O mundo contemporâneo enfrenta uma multiplicidade de guerras que transcendem os campos de batalha tradicionais. O conflito entre Rússia e Ucrânia exemplifica o retorno das guerras interestatais convencionais no continente europeu, com tanques, tropas e bombardeios em larga escala. No entanto, paralelamente, surgem outras formas de confrontos menos visíveis, mas igualmente destrutivos: guerras tarifárias, como a que envolve os Estados Unidos e a China; guerras sancionatórias, empregadas como instrumentos de pressão econômica e diplomática; guerras cibernéticas, protagonizadas por hackers estatais e grupos independentes que atacam infraestruturas críticas; guerras informacionais, que utilizam redes sociais e algoritmos para manipular opiniões públicas; e guerras híbridas, que combinam ações militares, sabotagem digital, desinformação e influência externa. Soma-se a isso o agravamento de conflitos civis prolongados (como na Síria e no Sudão), guerras ideológicas e religiosas (como no Oriente Médio), e conflitos por recursos naturais, cada vez mais comuns em razão das mudanças climáticas e da escassez de água e alimentos.
Essas múltiplas formas de guerra não apenas ameaçam a paz mundial, mas também desafiam os mecanismos tradicionais de segurança coletiva, exigindo respostas mais sofisticadas e coordenadas por parte da comunidade internacional. A natureza difusa e muitas vezes assimétrica desses conflitos evidencia a transformação da guerra em um fenômeno multidimensional, que atravessa as fronteiras do físico e do digital, do econômico e do cultural, do local e do global. Além disso, a intensificação da polarização política, o uso estratégico da desinformação e o colapso de instituições multilaterais contribuem para um ambiente de insegurança permanente, onde a paz se torna cada vez mais instável e a guerra se infiltra nas dinâmicas cotidianas das sociedades.
Este artigo tem como objetivo classificar, analisar e contextualizar os principais tipos de guerra no cenário atual e histórico, fornecendo uma abordagem crítica e interdisciplinar que integra saberes das Relações Internacionais, Ciência Política, História e Estudos Estratégicos. Busca-se compreender como cada tipo de guerra é travada, quais os atores envolvidos, seus impactos sobre populações civis, os desafios à soberania dos Estados e as repercussões para a governança global. A análise propõe, ainda, refletir sobre os instrumentos de resolução pacífica de controvérsias e os caminhos para mitigar os efeitos devastadores dos conflitos armados e não-armados no século XXI. Em um contexto marcado por tensões geopolíticas, ascensão do autoritarismo, competição tecnológica e fragilidade do multilateralismo, o conhecimento das diversas faces da guerra torna-se essencial para a construção de estratégias de paz e estabilidade internacional.
Palavras-chave
Guerra. Conflito Armado. Guerra Convencional. Guerra Civil. Guerra Tarifária. Guerra Sancionatória. Guerra Híbrida. Guerra Cibernética. Guerra Informacional. Geopolítica. Segurança Internacional. Estratégia Militar. Paz Global. Relações Internacionais. Diplomacia. Recursos Naturais. Mudanças Climáticas. Manipulação Midiática. Direitos Humanos. Ordem Mundial. Estudos de Conflito.
I. A Complexidade das Guerras no Mundo Contemporâneo
O mundo contemporâneo enfrenta uma multiplicidade de guerras que transcendem os campos de batalha tradicionais. A noção clássica de guerra — envolvendo dois ou mais Estados em confronto armado direto — já não é suficiente para descrever os conflitos atuais. Hoje, a guerra assume formas variadas, híbridas e muitas vezes invisíveis, que desafiam as fronteiras do Direito Internacional, das Relações Internacionais e da Ética da guerra. Entender essas diferentes manifestações de conflito é fundamental para qualquer análise política e estratégica do século XXI.
Em um planeta marcado pela interdependência econômica, pela digitalização das comunicações e por desequilíbrios de poder, os conflitos ganham formas mais difusas. Além das guerras armadas convencionais — como o conflito entre Rússia e Ucrânia, que reacendeu a lógica das guerras interestatais na Europa — presenciamos o crescimento de confrontos como as guerras tarifárias, guerras sancionatórias, guerras cibernéticas, guerras informacionais, guerras híbridas, guerras por recursos, conflitos civis prolongados, guerras religiosas e ideológicas, entre outras.
A diferenciação desses tipos de guerra não é meramente conceitual, mas revela a diversidade de estratégias utilizadas por Estados e atores não estatais para alcançar objetivos políticos, econômicos e ideológicos. Cada uma dessas formas de guerra mobiliza diferentes meios, envolve múltiplos atores e impõe impactos únicos sobre as populações civis, a governança global e a estabilidade internacional.
Além disso, os conflitos contemporâneos operam em escalas assimétricas: um Estado poderoso pode impor sanções a outro sem disparar um único tiro, enquanto grupos insurgentes utilizam redes sociais para desestabilizar governos e recrutar combatentes. Os alvos já não são apenas militares, mas incluem infraestruturas energéticas, sistemas financeiros, cadeias produtivas e até a mente da população — numa verdadeira guerra pela percepção e pela narrativa.
Nesse cenário, o conceito de guerra exige ser repensado em termos interdisciplinares, incluindo análises geopolíticas, jurídicas, tecnológicas e comunicacionais. A compreensão ampliada desses conflitos torna-se essencial para a formulação de políticas públicas, estratégias de segurança, regimes de proteção humanitária e iniciativas de paz.
A seguir, aprofundaremos um dos tipos mais emblemáticos dessa nova configuração conflitiva: a guerra tarifária, particularmente intensificada com a reeleição de Donald Trump em 2025.
II. As Guerras Atuais no Século XXI
Em 2025, o mundo está imerso em uma nova era de conflitos que ultrapassam os moldes tradicionais das guerras convencionais. A coexistência de guerras interestatais armadas, guerras econômicas, guerras cibernéticas, guerras informacionais, conflitos civis prolongados e disputas por recursos naturais caracteriza um cenário de instabilidade complexa, onde os instrumentos de confronto se tornaram tão diversos quanto os atores envolvidos. A reeleição de Donald Trump e a consolidação de potências emergentes têm alimentado um ambiente geopolítico marcado por tensão constante, protecionismo econômico e disrupções digitais e sociais.
2.1 Conflitos Armados e Expansão de Tensões Interestatais
Em 2025, o conflito entre Rússia e Ucrânia continua devastador, apesar das tentativas diplomáticas intermediadas por países como China e Turquia. A Rússia mantém ocupações estratégicas no leste ucraniano e intensifica ataques com drones e mísseis em regiões críticas de infraestrutura, enquanto a Ucrânia recebe novo apoio militar da OTAN e fortalece contraofensivas com armamentos de precisão.
No Oriente Médio, persistem os embates entre Israel e grupos armados da Faixa de Gaza e do Líbano, com riscos de regionalização do conflito. O Irã, por sua vez, amplia sua influência militar por meio de aliados não estatais na Síria, Iraque e Iêmen, elevando a ameaça de confrontos diretos com forças ocidentais.
Na África, guerras civis prolongadas se intensificam, como no Sudão, onde grupos militares rivais disputam o controle da capital, e na Etiópia, onde a instabilidade persiste após o colapso do acordo de paz com a Frente Popular de Libertação de Tigré.
2.2 Guerras Econômicas: Tarifas, Sanções e Competição Tecnológica
A reeleição de Donald Trump em 2024 impulsionou uma nova guerra tarifária em 2025. Os Estados Unidos elevaram tarifas contra produtos chineses, europeus e latino-americanos, especialmente nos setores de tecnologia verde, aço, alimentos processados e veículos elétricos. A justificativa é a proteção da indústria e a redução da dependência de cadeias produtivas externas — um movimento que gerou retaliações da União Europeia, China e Brasil, que passaram a sobretaxar produtos agrícolas e farmacêuticos norte-americanos.
Simultaneamente, os EUA ampliaram sanções econômicas contra China, Irã, Venezuela, Rússia e empresas ligadas a países do BRICS+, afetando transações financeiras internacionais, exportações de energia e projetos de infraestrutura tecnológica (como o 5G chinês). As guerras sancionatórias provocam recessões localizadas, escassez de bens e aumento da inflação global, impactando cadeias logísticas inteiras.
Além disso, cresce a chamada guerra pela hegemonia tecnológica, com embargos à exportação de chips avançados, restrições à venda de softwares de inteligência artificial e sabotagens comerciais disfarçadas de "conformidade regulatória". Trata-se de uma disputa entre EUA, China, Índia, União Europeia e Coreia do Sul pelo controle dos dados, do ciberespaço e da computação quântica.
2.3 Guerras Invisíveis: Cibernéticas, Informacionais e Híbridas
As guerras cibernéticas se tornaram uma constante em 2025. Grupos ligados a Estados — como a agência russa Sandworm, o grupo chinês APT41 e hackers iranianos — executam ataques contra sistemas bancários, redes elétricas, satélites e instituições governamentais ocidentais. O Pentágono e a OTAN responderam com operações digitais contra centros militares russos e plataformas de desinformação.
No campo da guerra informacional, multiplicam-se campanhas de fake news, manipulação algorítmica e bots automatizados em eleições nacionais, como no México, Índia, Indonésia e Brasil, além da sabotagem narrativa durante crises humanitárias e ambientais. As redes sociais se transformam em arenas estratégicas para influenciar massas e desestabilizar governos, num processo que desafia as democracias e a segurança eleitoral.
Já as guerras híbridas misturam todas essas ferramentas: sabotagens, operações psicológicas, apoio a milícias estrangeiras e chantagem energética. A Bielorrússia, por exemplo, é acusada de instrumentalizar migrantes como arma política na fronteira com a União Europeia. A Turquia, por sua vez, combina retórica antiocidental com manobras militares e presença mercenária em zonas de conflito, como o norte da Síria e a Líbia.
III. A Transformação dos Atores e dos Alvos nas Guerras Contemporâneas
As guerras do século XXI não envolvem apenas exércitos estatais se enfrentando em campos de batalha delimitados. Em 2025, há uma notável reconfiguração dos atores envolvidos nos conflitos, assim como uma profunda mudança na natureza dos alvos. As fronteiras entre civis e militares, entre o público e o privado, e entre o físico e o digital, tornaram-se difusas. A compreensão desses novos perfis é essencial para avaliar as consequências humanas e políticas das guerras contemporâneas.
3.1 Atores Estatais, Paramilitares e Cibernéticos
Os Estados nacionais continuam sendo atores centrais nas guerras, mas agora atuam de forma descentralizada e muitas vezes dissimulada. Um exemplo é o uso de grupos paramilitares, como o Wagner Group, que opera em nome de interesses russos em locais como Ucrânia, Síria e África, mas sem uma declaração oficial de guerra. Além disso, atores cibernéticos vinculados a governos atuam como soldados invisíveis, executando ataques sofisticados que danificam sistemas e coletam dados sensíveis sem mover uma única tropa.
Organizações terroristas e milícias armadas também permanecem ativos — como o Boko Haram na Nigéria e o Estado Islâmico em áreas do Sahel africano —, explorando falhas de governança para impor domínios territoriais e ideológicos. Ao lado desses, empresas privadas de segurança, contratadas por governos e corporações, operam em zonas de conflito, influenciando resultados militares e decisões geopolíticas.
3.2 Alvos Civis e Infraestruturas Críticas
Os alvos dos conflitos modernos também mudaram drasticamente. Os bombardeios de hospitais, escolas e centrais elétricas na Ucrânia demonstram que, em muitos contextos, a população civil se tornou o principal alvo das hostilidades. Em guerras cibernéticas, as ofensivas buscam paralisar infraestruturas críticas, como sistemas de transporte, abastecimento de água, redes de internet e bancos de dados de governos.
Essas ações têm consequências devastadoras: cidades inteiras ficam sem eletricidade, sistemas de saúde entram em colapso e populações são forçadas a migrar. A guerra, antes travada entre soldados, passou a ser sentida no cotidiano da sociedade civil, ampliando o número de vítimas indiretas e os custos sociais dos confrontos.
3.3 Manipulação da Informação e Controle de Narrativas
Em paralelo ao confronto físico, as guerras modernas operam também na esfera simbólica. Em 2025, as guerras informacionais tornam a manipulação de narrativas uma arma estratégica. Plataformas como TikTok, X (antigo Twitter) e Telegram são utilizadas por governos, movimentos extremistas e empresas de propaganda política para distorcer fatos, desmoralizar o inimigo e gerar pânico.
Campanhas de desinformação sobre a guerra na Ucrânia, por exemplo, buscam dividir a opinião pública internacional e minar o apoio ocidental. Em eleições e crises humanitárias, as redes sociais são campos de batalha onde bots, deepfakes e perfis falsos interferem diretamente na percepção coletiva. A guerra, portanto, não é apenas física ou econômica — ela também ocorre na mente das pessoas.
IV. O Enfraquecimento das Instituições Multilaterais e a Crise da Governança Global
A multiplicidade de guerras simultâneas e interconectadas evidencia, em 2025, uma grave crise das instituições multilaterais. A ONU, a OMC, o Conselho de Segurança e outras estruturas criadas após a Segunda Guerra Mundial enfrentam grandes dificuldades para responder a conflitos complexos, assimétricos e tecnologicamente avançados. A ascensão de potências revisionistas, o protecionismo de grandes economias e a desconfiança nas instâncias coletivas comprometem os pilares da governança internacional.
4.1 A Paralisia da ONU e a Perda de Relevância do Conselho de Segurança
A Organização das Nações Unidas (ONU) enfrenta desafios crônicos para exercer seu papel mediador. Vetos constantes de Rússia, China e EUA no Conselho de Segurança bloqueiam resoluções sobre a guerra na Ucrânia, as sanções ao Irã e a intervenção humanitária no Sudão. As ações de peacekeeping estão cada vez mais limitadas em escopo e eficácia, e missões como as do Mali e da RDC foram encerradas por falta de apoio local e financiamento.
Esse enfraquecimento gera uma percepção global de ineficácia da ONU, o que encoraja ações unilaterais e regionais fora da legalidade internacional. A confiança na diplomacia coletiva está em declínio.
4.2 A Fragmentação Econômica e o Colapso das Regras Comerciais
A Organização Mundial do Comércio (OMC) também perde protagonismo em meio à nova guerra tarifária liderada pelos EUA. A preferência por acordos bilaterais ou regionais, como o Indo-Pacific Economic Framework (IPEF), marginaliza países em desenvolvimento e rompe com o princípio de não discriminação que sustentava o comércio multilateral. Além disso, sanções unilaterais impostas por potências contra rivais geopolíticos violam normas estabelecidas, criando um ambiente de insegurança jurídica.
Essa fragmentação econômica acelera a polarização entre blocos e amplia desigualdades, pois os países periféricos, sem capacidade de barganha, são os mais afetados por tarifas, bloqueios financeiros e exclusões tecnológicas.
4.3 A Busca por Soluções Paralelas: BRICS+, ASEAN e Cooperação Sul-Sul
Diante do vácuo institucional, surgem plataformas alternativas de governança global, como os BRICS+, que em 2025 já incorporam novos membros como Arábia Saudita, Egito e Argentina. Esse grupo articula novas rotas comerciais, bancos próprios (como o Novo Banco de Desenvolvimento) e projetos de desdolarização. A ASEAN, por sua vez, fortalece mecanismos de segurança regional e respostas conjuntas a desastres.
Tais iniciativas sinalizam uma multipolarização crescente, com atores do Sul Global propondo caminhos próprios para enfrentar desafios globais, ainda que com limitações e contradições internas.
V. Impactos Humanos, Econômicos e Ambientais das Guerras Modernas
Os conflitos armados e não armados do século XXI provocam efeitos devastadores que transcendem os campos de batalha. Em 2025, observa-se uma intensificação dos impactos humanos, econômicos e ambientais das guerras — tanto tradicionais quanto híbridas, cibernéticas e informacionais. Estes efeitos comprometem o desenvolvimento sustentável, os direitos humanos e a estabilidade regional e global. Além das mortes diretas e do deslocamento forçado de populações, os danos indiretos são ainda mais abrangentes e duradouros, afetando gerações futuras e o equilíbrio dos ecossistemas.
5.1 Catástrofes Humanitárias e Deslocamentos Forçados
Os conflitos armados geram crises humanitárias de grandes proporções. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), mais de 130 milhões de pessoas estavam deslocadas em 2025, número impulsionado por guerras civis, perseguições étnicas, violência estatal e desastres climáticos relacionados a conflitos por recursos. Na Ucrânia, milhões continuam refugiados em países vizinhos; no Sudão, a guerra entre facções militares provocou fome em massa e limpeza étnica.
As rotas migratórias estão cada vez mais militarizadas, e os refugiados enfrentam políticas de contenção, xenofobia e marginalização. Além disso, o tráfico de pessoas cresce nas zonas de guerra, aproveitando-se da vulnerabilidade extrema de populações deslocadas, em especial mulheres e crianças.
5.2 Devastação Econômica e Recessões Regionais
As guerras contemporâneas impõem pesados custos econômicos. Conflitos prolongados destroem infraestrutura, afugentam investimentos, colapsam sistemas produtivos e impõem sanções que paralisam cadeias de valor. A guerra comercial entre EUA e China, reativada com força na reeleição de Donald Trump, já levou à quebra de pequenas indústrias no Sudeste Asiático, à inflação global de semicondutores e à corrida por nacionalização de cadeias produtivas — processo custoso, lento e ineficaz em economias interdependentes.
Nos países em guerra, como a Etiópia, Mianmar e Haiti, os custos da reconstrução superam a capacidade fiscal dos governos, gerando dívidas impagáveis, hiperinflação e desindustrialização. A guerra, portanto, não só destrói vidas, como inviabiliza o crescimento sustentável de regiões inteiras por décadas.
5.3 Danos Ambientais Irreversíveis e Conflitos por Recursos Naturais
As guerras também geram danos ecológicos severos, frequentemente ignorados. Em Gaza e na Ucrânia, explosões danificaram lençóis freáticos e solos agrícolas. Queimadas provocadas por bombardeios liberam CO2 em larga escala. Conflitos no Sahel e no Chifre da África têm como pano de fundo disputas por acesso à água, pastagens e fontes de energia. A militarização de áreas florestais e montanhosas acelera a degradação ambiental.
Além disso, armas químicas e resíduos bélicos contaminam ecossistemas e tornam zonas de conflito inabitáveis por décadas. A guerra, assim, contribui para a emergência climática global, tornando-se ao mesmo tempo causa e consequência do colapso ambiental.