclusão em massa das posições influentes estatais e da sociedade, já que judeus e todos aqueles contrários ao nacional-socialismo deveriam ser afastados de seus cargos

(ANDRIGHETTO / ADAMATTI, pág. 65, 2016).

Percebe-se, portanto, que ao aprovar a Lei Plenipotenciária, o Parlamento Alemão confiava ao Chanceler, Adolf Hitler, os poderes legislativo e executivo do país. Com isso, foi apenas questão de tempo para que o regime se apoderasse de toda máquina pública e, logo mais, do único bastião que ainda oferecia resistência aos seus desmandos, ou seja, o Poder Judiciário, que não tardou a ceder, completando assim os poderes do Partido Nazista, que àquela altura se tornara o único partido político legítimo na Alemanha. Mas tudo principiou de uma lei irrefletidamente aprovada no afogadilho das emoções.

Radicalização não combina com regimes democráticos, do mesmo modo que mudanças drásticas e abruptas nas legislações também não, pois seus efeitos precisam ser pensados e projetados antes de vigorarem, sob pena de conduzir a rupturas e até no surgimento de figuras autoritárias. Analisando os conflitos ideológicos entre Voltaire e Rousseau, que mais tarde levariam a Revolução Francesa, Will Durant concluiu:

Estava aí o velho circulo vicioso: os homens fazem as instituições e as instituições fazem os homens; quem poderia rompê-lo? Voltaire e os liberais achavam que a inteligência o faria, educando e transformando os homens lenta e pacificamente; Rousseau e os radicais entendiam que o rompimento se operaria unicamente pela ação instintiva e ardente, que desmantelaria as velhas instituições e construiria, obedecendo ao coração, outras novas, nas quais imperassem a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Talvez que a verdade esteja com os dois campos antagônicos: o instinto destrói o que é velho, mas só a inteligencia constrói o novo

(DURANT, pág. 250 / 251, 1942).

Infere-se do trecho acima, extraído da obra História da Filosofia que, embora ambos os filósofos iluministas desejassem a redução dos poderes do Monarca, divergiam na maneira de fazê-lo. A história tratou de mostrar que as ideias mais radicais cunhadas por Rousseau prevaleceram. Com a revolução houve a edição de novas leis e a composição de tribunais pelos revoltosos, que julgavam opositores, tendo levado até mesmo os monarcas à decapitação na guilhotina, o que, apesar de ter sido um marco na história e de ainda reverberar nos dias atuais como símbolo da vitória popular contra a opressão, levou ao que os franceses chamam “Período do Terror”, fazendo com que muitos enxergassem a situação como a mera troca da ditadura monárquica pela do povo. Quiçá a forma comedida, refletida e pacífica proposta por Voltaire tivesse sido menos traumática.


CONCLUSÃO

Os esforços depreendidos neste trabalho buscaram trazer luz à diversas questões relacionadas aos conjuntos de leis ou arcabouços jurídicos, não apenas brasileiro, mas, como vimos, de várias nações e em épocas diferentes.

Através da mitologia e também na literatura, vimos como o excesso de leis e normas confusas podem ser usadas como distração para manipular os povos, enquanto pautas de maior relevância são deixadas de lado, alteradas ou editadas em benefício de grupos específicos que historicamente flertam com o poder político, numa espécie de escusa simbiose.

Trouxemos reflexões exemplificadas com situações fáticas, como a quantidade exorbitante e a falta de qualidade e propósito de muitas das leis recentemente aprovadas no Brasil, como também refletimos sobre de que forma a aprovação de leis de ocasião, levadas a efeito em períodos de convulsões sociais e sem uma projeção de seus efeitos futuros, podem ser extremamente nocivas, podendo levar a conflitos e possibilitar os surgimentos de ditaduras.

Por derradeiro, buscamos o auxílio de diversos pensadores que usaram da filosofia para, de algum modo, aprimorar a ciência política, visando torná-la instrumento de felicidade dos povos e de progresso das nações. Destes ilustres amantes da sabedoria, retiramos salutares ensinamentos, que encerram no bojo o potencial de conduzir à melhorias substanciais, desde que sejam bem compreendidos e aplicados com verdadeira justiça por aqueles que se acham no poder, em qualquer tempo ou lugar.


REFERÊNCIAS

ANDRIGHETTO, Aline / ADAMATT, Bianka. A lei como instrumento de poder do nazismo: uma análise a partir da crítica de Franz Neumann, Revista Brasileira de História do Direito, 2016, DOI: 10.21902/2526-009X/2016.v2i2.1632;

DURANT, Will. História da Filosofia, Ed. Companhia Editora Nacional – São Paulo, Tradução de Godofredo Rangel e Monteiro Lobato. 1942;

ECO, Umberto. O Nome da Rosa, Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade, Editora Record, 2011, ISBN 978-85-01-09419-3, disponível em: https://estdaliteratura.wordpress.com/wp-content/uploads/2017/05/lit-4-o-nome-da-rosa-umberto-eco1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2025;

ROTERDÃ, Erasmo. A Educação de um Príncipe Cristão, Tradução de Vanira Tavares de Sousa, disponível em: https://www.ispsn.org/sites/default/files/documentos-virtuais/pdf/erasmo_de_roterda.pdf. Acesso em: 07 abr. 2025;

KAFKA, Franz. O Processo, Tradução: Guimarães Editores, Publicações Dom Quixote, 2009, ISBN: 9789896600969;

MARIANO, Ariane Zanatta Campos / MELLO, Leonardo Tondato. O mito da ninfa Eco e as vozes de mulheres silenciadas, Editora Científica Digital, 2022, ISBN: 978-65-5360-163-5, disponível em: https://downloads.editoracientifica.com.br/articles/220809691.pdf. Acesso em: 04 abr. 2025;

VILELA, Marlice Pinto. Dia dos desbravadores e capital do rocambole: 35% das leis sancionadas em 2023 são inúteis, Gazeta do Povo, 2023, disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/dia-dos-desbravadores-e-capital-do-rocambole-35-das-leis-sancionadas-em-2023-sao-inuteis/. Acesso em: 04 abr. 2025.


The Echo Effect: Why Do We Have So Many Laws?

ABSTRACT: It is public knowledge that Brazil is one of the countries with the largest number of laws in force. We are also among those who compile the most useless or meaningless laws, for which common sense would suffice. From there, we will analyze the causes of this phenomenon that increasingly thickens the national legal system, but contributes little to the country's progress, its enrichment, and even less to the promotion of social justice. With the help of mythology and works by brilliant writers, we will seek to exemplify and understand how the practice of increasing laws lends itself to deceiving the people, while what really matters is relegated to the background or effectively forgotten.

KEYWORDS: Echo, Excess, Philosophy, Justice, Mythology.

Sobre os autores
Roanderson Rodrigues Coró

Bacharel em Direito pela União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo (UNIESP); Pós Graduado em Direito Penal pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI); Curso de Capacitação em Ação Penal pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI); Curso de Investigação Criminal pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP); Curso de Capacitação em Ciências Forenses e seus Avanços para a Persecução Penal pela Escola Paulista da Magistratura (EPM); Curso de Extensão Filosofia: Principais Pensadores e Fundamentos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Lucas Rafael Cicone Coró

Cursando Letras - Português e Inglês- 7º Semestre - Unesp Faculdade de Ciências e Letras - Assis (Março de 2022 - Dezembro de 2025); Francês básico - Unesp Faculdade de Ciências e Letras - Assis (2022); Estágio - PIBID UNESP - Elaboração de aula de Língua Portuguesa para turma intermediária, preparação e aplicação de atividades escritas, responsável por relatórios de análise (Outubro de 2022 - maio de 2024).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORÓ, Roanderson Rodrigues ; CORÓ, Lucas Rafael Cicone. O efeito Eco: por que temos tantas leis?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7954, 11 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113486. Acesso em: 29 abr. 2025.

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