Introdução
“Adolescence”, minissérie transmitida por uma plataforma de streaming, traduzindo para o português, significa "adolescência", tem provocado relevantes discussões sociais e jurídicas. Nas últimas semanas, a produção ganhou notoriedade ao retratar a história de um adolescente supostamente envolvido no assassinato de uma colega de escola, em um contexto permeado por diversas questões, como o bullying.
Como lembra Valdênia Lanfranchi, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veio para romper os paradigmas de situações irregulares, introduzindo proteção integral como parâmetro para o avanço da legislação.
Diante do cenário, torna-se pertinente analisar, sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, os procedimentos legais relacionados à oitiva do menor supostamente autor de ato infracional, a condução da investigação e as garantias constitucionais e legais asseguradas à criança e ao adolescente.
1. Oitiva do Adolescente Infrator
Em observância ao princípio do devido processo legal e aos ditames do ECA, é imprescindível que o adolescente apontado como autor de ato infracional seja ouvido pela Vara da Infância e da Juventude, em conformidade com a lei, após oferecida a representação pelo Ministério Público.
Nessa etapa processual, a participação ativa do adolescente é essencial à efetivação dos direitos fundamentais desse grupo, sendo indispensável que seja ouvido por autoridade competente, com o devido respeito à sua dignidade, identidade e opiniões, conforme preconiza o Capítulo II do ECA, que trata das medidas específicas de proteção.
Cumpre destacar que o conceito de autoridade competente, nesse contexto, não se restringe à figura do magistrado. Com efeito, o ECA, em seu art. 179, prevê a possibilidade de oitiva informal, a ser realizada por equipe técnica ou por membros do Conselho Tutelar, resguardando-se sempre o interesse superior da criança e do adolescente.
De forma geral, a oitiva do menor deve ser conduzida de maneira diferenciada, humanizada e interdisciplinar, considerando-se a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Esse momento não se limita à mera apuração da responsabilidade infracional, mas deve também servir como espaço de escuta qualificada, com vistas à adequada aplicação de eventuais medidas socioeducativas, sempre em consonância com os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta.
2. Da Inimputabilidade Penal e das Garantias Legais ao Adolescente Infrator
Consoante dispõe o Código Penal brasileiro, em seu art. 27, são penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sendo estes, portanto, sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial, notadamente o ECA:
Art. 27. do Código Penal – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
Ressalte-se que qualquer medida aplicada à criança ou ao adolescente deve observar, obrigatoriamente, os princípios norteadores dispostos no art. 100. do ECA, que consagram, entre outros, a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, a proteção integral, a prioridade absoluta e, de forma especial, a prevalência da família como núcleo essencial de proteção e promoção dos direitos fundamentais:
Art. 100, inciso X – Prevalência da família:
Na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isso não for possível, que promovam a sua integração em família adotiva.
A privação de liberdade, por sua vez, constitui medida de caráter excepcional e último recurso, devendo sempre ser precedida do devido processo legal, em respeito às garantias constitucionais e infraconstitucionais.
O Capítulo III do ECA, ao tratar do procedimento para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, dispõe, em seu art. 111, um rol de garantias fundamentais que asseguram o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, vejamos:
Art. 111. do ECA – São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:
I – pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;
II – igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;
III- defesa técnica por advogado;
IV – assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;
V – direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;
VI – direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.
Considerações Finais
Diante do exposto, é preciso reconhecer que o comportamento do adolescente, embora abarcado pela legislação penal no que tange à definição de ato infracional análogo a crime, deve ser analisado sob a ótica da tripla estrutura da infração penal: tipicidade, ilicitude e culpabilidade.
Contudo, não se pode perder de vista que, em se tratando de adolescente inimputável, o sistema jurídico lhe atribui um tratamento especial, pautado na responsabilidade socioeducativa, e não punitiva, nos moldes da legislação penal.
O Estado, como garantidor dos direitos fundamentais, deve assegurar proteção integral e, sob nenhuma hipótese, pode negligenciar os princípios constitucionais que regem a atuação frente à criança e ao adolescente. A atuação estatal deve ser efetiva, célere e respeitosa, a fim de evitar abusos e arbitrariedades, promovendo segurança jurídica, inclusão e justiça social.
Referências
Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em 7 de março, 2025.
Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 7 de marco, 2025.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 25 de março, 2025.
FÁVERO, Eunice T.; PINI, Francisca Rodrigues O.; SILVA, Maria Liduína de Oliveira E. ECA e a proteção integral de crianças e adolescentes. São Paulo: Cortez Editora, 2020.