Conclusão
A análise desenvolvida ao longo deste artigo evidenciou que a hermenêutica constitucional pluralista, proposta por Peter Häberle, representa uma importante ferramenta interpretativa para lidar com as complexas controvérsias jurídicas que envolvem a incidência do ITCMD sobre heranças e doações com elementos de conexão com o exterior.
Dessa maneira, ao reconhecer a Constituição como um texto aberto e dinâmico, cujo sentido se constrói de forma intersubjetiva por múltiplos intérpretes – incluindo o Poder Judiciário, o Legislativo, os contribuintes, a doutrina e a sociedade civil organizada – a abordagem pluralista permite uma leitura mais democrática, realista e participativa do Direito Constitucional.
No contexto específico da tributação internacional do ITCMD, esse modelo interpretativo revela-se especialmente pertinente. A ausência de uma lei complementar federal que discipline as hipóteses previstas no art. 155, §1º, III, da CF/88 tem gerado um vácuo normativo que tem sido preenchido por diferentes iniciativas legislativas estaduais, decisões judiciais diversas e intensos debates acadêmicos.
A hermenêutica pluralista permite reconhecer e valorizar essas múltiplas vozes, ao mesmo tempo em que impõe a necessidade de um diálogo institucional qualificado, no qual prevaleçam os princípios constitucionais da legalidade, da segurança jurídica e da capacidade contributiva.
Entretanto, como visto, a pluralidade de interpretações também impõe riscos, notadamente quanto à insegurança jurídica e à imprevisibilidade fiscal. Por isso, a hermenêutica pluralista precisa estar necessariamente aliada ao procedimentalismo constitucional, segundo o qual os significados jurídicos sejam produzidos dentro de processos formais, transparentes e democráticos, como a exigência de lei complementar para a instituição do tributo em questão.
Nesse cenário, a solução mais adequada às controvérsias sobre o ITCMD e patrimônio no exterior passa pelo fortalecimento do diálogo entre os poderes da República e pela adoção de mecanismos que garantam previsibilidade normativa e proteção da confiança legítima dos contribuintes.
Ainda, é imperativo que o Congresso Nacional cumpra sua função legislativa e edite a lei complementar exigida, a fim de conferir efetividade ao texto constitucional e evitar conflitos federativos e disputas fiscais indevidas.
Nesse diapasão, a hermenêutica constitucional pluralista, aliada ao respeito ao devido processo legislativo e ao princípio da legalidade tributária, pode contribuir decisivamente para a superação da atual insegurança jurídica e para a consolidação de um sistema tributário mais justo, transparente e harmônico com os fundamentos do Estado Democrático de Direito.
01SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 851108. Relator Min. Dias Toffoli, Plenário, julgado em 26/02/2021, publicado no DJ-e 20/04/2021.
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07 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Mandado de Segurança nº 1098498-18.2024.8.26.0053. 16ª Vara da Fazenda Pública, Juiz Márcio Ferraz Nunes, decisão liminar proferida em 16/12/2024.
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