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Revisão do dano moral.

Por que reparar só em dinheiro?

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07/07/2008 às 00:00
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5 – JURISPRUDÊNCIA SOBRE DANOS MORAIS

Diariamente o Poder Judiciário decide processos sobre Dano Moral, estimando-se que em São Paulo pelo menos 30% dos processos novos possuem pedido de Dano Moral.

A título de exemplo, examinemos dois julgamentos que a nosso ver, demonstram a inadequação da reparação pecuniária do dano moral.

O primeiro é um caso julgado pelo Superior Tribunal Justiça, em Brasília (RESP 685344-MA-3ª, Turma-unânime, Rel. Min. Castro Filho, 16.8.05). Tratava-se de um Juiz que se sentiu ofendido em sua honra, pois foi incluído indevidamente com o integrante de uma "quadrilha" de indenizações" que vendia sentenças julgando sempre contra os Bancos, tendo a Febraban divulgado o nome dele indevidamente pela imprensa. A Febraban foi condenada no STJ a pagar 21.600 salários mínimos ao Juiz, ou seja, o valor na época correspondente a 6,48 milhões de reais. No V. Acórdão o STJ justificou o valor da indenização assim: "Em que pese o grau de subjetivismo que envolve o tema da fixação da reparação, vez que não existem critérios determinados e fixos para quantificação do dano moral, tem-se pronunciado esta Corte no sentido de que a reparação do dano não pode vir a constituir-se em enriquecimento indevido, mas de outro lado, há de ser fixada em montante que desestimule o ofensor a repetir o ato cometido".

Certamente a quantia arbitrada, de mais de 6 milhões, um Juiz ou qualquer outro profissional do Direito, muito dificilmente, vai ganhar em toda sua vida! Será mesmo que isso não é enriquecimento indevido? Não sabemos em que momento o STJ vai achar que existirão critérios determinados e fixos para precificar o dano moral. O que é subjetivo é subjetivo, não pode ser objetivo. O dano subjetivo deve ser reparado pelos meios subjetivos. Esse Juiz poderia receber um tratamento psicológico, custeado pelo ofensor, para curar as dores psíquicas que sofreu com a falsa acusação. Então, parece arbitrária essa condenação pecuniária, não tem base em nada. Pode ser isso como pode até ser mais do que isso. De outro lado, essa imensa penalidade pecuniária aplicada ao ofensor para desestimulá-lo, longe de ser eficiente, vai apenas estimular que outros ofendidos pleiteiem a mesma quantia. Os caso de danos morais continuam se repetindo. Não é a "pena de morte econômica" ou a agressão ao patrimônio do ofensor, que vai acabar com os casos de dano moral,mas sim a educação social e moral de todos.Se for mantido o sistema de indenização em dinheiro,por que não destinar esse dinheiro das indenizações morais a um Fundo Social de Educação Moral,que promoveria cursos e atividades voltadas a divulgação da ética e da moral no Brasil?Não seria esse um modo melhor de moralizar nossa sociedade, de educar os cidadãos sobre o dever de preservar a moral?

Outro caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. (Ap Civ. 2003.001.22359, RJ, 15aCC, unan. 12.11.03). Tratava-se de microempresa que teve indevidamente protestado duplicata, no valor irrisório de R$ 138,61. A empresa que protestou foi condenada em danos morais no valor de 200 salários-mínimos, hoje equivalente a R$ 83.000,00 (!!!!!). Sendo microempresa, sabe-se que fatura até no máximo R$ 240.000,00 por ano. Ou seja, essa indenização equivale a 1/3 do faturamento da empresa, por um protesto de R$ 138,61!!!

Dificilmente a microempresa ganharia isso de lucro durante o ano. Qual a justificação para essa reparação? O V. Acórdão assim declarou: "O quanto da indenização está estabelecido em valor razoável, dada a gravidade de uma negativação para uma empresa, mas não merece elevação, pois não pode ser fonte de ilícito enriquecimento". Não houve nenhum laudo de avaliação do faturamento da empresa, ou sobre sua capacidade econômica e afins. Não houve nenhum dado objetivo para saber o que é valor razoável em dinheiro. Tudo foi feito ao arbítrio dos julgadores, sem apoio em dados patrimoniais nenhum. Justiça não pode ser arbitrária e assim no mínimo, nesses casos, teria de ser amplamente discutido o valor do razoável já que o não patrimonial está sendo transformado em patrimonial. O Direito é avesso ao arbítrio. Já que se quer indenizar a moral em dinheiro pelo menos que se o faça de forma balanceada. Mas não, na maioria dos casos se julga exatamente como nos exemplos apontados acima, sem base nenhuma, em dados econômicos nenhum.

Casos julgados devem ser respeitados, mas nem por isso deixa de causar estranheza o modo como estão sendo julgados. É freqüente que os próprios julgadores mudem de entendimento e isso precisa ser feito em matéria de Dano Moral.

Enquanto isso se fala, pública e notoriamente, em indústria do dano moral, pois o valor das indenizações tem chegado a patamares muito acima do que alguém pode ganhar em sua vida. No entanto, a moral continua em franca baixa na nossa sociedade.

Infelizmente, a jurisprudência pátria continua caminhando no sentido de só dar indenização em dinheiro para, pretensamente, curar a dor psíquica. Sirvam esses exemplos para que todos os operadores do direito revisem os conceitos jurisprudenciais vigentes e lutem por outros modos de reparação do dano moral.


6 - CONCLUSÃO: POR QUE REPARAR O DANO MORAL SÓ EM DINHEIRO?

Concluindo, mais uma vez, de modo enfático: o dano moral pertence ao campo da ética e o dinheiro ao campo da lógica. Assim sendo, o dano moral deve ser reparado pelos meios morais, e não pelos meios monetários, para não se confundir categorias distintas, como se o dinheiro tivesse o poder de restabelecer a moral.

No Direito Brasileiro houve um esquecimento quase total de outras formas de reparação, que não sejam monetárias. Isso talvez a demonstre o momento cultural e social e político em que vivemos, onde ganhar dinheiro, levar vantagem de qualquer forma, inclusive através do Judiciário se tornou um comportamento rotineiro.

No entanto, o tão citado prof.Carlos Alberto Bittar, na sua clássica obra, já ensinava sobre a reparação do dano moral que "admitem-se, nesse campo, conforme a natureza da demanda e repercussão dos fatos, várias formas de reparação, algumas expressamente contempladas em lei, outras implícitas no ordenamento jurídico positivos, como; a realização de certo ato, como a de retratação que, acolhida, pode satisfazer o interesse lesado (lei 5250/67, arts. 29 e 30); o desmentido, ou retificação de notícia injuriosa, nos mesmos termos, a contrapropaganda, em casos de publicidade enganosa ou abusiva (lei 8.078/90, art.60); a publicação gratuita de sentença condenatória (lei 8.078/90, art.68). (Bittar, 1992, 218).

No mesmo sentido o insigne jurista Ponte de Miranda: "O dano moral se repara pelo ato que o apague (e.g. retratação do caluniador ou do injuriante, casamento da mulher deflorada) ou pela prestação do que foi considerado como reparador" (Pontes de Miranda, 1992,218).

Por que nossos julgadores, por que nossos Tribunais se esqueceram disso? Por que estão convertendo quase todo dano moral em dinheiro?

Parece que houve uma anestesia geral no pensamento jurídico, na doutrina, na jurisprudência, com a aceitação exclusiva do dano moral em dinheiro. Talvez o Brasil seja um dos únicos sistemas jurídicos do mundo que converteu só em dinheiro o dano moral. Nunca antes na história do nosso sistema jurídico isso tinha ocorrido. Os meios de comunicação têm noticiado frequentemente esse assunto e, a título de exemplo, houve até numa reportagem que publicou uma Tabela de Preços para indenizar o Dano Moral, por exemplo; assédio moral R$ 600 a 90.000 reais, revista vexatória no emprego, 3 a 15 mil reais e assim por diante (vide "Prejudicou Pagou", Veja 24.8.2005, pág.114/115).

Nessa mesma reportagem, divulgou-se que o STJ em 1993 tinha só 28 processos por danos morais e em 2005 já recebia quase 1.000 por mês, ou seja, 12.000 por ano!

O comércio do dano moral está crescendo a cada dia que passa e a vida moral da nação, a corrupção em geral, ao que consta, continua igual ou pior.

Por isso, cada caso de reparação deve ser estudado minuciosamente pelos juízes, com a ajuda de psicólogos, sociólogos e com profissionais de outras áreas, de modo interdisciplinar, visando avaliar de modo amplo e prudente, como se pode reparar o dano moral sofrido.

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Para Pessoas Jurídicas, a questão não deve ser tratada como dano moral, apesar da posição em contrário do STJ. Não se pode equiparar pessoa física com pessoa jurídica, pois a pessoa jurídica é criação da ordem jurídica, não tem vida biológica, a equiparação é equivocada.

Para Pessoas Jurídicas, o tratamento adequado será basicamente o de indenizar o dano material, pois o efeito da constituição de uma Pessoa Jurídica é a separação do patrimônio para o exercício de uma atividade. Não há vida psíquica na pessoa jurídica, independente dos sócios e participantes, estes sim dotados da energia biológica vital.

Para os casos de injúria, calunia ou difamação, cometidos por violação da lei de imprensa, a reparação deve ser por desagravo, publicação de retratação e pelos meios criminais, como sempre foi antes de ser abandonada a parte criminal e incentivada as ações de reparação civil, certamente por serem mais compensadoras, na medida em que podem se transformar em ganho monetário, inclusive para os advogados das partes.

Outra forma adequada de resolver conflitos de Dano Moral é através da Mediação. Na Mediação as partes se comunicam, vão examinar, com a ajuda de um Mediador, as causas dos problemas, os aspectos subjetivos e emocionais, de modo que possam se auto-compor e achar o modo mais propício de encontrar uma terapia para o vínculo conflitivo.

Parece evidente nesses casos, de um modo geral, a contradição do argumento dos que defendem a indenização em dinheiro, ou seja, patrimonial, para punir o autor do dano, condenando-o a uma espécie de segunda pena pecuniária. O dano moral não é para reparar a dor da vitima? Ou é para punir pecuniariamente o autor? Para casos de punição existe o Código Penal. O direito brasileiro está penalizando o patrimônio das pessoas físicas e também jurídicas, sem previsão legal, ao arbítrio do julgador.

O que não se pode é aceitar que a Moral seja sempre tratada com objeto do desejo pecuniário como está acontecendo no Brasil, há muitos anos.

O ilustre professor e jurista baiano Calmon de Passos, em pioneiro, memorável e lúcido artigo "O imoral nas indenizações por dano moral", cuja leitura se recomenda aos que ainda acreditam na ética, criticou, visceralmente, a mercantilização dos danos morais.

Fazemos nossas as palavras do sábio mestre do direito:

"Quando a moralidade é posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para fora no momento em que bem nos convier. E justamente porque a moralidade se fez algo descartável e de menor importância no mundo de hoje, em que o relativismo, o pluralismo, o cinismo, o ceticismo, a permissividade e o imediatismo têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria que também se objetivar para justificar-se numa sociedade tão eticamente frágil e indiferente. O ético deixa de ser algo intersubjetivamente estruturado e institucionalizado, descaracterizando-se como reparação de natureza moral para se traduzir em ressarcimento material, vale dizer o dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra e aos outros valores éticos, sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente enxovalhado." (Revista Jus Navigandi, 2002, www.jus.com.br).

É preciso que se faça uma revisão da desastrosa maneira com que doutrinadores e jurisprudência vêm tratando a matéria do dano moral que se tornou, sem dúvida, uma rendosa indústria de indenizações pecuniárias. É um momento sério que exige a reflexão dos psicólogos, dos juristas, dos mediadores, dos políticos, enfim, de todos. Estamos restabelecendo a moral? Ou apenas tolerando o dano moral em nome do dinheiro?

Com esta reflexão estamos tentando contribuir para a revisão do pensamento jurídico nesse assunto e conclamando todos, em especial os operadores do Direito, as Associações de Classe, a OAB, ONGs, legisladores, juízes, mediadores, conciliadores, professores, promotores, governantes e demais interessados, a sentirem o grave equívoco que existe na abordagem do Dano Moral. É preciso modificar o modo de reparar o do Dano Moral, para o bem da sociedade, para recolocar a Moral em seu devido lugar, sem substituí-la pelo dinheiro.


BIBLIOGRAFIA CITADA

BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil Por Danos Morais. São Paulo: RT, 1992.

BUITONI, Ademir. O Direito na Balança da Estabilização Econômica. São Paulo: LTR, 1997.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

JANSEN, Letácio. A Face Legal do Dinheiro. RJ: Renovar, 1991.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 70. ed. Lisboa: 1988.

LIMA, Jeremias Ferraz. Psicanálise do Dinheiro, RJ, Manau, 1996.

MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Malheiros, 1983.

PASSOS, J.J. Calmon de. O Imoral nas Indenizações de Dano Moral. Bahia: Rev. Jus Navegandi, 2002.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, 2ª. Ed.Rio de Janeiro: Borsói, 1958.

PIERCE, Charles Sanders. Semiótica. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1990.

RIVOIRE Jean. História da Moeda, Lisboa, Ed. Teorema, 1985.

RODRIGUES, Silvio. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.

SILVA, Américo Luis Martins da. O Dano Moral e a sua Reparação Civil. São Paulo: Rev.dos Tribunais, 2002.

SILVA, Wilson Melo. O Dano Moral e sua Reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1955.

SIMMEL, Georg. Philosophie de l`argent. Paris: PUF, 1987.

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Sobre o autor
Ademir Buitoni

advogado e mediador em São Paulo, doutor em Direito Econômico pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUITONI, Ademir. Revisão do dano moral.: Por que reparar só em dinheiro?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1832, 7 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11416. Acesso em: 22 dez. 2024.

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