Resumo: o filme matrix utiliza como alegoria “a caverna” de Platão. De um lado, temos o mundo ilusório representado pela blue pill e, de outro, temos a verdade representada pela red pill. Esta se encontra no mundo das formas verdadeiras, enquanto a outra se encontra no mundo ilusório da “realidade”. O mundo jurídico se apresenta como uma falsa realidade que não se corrobora com a verdade; o direito na teoria difere da práxis pela crise institucional no Brasil, em que a lei não possui eficácia devida, aproximando-se da ilusão e distanciando-se da realidade.
Já ouviram a expressão que “A Constituição de 1988 é ideal na teoria, mas inaplicável na prática”? Por que isso ocorre? Por que a falta de aplicabilidade da Constituição, utilizada como exemplo, e das leis brasileiras? O filme “Matrix” explica isso de forma magistral! Ancorando-se na filosofia de Platão1, no mito da caverna, o filme diz que vivemos em um mundo ilusório, dentro de uma "matrix" (para Platão, dentro da caverna). No momento em que possuímos o conhecimento da "matrix", podemos escolher entre ir para a realidade ou permanecer nela: tomar a blue pill (pílula azul), permanecendo na ilusão, ou tomar a red pill (pílula vermelha), sair da "matrix" para a realidade. Semelhante é em Platão, cujo mito da caverna revela que ao sair dela, encontra-se a realidade, ou o mundo ideal (das formas), saindo da ilusão. No entanto, os imersos na ilusão e os que nela escolheram permanecer, não aceitam a realidade, tentando silenciar os que a realidade aceitaram. “Matrix”, obra cinematográfica, é apenas uma contextualização deste texto. O que pretendo demonstrar, aqui, é como a filosofia de Platão é aplicável ao Brasil contemporâneo em relação à justiça brasileira.
Em primeiro plano, mister é ressaltar que Platão divide o mundo de forma dialética: o mundo sensível e o mundo ideal ou das formas. O mundo sensível é o mundo que vivemos através de nossos sentidos, já o mundo das formas ou ideal é o mundo tal como ele é - o verdadeiro. Segundo o filósofo grego, o mundo sensível é imperfeito, visto que é uma mímeses do mundo das formas: este representa a realidade. Tudo possui uma forma ideal, como um cachorro (existem diversos no mundo real, mas não passam de uma mimética de uma forma de um cachorro ou, a grosso modo, de um cachorro ideal, não sendo diferente a justiça. Diferentes povos possuem uma concepção de justiça, sendo ela variável no tempo e no espaço, mas... isso segundo os sofistas, filodoxos que Platão contrapõe-se. Protágoras, o principal sofista contemporâneo de Platão, afirma que “o homem é a medida de todas as coisas”. O que ele quer dizer com isso? Quer dizer Protágoras que tudo é relativo, ou seja, depende do ponto de vista. Dessa forma, dizer que está quente ou frio depende da perspectiva individual de cada indivíduo. Entretanto, Platão afirma que todas as coisas possuem uma essência ou forma (ideal). Tudo, para Arístocles2, do mundo teligível ou sensível não passa de uma imitação (mímesis) de uma forma ideal, sendo, portanto, imperfeita, porquanto busca mimetizar um ideal, porém não o alcança de fato.
A justiça, também, possui uma forma que exprime a sua essência. Esta, para Platão, desenvolve-se em dois pontos: na cidade e para o homem. Para este, possui a ideia dos gregos de “justo meio”, de harmonia interna do homem e de suas aptidões e paixões. Para a cidade (à época do filósofo, a pólis) é cada um cumprir a sua função para o qual foi designado. Então, percebe-se que a ideia de justiça em Platão assemelha-se ao equilíbrio, como bem demonstra a imagem da justiça com uma balança.
Contudo, o que ocorre no Brasil, que a justiça não é cumprida, que a Constituição de 1988 e as leis (e normas) brasileiras não são seguidas, não possuindo a devida eficácia? Isso se deve ao fato de estarmos imersos em uma “matrix” (na caverna) do Direito brasileiro, que não é perfeito, mas falho, não alcançando a verdadeira forma da justiça no país. No Brasil, esqueceu-se de vez a essência do justo, o ideal de justiça e a forma verdadeira e correta dela. Aqui, como diz o ditado popular, “o poste urina no cachorro” e não o contrário. Para utilizar um exemplo de direito penal, tomar o aparelho celular bruscamente das mãos da vítima de maneira persistente tipifica-se como furto simples de acordo com o Superior Tribunal de Justiça3 (irônico, não?). Perdeu-se a essência da justiça no país. Não tomamos a red pill, como no filme “matrix”, mas escolhemos permanecer na caverna de Platão, tomando a blue pill e “tapando o sol com a peneira”. As leis brasileiras (e demais normas), vale ressaltar, também distorcem a ideia de equilíbrio própria da justiça. Querem um exemplo? O PL das Fake News. O que se pretende alcançar é maior segurança jurídica na disseminação reiterada de falsas notícias, entretanto quem definirá o que é uma falsa notícia...? Vigiará o governo cada postagem nas redes sociais em nome de segurança jurídica em nome da segurança jurídica, como um “The Big Brother is whatching you4”? Longe isso de ser a forma de justiça (o seu ideal)...
Diante do exposto, percebe-se que a justiça no Brasil não faz jus a si mesma, visto que perdeu a sua essência, como ilustrado no texto por meio da filosofia platônica e do filme “matrix”, transformando o correto em errôneo e vice-versa. A solução para tanto, pergunta-se o leitor, é simples: resgatar a ideia de equilíbrio, própria da justiça, sair da “matrix” ou da caverna (de Platão) e resgatar a verdadeira justiça no país.
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PLATÃO. A República. 3. ed. São Paulo: Edipro, 2019.
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Nome real de Platão, sendo este um apelido.
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Disponível em: https://informaparaiba.com.br/2025/04/14/celulares-arrancados-o-stj-dilui-a-linha-entre-roubo-e-furto/. Acesso em: 20 de abril de 2025.
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ORWELL, George. 1984. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.