Resumo: A figura dos psicopatas está amplamente presente na maioria do imaginário das pessoas. Na maioria dos casos, diretamente vinculados à crimes violentos, os psicopatas são vistos como seres sedutores, envolventes e que carregam um novo ar de mistério a cada crime noticiado. Contudo, a imagem que os envolve muitas vezes é errônea e fantasiosa. Com base na psicologia forense é possível mapear traços da personalidade desses indivíduos e desvincula-los de figuras distantes, trazendo-os para realidade fática. Através dos conceitos acerca da psicopatia e da análise de dois casos midiáticos, o caso Suzane Richthofen e o caso Elize Matsunaga, torna-se possível criar uma interpretação acerca do posicionamento desses sujeitos dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Aqui é possível criar um nexo de causalidade entre o tratamento recebido àqueles considerados inimputáveis e aos psicopatas, sujeitos que não são considerados como loucos e nem normais. Com base em testes de psicopatia, características acerca desse transtorno que tanto causa curiosidade, mas também medo.
Palavras-chave: crimes midiáticos; criminologia; Código de Processo Penal; psicologia forense; psicopata.
Sumário: Introdução. 1. A imputabilidade no direito penal brasileiro. 2. Inimputabilidade. 3. Semi-imputabilidade. 4. Psicopatia x crime: breve análise jurídica psiquiátrica. 5. Transtorno psiquiátrico de psicopatia. 5.1. Teste Robert Hare. 5.2. Teste de Rorschach. 6. Os casos de Suzane von Richthofen e Elize Matsunaga. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é conseguir entender de fato o real significado no que tange a imputabilidade penal do psicopata, inserido dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, cabe-se que seja realizada analises da história da psicopatia, as suas características, os testes que são realizados para de fato averiguar a existência ou não deste transtorno no indivíduo.
Ainda será explorado analises referentes as normas brasileiras que versam sobre a imputabilidade penal, de forma clara sobre a sua aplicabilidade e interpretação jurídica. Para delimitar o presente estudo desenvolvido, será analisado como o psicopata está posicionado dentro da Constituição Federal Brasileiro e acerca do Código Penal vigente, buscando trazer consigo uma melhor compreensão acerca dos direitos e espécies a serem aplicada a esse respectivo indivíduo.
Uma das principais indagações acerca desse tema é se de fato esses indivíduos devem ser considerados responsáveis criminalmente por seus atos, mesmo quando existem evidências que demonstram que a sua condição mental possa de fato influenciar se comportamento de forma significativa, expressiva. Esse ponto em questão, levanta diversos debates sobre a natureza da psicopatia, as características, a capacidade que esse individuo tem de controlar seus impulsos, a possibilidade de tratamento e quando necessário a reabilitação, bem como a proteção da sociedade em relação a possíveis comportamentos que possam trazer algum perigo, algum risco. Dentro desta discussão entra a questão de como a lei e o sistema jurídico devem lidar com os psicopatas que comentem crimes, incluindo a questão de quando deve ser aplicada a medida de segurança, quando deve ocorrer a internação em hospitais psiquiátricos e quando é necessário de fato que exista uma abordagem diferenciada no sistema prisional a esses respectivos indivíduos.
Com o intuito de ter como base o estudo do presente tema, serão utilizados dois casos de homicídio com grande repercussão midiática: o caso da Suzane Von Richthofen e o da Elize Matsunaga. Neles serão abordados a questão dos testes de psicopatia ao qual foi realizado em ambas, para entender se elas se enquadram ou não de fato com o devido transtorno de psicopatia.
O presente estudo teve como base informações obtidas através de doutrinas, estudo dos casos da área jurídica e médica, com o intuito de correlacionar essas duas áreas, buscando encontrar uma interpretação mais clara com embasamento teórico e hipóteses contundentes trazendo robustez a essas questões que tanto geram discussões e duvidas acerca de casos com grande repercussão midiática.
O objetivo principal da presente pesquisa é analisar e nortear de forma clara e simples como funciona o tratamento jurídico do psicopata de acordo com o Código Penal. Para alcançar o objetivo principal iremos conceituar o que é de fato a psicopatia, explicar sobre as diferenças da imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade no sistema jurídico brasileiro. Analisar de forma contundente a culpabilidade e as características psicopáticas acerca do individuo que possui ou não possui o transtorno referido. A metodologia utilizada será a descritiva, com o objetivo de trazer esclarecimentos, conhecimento para interpretar casos que trouxeram de fato tanta repercussão a época do ocorrido como hoje em dia ainda se perpetua.
1. A IMPUTABILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Sabemos que hoje, dentro do âmbito jurídico para que um individuo seja penalizado pelo fato cometido, é necessário haver a caracterização da culpa. Se o individuo for considerado como inimputável, ou seja, incapaz de culpa não lhe é atribuído uma pena, mas sim o que chamamos de medida de segurança, que por sua vez, a mesma é caracterizada por ser um tratamento com o intuito de uma futura cura ao individuo infrator que cometeu o ato delituoso, tendo como base o fundamento da periculosidade do agente na análise de sua duração.
Para Queiroz (2010), medida de segurança: “são sanções penais destinadas aos autores de um injusto penal punível, embora não culpável em razão da inimputabilidade do agente”.
O primeiro Código Penal Brasileiro foi sancionado por Dom Pedro I em 1830, recebendo o nome de “Código Criminal”. Neste código já era possível encontrar o conceito acerca sobre o crime, prevendo assim, que: “crime e delito, seria toda ação, ou omissão voluntária contrária as leis penais.” (ZAFFARONI, 1996, p.324)
É sempre necessário ressaltamos a definição do que é de fato o Direito Penal e as áreas que ele acerca. Para Colnago (2010), o Direito Penal configura o segmento do ordenamento jurídico que seleciona com-portamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de abalar a convivência social, e os criminaliza, descrevendo-os como infrações penais, cominando-lhes sanções. Ou seja, comportamentos do ser humano que são capazes de abalar a convivência social, tamanha essa a importância e a preocupação referente aos psicopatas e suas penas imputadas, pensando sempre no bem da sociedade.
Para Colnago (2010) a imputabilidade é a capacidade de o agente compreender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com essa compreensão. Em regra, todos são considerados imputáveis, exceto se ocorrer alguma causa excludente da imputabilidade.
A imputabilidade em si, cabe dois entendimentos: a capacidade de conseguir compreender o caráter ilícito do fato e capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento, sendo o primeiro um entendimento intelectual (permite que o agente possa ter consciência do caráter ilícito do fato) e o segundo um entendimento volitivo (é de fato o domínio da vontade, é quando o agente consegue exercer o controle sobre a disposição surgida com o entendimento do caráter ilícito do fato).
O fundamento basilar a respeito da imputabilidade é entender que o homem, o ser humano em si, tem a total liberdade de escolher o que podemos dizer ser entre o “bem” e o “mal”, porém, quando escolhe uma conduta ilícita ela traz consigo consequências, porém, quando esse mesmo indivíduo não tem um certo discernimento a respeito desta distinção ele é considerado inimputável.
Para Sanches (2016) a imputabilidade é a capacidade de imputação, a possibilidade de atribuir a um indivíduo a responsabilidade pela prática de uma infração penal. Assim como no Direito Privado pode-se falar em capacidade e incapacidade para realizar negócios jurídicos, no Direito Penal fala-se em imputabilidade e inimputabilidade para responder por uma ação delitiva cometida.
É de extrema importância, ressaltarmos e esclarecer que não basta o agente possuir alguma doença mental, o que é indispensável é que ele no momento da ação ou omissão do ato delituoso, seja inteiramente incapaz de entender e querer o resultado do fato ilícito.
O agente precisar ser imputável para ser responsabilizado pelo fato típico e ilícito por ele cometido. A imputabilidade é a possibilidade de atribuir um fato típico e ilícito ao agente. A regra é a imputabilidade e a exceção é a inimputabilidade (GRECO, 2013).
Sobre a culpabilidade devemos elencar que dentro do âmbito jurídico penal a culpabilidade é caracterizada como a capacidade de entender a ilicitude da conduta e mesmo assim optar por agir de forma contrária a norma, fazer o oposto daquilo que se é esperado. Tendo em vista que o indivíduo tenha a capacidade de responder pelo ato cometido, sabendo que não era permitido de acordo com a norma, porém, cometeu da mesma forma. Ou seja, a partir daquele momento já não importava o que era certo ou errado, mas sim cometer o ato delituoso. De acordo com Rogério Greco (2016, p. 481) culpabilidade “é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente.”
De acordo com a legislação penal brasileira, a classificação da culpa é uma junção de fatores biológicos e fatores mentais. A capacidade só será restaurada de fato, se for comprovado uma doença mental, no devido momento da ação ou omissão do ato cometido, tornando-se assim o agente incapaz de compreender ou entender a ilicitude do fato ocorrido.
Para Cury Urzúa, “a culpabilidade é reprovabilidade do fato típico e antijurídico, fundada em que seu autor o executou não obstante que na situação concreta podia submeter-se às determinações e proibições do direito.”
Já para Sanzo Brodt, “a culpabilidade deve ser concebida como reprovação, mais precisamente, como juízo de reprovação pessoal que recai sobre o autor, por ter agido de forma contrária ao Direito, quando podia ter atuado em conformidade com a vontade da ordem jurídica.”
Sob o entendimento de Rogério Greco (2023, E-BOOK) que a culpabilidade abre a possibilidade de aplicação de uma pena, assim como a perigosidade permite a imposição de uma medida de segurança.
Muñoz Conde em nota introdutória ao livro de Claus Roxin, com o título Culpabilidad y prevención en derecho penal, resume essa situação, dizendo: “Culpabilidade e perigosidade são, pois, os dois pontos de conexão do atual sistema de reação estatal frente à comissão de um fato típico e antijurídico. (...): o fato típico e antijurídico de um autor culpável dará lugar, portanto, à imposição de uma pena; o fato típico e antijurídico de um autor, culpável ou inculpável, mas perigoso, dará lugar à imposição de uma medida”
Não menos importante devemos falar abordar a definição acerca da imputabilidade (capacidade de culpabilidade), ela é considerada como o primeiro elemento da culpabilidade. Caracterizando que para que o agente seja responsabilizado, punido pelo ato delituoso praticado o mesmo deve ser imputável, ou seja, deve-se imputar a responsabilidade do mesmo em pagar, responder pelo ato/fato cometido, ao qual pode ser caracterizado como fato típico e ilícito do agente.
Para Sanzo Brodt “a imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato), outro volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade (genérica) de compreender as proibições ou determinações jurídicas. Bettiol diz que o agente deve poder ‘prever as repercussões que a própria ação poderá acarretar no mundo social’, deve ter, pois, ‘a percepção do significado ético-social do próprio agir’. O segundo, a ‘capacidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico. Conforme Bettiol, é preciso que o agente tenha condições de avaliar o valor do motivo que o impele à ação e, do outro lado, o valor inibitório da ameaça penal.”
2. INIMPUTABILIDADE
O inimputável é caracterizado por ser aquele individuo incapaz de culpa, de uma certa forma ele pratica o ato caracterizado pelo código penal brasileiro como condutas que não são adequadas, não são admitidas, que são caracterizadas como atos ilícitos, porém, o indivíduo não consegue presumir a descrita ilicitude do fato cometido.
Se por um lado temos a imputabilidade que caracteriza a possibilidade do indivíduo ser responsabilizado pelo ato cometido a inimputabilidade é exatamente o oposto, é a causa de exclusão da culpabilidade, desde que sejam comprovados os devidos elementos da relativa capacidade psíquica do agente para compreender a reprovabilidade de sua conduta. De acordo com o apresentado seguem as causas da inimputabilidade: a) doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; b) menoridade; c) embriaguez completa, decorrente de caso fortuito ou força maior; e d) dependência de substância entorpecente.
Portanto, o simples fato de ser comprovado que o agente possui desenvolvimento mental incompleto ou retardado não o classifica como inimputável, é necessário analisar se ele “era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse pensamento.” (GRECO, 2016)
No Código Penal encontramos o artigo 26 que menciona que “é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” (BRASIL, 1940)
Já sob o entendimento de Guilherme Nucci, podemos mencionar que o mesmo retrata que: “o inimputável (doente mental ou imaturo, que é o menor) não comete crime, mas pode ser sancionado penalmente, aplicando-se lhe medida de segurança, que se baseia no juízo de periculosidade, diverso, portanto, da culpabilidade. O autor de um fato típico e antijurídico, sem compreensão do que fazia, não merece ser considerado criminoso - adjetivação reservada a quem, compreendendo o ilícito, opta por tal caminho, sofrendo censura –, embora possa ser submetido a medida especial cuja finalidade é terapêutica, fundamentalmente.” (NUCCI, 2023, p. 267).
Acerca de toda essa discussão em cima desse tema, sempre surge a pergunta, no final das contas o psicopata pode ser considerado inimputável? Existem diversas controvérsias quando abordamos esse tema diante da possibilidade, ou não, da respectiva responsabilização dos psicopatas em relação aos atos praticados.
De acordo com a classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde é descrito que os psicopatas são definidos como portadores de “transtornos específicos da personalidade” apresentando uma “perturbação grave da constituição caracterológica e das tendências comportamentais do indivíduo, usualmente envolvendo várias áreas da personalidade e quase sempre associado à considerável ruptura pessoal e social". Devemos observar que na verdade esses indivíduos tem ausência de autocontrole e a dificuldade de conseguir se portar de acordo com o senso de moralidade, não cabendo assim serem indivíduos inimputáveis.
Classificá-los como semi-imputaveis, é dizer que eles serão responsabilizados pelos atos/ condutas que eles praticaram, porém, suas sanções ou medidas aplicadas terão um cunho diferenciado. Ressaltando que por mais que exista uma redução de pena prevista caberá ao Magistrado essa análise, essa observação sobre a ultrapassagem da linha tênue (conceitos ou realidades que, apesar de próximos, são distintos).
3. SEMI-IMPUTABILIDADE
O indivíduo que comete um ato típico, ilícito e culpável, conforme descrito no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, será condenado, porém com uma responsabilidade reduzida, o que resultará em uma diminuição da sua pena. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 1940).
Diante de todo esse contexto, hoje no Brasil nos deparamos com indivíduos que foram diagnosticados como psicopatas e sendo considerados como seres semi- imputavés, temos alguns exemplos: Francisco de Assis Pereira conhecido popularmente como o “Maníaco do Parque” (atividade: 1997 a 1998), considerado como maníaco em série brasileiro, seu modus operandi, era abordar jovens mulheres que ele considerava ter uma baixa autoestima e perguntava se elas não queriam ser modelo, realizar um ensaio fotográfico, pois ele era representante da Avon e com essa abordagem Francisco estuprou e matou, ao menos, sete mulheres e tentou assassinar outras nove, em 1998, mas ele confessou 11 assassinatos e 23 ataques, sendo condenado por crimes de estupro, estelionato, atentado violento ao pudor e homicídio. Seus crimes ocorreram no Parque do Estado, situado na zona sudeste de São Paulo. A junta médica que realizou exames de sanidade mental em Francisco de Assis Pereira, o considerou semi-imputável. Pedro Rodrigues Filho mais conhecido como “Pedrinho matador” (atividade: 1967 a 2003), é considerado o maior assassino em série do Brasil, foi condenado a mais de 400 anos de prisão por matar 71 pessoas. Gostava de aumentar sua fama contando vários casos, que não se sabe se eram verídicos. Ele falava que estava fazendo um bem para a sociedade livrando o mundo de covardes. Em laudo pericial efetuado por psiquiatras foram apontadas características da psicopatia, caracterizando também como semi-imputável.
4. PSICOPATIA X CRIME: BREVE ANÁLISE JURÍDICA-PSIQUIÁTRICA
O conceito técnico acerca da psicopatia deriva-se do ano de 1935 através do médico inglês Pritchard que o denominou como “loucura moral”. Após essa definição, o que hoje conhecemos como Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), recebeu diversos nomes”. Somente em seguida, o termo “psicopatia” fora popularizado através dos estudos do médico psiquiatra norte-americano Dr. Hervey M. Cleckley, em seu livro “A Máscara da Sanidade”de 1941.
Neste brilhante estudo, Dr. Cleckley procurou desassociar os psicopatas dos crimes violentos que ocorriam na época, uma vez que os estudos acerca do tema tinham os crimes como sua origem principal. Para tanto, o autor listou os 16 traços mais comuns de se encontrar em uma personalidade psicopata:
Charme superficial e boa inteligência;
Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional;
Ausência de nervosismo e manifestações psiconeuróticas;
Não-confiabilidade;
Tendência à mentira e insinceridade;
Falta de remorso ou vergonha;
Comportamento anti-social inadequadamente motivado;
Juízo empobrecido e falha em aprender com a experiência;
Egocentrismo patológico e incapacidade para amar;
Pobreza generalizada em termos de reações afetivas;
Perda específica de insight;
Falta de reciprocidade nas relações interpessoais;
Comportamento fantasioso e não convidativo sob influência de álcool e às vezes sem tal influência;
Ameaças de suicídio raramente levadas a cabo;
Vida sexual impessoal, trivial e pobremente integrada;
Falha em seguir um plano de vida. (CLECKLEY, 1988, p. 337-338)
Dr. Cleckley ainda deixa claro que para um sujeito ser considerado psicopata não é necessário possuir todas as características supracitadas, trazendo, pela primeira vez, os traços de personalidade como principal norteador do diagnóstico. (CLECKLEY, 1988).
Outra figura importante na história da psicopatia é o Dr Robert Hare (2003), responsável por formular a “Hare Psychopathy Checklist Revised (PCL-R)” proveniente dos estudos elaborados por Dr. Cleckley. Para o médico o conceito acerca do psicopata é dividido em duas vertentes:
Indivíduo que possui uma desordem de personalidade evidenciada por um aglomerado de comportamentos e traços diagnosticados pela “Hare Psychopathy Checklist Revised (PCL-R)”;
-
Predador social. Um sujeito charmoso que manipula qualquer pessoa que passe pela sua vida. Psicopata seria um indivíduo sem consciência e sentimentos para o próximo. Eles fazem o que querem para chegar ao seu objetivo sem medir esforços ou consequências. Esse termo “predador social” é usado quando se quer referir ao psicopata que teve seu psicológico, biológico e fator genético como contribuintes para o desenvolvimento da síndrome da psicopatia, bem como fatores sociais e experiências de vida. (SENTILEONE, 2021, p. 39).
Já para Guido Palomba, psiquiatra forense brasileiro e formado pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos, o termo “psicopatia” deveria entrar em desuso visto que os estudos acerca do Transtorno de Personalidade Antissocial indicam que a deformidade do sujeito está na conduta praticada, sendo os indivíduos portadores de condutas anormais. Dessaforma, o termo técnico correto a ser utilizado seria “Condutopatia” e não psicopatia (DR. GUIDO..., 2018).
Conforme já elucidado, a imputabilidade penal corresponde a capacidade de um indivíduo reconhecer objetivamente a ilicitude do ato praticado. Contudo, para que uma pessoa seja considerada como inimputável a falta dessa capacidade é o fator principal.
O Código Penal estabelece como inimputável somente aqueles sujeitos que possuem transtornos mentais, desenvolvimento mental incompleto ou retardado (BRASIL, 1940). Sendo assim, os psicopatas, apesar de serem sujeitos de extrema frieza e não apresentarem quaisquer traços de compaixão por suas vítimas, não são considerados como loucos.
Ainda, é válido ressaltar que uma pessoa que possuí o Transtorno de Personalidade Antissocial não necessariamente cometerá crimes violentos, como defendido pelo Dr. Cleckley (1988). Isso significa que o diagnóstico de psicopatia não deve ser atrelado diretamente à um perfil criminoso, sendo duas polaridades completamente independentes.
Para Guido Palomba a psicopatia pode ser analisada de forma extremamente analógica a fim de facilitar o entendimento:
De um lado temos a doença mental e de outro lado temos a normalidade mental. Entre a doença e a normalidade temos uma zona fronteiriça, da mesma forma que temos de um lado a noite e do outro lado o dia. Neste caso, a noite pode ser atrelada à doença mental e o dia pode ser vinculado à normalidade. Entre a noite e o dia, temos a aurora, período que não corresponde nem a noite e nem ao dia. Sendo assim, os habitantes dessa zona fronteiriça são os chamados psicopatas, sendo vistos como sujeitos que não são considerados loucos e nem normais. (DR. GUIDO..., 2018).
Diferentemente dos sujeitos dotados de normalidade mental, os loucos são facialmente identificáveis. São aqueles que vivem em outra realidade, fora do mundo conhecido. Muitas vezes estes apresentam comportamentos anormais como alucinações, delírios e problemas de inteligência. Já os psicopatas, por estarem localizados na “zona fronteiriça”, são extremamente difíceis de serem identificados uma vez que vivem no mundo normal e não apresentam comportamentos anormais (PALOMBA, 2003). Para que seja possível identificar um psicopata, deve-se levar em consideração aspectos que envolvam os traços de personalidade, ad exemplo os citados anteriormente, e a ausência de sentimentos.
De uma certa forma, quando você para pra analisar ou mesmo observar as atitudes de um psicopata, eles não expressam suas emoções e de fato não se importam com as pessoas ao seu redor, são muito inteligentes e persuasivos para conseguir alcançar os seus objetivos principais, sejam eles quais forem e aliás, custe o que custar.
O doente mental é o psicótico, que sofre com delírios, alucinações e não tem ciência do que faz. Vive uma realidade paralela. Se matar, terá atenuantes. Já o psicopata sabe exatamente o que está fazendo. Ele tem um transtorno de personalidade. É um estado de ser no qual existe um excesso de razão e ausência de emoção. Ele sabe o que faz, com quem e por quê. Mas não tem empatia, a capacidade de se pôr no lugar do outro (SILVA, 2009).
Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar do outro (SILVA, 2014, p.32).
Um psicopata não adota um único padrão de comportamento; ele se adapta a cada situação, como se usasse uma máscara diferente para alcançar seus objetivos, o que faz com que as pessoas formem impressões variadas sobre sua personalidade. Sua inteligência desempenha um papel crucial em cada movimento, permitindo que ele analise cuidadosamente como abordar e atacar suas vítimas. Detectar um psicopata em nossas interações é desafiador, pois eles costumam ser extrovertidos, fingem emoções, mentem sem qualquer vergonha e não sentem remorso. Capaz de cometer desde fraudes até homicídios, o psicopata age conscientemente, sabendo que suas ações são criminosas, mas determinado a atingir seus objetivos. Vale ressaltar que a psicopatia não é uma doença mental, mas sim um transtorno psicológico.
De acordo com Ana Beatriz Silva em seu livro Mentes Perigosas:
“O termo psicopata pode dar a falsa impressão de que se trata de indivíduos loucos ou doentes mentais. A palavra psicopata literalmente significa doença da mente, no entanto, em termos médicos-psiquiátricos, a psicopatia não se encaixa nessa visão tradicional de doenças mentais. Os Psicopatas em geral, são indivíduos frios, calculistas, dissimulados, mentirosos, que visam apenas o benefício próprio. São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos.”
Hoje em dia percebemos que os estudos voltados para o entendimento da mente criminosa existem desde os tempos longínquos, pois sempre buscaram entender o que os motiva, porque de certa forma os indivíduos que se enquadram nesse perfil tinham/tem atitudes mais agressivas, cruéis do que os considerados cidadãos do bem.

Imagem extraída do livro: “Teste de Rorschach” – Darkside – Página 210
4.1. TRANSTORNO PSIQUIÁTRICO DE PSICOPATIA
Hoje em dia nos deparemos com inúmeros testes que apontam uma personalidade voltada para a psicopatia ou até mesmo indícios voltados para esta personalidade. Os testes para diagnosticar a psicopatia são de grande importância, pois oferecem uma compreensão mais profunda do comportamento e da personalidade de indivíduos que exibem traços psicopáticos. Através deles que são possíveis obter o reconhecimento da imputabilidade ou da semi-imputabilidade, não somente esses exames, mas como também uma prévia instauração do devido incidente relacionado a insanidade combinado com o exame médico legal. Tendo em vista que o Magistrado não possui de fato conhecimentos amplamente técnicos que possam de ali extrair ou concluir a saúde mental do agente, esses testes são de suma importância para nortear e até mesmo auxiliar ao Magistrado a chegar numa conclusão, levando com isso a extrema necessidade da existência de um parecer técnico.
4.2. ESCALA HARE DE PSICOPATIA REVISADA (PCL-R)
A Escala Hare de Psicopatia (PCL-R) é um instrumento amplamente utilizado em nível internacional e validado no Brasil pela psiquiatra Dra. Hilda Morana. O Sistema de Avaliação e Testes Psicológicos (SATESPI) do Conselho Federal de Psicologia aprovou sua utilização. Tal teste tem de fato como objetivo principal detectar uma possível presença de psicopatia no indivíduo para assim conseguir validar o grau de risco que ele possua.
No contexto forense, o conceito de psicopatia é voltado para questões cruciais, como a previsão do risco de reincidência criminal, a viabilidade de reintegração social, a concessão de benefícios penitenciários e outros aspectos esclarecedores.
A Escala Hare foi projetada para avaliar de maneira segura e objetiva o grau de periculosidade e de readaptabilidade à vida comunitária de condenados. Os países que a instituíram apresentaram considerável índice de redução da reincidência criminal. (HARE, 1991)
Sua estrutura engloba 20 itens, que recebem, cada um, 0 (zero), 1 (um) ou 2 (dois) pontos. Assim, seu escore global oscila de 0 (zero) a 40 (quarenta) pontos.
No teste são avaliadas as seguintes características:
Loquacidade / Charme superficial
Superestima (autoestima inflada)
Necessidade de estimulação / Tendência ao tédio
Mentira patológica
Vigarice / Manipulação
Ausência de remorso ou culpa
Insensibilidade afetivo-emocional
Indiferença / Falta de empatia
Estilo de vida parasitário
Descontroles comportamentais
Promiscuidade sexual
Transtornos de conduta na infância
-
Ausência de metas realistas de longo prazo
Impulsividade
Irresponsabilidade
Incapacidade de assumir responsabilidade pelos próprios atos
Excesso de relações conjugais de curta duração
Delinquência juvenil
Revogação da liberdade condicional
Versatilidade criminal
O perfil psicopático é considerando a partir do ponto de corte de 23 pontos, estabelecido pelo instrumento, em amostra e validação brasileira, em conformidade com os critérios científicos e de fidedignidade. (MORANA, 2004).
A identificação precoce de traços psicopáticos permite intervenções mais eficazes, mais precisas, tanto em contextos clínicos quanto legais. Com um diagnóstico detalhado, é possível implementar estratégias para mitigar comportamentos perigosos e evitar que o indivíduo cause danos a si mesmo ou a outrem.
No campo legal, um diagnóstico claro de psicopatia pode orientar decisões sobre responsabilidade criminal e imputabilidade. Isso é crucial para garantir que a justiça seja aplicada de forma equitativa e que os direitos do indivíduo sejam respeitados, ao mesmo tempo em que se protege a sociedade.

Imagem extraída da capa do livro: “Pass The PCL-R” - Abraham Gentry
4.3. TESTE RORSCHACH
Desenvolvido por Hermann Rorschach na década de 1920, mais conhecido popularmente como “o teste das manchas de tintas”. O teste busca ser um instrumento projetivo. Muitos usam a expressão de que o teste consegue decifrar o inconsciente da pessoa. Quando o paciente é confrontado com estímulos ambíguos, ele tende a projetar neles elementos de sua própria personalidade, por isso o teste se torna tão confiável e eficaz. Cada pessoa reage ao estimulo de forma diferente. Não tem uma resposta certa, ou uma resposta errada. A partir dessas reações, um aplicador treinado pode identificar, de forma retroativa, aspectos essenciais da personalidade e da saúde mental do indivíduo avaliado.
Nas décadas de 1950 e 1960, o teste enfrentou críticas em relação à ausência de procedimentos padronizados, que são essenciais para assegurar condições uniformes de aplicação, e de um conjunto de normas que estabeleçam critérios específicos para a avaliação das respostas. Como resposta a essas críticas, o pesquisador americano John Exner desenvolveu o Sistema Compreensivo do Rorschach, uma iniciativa destinada a sistematizar tanto a aplicação quanto a análise dos resultados, com o objetivo de aumentar a confiabilidade e a validade do teste.
Devido ao teste apresentar várias uma quantidade incontestável de invariáveis até hoje o mesmo ainda enfrenta grandes críticas, mas não deixando de ser uma referência em testes utilizados para diagnosticar uma personalidade com traços psicóticos. O teste é realizado através da interpretação de 10 pranchas de manchas de tinta (24cm x 16,5). É necessário ressaltar que o fato de qualquer pessoa já ter visto ou não alguma imagem referente ao teste não interfere na resposta que será analisada quando o mesmo for feito, pois essa prévia exposição não compromete a avaliação.
Diversas teorias foram propostas para explicar como as respostas do Rorschach fornecem dados válidos sobre aspectos psíquicos e os comportamentos observáveis de uma pessoa. No entanto, não há consenso na literatura de uma teoria que tenha apoio de todos os pesquisadores do Rorschach (Hunsley & Bailey, 2001).
A avaliação psicológica busca fornecer dados que orientem as decisões sobre o indivíduo em análise. Frequentemente, são utilizados testes psicológicos para investigar características psicológicas, cognitivas e comportamentais da pessoa avaliada (Rovinski et al., 2018). No contexto forense, é essencial considerar o impacto dos fatores coercitivos na validação dos resultados desses testes.
Com base em que vemos respectivamente em caso concretos em filmes como Watchmen, Máfia no divã, 007 Skyfall e também não menos importante nos casos aqui apontados. Observamos ser um teste que tem efeito decisivo em várias pontuações e decisões. Apesar de apresentar variáveis, assim como tudo ao nosso redor e até mesmo os próprios seres humanos, ao mesmo tempo que ele é aclamado ele é temido. Um teste de extrema importância e que cada vez mais busca ser aprimorado para que suas respostas sejam cada vez mais assertivas. Uma vez que o intuito da qualidade e eficácia do teste se dá a pessoa nunca ter tido contato com as imagens mostradas, ao caso que nem sempre ocorre pois nos dias de hoje com a internet na palma da mão até mesmo uma criança conseguiria de fato ter acesso a essas imagens. Porém, cada indivíduo responde aos desenhos de acordo com as sensações que a sua penalidade transmite. Por isso a tamanha repercussão de suas variáveis e de sua eficácia.
O teste em média tem a duração de 45 minutos, sendo sempre necessário lembrar que cada caso é um caso, ele é usado normalmente para ajudar a justiça, pois o mesmo é realizado quando o individuo tem uma possibilidade em regressão de regime. Porém, para que isso aconteça de fato são realizados inúmeros testes psicológicos dentre os testes utilizados um deles é o Rorschach.
Especula-se várias teorias de se seria ou não possível burlar o Teste de Rorschach, especialistas afirmam que é um ato praticamente impossível. Motivo pelo o qual, ele aborda a análise de mais de 60 variáveis e como de fato cada uma dela se correlaciona entre si, a de se entender que uma pessoa que queira "burlar o sistema" teria que ter uma grande coerência em grande quantidade de informações e detalhes para conseguir escapar de um perfil psicológico propriamente caracterizado a ela. Ou seja, por mais que a pessoa queira mentir ou esconder alguma coisa no ato do teste, ora ou outra o que ela tenta esconder vai aparecer. Seja na resposta que a pessoa tentou camuflar em como característica apresentada em outra pergunta em outra circunstância.

Imagem extraída do livro: “Teste de Rorschach” – Darkside – Página 30