O Brasil enfrenta, há décadas, os efeitos devastadores do narcotráfico em sua segurança pública, economia e estrutura social. Em paralelo ao avanço do tráfico de drogas, consolidou-se uma perigosa vertente cultural conhecida como narcocultura – um conjunto de símbolos, músicas, atitudes e narrativas que exaltam a vida do crime, especialmente a figura do traficante como ícone de poder, riqueza e respeito. Tal fenômeno esbarra diretamente na legislação penal brasileira, especialmente no crime de apologia ao crime ou criminoso, previsto no artigo 287 do Código Penal. Este artigo discute a expansão da narcocultura no Brasil, seus impactos sociais e jurídicos, e o desafio de combater a apologia ao crime em tempos de redes sociais e influenciadores digitais.
A narcocultura consiste na glorificação de práticas criminosas ligadas ao tráfico de drogas, por meio de manifestações culturais como músicas (funk, trap e outros gêneros), filmes, séries, vestimentas e posturas que romantizam o crime. Essa cultura não apenas legitima a figura do traficante como também a torna desejável, principalmente em comunidades carentes onde o Estado é ausente e o tráfico ocupa funções sociais.
Figuras que ostentam armas, dinheiro e carros de luxo, em conteúdos públicos, muitas vezes ganham status de ídolos. Essa normalização contribui para a formação de jovens que veem no tráfico uma possibilidade de ascensão social, diante da falta de oportunidades legítimas.
De acordo com o art. 287 do Código Penal Brasileiro, comete crime quem "fizer publicamente apologia de fato criminoso ou de autor de crime". Trata-se de uma infração penal que visa coibir manifestações públicas que incentivem, glamurizem ou justifiquem delitos, seja por meio de falas, músicas, vídeos ou redes sociais.
No contexto da narcocultura, essa fronteira entre liberdade de expressão e apologia torna-se nebulosa. Um exemplo frequente são letras de músicas que citam traficantes como "heróis" ou narrativas que mostram confrontos com a polícia como gestos de bravura. Embora a arte tenha um papel de denúncia social, quando passa a incitar práticas criminosas ou reverenciar indivíduos envolvidos com o tráfico, pode configurar crime.
Com a popularização de plataformas como YouTube, TikTok e Instagram, a narcocultura ganhou um canal direto com a juventude. Influenciadores ligados ao crime ostentam armas e dinheiro, divulgam "modus operandi" e até conselhos sobre o tráfico. Alguns se escondem atrás da suposta ficcionalidade ou "liberdade artística" para escapar de sanções legais.
O Ministério Público e as polícias têm atuado para coibir essas manifestações, mas encontram dificuldades, seja pela falta de regulamentação adequada das plataformas, seja pelo volume de conteúdo publicado diariamente.
É preciso reconhecer a diferença entre manifestações culturais legítimas e aquelas que ultrapassam os limites legais. A crítica à desigualdade social ou à violência do Estado é válida e importante, mas não pode ser confundida com a glorificação do crime. A responsabilização penal deve ser criteriosa para não gerar censura indevida, mas também não pode ser omissa diante da influência nociva da narcocultura.
A narcocultura representa um desafio complexo ao Estado brasileiro, pois envolve elementos culturais, sociais e jurídicos. O combate à apologia ao crime deve ser firme, mas equilibrado, respeitando os limites constitucionais da liberdade de expressão. A atuação integrada entre o sistema de justiça, a educação e a sociedade civil é essencial para desarticular essa cultura de exaltação ao crime e promover valores que incentivem a cidadania, o trabalho e o respeito à lei. Afinal, a verdadeira ascensão social não pode ser construída sobre os alicerces do crime.