7. Caminhos para a Desdolarização: Soluções para a Redução da Dependência do Dólar no Comércio Global
A utilização do dólar como principal moeda de troca nas transações comerciais e financeiras internacionais tem sido historicamente um dos pilares do poder econômico dos Estados Unidos. No entanto, com a crescente instabilidade das políticas norte-americanas e o uso do dólar como instrumento de pressão geopolítica (sanções, congelamento de ativos, manipulação cambial), países e blocos econômicos têm buscado alternativas para reduzir sua dependência da moeda americana. O processo, conhecido como desdolarização, vem ganhando força nos últimos anos.
7.1. Acordos bilaterais em moedas locais
Uma das estratégias mais visíveis é a celebração de acordos bilaterais para o uso de moedas locais em transações comerciais. A China e a Rússia têm promovido ativamente o comércio bilateral utilizando o yuan e o rublo, evitando o dólar como moeda intermediária. A Índia também tem estabelecido acordos com países do Golfo e com a Rússia para pagamentos em rúpias.
O Brasil e a Argentina, no âmbito do Mercosul, chegaram a discutir a criação de uma moeda de referência comum para comércio intrabloco, como forma de reduzir a volatilidade cambial e a dependência do dólar. Ainda que embrionária, a proposta revela o interesse crescente na regionalização monetária.
7.2. Expansão do uso do yuan no comércio internacional
A China tem investido pesadamente na internacionalização do yuan. Por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota, bancos chineses têm incentivado o financiamento de projetos em yuan, criando zonas de compensação da moeda em diversos continentes. O Banco Central da China firmou acordos de swap cambial com dezenas de países, permitindo que o yuan seja utilizado diretamente em operações comerciais e financeiras.
Além disso, o yuan passou a integrar a cesta de moedas de reserva do FMI (SDR), conferindo maior legitimidade internacional à moeda chinesa e encorajando bancos centrais a adotá-lo em suas reservas cambiais.
7.3. Criptomoedas estatais e plataformas digitais de pagamento
Outra frente importante no processo de desdolarização é o desenvolvimento de moedas digitais estatais, também conhecidas como CBDCs (Central Bank Digital Currencies). A China lançou o yuan digital, que já está em fase avançada de testes e integração com sistemas de pagamento locais e internacionais.
Países como Rússia, Índia, Nigéria e Brasil também estão em processo de criação de suas moedas digitais estatais, o que pode facilitar transações diretas entre bancos centrais e empresas, reduzindo a necessidade de conversão para dólares. Além disso, plataformas como o Sistema de Pagamentos da Eurásia (SPFS) e o Cross-Border Interbank Payment System (CIPS) emergem como alternativas ao SWIFT, permitindo liquidações internacionais fora da alçada dos EUA.
7.4. Moedas regionais e cestas de referência monetária
Outra proposta discutida em fóruns internacionais é a criação de moedas regionais baseadas em cestas de referência. A ideia seria adotar instrumentos financeiros multimoeda que reduzam a exposição ao dólar, como forma de estabilizar transações entre países em desenvolvimento.
Exemplos incluem discussões sobre uma "moeda do BRICS", a revalorização do euro como moeda de reserva secundária e a criação de cestas cambiais sul-americanas, baseadas na paridade entre moedas locais dos países do Mercosul.
8. Conclusão
A reeleição de Trump aprofunda um paradigma que desafia o multilateralismo comercial. Sua nova guerra tarifária consolida a fragmentação econômica global, tensionando relações e provocando retaliações. Este ciclo incorpora elementos geopolíticos complexos, num mundo já marcado por múltiplas crises.
Rompendo com a previsibilidade, os EUA instrumentalizam tarifas como armas econômicas, colocando em xeque a OMC e incentivando uma lógica de "cada um por si". Diversos países reagem com pragmatismo, reformulando estratégias, buscando novas parcerias, fortalecendo cadeias regionais e visando uma ordem econômica mais descentralizada.
A análise da desdolarização revelou um movimento rumo à multipolaridade monetária, com moedas como yuan e euro ganhando protagonismo, enquanto plataformas alternativas e moedas digitais redefinem o sistema financeiro.
Embora os efeitos sejam danosos para países periféricos, há espaços para cooperação e inovação que podem mitigar impactos. É um sintoma de uma transição de época, onde consensos liberais são substituídos por poder econômico nacionalista.
O fortalecimento de instituições multilaterais, a integração regional, o comércio justo e a soberania tecnológica são caminhos estratégicos para países que desejam autonomia num mundo em reconfiguração.
Referências Bibliográficas
COHEN, Benjamin J. The Future of the Dollar. In: Kirshner, Jonathan. Currency and Coercion. Princeton: Princeton University Press, 2020.
GALLAGHER, Kevin P.; CHEN, Yanning. Global Shifts: The Future of the World Economy. Boston: Boston University Global Development Policy Center, 2023.
LINS, Maria Clara; SOUZA, Fernando Augusto de. A guerra comercial EUA-China e o enfraquecimento do multilateralismo. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 63, n. 1, p. 1-20, 2020.
OMC – Organização Mundial do Comércio. Relatório Anual 2024. Genebra: WTO Publications, 2024.
RUGMAN, Alan M.; VERBEKE, Alain. Regional Multinationals and the End of Globalization. Cambridge Journal of Economics, v. 45, n. 3, p. 443–460, 2021.
STIGLITZ, Joseph E. Globalization and Its Discontents Revisited: Anti-Globalization in the Era of Trump. New York: W. W. Norton & Company, 2018.
VIANA, Rafael; SILVEIRA, Jorge. A nova política tarifária dos EUA e os impactos no sistema multilateral de comércio. Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário, v. 5, n. 2, p. 95-115, 2024.