Capa da publicação Fraudes com MEI: entenda os riscos e as punições
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A falsa impressão de segurança do MEI.

Análise jurídica sobre o uso indevido do regime simplificado e seus reflexos tributários

11/05/2025 às 08:10

Resumo:


  • O MEI é um regime simplificado para empreendedores individuais no Brasil.

  • A facilidade de adesão tem levado a práticas ilícitas de evasão fiscal.

  • O uso indevido do MEI pode acarretar em riscos jurídicos e consequências graves.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O uso indevido do MEI gera riscos fiscais e permite fraudes com simulação e evasão. O regime simplificado pode ser desconsiderado pelo Fisco em casos de abuso?

Resumo: O presente artigo examina criticamente o uso do regime jurídico do Microempreendedor Individual (MEI) no Brasil, com ênfase na distorção de sua finalidade e nas práticas ilícitas recorrentes que comprometem sua eficácia. A facilidade de adesão ao MEI tem induzido muitos empreendedores à falsa percepção de segurança jurídica e à utilização indevida do regime para fins de evasão fiscal. O estudo aborda os limites legais do enquadramento como MEI, os riscos jurídicos e tributários decorrentes de sua utilização simulada e propõe uma reflexão sobre a necessidade de fiscalização efetiva e educação fiscal. A análise é embasada em dispositivos do Código Tributário Nacional e em referências doutrinárias de autores consagrados.

Palavras-chave: Microempreendedor Individual. Evasão fiscal. Planejamento tributário abusivo. Responsabilidade patrimonial. Simulação. Direito Tributário.


1. Introdução

O regime jurídico do Microempreendedor Individual (MEI), instituído pela Lei Complementar nº 128/2008, que alterou dispositivos da Lei Complementar nº 123/2006, representa um marco na estratégia nacional de inclusão produtiva, formalização de pequenos negócios e desburocratização das atividades empresariais no Brasil. A proposta inicial, centrada na redução das barreiras legais e tributárias para o exercício da atividade econômica por trabalhadores autônomos, visa estimular a transição da informalidade para a regularidade fiscal, com acesso a benefícios previdenciários, emissão de notas fiscais e participação em licitações públicas (AMARO, 2020).

Com a adoção de critérios objetivos simplificados — como limite anual de faturamento, restrições ao número de empregados e à natureza das atividades exercidas — o MEI passou a atrair um expressivo número de aderentes, consolidando-se como ferramenta de política pública de incentivo ao microempreendedorismo. Contudo, a aparente simplicidade do regime e sua atratividade fiscal têm servido, em inúmeros casos, como catalisador de práticas indevidas que deturpam sua finalidade original, em claro desvio da boa-fé objetiva que deve nortear o comportamento do contribuinte (MACHADO, 2016).

O que fora originalmente concebido como mecanismo de fomento ao empreendedorismo e de justiça fiscal passou, em múltiplas situações, a ser desvirtuado como instrumento de planejamento tributário abusivo, caracterizado pela utilização artificial ou simulada da figura do MEI para fracionamento de faturamento, pulverização de CNPJs entre familiares e ocultação da verdadeira estrutura empresarial. Tais condutas violam os princípios da capacidade contributiva e da vedação ao abuso de forma, conforme salientado pela doutrina tributária contemporânea (CARVALHO, 2019).

Neste contexto, o presente estudo, com uma abordagem qualitativa de análise temática de conteúdo normativo, doutrinário e jurisprudencial, propõe uma reflexão crítica sobre a natureza jurídica do MEI e seus limites legais, analisando as distorções mais comuns observadas na prática, como a simulação e o uso indevido do regime para fins ilícitos. Serão abordados os principais riscos jurídicos e fiscais decorrentes dessa má utilização, os dispositivos legais que autorizam a desconsideração de atos simulados e a responsabilização do empreendedor e até da União, além da necessidade de políticas públicas voltadas à educação fiscal e ao aprimoramento dos mecanismos de fiscalização, como já apontado por autores que defendem o fortalecimento da atuação administrativa e o uso de tecnologias de cruzamento de dados (TORRES, 2000).


2. A Natureza Jurídica e os Limites do MEI

O Microempreendedor Individual (MEI) configura-se como uma modalidade simplificada de empresário individual, sujeita a critérios objetivos e restritivos estabelecidos pela legislação. Entre os principais requisitos para enquadramento, destacam-se o limite anual de faturamento de até R$ 81.000,00, a permissão para contratação de apenas um empregado e a vinculação a atividades econômicas específicas, previamente listadas pela Receita Federal em rol taxativo. Tais restrições visam garantir que o regime atenda exclusivamente a empreendedores de baixa complexidade operacional e reduzido porte econômico.

O regime do MEI integra o Simples Nacional, sistema de tributação unificada que concentra os tributos federais, estaduais e municipais em guia única de recolhimento (DAS – Documento de Arrecadação do Simples Nacional), conferindo significativa redução da carga tributária e maior facilidade no cumprimento das obrigações fiscais. No entanto, a simplificação procedimental não exime o contribuinte da observância aos princípios basilares do direito tributário, como o da legalidade, da boa-fé e da vedação ao abuso de direito.

Conforme destaca Machado (2016), o fato de o regime ser simplificado não significa ausência de controle estatal, sendo plenamente legítima a atuação fiscalizadora da Administração Tributária quando houver indícios de desvio de finalidade. Nessa linha, o Código Tributário Nacional, em seu art. 116, parágrafo único, faculta ao Fisco a desconsideração de atos ou negócios jurídicos cuja finalidade seja dissimular a ocorrência do fato gerador ou ocultar a natureza real dos elementos constitutivos da obrigação tributária, evidenciando o compromisso do ordenamento com a repressão a práticas simuladas e abusivas.


3. A Falsa Sensação de Segurança Jurídica

A atratividade do regime do MEI, associada à facilidade de formalização do CNPJ e à carga tributária significativamente reduzida, tem conduzido muitos empreendedores à equivocada sensação de segurança jurídica. Essa percepção, porém, ignora um aspecto estrutural relevante: o MEI, por se tratar de uma forma de empresário individual, não estabelece qualquer separação patrimonial entre a pessoa física do titular e a atividade empresarial exercida. Diferentemente das sociedades empresárias limitadas, que asseguram autonomia patrimonial à pessoa jurídica, o MEI responde ilimitadamente com seu patrimônio pessoal pelas obrigações contraídas no exercício da atividade econômica, conforme dispõe o art. 966. do Código Civil.

Esse contexto reforça a necessidade de cautela na adoção do regime, especialmente diante da tentação de utilizá-lo como instrumento de blindagem ou de redução artificial de encargos fiscais. Como bem assinala Paulo de Barros Carvalho (2019), o planejamento tributário, ainda que lícito em sua essência, deve observar os limites impostos pela ordem jurídica, sob pena de caracterizar abuso de forma. A criação de estruturas artificiais voltadas exclusivamente à supressão ou redução indevida de tributos — sem correspondência com a realidade fática — configura simulação, sujeita à nulidade e às sanções previstas no ordenamento, inclusive a desconsideração dos atos e o lançamento de ofício pela autoridade fiscal.


4. A Simulação como Fraude: CNPJs em Nome de Terceiros

Uma conduta observada na prática empresarial brasileira consiste na constituição de múltiplos CNPJs enquadrados como MEI em nome de terceiros próximos — como cônjuges, filhos ou outros familiares — com o propósito deliberado de fracionar o faturamento real da atividade empresarial. Essa estratégia visa manter cada registro dentro do limite legal permitido para o regime simplificado, dissimulando a verdadeira dimensão econômica do negócio e usufruindo indevidamente das vantagens fiscais do MEI. Trata-se, inegavelmente, de hipótese de simulação ilícita, nos termos do art. 167 do Código Civil, e sujeita às sanções previstas no art. 71 da Lei nº 4.502/1964, bem como na Lei nº 8.137/1990, que tipifica os crimes contra a ordem tributária.

Nesse contexto, torna-se imprescindível distinguir a elisão fiscal legítima da simulação fraudulenta. Como observa Torres (2000), a primeira consiste na adoção de condutas lícitas e permitidas pelo ordenamento com o intuito de reduzir, dentro dos limites legais, a carga tributária incidente sobre determinada operação. Já a simulação configura prática ilícita, caracterizada pela ocultação da realidade jurídica ou fática com o objetivo de impedir a incidência do tributo devido, violando frontalmente os princípios da boa-fé e da transparência fiscal. Diante de tais fraudes, a administração tributária está autorizada, com base em elementos objetivos, a promover o lançamento de ofício, desconsiderar os atos simulados e aplicar as penalidades cabíveis, restabelecendo a conformidade material da obrigação tributária.

4.1. Fraudes praticadas por terceiros: o uso indevido do MEI por estelionatários

Além do uso distorcido do MEI por seus próprios titulares para fins de planejamento tributário abusivo, tem-se verificado, com frequência crescente, a utilização fraudulenta da sistemática simplificada do regime por terceiros mal-intencionados. A vulnerabilidade do sistema eletrônico do Portal do Empreendedor, mantido pela União, permite que estelionatários utilizem dados pessoais de terceiros — como CPF, data de nascimento e informações constantes de declarações de Imposto de Renda — para constituir microempresas fictícias sem o conhecimento ou consentimento dos verdadeiros titulares desses dados.

A jurisprudência já reconheceu a responsabilidade objetiva do Estado por esse tipo de falha sistêmica. No julgamento da Apelação Cível nº 5004378-57.2013.404.7000/PR, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou sentença que condenou a União ao pagamento de indenização por danos morais, ao constatar que o nome da autora foi vinculado indevidamente a um CNPJ de microempresa criada por terceiro fraudador. Conforme o acórdão, o sistema do Portal do Empreendedor permite a formalização da empresa de forma totalmente eletrônica, sem qualquer conferência documental prévia, nem autenticação via certificado digital, o que abre margem para a prática de fraudes estruturadas e silenciosas.

O julgado destacou ainda que “com a simples posse de dados básicos de um cidadão, é possível gerar inscrição no CNPJ e alvará provisório de funcionamento, possibilitando, por exemplo, a abertura de contas bancárias, solicitação de crédito e emissão de notas fiscais” — condutas potencialmente lesivas à integridade patrimonial e reputacional da vítima. Nessas hipóteses, mesmo diante da clara falsidade, os procedimentos administrativos para cancelamento do CNPJ e do registro do MEI mostram-se ineficazes, transferindo à vítima o ônus de buscar a tutela jurisdicional para reverter os efeitos da fraude.

Assim, além da crítica ao uso abusivo do MEI por seus titulares, é necessário refletir sobre a fragilidade institucional do modelo eletrônico de registro e a urgência de reformulação do sistema digital adotado pela União, de modo a incluir mecanismos mínimos de verificação de identidade — como autenticação com certificação digital ou validação biométrica — compatíveis com a sensibilidade dos atos jurídicos produzidos. A omissão do Poder Público em adotar tais medidas reforça sua responsabilidade civil, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição Federal, quando a falha no serviço possibilita a prática de fraudes que lesionam cidadãos de boa-fé.

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5. Riscos Jurídicos e Consequências do Uso Indevido

O uso indevido do regime do MEI acarreta riscos jurídicos relevantes, entre os quais se destacam:

  • a) Desenquadramento retroativo e cobrança dos tributos devidos conforme regime ordinário;

  • b) Responsabilização patrimonial pessoal, dado que o MEI não goza de separação entre bens da empresa e do titular;

  • c) Declaração de inidoneidade fiscal do CNPJ e exclusão de licitações públicas;

  • d) Configuração de crime de sonegação fiscal, com base na Lei nº 8.137/1990;

  • e) Responsabilização civil e trabalhista, sobretudo em situações de vínculo dissimulado com empregados.

Como destaca Amaro (2020), o ordenamento jurídico atual caminha para a consolidação de mecanismos mais eficazes de combate à informalidade estruturada, utilizando instrumentos como o cruzamento de dados fiscais e bancários e o fortalecimento da fiscalização digital.


6. Considerações Finais

O MEI é uma importante ferramenta de inclusão produtiva e simplificação tributária. No entanto, seu uso deturpado como mecanismo de ocultação de faturamento ou evitação artificial de tributos compromete sua credibilidade e coloca o empreendedor em risco jurídico relevante.

A desinformação e a ausência de orientação técnica têm contribuído para a perpetuação de práticas equivocadas. Faz-se necessário, portanto, não apenas o fortalecimento da fiscalização tributária, mas também uma política consistente de educação fiscal e empresarial, de modo que o MEI seja compreendido como instrumento de transição ao empreendedorismo formal e estruturado, e não como solução definitiva baseada em informalidade disfarçada.


Referências

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 06.mai.2025

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em 06.mai.2025

BRASIL. Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp128.htm. Acesso em 06.mai.2025

BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 19 de dezembro de 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm. Acesso em 06.mai.2025.

BRASIL. Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4502.htm. Acesso em 06.mai.2025.

BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm. Acesso em 06.mai.2025.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº 5004378-57.2013.4.04.7000/PR, Relator: Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado. Julgado em 24 set. 2013. Disponível em: https://jurisprudencia.trf4.jus.br. Acesso em: 6 maio 2025.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

MACHADO, Hugo de Brito. Direito tributário brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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Sobre o autor
Raphael Jorge Tannus

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2012), com especialização em Direito Tributário pela mesma instituição (2013/2014). Concluiu o MBA em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário pela IBE-FGV (2015/2017), incluindo módulo internacional de extensão na Universidade de Miami, EUA (2019), com foco em Innovation and Change in Global Markets, Doing Business in the US: Business Law and Ethics, Digital Marketing Social Media, International Market Analysis, Global Control Systems, Individual Differences, Strategic Management in the Competitive Global Environment e Entrepreneurship in the XXI Century.Mestre em Administração pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER), em São Paulo (2023/2025).Atualmente é sócio da Tannus Advogados e professor da UNIEDUK. Possui experiência nas áreas de Direito Tributário, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Gestão e Governança Corporativa (Compliance). Já teve atuação como conselheiro e presidente do Conselho Municipal do Idoso de Campinas, bem como presidente da Comissão de Defesa das Pessoas Idosas da OAB Campinas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TANNUS, Raphael Jorge. A falsa impressão de segurança do MEI.: Análise jurídica sobre o uso indevido do regime simplificado e seus reflexos tributários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7984, 11 mai. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113882. Acesso em: 5 dez. 2025.

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