VI. Caminhos para a Superação das Guerras: Respostas Estatais, Cooperação Internacional e Alternativas ao Sistema Dolarizado
Diante do agravamento das tensões globais e da multiplicação dos conflitos, diversos países e coalizões buscam alternativas para mitigar, prevenir e resolver guerras. Essas respostas envolvem desde diplomacia multilateral até reformas estruturais no sistema financeiro internacional, com o objetivo de reduzir a dependência de mecanismos que perpetuam desigualdades, como a hegemonia do dólar. Em 2025, há um movimento visível de contestação à ordem unipolar e à dependência de uma única moeda como instrumento de sanção e dominação econômica.
6.1 Estratégias Estatais: Rearme, Dissuadir e Reformar
Muitos Estados reagem às novas ameaças com reformas militares, modernização de arsenais e ampliação de capacidades cibernéticas e de inteligência artificial. A União Europeia, por exemplo, anunciou o Fundo de Defesa Europeia, com bilhões de euros destinados a criar uma força própria. A China, por sua vez, fortalece a aliança militar com a Rússia e amplia sua presença no Indo-Pacífico. No entanto, nem todas as estratégias são belicistas: o Brasil, em 2025, atua como mediador em disputas sul-americanas, defendendo a via diplomática e a não intervenção.
Além disso, diversos países procuram blindar-se de guerras econômicas diversificando suas cadeias de fornecimento, reduzindo vulnerabilidades externas e promovendo integração regional — como no caso do Mercosul e da União Africana.
6.2 Alternativas à Governança Tradicional e o Papel dos BRICS+
Frente à ineficácia das instituições tradicionais, novas coalizões surgem como alternativas para lidar com conflitos. O bloco dos BRICS+, agora com 11 membros, atua como contrapeso ao G7, promovendo um modelo de governança mais inclusivo e menos centralizado no Ocidente. Por meio do Novo Banco de Desenvolvimento, esses países financiam infraestrutura em nações vulneráveis e propõem fóruns de resolução de conflitos fora da esfera da ONU.
O grupo também discute a criação de um mecanismo alternativo de compensação comercial, com liquidação em moedas locais, reduzindo a exposição às sanções norte-americanas. Essa “desdolarização” é vista como essencial para a autonomia estratégica do Sul Global.
6.3 Desdolarização e Multipolaridade Econômica
A guerra tarifária dos EUA contra China, Irã e parceiros da OPEP acelerou o movimento de abandono do dólar como moeda internacional de referência. Em 2025, Rússia, China, Índia e Arábia Saudita já conduzem parte significativa de seu comércio bilateral em moedas nacionais ou em stablecoins lastreadas em commodities.
Essa transição busca criar um sistema mais equilibrado, no qual sanções unilaterais sejam menos eficazes. No entanto, o processo é complexo, pois exige confiança mútua, infraestrutura bancária digital e coordenação monetária. Ainda assim, trata-se de um movimento histórico que pode remodelar os fundamentos da economia política global e reduzir o potencial de guerras econômicas como instrumento de coerção.
VII. Conclusão: A Urgência de Compreender, Enfrentar e Superar as Novas Formas de Guerra
O panorama global em 2025 é marcado por uma pluralidade de conflitos que desafiam os modelos tradicionais de compreensão da guerra. As fronteiras entre paz e guerra tornaram-se porosas, e o confronto extrapolou os limites dos campos de batalha convencionais. A reeleição de Donald Trump e a intensificação da guerra tarifária com a China, o acirramento das sanções contra o Irã, Rússia, Venezuela e Coreia do Norte, bem como os constantes embates informacionais e cibernéticos entre Estados Unidos, Rússia e potências emergentes, são expressões contemporâneas de um mundo cada vez mais conflituoso, tensionado por disputas econômicas, tecnológicas, ideológicas e territoriais.
As guerras tradicionais persistem, como se vê na invasão russa da Ucrânia, nas tensões entre China e Taiwan, no conflito na Faixa de Gaza e nos confrontos entre grupos armados na África e no Oriente Médio. Contudo, essas guerras coexistem com formas não convencionais de enfrentamento: guerras cibernéticas, que minam sistemas estatais e bancos de dados civis; guerras informacionais, que corroem a confiança nas instituições democráticas; guerras tarifárias e sancionatórias, que utilizam o comércio como instrumento de coerção; e guerras híbridas, que combinam operações psicológicas, sabotagem e manipulação digital.
Essas modalidades não apenas complicam a resolução de conflitos, como multiplicam os impactos destrutivos sobre populações civis. A quantidade de refugiados, o colapso de economias locais, o aumento do autoritarismo, o cerceamento de liberdades civis e a amplificação da desigualdade social são consequências que afetam sobretudo as regiões do Sul Global. A guerra tornou-se mais difusa, contínua e insidiosa, exigindo respostas mais complexas e multissetoriais.
Frente a esse cenário, torna-se imprescindível ampliar a capacidade analítica da comunidade internacional, dos Estados e da sociedade civil para compreender os novos formatos de guerra. É preciso desenvolver mecanismos eficazes de prevenção e resolução de conflitos, investir em diplomacia digital e cibernética, reformular a arquitetura de segurança internacional, e criar estratégias de resiliência democrática frente à desinformação e à polarização política.
Ao mesmo tempo, a emergência climática, o colapso ambiental e a escassez de recursos naturais aumentam o risco de novas guerras — por água, comida, energia — exigindo um compromisso global pela sustentabilidade e justiça climática. A construção da paz no século XXI depende, portanto, da capacidade de repensar a própria lógica da guerra, desmilitarizar os discursos hegemônicos e promover uma ordem internacional baseada na cooperação multilateral, respeito aos direitos humanos, soberania dos povos e justiça econômica.
Por fim, o avanço de alternativas ao dólar e a formação de blocos como os BRICS+ abrem caminhos concretos para um mundo multipolar mais equilibrado. No entanto, esses projetos só serão viáveis se acompanhados de um fortalecimento do multilateralismo, da inclusão digital ética e da proteção das populações vulneráveis. Em um planeta interdependente, a paz não pode ser pensada como ausência de guerra, mas como um esforço permanente de construção coletiva, solidariedade internacional e revalorização da vida humana e ambiental.
VIII. Referências Bibliográficas
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