Caos na Segurança Pública do Brasil

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05/05/2025 às 15:38
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X - GUERRA AO CRIME ORGANIZADO NAS FAVELAS

Com a eleição indireta do ano de 1985, finalizou o regime militar, oportunidade em que o Estado do Rio de Janeiro passou a enfrentar intervenção militares nas periferias, visando combater grupos criminosos que atuavam no tráfico de drogas. Assim sendo, foi deflagrada a Operação Rio em 1994, com a implantação de 16.500 soldados em 12 favelas para, em seguida, ocorrer a militarização da segurança pública.

Porquanto, com a iniciação da Operação Rio, que trouxe a consagração da atuação militar no combate ao “crime organizado” nas periferias das cidades, com respaldo na previsão do artigo 142 da CF/88, foi mantida a influência dos militares durante a Constituinte, em torno de 16.500 soldados foram utilizados em 12 favelas, incluindo-se o Complexo do Alemão. No pertinente a atuação das tropas militares, passaram a procederem identificação, revista, detenção e interrogatório de suspeitos. Assim, diante da carência de controle dos civis, a associação de moradores do Morro do Borel foi transformada em um centro de detenção. Destarte, sem o devido cumprimento da promessa de redução a taxa de homicídio na região metropolitana do Rio de Janeiro, a operação Rio foi dada como concluída em julho de 1995.

No período de 2010 a 2015, as operações militares prolongaram-se nos Complexos da Penha, Alemão e Maré, com o esteio de reduzir a violência, mormente antes dos grandes eventos esportivos, onde a segurança foi mantida, porém sem extinguir o tráfico de drogas.

Paralelamente, essa tendência vem a ocorrer diante a existência de instituições de segurança, com a Polícia Militar, possuidora de vinculação com as Forças Armadas, pelos status de corpos de reserva das Forças Armadas, labutando com o policiamento ostensivo e com uma mentalidade de guerreiros contra o crime.

Nos anos de 1980 ocorreu grande produção de cocaína, por meio da Bolívia, Colômbia e Peru, redundando na queda do preço de venda da droga, enquanto as favelas do Rio de Janeiro, uma cidade importante para o tráfico internacional de drogas para os Estados Unidos e Europa, que se tornaram como um ponto chaves na distribuição e venda de cocaína.

Em decorrência dessa riqueza do mercado ilegal, ocorreu grande atração de gangues urbanas, a exemplos do Comando Vermelho (CV), dos Amigos dos Amigos e do Terceiro Comando Puro, o que motivou o crescimento das disputas violentas pelo controle territorial.

Nos anos pretéritos, a segurança pública no Estado do Rio de Janeiro permaneceu oscilando dentre as fracas iniciativas de setores tidos como progressistas da sociedade, na proteção dos direitos humanos e sob a influência de agentes que participaram da repressão política durante o regime militar no período de 1964 usque 1965.

No ano de 1995, o então governador do Rio de Janeiro, Marcelo Alencar (PSDB) nomeou o General da reserva do Exército, Nilton de Albuquerque Cerqueira, para chefiar a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro e, anteriormente o general havia chefiado o DOI-CODI em Salvador (BA), além de ter liderado a Operação Pajussara, que ocasionou a morte de guerrilheiros do MR-8.

Ao assumir o cargo, Cerqueira instituiu um “bônus de gratificação por bravura”, conhecido popularmente com gratificação faroeste, para policiais que assassinassem traficante de drogas em confronto. O general permaneceu no comando da Secretaria de Segurança Pública no período de 1995 a 1996. Neste período a taxa de homicídios por 1000 habitantes registrada no Rio de Janeiro teve uma diminuição importante, passando de 62 para 55 em 1998, conforme dados fornecidos pelo Ministério da Saúde.

Vale ressaltar que, os precitados números contribuíram para associar a postura ofensiva da polícia, mediante a participação de militares sob o comando o general, inclusive a redução da violência. Porquanto, esse emprego de militares nas operações de garantia da lei e da ordem, deu-se no contexto muito mais amplo de militarização da segurança pública, na medida em que a polícia militar ganha traços típicos das Forças Armadas.

No período de 2010 a 2015, o então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, instituiu uma aliança com o governo federal do PT, conseguindo transferência de recursos federais, por meio do PAC-2007, que destinou em torno de R$ 830 milhões de reais entre 2007 e 2011 à cidade do Rio de Janeiro, segunda maior ajuda federal.

Porquanto, além dessa parceria com o governo federal, o governador Cabral passou a desfrutar de popularidade, em face ao êxito das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), iniciado em 2008 e em pleno funcionamento nos dias atuais, resultando na queda das taxas de homicídio por 100.000 habitantes na cidade do Rio de Janeiro, diminuindo de 40 em 2006 para 26 em 2010. Em decorrência das promessas de campanha de Cabral em ampliar o aludido projeto para outras favelas, como a do Complexo do Alemão, Complexo da Maré e a Rosinha. Por conseguinte, as operações para a garantia da lei e da ordem, nos Complexos da Penha, Alemão e Maré foram consideradas como centrais em um processo bem mais amplo de instalar UPPs no norte da cidade.

No entanto, na data de 24/11/2010, quando já eleito governador, Sérgio Cabral, solicitou uma ajuda federal ao então presidente Lula da Silva, para a manutenção da lei e da ordem na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com o ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, essa autorização do emprego das Forças Armadas teria sido motivada, em razão de uma série de ataques incendiários a ônibus, veículos e arrastões nos meses seguintes, que haviam sido planejados por traficantes de drogas, dos Complexos da Penha e do Alemão.

Segundo a reportagem, no final de 2010, foram alvos dos arrastões os bairros afluentes como o Jardim Botânico e Urca, além das regiões de classe média como a Tijuca, no lado oeste da cidade. Ademais, em apenas 6 dias, em torno de 96 carros e ônibus foram queimados na cidade do Rio de Janeiro, oportunidade em que o governador do Rio de Janeiro solicitou o empréstimo de veículos blindados da Marinha do Brasil, que seriam operados por oficiais da Polícia Militar, com o objetivo de ultrapassar barricadas nas estradas do Complexo da Penha e de isolar o perímetro de 3 km, por meio de policiais civis, militares e 800 militares da tropa paraquedista. Entretanto, diante dessas providências, numerosos criminosos fugiram dessa área para a região vizinha, no caso, o Complexo do Alemão.

A Operação GLO havia sido planejada para perdurar até o dia 31/10/2011, nos Complexos da Penha e do Alemão, porém oficialmente foi estendida até o dia 30/06/2012, sendo considerada a mais longa operação desse tipo no Brasil. De acordo com dados oficiais do Exército, essa operação empregou um contingente fixo de 1.650 militares. A segunda operação para a garantia da lei e da ordem no Complexo da Maré, ocorreu um mês antes do início dos jogos da Copa do Mundo, estendendo-se no período de 05/04/2014 a 20/06/2016. Do ponto de vista militar e econômico, a área foi considerada estratégica, uma vez que, ela circunda as três maiores avenidas que ligam a região norte do Rio de Janeiro, com o restante da cidade, ou seja, Linha Vermelha, Linha Amarela e Avenida Brasil.

Ademais disso, o Complexo da Maré é um ponto de passagem obrigatório para aquelas pessoas que chegam ao Aeroporto Internacional Tom Jobim. Em razão do Rio de Janeiro haver sido escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, os turistas eram obrigados a passar por uma das avenidas que cercam as estradas do Complexo da Maré. Diante deste fato, e como medida preventiva, a aludida área permaneceu sob o regime GLO, sendo resguardada por um contingente fixo de 2.500 militares, aproximadamente.

Vale revelar que, os Complexos do Alemão, da Maré e da Penha, habitam um total de 400.000 habitantes, e aproximadamente 6% da população da cidade do Rio de Janeiro. São áreas consideradas “perigosas”, conhecidas pelos cariocas que habitam em bairros de classe média e alta. Do ponto de vista social e econômico, são tidas como as de menores taxa de desenvolvimento social da cidade. Porquanto, foi nesse contexto de empobrecimento, que a operação militar se desenvolveu.

No pertinente ao controle das organizações criminosas no Rio de Janeiro, os Complexos do Alemão e da Penha são controlados pelo Comando Vermelho (CV), enquanto que o Complexo da Maré tem a sua divisão dominada por três gangues, a saber: ADA, TCP e CV, além da milícia.

Com relação aos acordos específicos celebrados, os militares que foram utilizados nos complexos de favelas, apenas estavam facultados a realizar o patrulhamento ostensivo, patrulha e prisões em flagrante. Durante as operações, os Batalhões locais permaneceram subordinados ao comando militar da Força de Pacificação, cujas ações não tinham o escopo de extinguir o tráfico de drogas na localidade, mas de diminuir a presença ostensiva dos mesmos. É um indicativo de que o principal objetivo de representante do estado na localidade, não era só de assegurar o monopólio legítimo em torno dos meios de violência, mas para gerar o entendimento de que é capaz de fazê-lo, reduzindo essa percepção de insegurança na cidade.

Vale salientar que, essas operações para a garantia da lei e da ordem, na área de segurança pública, são possuidoras de caráter híbrido, que combina elementos de operações de paz, policiamento comunitário e contra a insurgência.

De efeito, as primeiras tropas militares que participaram das operações no Complexo do Alemão e da Penha, anteriormente haviam participado da Missão das Nações Unidas para a Pacificação do Haiti (Minustah) no período de 2006 e 2007. No aspecto tipicamente militar da operação não pode deixar de ser apreciada, pois, o papel desempenhado pelo contingente de militares no Haiti desde 2004, estabeleceu uma relação de confiança com os haitianos, atitude que foi considerada essencial para desmantelar o controle de gangues na periferia da cidade.

Neste sentido, há distinção entre as operações da GLO pelo emprego de militares na segurança pública nos anos de 1990, a exemplo da Operação Rio, seja por demanda civil ou pela imposição militar, a denominada Força de Pacificação que não só atuou na área da segurança pública, mas também foi ativa em área não-militares, que envolveram dimensões sociais e econômicas na vida da comunidade, mediante os relacionamentos com líderes comunitários influentes, sendo considerada um ativo de inteligência. Porquanto, a realização de reuniões com a comunidade foi uma peça central dessas operações, cujos encontros tinham o fito de conhecer os membros mais influentes da comunidade e de verificar a provisão de serviços públicos e, quando possível, melhorá-los.

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As reuniões organizadas pelo Estado Maior da Força de Pacificação com os líderes de ONGs e presidentes de associações de moradores aconteciam, inicialmente, uma vez em cada 15 dias, e posteriormente, uma vez por mês. Assim, cada contingente militar expedia um relatório de lições aprendidas, como a manutenção de uma boa relação com a comunidade foi ressaltada como fundamental para o êxito da missão.

Esses tipos de ações revelaram a preocupação das instituições militares em manter o controle territorial, assim como também conhecer o ambiente onde as gangues operam. Contudo, visível é que esse objetivo enfrentou dificuldades, pois em cada 6 meses, ocorria a troca de comando da operação, prejudicando a manutenção da relação de confiança com as associações locais.

As operações GLO faziam usos de forma ampla da estratégia de ganhar os “corações e mentes” da população local. As reuniões com líderes da comunidade tinham o esteio, também, de verificar a provisão de serviços públicos, com a eletricidade, a água e o asfalto.

No contexto com a pobreza, onde as relações pessoais são meios de sobrevivência diária, cuja postura contribuir para a aceitação da presença do Exército no local. Nesse caso, os militares são considerados representantes do Estado na favela.

Ademais disso, esse contexto de pobreza, violência e instabilidade, as precitadas ações podem ser vistas de modo positivo pela população e, destarte, reforçam o prestígio dos militares com essa população. Assim, no Estado do Rio de Janeiro, as ações sociais incluíram consultas médicas, atendimento dentário, pequenos serviços de reparação, organização de campeonatos de futebol e corridas. Vale dizer que, essas ações possuem, também, um caráter cultural, na medida em que objetivam inspirar valores sobre integridade, disciplina e honra entre os favelados.

No que diz respeito à provisão de serviços, a Força de Pacificação promoveu diversas ações cívico-sociais (ACISOs). Essas ACISOs, historicamente, foram utilizadas na luta contra movimentos guerrilheiros no Brasil no período de 1960 e 1970, cujas ações demonstraram a capacidade das instituições militares em promover serviços básicos em regiões, onde as agências civis falharam em fazer a mesma coisa.

Os oficiais militares, quando visitavam as escolas públicas da região, discorriam sobre as virtudes do alistamento militar no Exército e distribuíam uma revista chamada Recrutinha que, alertava, dentre outros assuntos, sobre as consequências para a saúde do uso de drogas. No dia do Soldado, celebrado no ano de 2012, em torno de 500 crianças do Complexo do Alemão e da Penha, visitaram os quarteis militares e participaram de cerimônias militares, com a celebração dos valores de ética e moral mantidos pelos soldados.

Dentre as demais ações, há a legalização do “gatonet”. Assim sendo, os oficiais militares organizaram uma reunião entre líderes de associações de moradores no Complexo do Alemão, com a companhia TV NET, objetivando negociar um preço de serviço de internet abaixo do mercado. Assim, a legalização do gatonet foi apontada com orgulho, pelos militares que participaram da Força de Pacificação nesse local.

E, por última modalidade de intervenção da Força de Pacificação na vida social da comunidade, reside na premiação ou na punição de comportamento de moradores, a partir do entendimento moral dos oficiais militares. Assim, em primeiro lugar, a Força de Pacificação determinou o cumprimento da “Lei do Silêncio” de 1977, proibindo músicas altas, no período entre 22h e as 7 da manhã. Ademais disso, o estilo de música conhecido como funk carioca teve a sua proibição de tocar em eventos públicos, quando da primeira ação. Ressalte-se que, quatro cantores de funk foram presos no início da operação GLO nos Complexos da Penha e do Alemão, sob a acusação de “apologia ao crime”, mas dez dias depois três deles foram liberados. A medida de coibição do funk durante a operação, foi interpretada por oficiais militares como uma ferramenta para “educar o povo”, sem questionar que os limites da cultura tolerável são definidos pela própria instituição militar. No pertinente a opinião pessoal de cada pessoa sobre esse estilo de música, fica a certeza de que a proibição inicial do baile funk durante a operação GLO, nos Complexos da Penha e do Alemão restringiu as, já limitadas, opções de lazer para a juventude na favela.

Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico. Advogado – Consultor Jurídico – Literário

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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