1. A Regra Geral: O Fim da Dependência no Plano de Saúde com o Divórcio
A dissolução do vínculo matrimonial através do divórcio acarreta uma série de consequências jurídicas e práticas na vida dos ex-cônjuges, e uma das áreas frequentemente afetadas é a manutenção do plano de saúde. Durante o casamento, é comum que um dos cônjuges figure como titular do plano, enquanto o outro é incluído como dependente, beneficiando-se da cobertura contratada. Contudo, com o fim da sociedade conjugal, a regra geral estabelecida pela legislação e consolidada pela jurisprudência é a de que o vínculo de dependência legal que justificava a inclusão no plano deixa de existir.
A Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, não prevê expressamente a manutenção do ex-cônjuge como dependente após o divórcio. A elegibilidade para a condição de dependente em planos de saúde está intrinsecamente ligada à existência de um vínculo familiar ou de dependência econômica reconhecido legalmente ou pelo contrato. O casamento é, por excelência, uma das relações que fundamentam essa dependência. O Código Civil, em seu artigo 1.571, estabelece as causas que terminam a sociedade conjugal, sendo o divórcio uma delas:
Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:
I - pela morte de um dos cônjuges;
II - pela nulidade ou anulação do casamento;
III - pela separação judicial;
IV - pelo divórcio.
Uma vez decretado o divórcio, o status de cônjuge se extingue, e, consequentemente, a base legal primária para a dependência no plano de saúde do outro desaparece. Isso significa que o cônjuge titular do plano, em tese, adquire o direito de solicitar à operadora a exclusão do ex-cônjuge da apólice. A operadora, por sua vez, ao ser comunicada formalmente sobre o divórcio (geralmente mediante apresentação da certidão de casamento com a averbação do divórcio), tende a proceder com a exclusão, pois o requisito contratual e legal para a manutenção daquela dependência específica (o casamento) não mais subsiste.
A jurisprudência dos tribunais brasileiros, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem reiteradamente confirmado essa posição. Entende-se que a manutenção do ex-cônjuge no plano de saúde do titular não é automática e depende de circunstâncias específicas, como a fixação de alimentos que incluam essa obrigação ou um acordo expresso entre as partes. Na ausência dessas situações excepcionais, prevalece a regra da exclusão. Em um julgado relevante, o STJ ponderou sobre a natureza da obrigação:
"Dissolvido o casamento, extingue-se a condição de dependente do ex-cônjuge não titular do plano de saúde, salvo se a sua manutenção decorrer de obrigação alimentar ou de acordo entre as partes." (Informativo de Jurisprudência nº 631 do STJ, referente a julgados sobre o tema).
Embora o trecho acima seja uma síntese de entendimentos e não a transcrição literal de um acórdão específico para este contexto exato, ele reflete a linha de raciocínio consolidada. Em outra decisão, tratando de situação análoga, a Terceira Turma do STJ (REsp 1.680.318-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 24/10/2017) discutiu a exclusão de dependente após o fim do vínculo, reforçando que a condição de dependência está atrelada à relação jurídica que a originou.
Portanto, o cenário padrão após o divórcio é a perda da condição de dependente no plano de saúde do ex-cônjuge titular. O titular pode comunicar o fato à operadora e solicitar a exclusão, e a operadora, via de regra, atenderá ao pedido, baseando-se na extinção do vínculo matrimonial. Essa é a premissa inicial da qual se parte ao analisar a questão. Contudo, é fundamental ressaltar que esta regra geral comporta exceções e alternativas, como a possibilidade de acordo entre os ex-cônjuges, a determinação judicial em sede de alimentos ou a utilização de mecanismos como a portabilidade, que serão explorados nos próximos tópicos.
2. Manutenção por Acordo Entre as Partes: Limites e Recomendações
Embora a regra geral aponte para a exclusão do ex-cônjuge dependente do plano de saúde após o divórcio, o ordenamento jurídico brasileiro, pautado pelo princípio da autonomia da vontade, especialmente no âmbito do Direito de Família, permite que as partes estabeleçam arranjos diversos por meio de acordo. Assim, uma das exceções mais significativas à regra da exclusão é a possibilidade de os ex-cônjuges convencionarem a permanência do dependente no plano de saúde do titular, mesmo após a dissolução do vínculo matrimonial.
Este acordo pode ser formalizado durante o processo de divórcio, seja ele judicial ou extrajudicial. No divórcio consensual judicial, os termos do acordo, incluindo a manutenção no plano de saúde, são submetidos à homologação do juiz. No divórcio extrajudicial, realizado em cartório (quando não há filhos menores ou incapazes e há consenso sobre todos os termos), a manutenção pode ser incluída na escritura pública. A essência desse acordo reside na manifestação de vontade do cônjuge titular em não solicitar a exclusão do ex-cônjuge dependente junto à operadora do plano de saúde.
É crucial entender que, embora válido entre as partes, este acordo não cria, por si só, um vínculo direto e oponível à operadora do plano de saúde no sentido de obrigá-la a aceitar uma situação que, contratualmente, poderia não mais existir (a dependência matrimonial). A eficácia prática do acordo depende da cooperação do titular, que se compromete a manter o ex-cônjuge no rol de dependentes e a não comunicar o divórcio à operadora com o intuito de exclusão, ou, se comunicar, solicitar a manutenção conforme acordado (cuja aceitação pela operadora pode depender das regras contratuais específicas).
Um ponto central a ser definido no acordo é a responsabilidade pelo custeio. Quem arcará com a parcela da mensalidade referente ao ex-cônjuge dependente? E como serão tratadas eventuais despesas de coparticipação ou franquia? O mais comum é que o próprio beneficiário (ex-cônjuge dependente) assuma esses custos, reembolsando o titular ou pagando diretamente, se a estrutura do plano permitir. A clareza quanto a esses aspectos financeiros é vital para evitar litígios futuros.
A jurisprudência reconhece a validade desses acordos, inserindo-os no âmbito da livre disposição patrimonial e assistencial dos ex-cônjuges. Contudo, uma recomendação enfática, tanto da doutrina quanto da prática forense, é o estabelecimento de um prazo determinado para essa manutenção. A manutenção do ex-cônjuge no plano de saúde, quando não decorrente de portabilidade, assemelha-se a uma prestação de alimentos in natura. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado o entendimento de que os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem, em regra, ter caráter transitório, visando apenas apoiar o alimentando até que ele possa prover o próprio sustento.
Nesse sentido, o STJ já decidiu:
"Os alimentos devidos entre ex-cônjuges serão fixados com termo certo, a depender das circunstâncias fáticas peculiares a cada caso concreto, assegurando-se ao alimentando tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite manter pelas próprias forças, status social similar ao período do relacionamento." (STJ - REsp: 1454262 SP 2014/0114036-7, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 17/03/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/04/2015).
Embora este julgado trate de alimentos em geral, o raciocínio aplica-se à manutenção no plano de saúde acordada no divórcio. Manter essa obrigação por prazo indeterminado pode gerar situações complexas e desconfortáveis no futuro, como a constituição de nova família pelo titular, alterações em sua capacidade financeira ou mesmo a recusa do dependente em buscar sua própria autonomia. Estabelecer um prazo (por exemplo, 1, 2 ou 5 anos, a depender do caso concreto e da capacidade de reinserção do dependente) confere segurança jurídica e previsibilidade a ambas as partes.
Portanto, ao optar pela via do acordo para a manutenção do ex-cônjuge no plano de saúde, é fundamental:
Formalizar o acordo de maneira clara e inequívoca, preferencialmente por meio de homologação judicial ou escritura pública.
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Definir expressamente a responsabilidade pelo pagamento das mensalidades e coparticipações.
Estabelecer um prazo de duração para a obrigação, alinhado ao princípio da transitoriedade dos alimentos entre ex-cônjuges.
Agindo dessa forma, as partes utilizam sua autonomia para encontrar uma solução que atenda às suas necessidades pós-divórcio, mas com a devida cautela para evitar a perpetuação de vínculos e potenciais conflitos futuros.
3. A Via Judicial: O Plano de Saúde como Alimentos Transitórios
Quando o diálogo falha e não se alcança um acordo sobre a manutenção do ex-cônjuge no plano de saúde – cenário comum em divórcios litigiosos –, resta ao interessado buscar a tutela jurisdicional. Nesse contexto, o pedido para permanecer como dependente no plano do ex-cônjuge titular é frequentemente enquadrado como uma modalidade de pensão alimentícia, especificamente alimentos in natura.
A fundamentação legal para tal pleito reside no dever de mútua assistência entre os cônjuges, previsto no artigo 1.566, inciso III, do Código Civil, e na obrigação alimentar que pode subsistir mesmo após o divórcio, conforme os artigos 1.694 e 1.695 do mesmo diploma legal. O artigo 1.694 estabelece:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
A manutenção no plano de saúde é vista como uma forma de suprir uma necessidade essencial – a assistência à saúde – daquele que, após o divórcio, não possui condições de arcar com um plano próprio ou de ser incluído em outro. Para que o pedido judicial seja deferido, é imprescindível a comprovação do binômio necessidade-possibilidade: a necessidade premente do ex-cônjuge que pleiteia a manutenção (alimentando) e a possibilidade financeira do ex-cônjuge titular do plano (alimentante) de arcar com essa obrigação, ainda que indiretamente (mantendo o vínculo).
Contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que os alimentos devidos entre ex-cônjuges, via de regra, possuem caráter transitório. O objetivo não é criar um vínculo de dependência eterno, mas sim prover um suporte temporário para que o ex-cônjuge necessitado possa se reorganizar financeiramente, se reinserir no mercado de trabalho ou encontrar outras formas de prover o próprio sustento, incluindo a contratação de um plano de saúde individual.
Essa transitoriedade é aplicada diretamente aos casos de manutenção em plano de saúde por decisão judicial. O STJ entende que a obrigação alimentar pós-divórcio é excepcional e deve ser fixada por prazo determinado, suficiente para que o alimentando readquira sua autonomia. Em um caso emblemático sobre alimentos transitórios (embora não especificamente sobre plano de saúde, o princípio é o mesmo), a Ministra Nancy Andrighi destacou:
"O fim do casamento deve estimular a independência de vidas e não, ao contrário, o ócio, pois não constitui garantia material perpétua." (STJ - REsp: 1370778 MG 2013/0053013-0, Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 11/06/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/06/2013).
Ao analisar um pedido de manutenção no plano de saúde como alimentos, o juiz avaliará diversos fatores, como:
A idade e as condições de saúde do requerente;
Sua capacidade de trabalho e inserção no mercado;
A duração do casamento e o tempo em que foi dependente no plano;
A dificuldade e o custo de contratar um novo plano individual, especialmente se houver doenças preexistentes;
A capacidade financeira do titular do plano.
Com base nessa análise, se deferido o pedido, o juiz estabelecerá um prazo certo para a manutenção. Esse prazo pode variar consideravelmente (meses ou alguns anos), dependendo das circunstâncias concretas, mas raramente será indeterminado, salvo em situações excepcionalíssimas (como idade avançada ou doença grave e incapacitante do alimentando).
É importante notar que a decisão judicial que fixa a manutenção no plano como alimentos cria uma obrigação para o titular. O descumprimento dessa ordem pode levar a medidas coercitivas, como multas ou outras sanções processuais. A operadora do plano, por sua vez, ao ser notificada da decisão judicial, deverá cumpri-la nos termos estabelecidos pelo juiz.
Portanto, a via judicial representa uma alternativa para garantir a continuidade da assistência à saúde quando o acordo não é possível. No entanto, é fundamental que o requerente esteja ciente de que essa manutenção será, na maioria dos casos, temporária, funcionando como um auxílio transitório até que possa prover sua própria cobertura de saúde.
4. Portabilidade Especial (Resolução Normativa ANS 557): Mantendo Condições Contratuais
Além das possibilidades de manutenção do ex-cônjuge no plano de saúde por acordo ou decisão judicial (geralmente como dependente e por prazo determinado), existe um direito fundamental garantido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que oferece uma alternativa importante: a portabilidade especial de carências. Esta opção permite que o ex-cônjuge, ao ser excluído do plano do titular devido ao divórcio, contrate um novo plano de saúde individual, familiar ou coletivo por adesão, sem a necessidade de cumprir novos períodos de carência ou cobertura parcial temporária (CPT) já cumpridos no plano de origem.
Este direito está atualmente consolidado na Resolução Normativa (RN) nº 557, de 14 de dezembro de 2022, que revogou e unificou diversas normas anteriores, incluindo a RN nº 438/2018, que tratava especificamente da portabilidade. A RN 557, em seu Anexo I, que contém o Regulamento sobre Portabilidade de Carências, estabelece as regras para essa modalidade. O artigo 7º, inciso V, do referido anexo, é particularmente relevante:
Art. 7º A portabilidade de carências, na forma disposta nesta Resolução Normativa, poderá ser exercida pelos seguintes beneficiários:
(...)
V - beneficiário titular ou dependente de plano privado de assistência à saúde que tiver seu vínculo com a operadora extinto em decorrência de morte do titular, perda da condição de dependência, rescisão do contrato coletivo por parte da operadora ou da pessoa jurídica contratante, falência da operadora ou cancelamento do registro da operadora pela ANS;
O divórcio ou a dissolução da união estável enquadra-se perfeitamente na hipótese de "perda da condição de dependência". Assim, o ex-cônjuge que era dependente e foi excluído do plano tem o direito de exercer a portabilidade especial.
Como funciona na prática?
Novo Contrato, Novo Titular: Diferentemente das opções anteriores, a portabilidade não mantém o ex-cônjuge no mesmo contrato do titular original. O ex-cônjuge migra para um novo plano, tornando-se o titular deste novo contrato. Ele será o responsável integral pelo pagamento das mensalidades.
Mesma Operadora (Regra Geral): A portabilidade especial por perda de vínculo de dependência, em regra, deve ser feita para um plano compatível dentro da mesma operadora do plano original. Existem exceções, como em caso de falência da operadora, mas a norma geral é a migração interna.
Compatibilidade de Plano: O plano de destino deve ser compatível com o plano de origem em termos de faixa de preço. A ANS disponibiliza ferramentas e guias para verificar essa compatibilidade.
Sem Novas Carências: A grande vantagem é que o beneficiário leva consigo os períodos de carência já cumpridos no plano anterior. Se ele já havia cumprido todas as carências no plano original, não precisará cumpri-las novamente no novo plano para os mesmos procedimentos. Isso é crucial para quem tem doenças preexistentes ou necessita de tratamentos contínuos.
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Prazo para Exercício: O direito à portabilidade especial deve ser exercido em um prazo específico. Conforme o artigo 8º, § 4º, do Anexo I da RN 557:
§ 4º Nas hipóteses previstas nos incisos V e VI do art. 7º, o beneficiário deverá exercer a portabilidade no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data da extinção do seu vínculo com a operadora.
Portanto, o ex-cônjuge tem 60 dias a partir da data em que seu vínculo como dependente foi efetivamente extinto (data da exclusão do plano) para solicitar a portabilidade à operadora. É essencial estar atento a este prazo para não perder o direito.
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Documentação: Será necessário apresentar a documentação que comprove a extinção do vínculo de dependência (como a certidão de casamento averbada ou a comunicação de exclusão da operadora) e a comprovação de que estava adimplente no plano original até a data da exclusão.
A portabilidade especial garantida pela RN 557 é, portanto, uma ferramenta valiosa para o ex-cônjuge que perde a condição de dependente. Ela assegura a continuidade da cobertura de saúde sem a imposição de novas barreiras de acesso (carências), permitindo que a pessoa se torne titular de seu próprio plano, mantendo as conquistas de tempo de cobertura do contrato anterior. É uma solução que promove a autonomia do indivíduo após o divórcio, sem deixá-lo desamparado no que tange à assistência médica.
Fonte: https://bejur.com.br/document/view/134