A democracia é, nas palavras de Winston Churchill, “a pior forma de governo, à exceção de todas as outras”. Embora para nós, brasileiros – principalmente aqueles com menos de quarenta anos de idade -, seja comum vivermos sob regime democrático, é necessário que se lute diariamente para sua manutenção. Não basta, portanto, conquistar a democracia, é necessário lutar para mantê-la.
Nos últimos dez anos, países como Mali (2020), Myanmar (2021) e Burkina Faso (2022) perderam suas democracias através de sangrentos golpes de Estado. Contudo, atualmente a democracia não se perde apenas da forma direta e explícita – através de golpes ou autogolpes de Estado, mas também através da dilapidação diuturna do regime democrático, sem que se consiga apontar, precisamente, em qual momento específico se passou a perder a democracia e se tornar um regime autoritário.
Nesses casos, dificilmente se consegue classificar com clareza se o regime vigente é “não democrático” ou “autoritário”, como se conseguia na Alemanha Nazista, no Brasil da Era Vargas ou na Ditadura Militar e hoje em países como Cuba e Coreia do Norte. Permite-se, inclusive, que grupos extremistas contrários ao governo democraticamente eleito criem narrativas fantasiosas de vivência em ditaduras, apenas por serem contrário ao governo.
Vale mencionar que, recentemente, presidentes de países como o Peru (2022) e a Coreia do Sul (2024) utilizaram de dispositivos constitucionais para implementarem regimes de exceção, sendo que os habitantes de tais países somente não perderam o status de democracia por muito pouco.
Da mesma forma, o atual presidente estaduninense Donald Trump invocou uma lei de 1798 para prender ou deportar estrangeiros sumariamente e declarou o interesse em limitar a utilização do Habeas Corpus. Na Turquia, houve a prisão do principal adversário político do Presidente Recep Erdogan, enquanto, na Rússia, houve a prisão de críticos à guerra na Ucrânia.
Além disso, na Rússia, Bielorrússia, Nicarágua e Venezuela já utilizaram de mecanismos legais para afastarem ou prenderem opositores dos atuais mandatários que poderiam lhes vencerem nas eleições. Ou seja, nesses países, até existem eleições, mas não se pode dizer que sejam minimamente democráticas.
Mesmo que os Presidentes dos países autoritários possam ter sido eleitos democraticamente, uma vez à frente do Poder Executivo conseguiram deteriorar as democracias de tais países. Nem mesmo a existência de Constituição ou Poderes Legislativo e Judiciário inibem a perda da democracia, pois basta que todos sejam emparelhados ou enfraquecidos perante o regime ditatorial.
O próprio Adolf Hitler, ao fracassar no Putsch de Munique em 1923 e ser preso, escreveu em seu livro Mein Kamph – base do futuro regime nazista – que o melhor caminho para se destruir uma democracia é através do próprio regime democrático. Não à toa uma vez empossado Chanceler em 1933, a Alemanha perdeu sua democracia em apenas seis semanas, sem precisar dar um golpe de Estado - apenas utilizando de leis de exceções para se obter mais poderes.
Para se impedir a corrosão da democracia, o país precisa criar mecanismos constitucionais para evitar que um mandatário corroa o regime democrático e os direitos e garantias fundamentais.
É importante inexistir formas de autogolpes nas Constituições de cada país, como ocorreram recentemente no Peru e na Coreia do Sul. Da mesma forma, é necessária a prevenção de retirada de direitos e garantias fundamentais da população, como nos Estados Unidos.
O Brasil, por exemplo, atualmente já veda cassar os direitos políticos das pessoas – exceto nas hipóteses do artigo 15 da Constituição Federal -, bem como transformou os direitos fundamentais em patamar supraconstitucional, sendo que suas restrições (em caso de estado de defesa ou de sítio) são momentâneas e com autorização do Poder Legislativo.
Ademais, apesar de Montesquieu ter desenvolvido a separação dos Três Poderes, visando a implosão do regime absolutista monárquico, atualmente entendemos que a mera existência dos Três Poderes não é mais suficiente para se prevenir o autoritarismo.
É necessário que haja novas separações de Poderes, visando diminuir o poder do chefe do Poder Executivo. Órgãos de fiscalização como Tribunal de Contas ou Ministério Público devem ser independentes, sem interferência política. Partidos políticos de espectros políticos não radicais não podem ser banidos. O povo deve ter controle maior acerca das legislações promulgadas – principalmente as que criminalizam condutas ou restringem ações -, bem como ter força suficiente para retirar seus mandatários.
Existem formas de prevenção dos regimes democráticos. Com o avanço de pensamentos e grupos extremistas, é dever de todos a criação de mecanismos que previnem a perda do regime democrático, enquanto o mesmo não ocorra. Ainda que, num primeiro momento, pareça distante da realidade de determinados países, como o Brasil, é importante rememorar que países altamente democráticos perderam ou quase perderam suas democracias em um piscar de olhos, então todo cuidado é pouco. Antes que, de fato, a democracia daquele país desapareça.