Resumo : artigo elaborado para indicar alguns parâmetros para protocolos de atuação policial em ocorrências com pacientes em surtos psicóticos, destacando a gravidade do problema na prática policial e suas repercussões sociais e jurídicas. Tragédias resultantes de abordagens inadequadas, que frequentemente geram mortes e lesões, evidenciam a necessidade de um protocolo claro e padronizado. Esses protocolos devem ser treinados e aprimorados para evitar omissões ou reações desproporcionais dos policiais. A proposta é uma abordagem humanizada que priorize a segurança de todos os envolvidos, utilizando mediadores treinados e limitando a contenção física a situações extremas. O artigo enfatiza a importância de estratégias que respeitem a dignidade humana do paciente durante o atendimento policial.
PALAVRAS-CRAVE: surtos psicóticos, protocolos de atuação, parâmetros, saúde mental, abordagem humanizada.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade indicar parâmetros para a elaboração de protocolos de atuação de policiais em atendimento a ocorrências com pacientes ou investigados em surtos psicóticos. Na praxe policial e jurídica, verifica-se que esse é um dos maiores problemas atuais relacionados à aplicação da Lei Penal. Quando as ocorrências não são devidamente manejadas pelas autoridades policiais envolvidas, há grande impacto social e político, inclusive com repercussão na mídia. São noticiadas tragédias durante abordagens indevidas por policiais a investigados em momentos de surto, gerando, não raro, mortes e lesões graves, seja dos próprios policiais envolvidos, do investigado e até de terceiros.
O protocolo é um padrão de atendimento a um problema repetitivo. É exatamente a repetição que exige a criação de protocolos, ou seja, de parâmetros de atuação quanto a esse problema comum. O protocolo é uma indicação do que fazer, com variações técnicas e uma certa liberdade ao operador. Basicamente, é uma linha de ação, a ser resumida em tópicos, como: em surgindo problema a, aja de forma x; em caso de problema b, aja de forma y; em caso do problema a seguir na direção b, agir de forma x1. Algo assim. O protocolo policial é essencial para a padronização de atuação, devendo ser exaustivamente treinado, replicado e aprimorado. Evita-se, com isso, a omissão dolosa de policiais que, diante de um problema, afirmam não saber o que fazer e se escusam a atuar, ou a atuação açoda, desproporcional, que pode gerar danos aos pacientes e terceiros e até mesmo aos agentes do Estado envolvidos.
Tais protocolos são essenciais em todos os tipos de ocorrências policiais, a serem direcionados tanto à polícia judiciária, quanto à polícia ostensiva. Manter uma única linha de ação padronizada em todos os casos é um erro, que tende a agravar o problema posto, ao invés de auxiliar na sua solução. Os casos de operações policiais em casos de pacientes com surto psicótico com resultados não pretendidos são bastante noticiados, gerando debates acalorados e desgastando a imagem da própria polícia. A casuística indica como erros a falta de treinamento de policiais e agentes de segurança, que usam excessivamente a força, causando mais danos e problemas que soluções. Tais ocorrências poderão ser evitadas, ou ter seus impactos reduzidos, com a elaboração de protocolos, treinamento dos agentes operacionais, e cobrança da sua aplicação.
Diante da complexidade do atendimento a pacientes em surto psicótico, especialmente no contexto policial, é imprescindível estabelecer parâmetros claros para o protocolo de atendimento. A abordagem deve ser humanizada e respeitosa, priorizando a segurança do paciente e dos profissionais envolvidos. Medidas como a utilização de mediadores treinados em comunicação humanizada, a manutenção de uma distância segura e a contenção física apenas como último recurso são fundamentais para garantir um atendimento eficaz e ético.
Este artigo propõe discutir os parâmetros necessários para um protocolo mínimo de atendimento policial em ocorrências envolvendo pacientes em surto psicótico, destacando a importância de estratégias que favoreçam não apenas a segurança física dos envolvidos, mas também o respeito à dignidade humana do paciente.
2 CONCEITO DE SURTO PSICÓTICO E FORMA DE MANIFESTAÇÃO
Os problemas de saúde mental estão se tornando cada vez mais comuns globalmente, com a ansiedade afetando mais de 260 milhões de pessoas. O Brasil é o país com a maior taxa de ansiedade, atingindo cerca de 9,3% da população, e estima-se que 86% dos brasileiros enfrentem algum transtorno mental, como ansiedade e depressão1.
As psicopatologias são frequentes e podem afetar qualquer pessoa ao longo da vida. Muitas vezes, os indivíduos que enfrentam esses desafios são incompreendidos e excluídos devido a estigmas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não possui uma definição oficial para saúde mental, mas destaca sua relação com a capacidade de lidar com as exigências da vida e harmonizar ideias e emoções.
Há distorção entre as classificações de doenças mentais, havendo críticas acerca da indevida classificação de perfil pessoal e traços de personalidade como transtornos mentais. De todo modo, é indiscutível que a saúde mental é um dos grandes gargalos do sistema de saúde, com gradativo aumento de transtornos mentais relacionados a depressão, ansiedade, vício em opioides e outras drogas etc. Também há muito preconceito familiar e social e uma certa recusa em aceitar a existência de tais problemas e a busca por sua atenuação ou tratamento.
A ausência de tratamento adequado pode gerar os surtos psicóticos, forçando, em alguns casos, a intervenção forçada para conter o paciente em surto. A primeira abordagem ao tema diz respeito à correta classificação de transtornos mentais, aplicando-se o tratamento adequado. A segunda, é entender o que é um surto psicótico.
O surto psicótico é um estado mental que pode ser classificado como uma emergência médica, caracterizando-se por uma alteração significativa na percepção da realidade. Segundo CAROLINA GODOY GOMES2 e colaboradores, a psicose aguda pode representar um risco tanto para o paciente quanto para aqueles ao seu redor. Neste contexto, a psicose é definida como uma condição em que o indivíduo apresenta um claro prejuízo no teste de realidade, onde seus pensamentos e fantasias são percebidos como eventos reais, independentemente da verificação objetiva.
Ainda segundo a autora, o curso evolutivo de um episódio psicótico é frequentemente dividido em três fases: prodrômica, aguda e de recuperação. A fase prodrômica, que precede o surto, é marcada por sinais de alerta que podem incluir desatenção, desânimo e alterações do sono. A fase aguda é caracterizada pela presença de alucinações, delírios e comportamento desorganizado, sendo neste momento que muitos pacientes buscam ou são levados a atendimento psiquiátrico. Durante essa fase crítica, a atuação adequada das equipes de emergência se torna essencial.
A fase aguda é a `psicose´ propriamente dita, e envolve: a) delírios, que são pensamentos confusos que geralmente envolvem uma má interpretação das percepções ou experiências; b) alucinações, que são percepções sensoriais que não são baseadas na realidade, e podem ser olfatórias, visual, tátil, auditiva ou até gustativa; e c) discurso desorganizado, quando o paciente já não expressa frases estruturadas e coerentes. Também pode haver comportamento bizarro e sexualmente inapropriado.
SAMPAIO e LOTUFO NETO3, afirmam que um surto psicótico pode ser explicado em decorrência de um quadro epiléptico (doença orgânica) ou pode ser compreendido no contexto de uma depressão com delírios de ruína. Quando um fenômeno psíquico é dito incompreensível, busca-se explicá-los ou interpretá-los.
Tais autores, acrescentam que a fase aguda de tratamento ocorre quando o paciente apresenta um episódio psicótico agudo e dura de algumas semanas a alguns meses. Nesta fase, o paciente frequentemente se apresenta agitado e a internação está indicada se há risco de auto ou heteroagressividade importantes, sendo necessária para proteger tanto o paciente como os outros. Além disso, a internação também oferece proteção contra o uso de substâncias e outros estressores, que podem intensificar os sintomas psicóticos. Quando ocorre agitação, faz-se necessário uso de medicações injetáveis de ação rápida e, em alguns casos, contenção física.
Acerca da heteroagressividade, que normalmente é a causa de atendimentos policiais, precisamos definir o termo e alguns pontos complementares. A heteroagressividade4 refere-se a comportamentos agressivos direcionados a objetos ou pessoas externas, ao contrário da autoagressividade, onde o agressor e a vítima são a mesma pessoa. Inclui gestos agressivos, brigas físicas, expressões verbais e insultos.
São as principais características da heteroagressividade: a) Direcionamento: Sempre voltada para outros, nunca para si mesmo; b) Variedade de comportamentos: Abrange agressões verbais, físicas e gestuais; c) Relação biológica: Associada ao sentido de território e instinto sexual; d) Níveis de manifestação: Afeta emocional, social, cognitivo e físico; e) Expressões emocionais: Manifesta-se em cólera ou raiva; f) Linguagem e comportamento: Alterações no uso da linguagem, tom de voz e expressões faciais; g) Perfil psicológico: Personalidade obsessiva, autodestrutiva e com mania de perseguição; e h) Impacto social: Afeta negativamente as relações sociais.
Normalmente a heteroagressividade está associada a esquizofrenia, bipolaridade e depressão. Como manifestação, inclui comportamento perturbador, como desobediência e hostilidade, comum em crianças com transtorno dissocial, temperamento explosivo, caracterizado por perda de controle sobre impulsos agressivos, levando a ataques desproporcionais, e agitação, com hiperatividade motora e alterações emocionais, variando de intensidade.
Policiais e agentes de segurança que atendam ocorrências relacionadas a surtos psicóticos precisam ser treinados e orientados acerca das questões técnicas acima, para que identifiquem se o caso é de violência comum ou se é o caso de agente violador da Lei em surto psicótico, já que os procedimentos de atuação terão consequências diferentes.
3 PARÂMETROS PARA ATENDIMENTO A PACIENTES EM SURTO PSICÓTICO PELAS EQUIPES INTEGRADAS (SAÚDE E SEGURANÇA)
3.1 FASE PRÉ-SURTO
O sistema de proteção deve operar de maneira integrada, reconhecendo que os surtos psicóticos e suas consequências não são apenas questões individuais, mas sim uma preocupação de saúde coletiva. Embora esses surtos possam ter implicações na segurança pública, é fundamental abordá-los sob a perspectiva da saúde mental. É raro encontrar pacientes que não apresentem sinais de psicopatologias antes do surgimento de surtos, e muitas vezes esses sinais aparecem de forma gradual, como uma escada que leva a problemas mais sérios.
A identificação precoce de psicopatologias é crucial para a prevenção dos surtos. Crianças e adolescentes com indícios de transtornos mentais devem ser monitorados por uma rede integrada que envolva educação, saúde e assistência social. Um acompanhamento adequado desde cedo pode resultar na diminuição da gravidade dos transtornos e no controle mais efetivo dos episódios de surto.
Os parâmetros básicos para a fase pré-surto incluem:
a) Identificação de sinais de alerta e pródromos: É essencial que familiares, educadores e profissionais de saúde estejam atentos aos primeiros sinais que podem indicar um agravamento da condição mental do paciente. Esses sinais podem incluir mudanças comportamentais sutis, alterações no humor ou no padrão de sono.
b) Avaliação do estado geral físico e mental do paciente: A avaliação deve ser abrangente, considerando tanto aspectos físicos quanto psicológicos. Profissionais capacitados devem realizar entrevistas e aplicar instrumentos diagnósticos para entender melhor o estado do paciente.
c) Implementação de intervenções preventivas e humanizadas: As intervenções devem ser personalizadas, levando em conta as necessidades específicas do paciente. Isso pode incluir terapia psicológica, suporte familiar e estratégias educativas que ajudem o indivíduo a lidar com seus sintomas antes que eles se agravem.
d) Estabelecimento de um ambiente seguro e acolhedor: Criar um espaço onde o paciente se sinta seguro é fundamental para prevenir surtos. Isso envolve não apenas um ambiente físico adequado, mas também uma rede de apoio emocional que promova a empatia e o respeito às individualidades do paciente.
A adoção desses parâmetros na fase pré-surto pode reduzir significativamente o risco de episódios mais graves, promovendo uma abordagem proativa na gestão da saúde mental. Ao focar na prevenção e no cuidado humanizado, é possível transformar a experiência do paciente em um processo mais positivo e menos traumático.
É muito comum, na praxe jurídica e policial, casos de surtos envolvendo uso de psicotrópicos ilegais, especialmente opioides e derivados de cocaína, como crack. A fase pré-surto, nesses casos, envolve a família, serviços sociais e de saúde, mas também o sistema repressor. Por exemplo, ao identificar em TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) que o agente ou autor do fato, com quem foi apreendido droga ilícita, possui indício de psicopatia natural ou adquirida (comum em caso de usuários de crack), recomenda-se o encaminhamento de informações ao CAPS local, para aplicação de tratamento específico, conforme determina o artigo 28 da Lei de Drogas.
Também é bastante comum a repetição de surtos violentos, especialmente tendo por vítimas os próprios familiares (companheiras, pais, filhos etc.).
Na maioria das vezes tais surtos seriam evitados ou pelo menos minoradas suas consequências se o sistema protetor e repressor tivesse agido de forma conjunta.
Citamos a necessidade de aplicação do artigo 22, VI e VII, da Lei Maria da Penha (Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: (...) VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio). A Lei Henry Borel também tem o mesmo espírito (Art. 5º O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente intervirá nas situações de violência contra a criança e o adolescente com a finalidade de: (...) IV - prevenir a reiteração da violência já ocorrida.).
Os dispositivos permitem que o Juiz de Direito, ao conceder a liberdade provisória, conceder medidas protetivas de urgência ou aplicar medida de segurança provisória (caso de incidente de insanidade mental instaurado), encaminhe o agente a programa de recuperação e acompanhamento psicossocial, como grupos de apoio, programas de tratamento de raiva (anger manegement) e terapias específicas, com ou sem uso de medicamento preventivo.
Em suma, quando o operador do direito, seja advogado das vítimas, Promotor de Justiça, Delegado de Polícia ou Juiz de Direito, tomarem conhecimento de riscos reais de reiteração ou de situações de violência geradas por surtos psicóticos, deverão acionar a rede de proteção, com o encaminhamento do agente a tratamento adequado. A prevenção, quando realizada da forma correta, geralmente evita os surtos e suas consequências.
Para tanto, sabemos que o estado brasileiro deve atentar para o problema, especialmente considerando a situação endêmica gerada pelo crack, que, aliada a extrema pobreza (sem tetos, desempregados etc.) geram as cracolândias, um verdadeiro universo à parte, com dezenas e centenas de seres humanos alienados de si e tendentes a sofrerem surtos violentos a qualquer momento5. O investimento em saúde mental, com tratamentos adequados, inclusive compulsórios, quando houver orientação médica, e a integração a serviços sociais e de segurança, é a solução indicada para encarar tal problema, apesar de ser, aparentemente, insolúvel.
De todo modo, qualquer protocolo de atuação policial em casos de surto deve prever atuações conjuntas com equipes de saúde e assistência social quando houver operações envolvendo pacientes com o quadro descrito acima.
3.2. FASE DE SURTO
a) Fase de Surto Psicótico: Protocolo de Atuação
A fase de surto psicótico é um momento crítico no tratamento de pacientes com transtornos mentais, exigindo uma abordagem cuidadosa e bem estruturada. O manejo adequado não apenas visa a contenção dos sintomas agudos, mas também a promoção da segurança do paciente e da equipe. Neste contexto, o protocolo de atuação deve ser abrangente e fundamentado nas melhores práticas clínicas.
Cada entidade de saúde deve ter seu protocolo de atendimento. O protocolo deve indicar, de forma clara, como deve ser registrado a ocorrência e como os serviços de segurança podem ser acionados ou como os agentes de segurança podem acionar equipes de saúde para auxiliar na contenção de surtos comunicados ao COPOM (serviço de comunicação da PM) ou à Polícia Civil.
Nem sempre as equipes de saúde serão acionadas na fase inicial dos surtos, já que, em regra, familiares, vizinhos e vítimas dos atos de violência costumam agir para conter o agente ou acionar a Polícia Militar, que o faz, em regra, sem seguir orientações técnicas, por ausência de protocolo e treinamento específico. Nesse contexto, é importante que os protocolos de saúde mental contenham análise do que fazer para minorar as situações acima, atuando, por exemplo, em uma segunda fase, quando o agente já estará contido (às vezes até preso).
b) Intervenções Farmacológicas
SAMPAIO e LOTUFO NETO6 afirmam que, na prática médica, para controlar a agitação psicomotora durante um surto psicótico, são frequentemente utilizados medicamentos como o haloperidol associado à prometazina por via intramuscular (IM). Essa combinação é eficaz porque a prometazina possui propriedades sedativas que ajudam a reduzir os riscos de sintomas extrapiramidais, que são efeitos colaterais comuns do haloperidol. Alternativamente, o haloperidol ou o midazolam podem ser administrados isoladamente via IM.
Acrescentam os autores que, além da medicação para controle imediato, é crucial iniciar um tratamento antipsicótico por via oral assim que a fase aguda for estabilizada. Esse tratamento deve ser mantido após a remissão do surto para garantir uma recuperação adequada e prevenir recaídas. Em seguida, conforme ensinam, segue-se a fase de estabilização, que pode durar de 3 a 6 meses, e exige que o antipsicótico utilizado na fase aguda seja mantido na mesma dose durante pelo menos seis meses. Durante a fase estável subsequente, que pode se estender por meses ou até anos, é possível considerar uma redução gradual das medicações para minimizar efeitos colaterais, sempre avaliando o risco de novos episódios psicóticos.
A questão do controle de surtos passa pela colaboração do próprio paciente, através do acompanhamento terapêutico. O AT é indicado para aqueles que se encontram em uma situação de sofrimento psíquico intenso, por vezes em condição de isolamento e com grandes dificuldades para conduzir sua vida e seus projetos. É um recurso utilizado tanto em estados de crise aguda, como em períodos crônicos de angústia e estagnação. O trabalho clínico se desenvolve através de encontros cujo campo de ação é o cotidiano dos sujeitos acompanhados e um fazer em comum, por meio do qual o paciente pode encontrar uma maneira de conduzir sua vida de forma mais autônoma
ALINE DADALTE CARNIELI e LUIZ JORGE PEDRÃO7 lembram que a reforma psiquiátrica mostrou, e continua mostrando, nova forma de assistir em saúde mental e construir um novo estatuto social para o louco, o de cidadão, igual a qualquer outra pessoa. Não pretende acabar com o tratamento clínico da doença mental, mas sim eliminar a prática do internamento como forma de exclusão social dos indivíduos portadores de transtornos mentais. Para isso, propõe a substituição do modelo manicomial tradicional e fechado de assistência à saúde mental, pela criação de uma rede de serviços abertos e de atenção psicossocial, inclusive comunitária.
Continuam os autores, afirmando que, nesse novo modelo de cuidado, os usuários dos serviços têm à sua disposição equipes multidisciplinares para a confecção e implementação de todo o seu plano terapêutico, onde ele próprio, o usuário, adquire o status de agente no próprio tratamento, e conquista o direito de se organizar em associações que podem se conveniar a diversos serviços comunitários, promovendo a inserção social de seus membros, incluindo centros de atenção psicossocial, clubes de convivência e de lazer assistidos, cooperativas de trabalho protegido e residências terapêuticas, entre outros.
c) Indicações para Contenção Física/Mecânica
A contenção física/mecânica é indicada nas seguintes situações: i) Agitação psicomotora intensa; ii) Confusão mental severa; iii) Comportamentos agressivos ou violentos em relação ao próprio paciente ou a terceiros; iv) Imobilização necessária para prevenção de quedas após sedação; v) Alto risco de degradação do ambiente; vi) Solicitação do próprio paciente quando houver risco iminente.
d) Descrição da Técnica: Abordagem Física/Mecânica
O maior problema acerca da intervenção em pacientes ou agentes em surto é exatamente a contenção física ou mecânica. Primeiro, os responsáveis pela intervenção (familiares, equipes de saúde e de segurança e terceiros) tem que ter em conta que a regra é a contenção verbal, sendo excepcional a contenção física, a ocorrer apenas em se preenchendo os requisitos do tópico anterior.
Quando, pela circunstância concreta, for necessária a intervenção física ou mecânica, devem ser observados os seguintes aspectos8:
i) Orientação ao Paciente: Sempre que possível, a equipe deve explicar ao paciente as razões da contenção9.
ii) Tempo Determinado: A técnica deve seguir estritamente o tempo prescrito pelo médico.
iii) Ação Coletiva: A contenção deve ser realizada por uma equipe integrada composta por profissionais de saúde e segurança.
iv) Diálogo Inicial: O líder da equipe deve tentar estabelecer um diálogo com o paciente antes da contenção.
v) Limitação do Espaço: Se o diálogo não for eficaz, a equipe deverá limitar fisicamente o espaço do paciente para minimizar riscos.
vi) Encaminhamento: Após a imobilização, o paciente deve ser encaminhado ao setor apropriado da unidade.
vii) Contenção no Leito. Para realizar a contenção no leito, há material adequado, sendo recomendado o uso de faixas adequadas (algodão cru) com dimensões específicas.
ix) Inspeção do Local: Remova objetos que possam causar lesões antes da contenção.
x) Posicionamento Confortável: O paciente deve ser posicionado para evitar desconfortos físicos ou riscos à saúde. As técnicas específicas incluem: Contenção dos Membros Superiores: Envolver punhos com faixas e fixá-las na cama. Contenção dos Membros Inferiores: Envolver tornozelos com faixas adequadas e fixá-las também na cama. Contenção do Tórax e Abdome: Utilizar lençóis dobrados estrategicamente para amarrar as áreas mencionadas sem comprometer a respiração. Elevação da Cabeceira: Avaliar se há necessidade de elevar a cabeceira em casos específicos como confusão mental ou dificuldades respiratórias.
Essas abordagens visam garantir não apenas a segurança imediata durante um surto psicótico, mas também promover uma recuperação mais ampla e integrada ao longo das fases subsequentes do tratamento.
3.3. FASE PÓS SURTO.
Após a crise de um surto psicótico, é crucial implementar um protocolo de cuidados que assegure a recuperação do paciente e minimize o risco de novas crises. Essa fase envolve monitoramento, planejamento e intervenções que promovam a saúde mental e física do indivíduo.
Na fase de monitoramento é fundamental realizar uma avaliação detalhada do estado mental e físico do paciente logo após a estabilização. Isso inclui observar sinais de estresse, alterações no humor, comportamentos autodestrutivos ou riscos à segurança. Também é necessário monitorar possíveis efeitos colaterais dos medicamentos administrados durante o surto e ajustar as dosagens conforme necessário.
Na fase de acompanhamento psicológico e psiquiátrico, o paciente deve ser encaminhado para consultas regulares com um psiquiatra e um psicólogo. O acompanhamento psicológico pode incluir terapia cognitivo-comportamental ou outras abordagens terapêuticas adaptadas às necessidades do paciente, criando um plano de tratamento que aborde as necessidades específicas do paciente, incluindo estratégias para lidar com gatilhos que possam levar a novas crises.
A equipe de saúde também tem que avaliar as intervenções realizadas durante o surto para identificar o que foi eficaz ou não. Isso pode incluir ajustes no protocolo medicamentoso ou na abordagem terapêutica. Além do mais, é preciso repassar ao paciente estratégias de autocuidado e prevenção, ensinando-o sobre sua condição, os sinais de alerta para uma possível recaída e como gerenciar seu autocuidado.
Há diversas situações fáticas em que pode se encontrar o paciente ou agente após o surto, quando haja consequências criminais, especialmente em se tratando de auto de prisão em flagrante, após o agente praticar algum ato criminoso durante o descontrole: a) internado involuntariamente ou submetido a medida de segurança, por ordem judicial; b) entregue aos cuidados da família e responsáveis; ou c) preso preventivamente.
Na primeira situação, todo o acompanhamento deverá ser encaminhado ao judiciário, para análise acerca da decisão de desinternação, em questões cíveis, ou para inclusão em procedimentos de incidente de insanidade mental. No segundo caso, a família e responsáveis deverão ter todo o acompanhamento necessário, incluindo a possibilidade de uso de equipes volantes, que deverão ir até a residência do paciente se houver necessidade, para fins de acompanhamento e aplicação de medicação compulsória, a depender do caso concreto, principalmente se as técnicas de acompanhamento terapêuticos (AT) forem insuficientes.
Por fim, acaso preso preventivamente, o sistema prisional deverá fornecer ao agente acompanhamento psiquiátrico e psicológico, sendo que, em verificando que há indícios de se tratar de inimputável, nos termos do artigo 26 do Código Penal, o poder judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública deverão ser comunicados da situação, para implementar as medidas necessárias ao caso, como a instauração de incidente de insanidade mental com possível substituição da prisão preventiva por medidas de segurança provisórias, nos termos do artigo 173 e seguintes do Código de Processo Penal.