Capa da publicação Nacionalidade portuguesa: governo quer endurecer regras

O que muda com a reeleição em Portugal e avanço da ultradireita?

Um olhar atento sobre os impactos na imigração, nacionalidade e economia

04/06/2025 às 18:06
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Portugal quer dobrar o tempo mínimo de residência legal para concessão de nacionalidade. Mudança afetará imigrantes, exigindo estrutura estatal mais eficiente.

A recente reeleição do governo português, apoiado pela Aliança Democrática (AD), traz consigo uma série de reflexões necessárias — especialmente para aqueles que, como eu, acompanham há décadas os movimentos políticos, sociais e jurídicos que moldam a vida de quem escolhe Portugal como lar.

Nunca foi tão importante entender como a política interna impacta diretamente a vida de cidadãos estrangeiros, imigrantes e descendentes de portugueses espalhados pelo mundo.

A eleição revelou um dado que, por si só, já merece atenção: o crescimento expressivo da extrema direita, representada pelo partido Chega, que hoje detém praticamente o mesmo número de eleitos que o PS (Partido Socialista) na Assembleia da República. Ainda assim, o eleitorado optou por dar continuidade ao governo, liderado por Luís Montenegro, numa clara tentativa de manter a governabilidade e buscar estabilidade num cenário de crescente polarização.

Entre os pontos que mais preocupam, está a proposta — já ventilada durante a campanha e reforçada após a eleição — de endurecimento das regras para aquisição da nacionalidade portuguesa. A principal mudança seria o aumento do tempo mínimo de residência legal no país, que passaria dos atuais cinco para dez anos para que um estrangeiro possa solicitar a nacionalidade.

Essa alteração não é apenas burocrática. Ela carrega consigo um impacto social profundo, especialmente para cidadãos de países lusófonos como o Brasil, que historicamente mantêm laços estreitos com Portugal. Trata-se de uma mudança que pode, na prática, dificultar ainda mais o processo de integração de imigrantes que vivem, trabalham, estudam e contribuem para o desenvolvimento da sociedade portuguesa.

Além disso, há indicativos de que outras vias de acesso à nacionalidade também poderão ser revistas. Por exemplo, casamentos e uniões estáveis com portugueses, que hoje permitem a naturalização em prazos relativamente curtos, poderão ser afetados com exigências mais rígidas e prazos ampliados.

Sou defensora de uma política migratória responsável, que incentive a legalidade, o planejamento e o respeito às leis. No entanto, uma política migratória mais severa exige, obrigatoriamente, uma administração pública mais eficiente.

Hoje, isso está longe de ser a realidade. A Agência para a Imigração e Mobilidade (AIMA), que substituiu o antigo SEF, enfrenta atrasos crônicos, dificuldade de agendamento e uma sobrecarga que leva muitos imigrantes a recorrer à via judicial para obter direitos básicos, como a emissão do título de residência.

Endurecer as regras sem garantir que o próprio Estado tenha condições operacionais de cumprir sua parte é, no mínimo, irresponsável. Não se pode transferir todo o peso do rigor burocrático para o cidadão, sem oferecer uma estrutura pública capaz de dar respostas ágeis, seguras e eficientes.

As promessas de campanha incluem o combate à escalada dos preços no mercado de habitação e a busca por maior estabilidade econômica. São temas urgentes. O custo de vida em Portugal não para de subir desde o período pós-pandemia, e isso afeta tanto portugueses quanto estrangeiros.

O governo precisará encontrar um equilíbrio difícil: atender às demandas da população local, que pede controle sobre a imigração e melhoria dos serviços públicos, sem fechar as portas para aqueles que desejam, legitimamente, construir uma vida no país dentro da legalidade.

No campo externo, acredito que Portugal continuará alinhado às diretrizes da União Europeia, especialmente no que se refere à segurança de fronteiras e aos acordos internacionais. Mas a relação com os países lusófonos, que sempre foi um diferencial da diplomacia portuguesa, pode sofrer abalos se a política migratória endurecer além da conta.

O risco real desse novo ciclo não está apenas na polarização política, mas no colapso da máquina pública. Se os serviços básicos não funcionarem — e aqui incluo diretamente a AIMA —, não haverá rigidez legal que se sustente sem gerar frustração, desgaste e judicialização em massa dos processos.

Para que este governo consiga atravessar o mandato com sucesso, será preciso mais do que discurso. É fundamental investir seriamente na modernização dos serviços públicos, garantir a funcionalidade dos processos migratórios, combater de forma efetiva a crise habitacional e oferecer respostas reais para os desafios econômicos e sociais que afetam a população.

Portugal é, historicamente, uma nação de imigrantes. Fechar portas ou criar barreiras desproporcionais nunca foi — e não deve ser — o caminho. Regulamentar com responsabilidade, sim. Mas sem perder de vista que, na base de cada processo, há vidas, projetos, famílias e sonhos.

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Sobre a autora
Luciane Tomé

Advogada graduada pela Universidade Mackenzie, especializada em direito da nacionalidade pela Universidade Nova de Lisboa e pós-graduada em administração e marketing pela Universidade Gama Filho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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