Capa da publicação Como a transição papal afeta o Direito Internacional
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O novo papa e os efeitos jurídicos da transição papal.

Soberania, moralidade e Direito Internacional

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17/05/2025 às 12:48

Resumo:


  • A eleição de um novo Papa em 2025 inaugura uma nova fase espiritual para mais de um bilhão de católicos ao redor do mundo, com repercussões jurídicas e políticas internacionais.

  • A transição papal marca a substituição do chefe de Estado da Cidade do Vaticano, acarretando efeitos formais como a suspensão de tratados em negociação e a reformulação de acordos bilaterais com nações.

  • O Papa exerce a dualidade de líder espiritual da Igreja Católica e chefe de Estado, influenciando moral e juridicamente por meio de soft law, temas sensíveis como aborto, casamento homoafetivo e eutanásia.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A eleição papal redefine a chefia de Estado do Vaticano com efeitos no Direito Internacional e nas relações diplomáticas. Como a moral do novo papa impacta as políticas públicas em Estados laicos?

Resumo: A eleição de um novo Papa em 2025 inaugura não apenas uma nova fase espiritual para mais de um bilhão de católicos ao redor do mundo, mas também provoca repercussões concretas no plano jurídico e político internacional. A transição papal marca a substituição do chefe de Estado da Cidade do Vaticano, unidade soberana reconhecida no sistema internacional desde os Pactos de Latrão de 1929, acarretando efeitos formais como a suspensão de tratados em negociação, o redirecionamento da política externa vaticana e a reformulação de acordos bilaterais com nações. Este artigo analisa os reflexos jurídicos dessa substituição no plano do Direito Internacional Público, destacando a singularidade da Santa Sé enquanto sujeito sui generis de direito internacional. Além disso, discute-se o impacto da doutrina do novo pontífice na elaboração e aplicação de políticas públicas em Estados laicos de tradição católica, com especial atenção a temas sensíveis como aborto, casamento homoafetivo e eutanásia. A influência moral do Papa, ainda que formalmente não vinculante, reverbera juridicamente por meio de instrumentos de soft law, influenciando legisladores, juízes e organizações internacionais. Por fim, examina-se a complexidade do duplo papel do Papa como líder espiritual da Igreja Católica e chefe de Estado, com implicações normativas na atuação diplomática da Santa Sé, inclusive na ONU e em cortes internacionais. A análise propõe uma reflexão crítica sobre os limites e alcances jurídicos da figura papal no século XXI, considerando os desafios do pluralismo, da secularização e dos direitos fundamentais em constante reconfiguração. A sucessão pontifícia, portanto, não deve ser compreendida apenas como evento eclesial, mas como fato jurídico-político de relevância global, cujos efeitos se irradiam para além da Cúria Romana e afetam diretamente as estruturas normativas de diversos países.

Palavras-chave: Santa Sé. Direito Internacional Público. Transição Papal. Soberania. Políticas Públicas. Estados Laicos. Pontífice Romano. Chefia de Estado. Moral Cristã. Doutrina Social da Igreja.


1. INTRODUÇÃO

A transição papal ocorrida em 2025, com a eleição de um novo pontífice para liderar a Igreja Católica, vai além da dimensão estritamente religiosa e litúrgica. Embora o ritual da sucessão seja conduzido no interior do Vaticano com forte simbologia espiritual, seus efeitos jurídicos e políticos se projetam globalmente. O Papa, ao ser escolhido, assume de imediato a chefia do Estado da Cidade do Vaticano e da Santa Sé, entidade reconhecida como sujeito de Direito Internacional Público com personalidade jurídica própria. Tal fato não apenas configura uma substituição formal de autoridade estatal, mas desencadeia uma reconfiguração das orientações diplomáticas e jurídicas da Santa Sé, cujas decisões afetam diretamente sua atuação em foros multilaterais, tratados bilaterais e posicionamentos oficiais perante a comunidade internacional.

Nesse contexto, o novo pontífice se insere em um cenário no qual o papel da Igreja Católica, embora não detenha poder legislativo em Estados laicos, continua a influenciar moralmente — e, por vezes, politicamente — diversas legislações, sobretudo em países cuja formação jurídica, social e cultural é fortemente marcada pelo cristianismo. O direito canônico, embora interno à Igreja, possui pontos de interseção com o direito estatal em temas como casamento, educação, saúde e bioética. Ademais, posicionamentos doutrinários do Papa sobre temas como aborto, casamento homoafetivo, eutanásia e liberdade religiosa não raro repercutem em debates legislativos e judiciais nacionais e internacionais, suscitando tensão entre os princípios do Estado laico e a liberdade religiosa como direito fundamental.

Por conseguinte, a sucessão papal assume contornos jurídicos que merecem ser analisados sob o viés técnico e científico do Direito Internacional Público e das teorias contemporâneas sobre soberania, soft law, direitos humanos e governança global. A dualidade da função papal — espiritual e estatal — torna o Papa uma figura única no direito internacional moderno, capaz de dialogar tanto com a tradição religiosa milenar quanto com os sistemas jurídicos contemporâneos. A presença da Santa Sé como observadora na Organização das Nações Unidas (ONU), sua atuação junto à Corte Penal Internacional (CPI), ao Conselho de Direitos Humanos e às conferências internacionais evidencia a relevância de sua diplomacia moral e jurídica.

Neste artigo, propõe-se examinar com profundidade três eixos fundamentais. O primeiro versa sobre os efeitos jurídicos imediatos da substituição do chefe de Estado do Vaticano, abordando as implicações diplomáticas, a reestruturação das orientações jurídicas e a manutenção de acordos internacionais vigentes. O segundo trata da influência da doutrina papal sobre políticas públicas em Estados laicos de tradição católica, discutindo até que ponto a moral religiosa impacta decisões legislativas e judiciais em sociedades democráticas e pluralistas. Por fim, o terceiro eixo analisa o duplo papel do Papa como líder espiritual e chefe de Estado, refletindo sobre os limites normativos e os desafios éticos que essa configuração impõe aos ordenamentos jurídicos contemporâneos.

A investigação proposta pretende, assim, lançar luz sobre um fenômeno jurídico pouco explorado na literatura acadêmica brasileira, contribuindo para uma reflexão mais ampla acerca das interações entre religião, soberania e direito internacional. Em tempos de crescente tensionamento entre valores tradicionais e garantias constitucionais, o estudo da transição papal revela-se oportuno para compreender os contornos e os desdobramentos jurídicos dessa figura singular na história e na normatividade global.


2. A TRANSIÇÃO PAPAL SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

A eleição de um novo Papa, além de ser um evento de extraordinário impacto religioso e cultural, também desencadeia uma série de consequências jurídicas no plano internacional. A transição papal envolve não apenas a escolha de um novo líder espiritual para mais de um bilhão de fiéis católicos em todo o mundo, mas igualmente a sucessão do chefe de Estado da Cidade do Vaticano, entidade reconhecida como sujeito de direito internacional público. Esta duplicidade de papéis — religioso e político — exige uma análise minuciosa sobre como a mudança de pontífice repercute nas obrigações internacionais da Santa Sé, no funcionamento de suas embaixadas, na continuidade de sua personalidade jurídica internacional, e nos reflexos normativos perante o sistema multilateral.

Ainda que o Vaticano seja um Estado sui generis, marcado por peculiaridades históricas e jurídicas, ele mantém relações diplomáticas com mais de 180 países, participa de conferências internacionais, celebra concordatas e tratados multilaterais, e ocupa posição de destaque em fóruns intergovernamentais como observador permanente da ONU. A sucessão pontifícia, portanto, não é um mero rito interno eclesiástico, mas um fenômeno que movimenta a diplomacia internacional e impõe ao Direito Internacional reflexões sobre soberania, continuidade jurídica e estabilidade institucional. O novo Papa, ao assumir o trono de Pedro, herda não apenas o governo espiritual da Igreja, mas a representação soberana de um Estado com direitos e deveres perante a comunidade internacional. Nesse sentido, analisaremos a seguir os principais eixos jurídicos dessa transição.

2.1. A Personalidade Internacional da Santa Sé e a Soberania do Estado do Vaticano

A Santa Sé é tradicionalmente reconhecida como um sujeito de Direito Internacional distinto do Estado da Cidade do Vaticano. Essa diferenciação é fundamental para compreender a natureza das obrigações internacionais assumidas antes e depois da eleição papal. A Santa Sé, enquanto instituição dotada de personalidade jurídica própria, é o ente que celebra tratados internacionais, credencia representantes diplomáticos e mantém relações internacionais estáveis, independentemente do Papa que a comande. Já o Estado do Vaticano, criado em 1929 pelo Tratado de Latrão, é o território necessário à plena independência da Santa Sé e, por extensão, do exercício do ministério petrino.

A sucessão papal não rompe essa personalidade internacional, tampouco interfere na continuidade da soberania estatal do Vaticano. Trata-se de uma transição pessoal no comando, mas não institucional. No entanto, do ponto de vista simbólico e estratégico, a identidade do novo Papa pode redefinir posturas diplomáticas, alterar prioridades internacionais e impactar a imagem da Santa Sé no sistema global. Assim, a eleição de um novo pontífice representa uma inflexão sensível, ainda que não necessariamente disruptiva, no exercício da soberania e na forma como ela se manifesta externamente.

2.2. Continuidade dos Atos Jurídicos e das Obrigações Internacionais

Um dos pilares do Direito Internacional contemporâneo é o princípio da continuidade do Estado, mesmo diante de mudanças em seus representantes máximos. No caso do Vaticano, tal princípio aplica-se de forma integral, pois os atos internacionais celebrados pela Santa Sé — como concordatas, acordos bilaterais e compromissos multilaterais — não são afetados pela morte ou renúncia de um Papa, nem por sua substituição. O novo Papa assume automaticamente o papel de mantenedor dessas obrigações, sem necessidade de ratificação adicional.

Todavia, a interpretação, a execução e a política externa relacionada a esses tratados podem, sim, ser influenciadas pela visão pessoal do novo pontífice. Por exemplo, um Papa mais conservador poderá endurecer a aplicação de acordos sobre educação sexual ou direitos reprodutivos, enquanto um Papa mais progressista poderá adotar uma abordagem mais conciliatória em temas ligados à migração, meio ambiente ou direitos humanos. Portanto, embora a continuidade formal seja garantida, os efeitos práticos da mudança de liderança são concretos e relevantes.

2.3. Efeitos Diplomáticos da Transição Papal nas Relações Bilaterais e Multilaterais

A eleição de um novo Papa mobiliza o corpo diplomático mundial. Chefes de Estado e ministros das Relações Exteriores costumam manifestar cumprimentos formais, em sinal de respeito institucional e de interesse nas futuras diretrizes diplomáticas da Santa Sé. Mais que um protocolo, essas manifestações refletem a expectativa quanto ao papel do novo pontífice no cenário internacional. É notório, por exemplo, que Papas anteriores exerceram papéis-chave na mediação de conflitos, como ocorreu com João Paulo II na Guerra Fria e Francisco no restabelecimento de relações entre Cuba e Estados Unidos.

Com a transição papal, pode haver redefinição de prioridades na agenda externa do Vaticano. O novo Papa pode alterar a ênfase em determinadas áreas — como o combate à pobreza, o diálogo inter-religioso, a proteção ao meio ambiente ou os direitos dos povos originários — o que impacta diretamente a atuação diplomática da Santa Sé junto a organismos internacionais e a Estados parceiros. Também pode influenciar o modo como tratados pendentes são conduzidos, ou como a Santa Sé se posiciona em assembleias como a ONU, OEA ou a União Europeia.

2.4. A Sucessão Pontifícia e a Estabilidade Jurídico-Institucional do Vaticano

Por fim, a estabilidade institucional do Vaticano é um elemento-chave para a preservação de sua legitimidade e autoridade no plano internacional. A sucessão papal, embora envolva ritos complexos e forte cobertura midiática, é normativamente bem regulamentada pela Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis (1996) e outras normas canônicas. A previsibilidade do processo, aliado à tradição milenar de transições relativamente pacíficas, reforça a segurança jurídica das relações internacionais mantidas pela Santa Sé.

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Apesar disso, existem momentos de maior tensão, como nos casos de renúncia papal (caso Bento XVI) ou disputas internas quanto à escolha de cardeais. Tais episódios não afetam a validade dos compromissos internacionais, mas podem comprometer, ainda que temporariamente, a autoridade moral e a eficácia da atuação diplomática vaticana. A comunidade internacional, portanto, observa com atenção o perfil do novo pontífice e suas primeiras decisões, avaliando sua capacidade de manter a coerência institucional e a projeção jurídica global da Santa Sé.


3. A DUALIDADE ENTRE LIDERANÇA RELIGIOSA E CHEFIA DE ESTADO NA FIGURA DO PAPA

O Papa é uma figura única no cenário internacional, pois exerce de forma simultânea dois papéis profundamente distintos, mas interconectados: é o Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana, líder espiritual de mais de um bilhão de fiéis, e, ao mesmo tempo, é o Chefe de Estado da Cidade do Vaticano, Estado soberano reconhecido por mais de 180 países e com status de observador permanente na ONU. Essa dualidade confere ao Papa uma projeção sem precedentes nas esferas religiosa, política e diplomática, exigindo do Direito Internacional uma leitura que transcenda as categorias clássicas de soberania estatal e representação religiosa.

Essa combinação de autoridade espiritual e poder temporal gera desafios conceituais e práticos. Por um lado, a Santa Sé é uma entidade de natureza eminentemente religiosa e moral; por outro, o Estado da Cidade do Vaticano opera com aparato administrativo, jurídico e diplomático próprios. O Papa, nessa estrutura, personifica ambas as dimensões, o que lhe confere uma posição singular como ator internacional híbrido. Esta dualidade não apenas informa a forma como o Vaticano se posiciona no cenário global, como também influencia sua postura normativa em temas sensíveis como direitos humanos, autodeterminação dos povos, proteção de minorias religiosas, políticas ambientais e bioética.

Analisar essa complexa sobreposição de papéis é essencial para compreender o impacto jurídico e político da eleição de um novo Papa, bem como os limites e as potencialidades dessa figura sui generis no panorama das relações internacionais contemporâneas.

3.1. A Autoridade Espiritual Universal e os Limites da Intervenção Política

No exercício de sua liderança religiosa, o Papa possui uma influência que transcende fronteiras estatais e sistemas jurídicos. Sua palavra orienta doutrinariamente as posições da Igreja em relação a temas éticos, morais e teológicos. Encíclicas, exortações apostólicas e cartas papais não possuem força vinculante no Direito Internacional, mas exercem notável peso político e social. O Papa, nesse contexto, molda consciências, mobiliza multidões, orienta políticas públicas e influencia processos legislativos em países de tradição católica, ainda que formalmente laicos.

Contudo, essa autoridade espiritual encontra limites nas soberanias nacionais e nas ordens jurídicas internas. O Papa não detém jurisdição estatal fora do território do Vaticano, tampouco pode interferir diretamente em decisões parlamentares ou judiciais de outros países. Ainda assim, sua voz tem sido decisiva na formulação de políticas sobre o aborto, a eutanásia, a educação religiosa, os direitos das famílias, entre outros. Assim, sua atuação espiritual assume, muitas vezes, contornos político-jurídicos, ainda que sob a roupagem da doutrina moral.

3.2. A Chefia de Estado e os Atos de Soberania Internacional

Como Chefe de Estado do Vaticano, o Papa exerce funções típicas de qualquer soberano. Nomeia embaixadores, ratifica tratados internacionais, representa o Estado em cerimônias e eventos multilaterais, e conduz a política externa da Santa Sé. Embora o território vaticano seja diminuto e sem poder bélico, sua autoridade simbólica é imensa. O Vaticano possui um serviço diplomático ativo e bem estruturado, com nunciaturas apostólicas em quase todos os continentes.

Além disso, o Papa tem o poder de celebrar concordatas — tratados bilaterais entre a Santa Sé e Estados — regulando matérias como o ensino religioso, o reconhecimento de casamentos canônicos, a isenção fiscal de instituições católicas e a nomeação de bispos. Ao fazer isso, o Papa age não apenas como líder eclesiástico, mas como representante soberano, utilizando instrumentos clássicos do Direito Internacional Público. Essa função reforça sua centralidade na geopolítica global e exige que sua atuação seja analisada com os mesmos critérios aplicáveis a outros chefes de Estado.

3.3. A Fricção entre Moralidade Religiosa e Normatividade Internacional

A posição do Papa como ator normativo internacional o coloca em constante tensão com regimes jurídicos e sistemas de valores distintos. Enquanto a doutrina católica possui preceitos fixos, como a defesa da vida desde a concepção, a indissolubilidade do matrimônio e a condenação de práticas consideradas imorais, o Direito Internacional é moldado por princípios como autodeterminação individual, pluralismo cultural e laicidade do Estado.

Essa fricção manifesta-se em debates acalorados sobre direitos sexuais e reprodutivos, reconhecimento de uniões homoafetivas, liberdade religiosa versus liberdade de expressão e bioética. O Papa, ao se posicionar sobre essas matérias, desafia consensos internacionais ou propõe alternativas éticas fundadas em uma antropologia cristã. O impacto de suas declarações, mesmo não vinculantes, pode ser profundo, influenciando o voto de parlamentares, a atuação de juízes e o comportamento de comunidades religiosas em todo o mundo.

3.4. A Legitimidade Internacional do Papa como Ator Jurídico-Moral Global

Por fim, a figura do Papa concentra uma legitimidade internacional incomum: ele não apenas fala em nome de um Estado, mas em nome de uma moral universal. Ao articular posições sobre temas como mudanças climáticas, migração, guerras e pobreza, o Papa atua como voz de autoridade ética, frequentemente convocado a mediar conflitos ou a promover iniciativas de paz.

Sua legitimidade decorre não apenas do reconhecimento jurídico do Vaticano como Estado soberano, mas de um capital simbólico forjado ao longo de séculos de influência civilizacional. Essa legitimidade ética permite ao Papa atuar como uma espécie de "soft power" no sistema internacional, sendo ouvido por líderes globais e citado em cúpulas diplomáticas. No entanto, essa legitimidade depende da coerência entre discurso e prática, da percepção de imparcialidade e da manutenção da estabilidade institucional vaticana.


4. EFEITOS JURÍDICO-DIPLOMÁTICOS DA TRANSIÇÃO PAPAL NO DIREITO INTERNACIONAL

A sucessão pontifícia, evento marcado por grande solenidade e simbolismo, representa também um momento de importantes repercussões no campo do Direito Internacional Público. Embora a transição de papado não implique, em termos formais, a dissolução do Estado da Cidade do Vaticano ou ruptura institucional, ela acarreta uma redefinição do estilo diplomático, das prioridades internacionais e da postura normativa da Santa Sé nas mais diversas arenas multilaterais. A figura do Papa, enquanto Chefe de Estado e líder moral global, é dotada de um protagonismo singular, de modo que sua substituição atrai atenção jurídica e política não apenas dos Estados católicos, mas da comunidade internacional como um todo.

Esse momento de transição traz reflexos tanto no plano das relações bilaterais quanto nas instâncias multilaterais em que a Santa Sé atua. A mudança de liderança pode impactar negociações em curso, interpretações doutrinárias, posicionamentos éticos e até a condução de políticas públicas influenciadas por diretrizes da Igreja. A estabilidade institucional do Vaticano é mantida por meio de regras canônicas precisas, mas o estilo e o conteúdo da liderança papal interferem diretamente na natureza da diplomacia vaticana, o que gera efeitos concretos sobre o sistema internacional, sobretudo em questões de natureza ética e humanitária.

4.1. A Continuidade Jurídico-Institucional da Santa Sé Durante a Sede Vacante

Durante o período conhecido como sede vacante, que se inicia com a renúncia ou falecimento de um Papa e se estende até a eleição de seu sucessor pelo Colégio de Cardeais, há uma suspensão temporária da figura do Chefe de Estado. No entanto, a Santa Sé, enquanto sujeito de Direito Internacional distinto da Cidade do Vaticano, mantém sua continuidade jurídica e institucional, garantida pelo ordenamento canônico e pela tradição multissecular da Igreja.

Nesse intervalo, atos de política externa ficam limitados a ações de natureza ordinária, sendo vedada a assinatura de novos tratados, alterações substanciais em orientações diplomáticas ou qualquer iniciativa que represente mudanças doutrinárias. A Secretaria de Estado, especialmente por meio do Cardeal Camerlengo, assegura a gestão administrativa e representa a Santa Sé até que o novo Papa assuma. Assim, ainda que a chefia de Estado esteja momentaneamente vaga, a Santa Sé não perde seu status jurídico internacional, o que garante estabilidade nas relações diplomáticas com outros países.

4.2. Reposicionamentos Internacionais e Reinterpretações Doutrinárias com o Novo Pontífice

A eleição de um novo Papa frequentemente inaugura um novo ciclo interpretativo na tradição católica, refletido tanto em documentos doutrinários quanto em pronunciamentos diplomáticos. Cada pontificado carrega consigo uma visão específica de mundo, que pode significar maior abertura ou rigidez em temas sensíveis como imigração, mudanças climáticas, igualdade de gênero, bioética, liberdade religiosa e direitos humanos.

Esse reposicionamento pode gerar alterações concretas no tom e na substância dos discursos da Santa Sé nas Nações Unidas, na Organização dos Estados Americanos (OEA), na União Europeia e em outras instâncias multilaterais. Além disso, pode influenciar o conteúdo de concordatas com Estados soberanos, a atuação de missões pontifícias e o engajamento com comunidades internacionais em crise. Embora o magistério papal seja normativo apenas dentro do âmbito eclesiástico, seu alcance político reverbera em legislações, posicionamentos diplomáticos e decisões judiciais em diferentes países.

4.3. Repercussões na Política Externa Vaticana e Relações Bilaterais

A política externa do Vaticano, moldada historicamente pela diplomacia da neutralidade, assume novas ênfases e prioridades a cada novo pontífice. Alguns papas investiram mais em relações com países do hemisfério norte; outros voltaram-se para o Sul Global, privilegiando a diplomacia humanitária e a cooperação com países em desenvolvimento. O novo Papa pode redirecionar a política externa para temas como paz no Oriente Médio, justiça climática, combate à pobreza ou liberdade religiosa.

Essas mudanças impactam diretamente os acordos bilaterais, como as concordatas e outros tratados celebrados entre a Santa Sé e Estados. Podem também alterar o conteúdo de notas diplomáticas, instruções aos núncios apostólicos e posicionamentos sobre regimes políticos, violações de direitos humanos e questões ecológicas. Assim, a transição papal tem o potencial de redefinir a identidade diplomática do Vaticano e seus efeitos geopolíticos mais amplos.

4.4. Reflexos Jurídico-Diplomáticos nos Temas Éticos Globais e Direito Internacional dos Direitos Humanos

Um dos campos mais sensíveis à mudança de Papa é o Direito Internacional dos Direitos Humanos, especialmente em temas que envolvem conflito entre normas morais e direitos positivados. A voz papal costuma ser ativa em debates sobre aborto, eutanásia, identidade de gênero, liberdade de expressão e proteção da família. O novo Papa poderá assumir postura mais conservadora ou mais progressista, o que afetará a atuação da Santa Sé nos fóruns internacionais.

Embora a Santa Sé não imponha juridicamente sua doutrina, seu papel como observador na ONU e membro de organizações internacionais lhe confere espaço significativo de influência. Muitos Estados de tradição católica utilizam o discurso papal como fundamento para posições conservadoras em assembleias gerais, comissões de direitos humanos ou conferências mundiais, o que mostra a força normativo-política da doutrina pontifícia, mesmo em ambientes laicos.

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Sobre o autor
Silvio Moreira Alves Júnior

Advogado Especialista; Especialista em Direito Digital pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal pela Faculminas; Especialista em Compliance pela Faculminas; Especialista em Direito Civil pela Faculminas; Especialista em Direito Público pela Faculminas. Doutorando em Direito pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales – UCES Escritor dos Livros: Lei do Marco Civil da Internet no Brasil Comentada: Lei nº 12.965/2014; Direito dos Animais: Noções Introdutórias; GUERRAS: Conflito, Poder e Justiça no Mundo Contemporâneo: UMA INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL; Justiça que Tarda: Entre a Espera e a Esperança: Um olhar sobre o sistema judiciário brasileiro e; Lições de Direito Canônico e Estudos Preliminares de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JÚNIOR, Silvio Moreira. O novo papa e os efeitos jurídicos da transição papal.: Soberania, moralidade e Direito Internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7990, 17 mai. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113856. Acesso em: 5 dez. 2025.

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