A intervenção na ordem econômica por meio da extrafiscalidade ambiental

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5. A EXTRAFISCALIDADE AMBIENTAL EM JULGAMENTO

Assim, através de políticas públicas, as quais dispõe de diversos instrumentos, dentre eles há que se levar em consideração a incidência da tributação na gestão do meio ambiente. Não perdendo de vista que os tributos também são utilizados para orientar a atuação dos contribuintes (tributação extrafiscal) para setores mais produtivos e/ou mais adequados ao interesse público (BERNARDI, 2008).

Portanto, a tributação ambiental adequada, considerando o valor constitucional a que foi prestigiado o meio ambiente, é necessariamente um dos instrumentos para se alcançar um desenvolvimento preocupado com as gerações, tanto presentes, quanto futuras.

Desta forma, pegando o gancho da orientação político-econômica em que o Brasil está inserido, uma modificação gradual de sua política fiscal alteraria aos poucos a ordem econômica, que modificaria determinados comportamentos, inclinando-os para o mais próximo do conceito “ambientalmente sustentável”.

Esses instrumentos de intervenção, por consequência, passam pela seletividade tributária, pela qual cria-se um sistema de discriminação de alíquotas diferenciada por espécies de mercadorias ou tipos de serviços, conforme sua nocividade ou benefício ao meio ambiente (BERNARDI, 2008).

Ao aplicar a seletividade tributária à proteção ambiental defende-se uma tributação menos onerosa de um produto similar feito com material biodegradável em relação ao produto originalmente feito com matéria prima causadora de destruição de ecossistemas em sua exploração.

A constitucionalidade da criação de uma tributação extrafiscal, conhecida internacionalmente como green taxes, com o papel nitidamente desestimulador de atividade econômica, no sentido de onerar a exploração de determinados recursos naturais foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal por meio do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4785, 4786 e 4787 no ano de 2022.

Por meio das mencionadas ADIs, propostas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), as leis estaduais de Minas Gerais, do Pará e do Amapá que instituíram taxas de controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerários.

A decisão entendeu pela improcedência das ações, prevalecendo o entendimento de que os estados têm competência para instituir taxas de forma a efetivar a atividade de fiscalização (poder de polícia) e de que a base de cálculo fixada obedece ao princípio constitucional da proporcionalidade. O colegiado considerou possível, nos três casos, que a taxa seja baseada na presunção do custo da fiscalização, porque o ônus tributário ao patrimônio do contribuinte está graduado de acordo com o faturamento do estabelecimento, com o grau de poluição potencial ou com a utilização de recursos naturais.

O relator da ADI 4785, contra a Lei estadual 19.976/2011 de Minas Gerais, ministro Edson Fachin argumentou que a taxa tem natureza extrafiscal, porque desincentiva atividades degradantes e permite ao estado que se planeje para evitar desastres ambientais. Afirmou em seu relatório que “A memória recente dos casos de Mariana e Brumadinho desaconselha responder às tragédias apenas quando elas ocorrem”. Segundo ele, esses exemplos indicam a urgência das ações de prevenção.

Já o relator da ADI 4787, contra a lei paraense 7.591/2011, o ministro Nunes Marques observou que o STF, no julgamento da ADI 5374, considerou razoável a utilização do volume hídrico extraído como elemento para a quantificação tributária, utilizando-se o mesmo raciocínio em relação ao caso analisado:

É legítima a inserção do volume hídrico como elemento de quantificação da obrigação tributária. Razoável concluir que quanto maior o volume hídrico utilizado, maior pode ser o impacto social e ambiental do empreendimento; maior, portanto, também deve ser o grau de controle e fiscalização do Poder Público. (ADI 5374-MC, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, decisão monocrática, DJe de 17/12/2018.)

Quanto ao relator da ADI 4787, contra a Lei 1.613/2011 do Amapá, o ministro Luiz Fux, este também votou pela constitucionalidade das leis atacadas, e salientou que as taxas possibilitam que os estados exerçam o poder de polícia sobre atividades em que há competência constitucional comum com a União, o que já foi reconhecido como constitucional pelo Supremo. Segundo ele, em razão da maior complexidade da fiscalização das mineradoras, o valor das taxas não viola o princípio da proporcionalidade, especialmente levando-se em conta os expressivos lucros dessas empresas, “o que afasta por completo a alegação de confisco”.


6. INTERNALIZANDO AS EXTERNALIDADES

Dentre dos princípios informadores do direito ambiental, destaca-se o princípio do Poluidor-Pagador, pelo qual se parte da ideia de que o poluidor deve responder pelos custos sociais da degradação causada por sua atividade econômica, devendo agregar esse valor custo de produção.

No sentido dado a esse princípio, não há que se falar em abertura incondicional à poluição já que o Poluidor estaria “pagando” por ela, visto que há limites de tolerância à degradação ambiental, previamente previstos na legislação e na própria licença ambiental.

Ainda dentro do princípio do Poluidor-Pagador, mostra-se oportuno o estudo das externalidades e a internalização dos custos, ou simplesmente “internalização das externalidades”. Neste espectro, os instrumentos tributários são utilizados com o escopo de promover a internalização dos custos ambientais.

Trata-se de uma terminologia de origem americana, que significa trazer para o custo de cada bem ou mercadoria o custo que seu consumo representa em termos ambientais, ou seja, contabilizar estes custos para integrá-los no valor dos produtos ou serviços. (FERRAZ, 2003, p. 172)

Todavia, percebe-se que o grande problema da valoração ambiental é o seu caráter difuso. É extremamente difícil avaliar o nexo de causalidade entre a fonte de degradação e o efeito ambiental produzido, ou seja, o que realmente foi afetado, e igualmente difícil a mensuração do valor econômico dos bens ambientais.

As chamadas green taxes conseguem traduzir muito bem a internalização das externalidades, na medida em que tributos são criados, a partir de uma política fiscal que busca refletir a realidade dos custos da atividade ecologicamente desorientada.

Na atividade econômica, as decisões são orientadas pelo binômio custo/benefício, assim, o malefício causado ao meio ambiente deve refletir diretamente no preço do produto, influenciando na decisão econômica de modo a efetivar a opção ecologicamente mais adequada. Por isso, ao desconsiderar as externalidades ambientalmente poluidoras, o mercado comete um grave erro:

A falha em considerar os custos da poluição gera tanto ineficiência quanto desigualdades. Ao não levar em conta os custos externos gerados, o sistema de mercado falha e provoca um excesso de oferta do produto cujos custos não foram internalizados e uma deficiência na oferta dos bens prejudicados pela poluição. É um problema de eficiência.

A existência de poluição também dá origem a problemas distributivos ou de equidade. Em decorrência da deterioração do meio ambiente, consumidores de determinados bens como água e ar são forçados a subsidiar os consumidores de produtos poluentes. Este mecanismo apresenta resultados semelhantes à aplicação de um tributo sobre os primeiros, cuja receita seria transferida para os consumidores dos produtos poluentes. (TRISTÃO, 2003, p; 75-76)

Portanto, se os custos da degradação ambiental não forem refletidos nos preços, as decisões econômicas nunca serão ecologicamente corretas. Por isso a importância de internalizar os custos ambientais, isto é, trazer para o custo de cada bem ou mercadoria o custo que seu consumo representa em termos ambientais.

Assim, por exemplo, se uma fábrica de fertilizantes polui um rio, o imposto verde deverá acrescentar um custo ao produto, correspondente ao que o Estado terá para promover a “despoluição” do rio, tornando interno à atividade um custo que antes lhe era externo. Nessa hipótese, a tendência é de substituição da atividade poluente por outra economicamente mais interessante, isto é, por outra que não traga ônus embutido. (FERRAZ, 2003 apud BAZZANEZE, 2009)

A ideia da utilização de mecanismos tributários voltados à preservação ambiental do tipo green taxes surgiu na Europa, em meados da década de 80, e ganhou novos contornos entre 1989 e 1994, quando incorporada à legislação de diversos países, como França, Itália, Estados Unidos, entre tantos outros.

No Brasil, a maior parte das experiências extrafiscais é no sentido de incentivos por meio de isenções tributárias. Somente na presente década de 2020, começa ganha força a tese da tributação ambiental com iniciativas estaduais e municipais, sem ainda ser concretizada em âmbito federal.


7. CONCLUSÃO

Os danos ambientais somente serão mitigados ao ponto de controlar a degradação do meio ambiente quando a busca pelo desenvolvimento econômico deixar de estar na contramão das ações voltadas para a conservação e recuperação dos ecossistemas naturais.

Enquanto vivermos esse choque de propósitos entre setor econômico e setor ambiental, seremos como pacificadores que entram em uma guerra sem serem convidados, e recebem ataques de ambos os lados.

Porém, lançando mão de uma leitura constitucional conciliadora, chega-se na conclusão de que os princípios e as liberdades contidas na Constituição devem ser entendidos harmonicamente, e não mutuamente excludentes, mesmo porque estão na mesma base hierárquica. É o caso do princípio de livre iniciativa econômica e o princípio de defesa do meio ambiente, contidos nos artigos 170 e 225, da Constituição Federal de 1988.

Nesse contexto, o poder de tributar que já vem sendo utilizado desde o início do surgimento do Estado como um direcionador da conduta dos contribuintes, incentivando ou desincentivando atividades econômicas, é chegada a hora de direcionar essa capacidade extrafiscal a serviço da concretização da proteção ambiental.

Dessa forma, é possível utilizar os mecanismos da ordem econômica no direcionamento da opção de seus agentes, especificamente no que se relaciona aos preços de bens e serviços. Assim, tornando mais atraente a opção ecologicamente desejável, o efeito será a desestimulação de condutas poluidoras e ambientalmente indesejáveis.

Conclui-se, com base nos autores pesquisados que a extrafiscalidade ambiental é hoje o instrumento constitucional mais viável capaz de promover a preservação ambiental. As chamadas green taxes vem ganhando espaço no plano internacional, e agora chegaram ao Brasil, e como vimos no presente estudo, foram julgadas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (Por meio do julgamento das 4785/MG, 4786/PA, 4787/AP e 5374/PA).

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Portanto, já é hora da adoção gradual e substantiva dessa forma de intervenção do Estado na ordem econômica, por meio da extrafiscalidade ambiental, a fim de arrecadar recursos para custear as atividades do Estado de prevenção e recuperação do meio ambiente, além de induzir comportamentos ambientalmente desejáveis nos contribuintes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERNARDI, Renato: Tributação Ecológica: o Uso Ambiental da Extrafiscalidade e da Seletividade Tributárias. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico nº 15 - Dez/Jan de 2008. Disponível em: <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/103693>. Acesso em 15/10/2023.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 7ª Ed. São Paulo: 2018.

DERANI, Cristiane. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: direito fundamental e

princípio da atividade econômica. in FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998.

GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no Direito Tributário e suas classificações . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1226, 9 nov. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9151/a-extrafiscalidade-no-direito-tributario-e-suas-classificacoes>. Acesso em: 17/10/2023.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

FERRAZ, Roberto. Tributação e meio ambiente: o green tax no Brasil in Revista de

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LIMA, Luciana Albuquerque. Tributação ambiental. Revista de Direito da Cidade, vol 04, nº 1, Issn 2317-7721, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/9707>. Acessado em 13/10/2023.

CAVALCANTI, Rodrigo de Camargo, CARVALHO, Diógenes Faria de, e NASCIMENTO Mário Oli do. Regulação constitucional da ordem econômica e da tributação: intervenção do estado no domínio econômico e extrafiscalidade. Em Capitalismo financeiro e tópicos avançados da ordem econômica. Coletânia Unialfa, São Paulo, Sem Fronteiras: 2022

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

TRISTÃO, José Américo Martelli. Tributação ambiental: aspectos práticos e teóricos. Em Pesquisa & Debate. Revista do Programa de Estudos de Pós-Graduação em Economia Política. São Paulo: 2003. Disponível em <https://revistas.pucsp.br/index.php/rpe/article/view/11956/8658>. Acessado em 13/10/2023.


Abstract

The State's power to tax has the capacity to influence the behavior of taxpayers, encouraging or discouraging certain economic activities. This phenomenon is known as Extrafiscality. This tool is of great value in the pursuit of environmental protection, in order to reduce the damage that humanity may face from environmental degradation. Thus, this work emphasizes the importance of extrafiscality aimed at environmental protection, or Environmental Extrafiscality, in order to curbing certain economically harmful activities to the environment and promoting environmentally friendly activities.

Key words : Economic Constitutional Law. Extrafiscality. Environmental Taxation.

Sobre o autor
Anselmo Mendes Maranhão Filho

Mestrando pela Unialfa. Pós-graduado em Ciências Criminais. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Tutor cadastrado junto à Escola Judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Oficial de Justiça Avaliador Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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