1. A Filmagem de Ações Policiais: Um Direito do Cidadão?
A crescente utilização de dispositivos móveis capazes de registrar áudio e vídeo trouxe à tona um debate recorrente na sociedade brasileira: é permitido filmar a atuação de agentes policiais durante abordagens, operações ou outras diligências? A resposta, amparada pelo ordenamento jurídico e pela jurisprudência, inclina-se majoritariamente para o sim, configurando-se como um importante instrumento de controle social e transparência da atividade estatal. Contudo, como a maioria dos direitos, este também não é absoluto e encontra limites claros na legislação.
A fundamentação para a legalidade da filmagem de ações policiais reside em pilares constitucionais sólidos. A Constituição Federal de 1988 consagra a liberdade de manifestação do pensamento (Art. 5º, IV), a livre expressão da atividade de comunicação, independentemente de censura ou licença (Art. 5º, IX), e o direito de todos ao acesso à informação (Art. 5º, XIV). A captação de imagens e sons de uma ação estatal, realizada em ambiente público, insere-se nesse espectro como uma forma de coletar e potencialmente disseminar informações de interesse coletivo. Trata-se do exercício da cidadania, permitindo que a sociedade fiscalize a atuação dos agentes públicos, especialmente aqueles que detêm o monopólio do uso da força.
Adicionalmente, o princípio da publicidade, previsto no caput do Artigo 37 da Constituição Federal, estabelece que os atos da Administração Pública devem ser, em regra, transparentes. A atuação policial, sendo uma atividade administrativa essencial, submete-se a esse princípio. Embora exista o direito fundamental à imagem (Art. 5º, X), a jurisprudência tem firmado o entendimento de que, no caso de agentes públicos no exercício de suas funções, especialmente em locais públicos, o interesse público na informação e na fiscalização dos atos estatais tende a prevalecer sobre o direito individual à imagem do servidor. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), no julgamento da Apelação Cível nº 20120111877208, embora tratando especificamente de divulgação de imagem em matéria jornalística, reforçou a ideia da prevalência do interesse público:
"(...) O direito à imagem, embora personalíssimo, não é absoluto, encontrando limites em outros valores também albergados na Constituição Federal, como a liberdade de informação e o interesse público na divulgação de fatos relevantes. Tratando-se de agente público no exercício de sua função, em local público, a captação e divulgação de sua imagem, desde que não haja abuso ou finalidade sensacionalista, coaduna-se com o princípio da publicidade administrativa e o controle social dos atos do Estado." (Princípio extraído e adaptado da ratio decidendi de julgados sobre o tema, incluindo a linha de raciocínio da APC 20120111877208/TJDFT, julgada em 03/06/2015).
Entretanto, é crucial compreender que o direito de filmar não concede ao cidadão uma licença para interferir na ação policial, tumultuar o ambiente ou desrespeitar os agentes. O exercício desse direito deve ocorrer de maneira a não obstruir o trabalho policial nem colocar em risco a segurança dos envolvidos ou de terceiros. A conduta do cidadão que filma pode ultrapassar os limites do razoável e configurar infrações legais.
A interferência ativa, a criação de alarde ou a perturbação deliberada do trabalho dos policiais podem caracterizar a contravenção penal de perturbação do trabalho ou do sossego alheios, prevista no Artigo 42 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41):
Art. 42. Perturbar alguem o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; (...) Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa.
Caso o policial emita uma ordem legal clara e direta – como a de manter distância, não ultrapassar um perímetro de segurança estabelecido ou cessar uma conduta que esteja atrapalhando a operação – e o cidadão que filma se recuse deliberadamente a cumpri-la, poderá incorrer no crime de desobediência, tipificado no Artigo 330 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40):
Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
Além disso, se durante a filmagem ou interação, o cidadão proferir ofensas, xingamentos ou agir com menosprezo em relação aos policiais em razão de suas funções, poderá ser responsabilizado pelo crime de desacato, conforme o Artigo 331 do Código Penal:
Art. 331. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Portanto, a filmagem da ação policial é, em regra, um direito legítimo do cidadão, amparado constitucionalmente e alinhado ao princípio da transparência. Funciona como uma ferramenta de controle social e registro da atuação estatal. No entanto, seu exercício exige responsabilidade, devendo ser realizado sem interferências indevidas, tumultos ou desrespeito às ordens legais, sob pena de configuração de ilícitos penais ou contravencionais.
2. Prerrogativas da Advocacia em Diligências Policiais: Alcance e Limitações
A figura do advogado é indispensável à administração da justiça, conforme preceitua o Artigo 133 da Constituição Federal. Para que possa exercer seu múnus público com independência e eficácia na defesa dos direitos de seus constituintes, a legislação brasileira, em especial a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - EAOAB), confere aos advogados um conjunto de direitos e prerrogativas. Essas garantias são particularmente relevantes no contexto de diligências policiais, onde frequentemente se encontram em jogo a liberdade e outros direitos fundamentais do cidadão. No entanto, é crucial compreender que tais prerrogativas não são absolutas e devem ser exercidas dentro dos limites da lei e do respeito às instituições.
O Artigo 7º do EAOAB elenca os direitos do advogado, sendo alguns de aplicação direta em situações de interação com autoridades policiais durante investigações ou prisões:
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Direito de Comunicação com o Cliente: O inciso III garante ao advogado o direito de "comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis". Esta prerrogativa é vital para assegurar o direito à ampla defesa desde os primeiros momentos de uma restrição de liberdade, permitindo que o cidadão receba orientação legal adequada.
Art. 7º, III, Lei 8.906/94: comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;
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Direito de Assistência em Apurações: O inciso XXI, incluído pela Lei nº 13.245/2016, assegura ao advogado o direito de "assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos;". Isso reforça a necessidade da presença defensiva qualificada durante atos investigativos para garantir a paridade de armas e coibir eventuais abusos.
Art. 7º, XXI, Lei 8.906/94: assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos;
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Garantias em Caso de Prisão: O Estatuto prevê proteções específicas contra a prisão arbitrária do advogado no exercício de sua função. O inciso IV do Artigo 7º exige a presença de um representante da OAB para a lavratura do auto de prisão em flagrante por motivo ligado ao exercício da advocacia. O parágrafo 3º do mesmo artigo estabelece uma condição ainda mais restritiva:
Art. 7º, § 3º, Lei 8.906/94: O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV deste artigo.
Essas garantias visam proteger o livre exercício da advocacia, impedindo que o profissional seja intimidado ou preso arbitrariamente em retaliação à sua atuação na defesa dos direitos do cliente.
Contudo, essas importantes prerrogativas não conferem ao advogado imunidade para praticar atos ilícitos ou para obstruir o legítimo trabalho das autoridades policiais. O direito de assistir o cliente não se confunde com o direito de interferir indevidamente na diligência, tumultuar o local, desrespeitar ordens legais ou impedir a realização de atos investigativos ou de policiamento necessários. A atuação do advogado deve ser técnica e focada na garantia dos direitos do seu cliente, sem descambar para o confronto desnecessário ou para a prática de infrações.
Se, no contexto de uma diligência, o advogado excede os limites do exercício regular de sua profissão e de suas prerrogativas, ele pode ser responsabilizado como qualquer outro cidadão. A prática de atos como desacato (Art. 331. do Código Penal), desobediência a ordem legal (Art. 330. do CP) ou perturbação do trabalho alheio (Art. 42. da Lei das Contravenções Penais), mesmo que ocorram durante o acompanhamento de um cliente, podem levar à sua responsabilização criminal.
Art. 331, CP: Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Art. 330, CP: Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa. Art. 42, LCP: Perturbar alguem o trabalho ou o sossego alheios: (...) Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa.
A proteção especial contra prisão em flagrante (Art. 7º, §3º, EAOAB) aplica-se especificamente quando o ato considerado criminoso está intrinsecamente ligado ao exercício da profissão (por exemplo, uma discussão mais acalorada sobre a interpretação de uma lei durante uma audiência, que seja indevidamente tipificada como desacato) e, ainda assim, somente se o crime for inafiançável e com a presença da OAB. A prática de um crime comum, mesmo que no local onde o advogado assiste um cliente, mas que não guarde relação direta com a defesa técnica em si, ou que represente um claro excesso, não atrai necessariamente essa proteção especial, embora a comunicação à OAB sobre a prisão de qualquer advogado seja sempre obrigatória (Art. 7º, IV, parte final).
Em suma, as prerrogativas da advocacia são ferramentas essenciais para a defesa dos direitos dos cidadãos, mas seu exercício demanda responsabilidade e respeito à legalidade e às demais autoridades. A linha entre a defesa combativa e a obstrução ou o ilícito deve ser observada, pautando-se o advogado pela técnica jurídica e pela urbanidade.
3. O Conceito de "Autoridade Policial": Uma Análise Abrangente
A expressão "autoridade policial" é frequentemente utilizada no discurso jurídico e no cotidiano, mas seu significado preciso pode gerar controvérsias, como ilustrado no incidente que motiva este artigo. A questão central é: quem, perante a lei brasileira, se enquadra nesse conceito? A resposta não é unívoca, pois o termo assume diferentes contornos dependendo da norma jurídica em análise e do contexto funcional específico. Uma análise mais detida revela que a expressão é polissêmica, abrangendo desde uma visão mais restrita até concepções mais amplas.
Tradicionalmente, a visão mais restrita associa a figura da "autoridade policial" ao Delegado de Polícia (Civil ou Federal). Essa interpretação deriva principalmente do papel constitucional e legal atribuído às polícias judiciárias na investigação criminal formal. O Código de Processo Penal (CPP - Decreto-Lei nº 3.689/41), ao tratar do inquérito policial, estabelece em seu Artigo 4º:
Art. 4º, CPP: A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Complementarmente, o Artigo 6º do CPP detalha as providências que a "autoridade policial" deve tomar ao tomar conhecimento da prática de uma infração penal, como dirigir-se ao local, apreender objetos, colher provas, ouvir o ofendido, o indiciado, testemunhas, etc. Essas são atribuições típicas da fase investigativa formal, conduzida pelo Delegado de Polícia, que preside o inquérito policial. Nesse contexto estrito do CPP, focado na função de polícia judiciária investigativa, o policial militar, cuja função precípua é o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública (Art. 144, §5º, CF/88), não seria a "autoridade policial" referida nesses artigos.
No entanto, outras legislações e a própria jurisprudência ampliaram o alcance do termo ou o utilizaram em contextos funcionais distintos. A Lei nº 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade), por exemplo, adota um conceito extremamente amplo de sujeito ativo para os crimes nela previstos. O Artigo 2º da lei não utiliza o termo "autoridade policial", mas sim "agente público", definindo-o de forma abrangente:
Art. 2º, Lei 13.869/2019: É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a: I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; (...) Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo.
Nessa perspectiva, um policial militar, ao exercer suas funções e o poder de polícia inerente ao cargo, é inequivocamente um agente público sujeito às sanções por abuso de autoridade. Ele detém, portanto, uma "autoridade" conferida pelo Estado, cujo exercício abusivo é criminalizado por esta lei específica.
A jurisprudência dos tribunais superiores também contribuiu decisivamente para uma interpretação funcional do termo "autoridade policial". O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5637 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é um marco nesse sentido. O STF analisou a constitucionalidade da lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) – peça que substitui o inquérito para infrações de menor potencial ofensivo – por policiais militares. O Artigo 69 da Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais) menciona que a "autoridade policial" que tomar conhecimento da ocorrência lavrará o TCO. O STF, ao julgar a ADI 5637 em 2022, firmou o seguinte entendimento, conforme ementa do julgado:
"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 14.310/2002 DO ESTADO DE MINAS GERAIS (CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DOS MILITARES DO ESTADO DE MINAS GERAIS). (...) 3. O Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) não possui natureza investigativa. Configura peça informativa, com descrição detalhada do fato e indicação dos envolvidos e das testemunhas. (...) 4. A expressão “autoridade policial” constante do art. 69. da Lei n. 9.099/1995 não pode ser interpretada de forma a restringir sua aplicação aos delegados de polícia. Abrange, consoante a interpretação sistemática e teleológica da norma e os princípios do acesso à Justiça e da eficiência, os agentes da autoridade policial (policiais militares, rodoviários federais etc.) que tenham tomado conhecimento direto do fato. (...)" (STF. Plenário. ADI 5637/MG, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 11/03/2022).
Essa decisão do STF é clara ao afirmar que, para o fim específico de lavrar um TCO, o policial militar (ou outro agente como o PRF) que atende a ocorrência é considerado "autoridade policial" no sentido funcional do termo empregado pela Lei 9.099/95. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já possuía precedentes em linha semelhante, como o citado REsp 890.883/GO (DJe 18/10/2010), que também teria admitido a lavratura de TCO por PMs, embora a decisão do STF na ADI tenha pacificado a questão em controle concentrado de constitucionalidade.
Portanto, a afirmação categórica de que um policial militar "não é autoridade policial" é tecnicamente imprecisa e desconsidera a complexidade jurídica do termo. Ele pode não ser a autoridade policial no sentido estrito do CPP para presidir inquéritos, mas é reconhecido como tal para atos específicos (lavratura de TCO), é considerado agente público detentor de autoridade para fins de responsabilização por abuso, e, inegavelmente, exerce a autoridade do Estado ao realizar o policiamento ostensivo e a manutenção da ordem pública. A qualificação depende do contexto legal e funcional.
Ok, vamos ao quarto e último subtópico.
4. A Delimitação de Perímetros de Segurança pela Polícia Militar: Legalidade e Fundamentos
Em diversas situações de atuação policial – como cenas de crime, acidentes graves, manifestações, operações de captura ou abordagens complexas – é comum que os agentes estabeleçam um perímetro de segurança, restringindo o acesso e a circulação de pessoas não autorizadas em uma determinada área. Essa medida, por vezes questionada por transeuntes, imprensa ou mesmo advogados, encontra sólido respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, fundamentando-se no conceito de Poder de Polícia administrativo e nas competências legais atribuídas às forças de segurança, em especial à Polícia Militar.
O Poder de Polícia é uma prerrogativa fundamental da Administração Pública, que permite ao Estado condicionar e restringir o exercício de direitos individuais e o uso de bens privados em prol do interesse coletivo. Embora classicamente definido no Artigo 78 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66) para fins fiscais, seu conceito transcende essa esfera:
Art. 78, CTN: Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Esse poder é essencial para que o Estado possa cumprir suas funções de garantir a segurança, a ordem e a tranquilidade públicas. A Polícia Militar, conforme definido pela Constituição Federal de 1988, tem como missão precípua a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (Art. 144, §5º). Essa atribuição foi detalhada e reforçada pela Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares (Lei nº 14.751/2023), que em seu Artigo 5º, inciso II, confere às PMs a competência para:
Art. 5º, II, Lei 14.751/2023: exercer a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, por meio de ações e operações policiais destinadas a prevenir e a reprimir atos relacionados com a segurança pública e a garantir o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos Poderes constituídos;
Mais especificamente, o inciso VI do mesmo artigo atribui à PM a competência para "garantir a segurança e a proteção das pessoas, do patrimônio, do meio ambiente e dos bens públicos", e o inciso XXVI confere a prerrogativa de "exercer todas as prerrogativas inerentes ao poder de polícia ostensiva, de preservação da ordem pública (...) para o cumprimento de suas missões e finalidades".
Nesse contexto normativo, a delimitação de um perímetro de segurança por policiais militares durante uma ocorrência é uma manifestação clara e legítima do exercício do poder de polícia. A medida se justifica por uma série de razões operacionais e de segurança pública indispensáveis:
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Proteção da Integridade Física: Garante a segurança dos próprios policiais, das partes diretamente envolvidas na ocorrência (vítimas, suspeitos), de testemunhas e do público em geral, evitando que se aproximem de uma zona de risco potencial (confronto armado, material perigoso, estrutura instável, etc.).
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Preservação de Vestígios: Em locais de crime, o isolamento é crucial para evitar a contaminação ou alteração da cena, garantindo a integridade das provas que serão coletadas pela perícia técnica, fundamentais para a investigação criminal.
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Controle e Ordem: Previne a formação de aglomerações desordenadas, tumultos ou interferências que possam atrapalhar o andamento da diligência, a comunicação entre os agentes ou a prestação de socorro.
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Eficácia da Ação: Facilita a contenção e a eventual captura de suspeitos, impede a fuga e permite que os policiais atuem com maior foco e controle tático da situação.
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Acesso a Serviços de Emergência: Garante corredores livres para a chegada e atuação de outros serviços essenciais, como bombeiros, equipes médicas (SAMU) ou defesa civil.
A decisão de estabelecer um perímetro, sua extensão e as restrições impostas são, em regra, atos administrativos discricionários, ou seja, a autoridade policial no local tem uma margem de avaliação para decidir a melhor forma de agir diante das circunstâncias concretas. Contudo, essa discricionariedade não é absoluta: a medida deve ser necessária (justificada pela situação), proporcional (adequada ao risco e não excessivamente restritiva) e voltada à finalidade de preservar a ordem e a segurança públicas.
É fundamental ressaltar que a discordância de um cidadão, jornalista ou advogado quanto à necessidade ou extensão do perímetro estabelecido não lhe confere o direito de desrespeitar a ordem policial de não ultrapassá-lo. A ordem de manter distância ou de permanecer fora da área isolada, desde que emitida por um agente no exercício de suas funções e com base em uma justificativa plausível de segurança ou ordem pública, é uma ordem legal. Seu descumprimento deliberado pode configurar o crime de desobediência, previsto no Artigo 330 do Código Penal:
Art. 330, CP: Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
Eventuais questionamentos sobre a legalidade, razoabilidade ou possível abuso na delimitação do perímetro devem ser encaminhados posteriormente pelas vias adequadas, como representações à Corregedoria da Polícia Militar, comunicação à Ordem dos Advogados do Brasil (se envolver advogado), ou mesmo ações judiciais, mas não justificam a confrontação direta e a desobediência no local da ocorrência. A autoridade policial presente detém a prerrogativa e a responsabilidade de tomar as medidas imediatas que julgar necessárias para a segurança e o bom andamento da intervenção.