Resumo
O poder de tributar do Estado tem a capacidade de direcionar a conduta dos contribuintes, incentivando, ou desincentivando determinadas atividades econômicas. A esse fenômeno se dá o nome de Extrafiscalidade. Tal ferramenta é de grande valia na busca pela proteção ambiental, a fim de mitigar os problemas que a humanidade pode enfrentar com a degradação ambiental. Dessa forma, o presente trabalho aponta para a importância da extrafiscalidade voltada à proteção ambiental, ou Extrafiscalidade Ambiental, a fim de coibir certas atividades econômicas nocivas ao meio ambiente e estimular as atividades ambientalmente saudáveis.
Palavras-chave: Direito Constitucional Econômico. Extrafiscalidade. Tributação Ambiental.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Evolução do Poder de Tributar e a Proteção Ambiental. 3. O Papel da Extrafiscalidade na Mudança de Comportamentos Sociais. 4. A Proteção Ambiental como Princípio Informador da Ordem Econômica. 5. A Extrafiscalidade Ambiental em Julgamento. 6. A “Internalização das Externalidades.” 7. Conclusão. 8. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O atual desequilíbrio ambiental é consequência direta da utilização insensata de recursos naturais e da falta de prioridade da humanidade à proteção dos bens ambientais durante séculos.
Todas as espécies do planeta utilizam os recursos naturais para promover sua subsistência, preponderando uma compensação ecológica por milhares de anos. Até a chegada do ser humano, com a sua capacidade de esgotar os recursos a sua volta, sem maiores preocupações com a sua conservação ou reposição.
Essa característica se acentuou a partir da Revolução Industrial, iniciada no continente europeu no século XVIII, pela qual acelerou mundialmente a exploração de matéria-prima para a produção, pois é sabido que todo o processo de desenvolvimento científico e industrial é custeado pelos recursos naturais.
A industrialização trouxe consigo um considerável avanço econômico às nações que participaram desse processo. Em contrapartida, trouxe também o alargamento das diferenças sociais, e uma preponderância muito grande do aspecto econômico em relação aos demais, o que dificultou durante quase dois séculos que a humanidade enxergasse as consequências da degradação das condições ambientais, até porque essa é uma pauta, no mínimo, inconveniente.
Diferentemente da escola liberal clássica do pensamento econômico (incessantemente debatida ao longo dos séculos XVIII e XIX), a qual defende que o mercado se move em direção a um equilíbrio, a questão ambiental nem mesmo era objeto de estudo naquele momento histórico.
Somente na segunda metade do século XX compreendeu-se que a questão ambiental não seria solucionada por si só, continuar ignorando só agravaria o problema. Comparado, muitas vezes, a uma bomba que pode explodir a qualquer momento a questão ambiental se tornou um problema latente das nações, advindo daí o papel fundamental da intervenção estatal nessa área.
Em 1968, a União pelas Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – UNESCO realizou em Paris, a Conferência Internacional pela Utilização Racional e Conservação dos Recursos da Biosfera, dando o pontapé inicial na formação de uma consciência ambiental internacional. Neste mesmo ano, surgiu na Europa o Clube de Roma, cuja preocupação centrava-se nos impactos ambientais causados pelo processo industrial.
Em 1972 o Clube de Roma publicou, com grande repercussão, o relatório The Limits of Growth, alertando para os limites do modelo econômico baseado no consumo excessivo e extremamente concentrado em alguns poucos países. Em seguida, no mesmo ano, realizou-se a primeira Conferência das nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo.
Por meio da Conferência de Estocolmo houve um esclarecimento geral às nações sobre a urgente necessidade de correção e reversão dos problemas ambientais e sociais, produzindo-se o documento chamado de “Declaração sobre o Meio Ambiente Humano”, pelo qual se concretizou em uma agenda padrão sobre as questões ambientais globais, pois entendeu-se pela necessidade da intervenção estatal coordenada, unindo esforços às demais nações em direção a um propósito comum mundial.
Nesse espeque, utilizando-se o método dedutivo, a partir de pesquisas bibliográficas, partimos de verdades gerais, como por exemplo o próprio poder de tributar do Estado e o caráter extrafiscal dos tributos, o qual incentiva ou desincentiva determinadas atividades econômicas, para se chegar à conclusões que a própria Constituição Federal de 1988 já chegou em seu art. 170, pelo qual declara que a ordem econômica deve observar princípios listados em seus incisos para assegurar a todos uma existência digna.
Dentre esses princípios constitucionais, um deles em especial nos chama atenção pelo fato de ser utilizado ainda de forma muito tímida, principalmente pelo legislador, em que pese constar da Constituição Federal desde a redação originária promulgada em 5 de outubro de 1988: o da defesa do meio ambiente (art. 170, inciso VI, CF/88).
Portanto, como referencial teórico do presente artigo, parte-se da intervenção do estado na ordem econômica, por meio da extrafiscalidade aplicada à proteção ambiental, com a finalidade de impedir ou mitigar o dano à coletividade.
Não bastam mais pequenos esforços, quase que individuais, na tentativa de salvaguardar o bem coletivo, a fim de mudar uma cultura voltada para o consumo desenfreado de recurso. É chegada a hora do próprio Estado abraçar a causa ambiental com a sua capacidade de regular a atividade econômica e, consequentemente, toda a cadeia produtiva e de consumo.
Dessa forma, diante do imensurável desafio que se apresenta, em especial ao Brasil, como país em desenvolvimento, o qual não pode deixar de desenvolver-se economicamente, contudo, não deve negligenciar a proteção ambiental, o presente artigo não tem a mínima pretensão de esgotar o assunto, ou trazer soluções radicalmente inovadoras em relação às já utilizadas, mas sim instigar o leitor a entender a extrafiscalidade ambiental como “arma constitucional”, que precisa ser utilizada de forma mais ampla e contundente.
2. A EVOLUÇÃO DO PODER DE TRIBUTAR E A PROTEÇÃO AMBIENTAL
Para entender a ordem econômica cogente é necessário retornar no tempo para o final da era feudal, no século XV, que foi marcado pelo surgimento dos Estados Modernos. A partir de tal período histórico encontrou-se na tributação a forma de obtenção de recursos para manutenção de seus fins, sendo chamado este poder posteriormente de “Estado Fiscal”.
Conforme elucida a doutrina, antes do Estado Fiscal, a receita pública era formada por ingressos realizados pelo patrimônio do Príncipe. Tal regime era repleto de injustiças e privilégios, pois os tributos eram exigidos de alguns e de outros não. O aparecimento do Estado Fiscal coincide com o início do Estado de Direito. Sua marca é a definição de uma nova concepção aos conceitos das ciências das finanças, notadamente o de receita pública. (TORRES, 2001)
Dessa forma, a Idade Moderna põe fim àquilo que impedia o desenvolvimento do sistema capitalista de mercado, uma vez que a máquina estatal deixou de mantida com recursos do imperador, passando a fornecer o fomento necessário para atividade produtiva.
Desta forma, o Estado Novo, da Idade Moderna, é marcado por um significativo aumento da arrecadação, pois a máquina burocrática do Estado aperfeiçoou-se para esse fim, com o objetivo de dar maior estabilidade e segurança às relações contratuais do emergente sistema capitalista.
Mais adiante, a partir do século XVIII, prepondera a filosofia econômica do liberalismo e o Estado mínimo, reduzindo o papel do Estado para o mantenedor das liberdades individuais, e abandonando o seu papel fiscalizador das atividades econômicas, prezando pela ausência de intervenção estatal, ou “intervenção mínima”, pois a ideia de contrato social era fundada na criação de uma entidade abstrata, criada para manter a ordem, destinando-se a garantir a liberdade, devendo-se abster de intervir no mercado, sendo a receita pública arrecadada destinada somente para manter as estruturas burocráticas do Poder.
Após o término da Segunda Guerra pôde-se perceber modificações estruturais na política econômica dos Estados. Preocupados em reestruturar-se internamente dos estragos causados pela guerra, e diante de uma economia mundial em retração, os governos passaram a assumir concepções mais voltadas ao setor social, sendo necessárias as intervenções estatais. Tal momento histórico é marcado pelo aparecimento do “Estado fiscal social”. Sem deixar a finalidade arrecadatória de lado, o Poder Público passou a se preocupar com a redistribuição de renda, bem como, como a prestação de serviços públicos aos que não tinham acesso aos privados.
Desta forma, o nascimento da sociedade moderna é marcado pela orientação da atividade financeira do Estado às finalidades sociais. O tributo arrecadado do setor produtivo e carreado aos cofres públicos deve ser utilizado no atendimento dos fins primordiais do Estado: a) manutenção da estrutura burocrática do poder; b) prestação de serviços públicos; c) exercício do poder de polícia; e mais recentemente, d) intervenção no domínio econômico.
Noutro giro, as ações do Estado nas áreas social e econômica não se limitam apenas à prestação de serviços públicos, tais como educação, saúde, assistência social, previdência, segurança, cultura e etc. É também dever do Estado, pois, conter o avanço do dano provocado por ações individuais ou coletivas, devendo intervir na ordem social e econômica atingindo diretamente certas atividades, a fim de alterar os comportamentos das pessoas envolvidas em toda aquela cadeia produtiva e de consumo.
Assim, sob o viés da tributação, surgiram as primeiras iniciativas do uso da arrecadação dos tributos para fins extrafiscais, ou seja: “ao fito de desenvolver certos setores da economia ou inibir consumos e condutas nocivas à sociedade”. (TORRES, 2001)
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 procurou compatibilizar capitalismo liberal, que assegura a livre iniciativa, a liberdade profissional, a propriedade privada, com o intervencionismo estatal, o qual cria mecanismos, dentre outros, para que a propriedade cumpra sua função social, haja livre concorrência, o consumidor seja respeitado em seus direitos, e que o meio ambiente possa ser preservado.
Portanto, indo muito além da utilização da tributação como forma natural de promover a ordem econômica, por meio da atual redação do art. 170, a Constituição abriu um grande ensejo para a utilização do caráter extrafiscal da tributação a fim de serem concretizadas verdadeiras mudanças de comportamento da sociedade.
3. O PAPEL DA EXTRAFISCALIDADE NA MUDANÇA DE COMPORTAMENTOS SOCIAIS
A atuação do Estado pode ser direcionada para implementar a mudança de comportamentos dos indivíduos e da sociedade, são os chamados instrumentos de política de comando e controle (TRISTÃO, 2003). Podendo valer-se, para tanto, de dois instrumentos essencialmente: 1º) a imposição de regras contendoras da ação individual humana, com a previsão de sanções civis, criminais e administrativas; 2º) cobrança de tributos para inibir certos comportamentos.
Em relação ao primeiro instrumento, as regras estabelecem parâmetros de condutas, as quais se infringidas, traduzem em “fato ilícito”, e são considerados ilegais os atos de desobediência a tais regras. Não há, pois, uma opção em obedecer ou não o mandamento legal, que é, na verdade, uma imposição.
Quanto ao segundo instrumento, a cobrança de tributos se dá em relação a fatos lícitos, em que o contribuinte encontra uma liberdade de escolha, onde uma certa conduta recebe uma carga tributária maior do que outra por ser contrária aos interesses do Estado.
Do ponto de vista político-econômico, justifica-se a preferência do segundo instrumento de intervenção do Estado, pois a cobrança de tributos é menos dispendiosa do que a tipificação de condutas, e a consequente imposição de medidas punitivas civis ou administrativas, as quais dependem do envolvimento da máquina sancionatória do Estado, movendo-se muitas vezes o próprio Poder Judiciário, o que torna a solução mais custosa e lenta.
Por conseguinte, não se concebe mais a tributação da mesma forma com antes. No século XX, a extrafiscalidade ganhou impulso suficiente para figurar nos ordenamentos jurídicos de modo eficiente, estando diretamente presente nas normas regulamentadoras da atividade financeira do Estado, bem como das limitações do poder de tributar.
A finalidade dos tributos a partir de tal acepção, nos dizeres de Becker:
Não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada. Na construção de cada tributo não mais será ignorado o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão, agora de um modo consciente e desejado; apenas haverá maior ou menor prevalência deste ou daquele finalismo. (BECKER, 2018)
Atualmente, conforme previsto pela citada doutrina, percebe-se a tributação de forma mais dinâmica, prestigiando fins não meramente arrecadatórios, exercendo papel pedagógico importantíssimo na mudança de comportamento dos indivíduos, efetivando institutos democráticos do direito, podendo inserir nesse contexto a proteção ambiental em suas mais diversificadas faces.
Além do mais, é importante que se diga que a imposição extrafiscal é meio de manutenção do próprio sistema produtivo capitalista, na medida em que, a pretexto de modificar comportamentos individualistas do mercado, em verdade, a tributação está conservando esse mesmo sistema produtivo.
Cabe aqui, neste ponto, parar e conceituar esse agente de promoção de mudanças sociais, a extrafiscalidade. Em sua concepção restrita, considera-se extrafiscal apenas as medidas fiscais de incentivo ou de desestímulo a comportamentos (GOUVÊA, 2006)
Segundo tal acepção, o tributo seria reconhecido como extrafiscal quando se verifica, em sua cobrança outros interesses que não sejam os de simples arrecadação de recursos financeiros, que se exteriorizam mediante alívios e agravamentos fiscais.
No conceito amplo, elucida a doutrina, permite-se ver a extrafiscalidade como todo expediente tributário que vise a realização de valores que exceda a "mera" arrecadação de tributos. Não se limita, portanto, induzir ou reprimir comportamentos econômicos, mas também culturais, artísticos e desportivos, dentre outros:
A extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na economia, apresenta uma dupla configuração: de um lado, a extrafiscalidade se deixa absorver pela fiscalidade, constituindo a dimensão finalista do tributo; de outro, permanece como categoria autônoma de ingressos públicos, a gerar prestações não tributárias. (TORRES, 2001)
Nos filiamos, portanto, ao conceito de extrafiscalidade em sentido amplo, pelo qual, ao utilizar o tributo para finalidades não financeiras, está, na verdade, regulando comportamentos sociais, em matéria econômica, social e política.
4. A PROTEÇÃO AMBIENTAL COMO PRINCÍPIO INFORMADOR DA ORDEM ECONÔMICA
Conforme observado, a preservação do meio ambiente é um dos principais problemas mundiais da atualidade, e um dos mais urgentes a serem resolvidos. Os danos causados pelo homem já se tornaram irreversíveis, causando extinção de espécies e escassez de água.
Foi pensando nisso que a Assembleia Constituinte brasileira promulgou o art. 225, da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe de forma cogente:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Desta forma, compreende-se que a classificação do direito ao meio ambiente sadio como um dos direitos fundamentais é essencial, pois o meio ambiente está diretamente ligado ao direito à vida, e este é o principal de todos os direitos fundamentais.
Viver em um meio ambiente saudável é um direito de todos, portanto, que este seja ecologicamente equilibrado para o uso comum do povo e essencial à qualidade de vida (art. 225). Evidentemente, está-se diante de um aspecto fundamental, garantidor da vida em sua total plenitude, onde as formas de tutela se desenvolverão por ordem constitucional.
O capítulo constitucional do meio ambiente é considerado pela doutrina um dos mais importantes e avançados da Constituição de 1988:
(..) a qualidade do meio ambiente se transformara num bem, num patrimônio, num valor mesmo, cuja preservação, recuperação e revitalização se tornara imperativo do poder público, para assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as condições do seu desenvolvimento. Em verdade, para assegurar o direito fundamental à vida. As normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Compreender que ele é um valor preponderante, que há de estar acima de quaisquer considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no Texto Constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente, que é instrumental no sentido de que, através dessa tutela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida humana (SILVA, 2003).
Assim, não há como fugir da conclusão de que a preservação ao meio ambiente é princípio informador da ordem social na Constituição Federal, consistindo, sem sombra de dúvidas, em preceito fundamental intransponível a ser seguido pelos componentes dos setores públicos e privados.
Desta maneira, a preservação ambiental é uma bandeira que deve ser seguida por todos aqueles que, direta ou indiretamente, possam gerar danos ambientais, inclusive o próprio poder público, adotando para si e regulamentando para todos as políticas de atuação ambiental, seja por meio de atuações preventivas, ou por ações repressivas.
Tal posicionamento tem já vem sendo defendido por integrante do Supremo Tribunal Federal desde a década de 1990:
A Constituição, destarte, dá vigorosa resposta às correntes que propõem a exploração predatória dos recursos naturais, abroqueladas sobre o argumento, obscurantista, segundo o qual as preocupações com a defesa do meio ambiente envolvem proposta de 'retorno à barbárie'. O Capítulo VI do seu Título VIII, embora integrado por um só artigo e seus parágrafos - justamente o art. 225. -, é bastante avançado. (GRAU, 1997)
Dito isso, a defesa do meio ambiente deve ser funcionar como um verdadeiro vetor das políticas implementadas pelo poder público.
Encontrando na extrafiscalidade tributária uma maneira de conciliar o desenvolvimento econômico com defesa do meio ambiente, por meio do chamado “desenvolvimento sustentável”. Sendo certo que tal expressão é severamente questionada na doutrina (LIMA, 2012, apud ACSELRAD, 1999, p. 79-90).
O cerne da questão é que para que haja a diminuição dos efeitos da degradação ambiental é necessário causar limitações ao mercado, o que impacta diretamente certos setores da economia. Porém, como medida acautelatória da própria continuidade do sistema econômico, a produção deve se curvar ao racionalismo da sustentabilidade.
A adoção de formas intervencionistas que prestigiam a proteção ambiental, em que pese não derrubar os pilares do capitalismo, pois tem por fins mediatos a manutenção da livre iniciativa, oneram diretamente ou indiretamente uma multiplicidade de setores produtivos da economia, já que a extração de toda e qualquer matéria-prima degrada de alguma forma o meio ambiente.
A questão é analisar o permissivo constitucional, traduzido no art. 170. e seus incisos, para delimitar até onde se pode avançar nessa forma de intervenção na economia (destaque nosso):
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI-defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Conforme defendido no presente trabalho, os princípios e as liberdades contidas na Constituição devem ser entendidos harmonicamente, e não como mutuamente excludentes, mesmo porque estão na mesma base hierárquica. É o caso do princípio de livre iniciativa econômica e o princípio de defesa do meio ambiente.
A realização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pressupõe a obediência ao princípio da defesa do meio ambiente nas atividades econômicas, conforme DERANI discorre:
Uma economia ecologicamente alinhada, isto é, uma economia que considera os aspectos ambientais de qualidade do ambiente e sustentabilidade dos recursos, é uma economia que se desenvolve pautada no princípio da defesa do meio ambiente, inscrito na ordem econômica constitucional, e que se destina a realizar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado conforme dispõe o artigo 225 da Constituição. O princípio da defesa do meio ambiente inscrito na ordem econômica constitucional toma uma forma específica de relacionamento social, a atividade econômica. Quando realizado, contribui para a obtenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. A reprodução de atividades privadas e a intervenção estatal no domínio econômico devem estar pautadas no preenchimento desse princípio. (DERANI, 1998, p. 92)
Observando-se dessa maneira, percebe-se que a ordem econômica preconizada na Constituição Federal de 1988 dá um “cheque em branco”, ou melhor traduzindo para a sistemática atual, dá a “senha do cartão”, para fomento da defesa do meio ambiente. O fato é que os fundamentos do sistema econômico não podem se divorciar do estudo das políticas públicas ambientais.