Capa da publicação Corrupção e nepotismo: o teatro do poder
Capa: Sora

O teatro da política e a flexibilização do caráter

10/06/2025 às 22:54

Resumo:


  • A política brasileira é marcada por discursos éticos e promessas de transformação, porém frequentemente revela-se como um teatro onde o caráter é flexibilizado em prol da perpetuação no poder.

  • A prática do nepotismo, favorecimento ilícito e corrupção estrutural contaminam o jogo político, desrespeitando princípios constitucionais e normas de probidade.

  • A legislação brasileira, como a Constituição Federal, a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei Anticorrupção, busca combater essas práticas, mas a efetividade depende de instituições fortes e vigilância da sociedade civil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Como o nepotismo e a corrupção desafiam a ética pública na política brasileira? O artigo analisa a violação de normas constitucionais e leis de probidade.

Resumo: A política brasileira, muitas vezes mascarada por discursos éticos e promessas de transformação, revela-se palco de um verdadeiro teatro onde o caráter é frequentemente flexibilizado em nome da perpetuação no poder. Este artigo propõe uma análise crítica e jurídica sobre como o jogo político se contamina pela prática do nepotismo, do favorecimento ilícito e da corrupção estrutural, desrespeitando princípios constitucionais e normas de probidade. A pesquisa ancora-se na Constituição Federal, na Lei de Improbidade Administrativa, na Lei Anticorrupção, na Lei das Estatais, na Convenção de Mérida e em entendimentos sumulados, como a Súmula Vinculante nº 13 do STF. A conclusão propõe um despertar da consciência nacional diante do apodrecimento moral travestido de normalidade institucional.

Palavras-chave: Política, Nepotismo, Corrupção, Ética Pública, Lei de Improbidade, Convenção de Mérida, Administração Pública.


INTRODUÇÃO

O jogo da política é previsível e cíclico. No seu início, o candidato veste a máscara da moralidade: aperta as mãos de todos, promete respeito à coisa pública, combate ao nepotismo, transparência nos contratos, valorização dos servidores, saúde de qualidade, escolas bem equipadas e uma infraestrutura digna. Apresenta-se nas redes sociais como paladino da moralidade, jurando romper com a farra do dinheiro público e com os vícios de gestões anteriores.

Mas, tão logo se veem vitoriosos nas urnas, os mesmos se deixam envolver pelo sistema que juraram destruir. Os compromissos de campanha dão lugar a acordos obscuros. A “nova política” rapidamente se amolda às práticas da velha: surgem apadrinhamentos, contratos com empresas de reputação duvidosa, gastos desproporcionais com itens supérfluos, e o retorno do círculo vicioso de poder — desta vez, com nova roupagem.


DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A liberdade de expressão, baluarte das sociedades democráticas, não é mera faculdade, mas um direito fundamental consagrado no artigo 5º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil, em perfeita simbiose com o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos — o Pacto de San José da Costa Rica — incorporado ao ordenamento jurídico nacional por meio do Decreto nº 678/1992.

Erigida à condição de direito de primeira geração, a liberdade de expressão encontra eco na própria história da humanidade, representando o grito ancestral pela emancipação da consciência e pela resistência ao silêncio imposto pelo autoritarismo. Em consonância com a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, esse direito transcende fronteiras e proclama, em uníssono, que a palavra é o primeiro bastião contra a tirania.

Silenciá-la é calar a alma de um povo. Protegê-la é manter acesa a chama da democracia constitucional. E nessa toada, cabe ao Estado não apenas respeitá-la, mas garanti-la com vigor, mesmo diante das vozes dissonantes, pois é no dissenso que a liberdade verdadeiramente se revela.


ANÁLISE CRÍTICA

A corrupção administrativa não é um fenômeno isolado nem exclusivamente moral, mas jurídico, estrutural e cultural. A Constituição Federal de 1988, no art. 37, caput, impõe os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Entretanto, esses pilares são ignorados diante da prática recorrente do favorecimento político e do uso privado do aparato estatal.

A Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal é clara ao vedar o nepotismo, mas ainda assim gestores públicos encontram subterfúgios para driblar o seu conteúdo normativo, nomeando parentes ou indicados de aliados por meio de brechas técnicas ou jurídicas. A “flexibilização do caráter” é, na prática, uma transgressão da moralidade administrativa travestida de legalidade aparente.

A Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) fornecem os instrumentos necessários para a repressão dos atos ímprobos e lesivos ao erário. A primeira prevê sanções civis severas, enquanto a segunda introduz a responsabilização objetiva de pessoas jurídicas. No entanto, a efetividade dessas normas depende de instituições fortes, de uma imprensa vigilante e de uma sociedade civil ativa.

A Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) também tenta blindar a administração indireta contra ingerências políticas nefastas, exigindo critérios técnicos para nomeações e licitações. Contudo, muitas vezes essa norma é ignorada ou manipulada nos bastidores por meio de interpretações convenientes.

A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), ratificada pelo Brasil, clama por integridade, transparência e responsabilização. O Estado brasileiro, como signatário, tem o dever internacional de adotar medidas para prevenir e punir atos de corrupção, inclusive no campo eleitoral e nas nomeações públicas.

É nesse cenário que o “poder da política” transforma o caráter humano, promovendo uma gradual erosão da consciência ética, onde o vício vira norma e o imoral se torna aceitável sob a luz do pragmatismo político. A corrupção, nesse contexto, não é apenas desvio de dinheiro, mas desvio de humanidade.


CONCLUSÃO

Ao observarmos a trajetória de tantos gestores públicos, resta evidente que o verdadeiro projeto de muitos não é a cidade, o povo ou a justiça — é o poder. A política, quando divorciada da ética, deixa de ser instrumento de bem comum e se transforma em mecanismo de perpetuação de privilégios.

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Como espectros de um teatro macabro, muitos gestores encenam com perfeição seus papéis de heróis durante a campanha, mas bastam os holofotes do poder para revelarem sua real face: atores da desonra, protagonistas da impunidade.

A corrupção não começa no contrato superfaturado, mas na primeira promessa não cumprida. Não é apenas a falha de um sistema jurídico, mas o reflexo de uma sociedade que se habituou a conviver com a mentira como método. É preciso romper com essa lógica. Urge refundar o caráter da República, reerguer os alicerces morais da gestão pública e lembrar que o verdadeiro poder não corrompe, apenas revela a essência de quem o detém.

E assim, que a política deixe de ser o palco da farsa e volte a ser o templo da justiça, onde a ética habita e o povo, enfim, seja soberano.

Eis o teatro da política partidária, onde a esperança é encenada e a ética é assassinada em praça pública. A cortina se abre com promessas de redenção, e o povo, crédulo, aplaude o messias da vez — aquele que, de paletó e discurso inflamado, jura extirpar os vícios da velha ordem. Mas bastam os primeiros aplausos do poder para que as palavras ditas em tom de compromisso se tornem ecos dissonantes de um passado incômodo. O herói de ontem torna-se cúmplice do sistema que jurou combater. A caneta, antes símbolo de mudança, converte-se em instrumento de traição.

Assim, o discurso moral, inflamado de virtudes, rende-se às tentações do compadrio, da troca de favores, das licitações viciadas, da nomeação de parasitas em cargos de confiança. A lógica da politicagem suplanta o ideal republicano. Instala-se o consórcio da vergonha: contratos obscuros, secretarias loteadas, famílias inteiras transformadas em estruturas de governo. A cidade — outrora prometida como reduto de dignidade — afunda no pântano da conveniência.

É a consagração da farsa: quem subiu no palanque como salvador desce as escadas do poder como réu do próprio caráter. E nessa marcha apodrecida, o que se revela é a mais grotesca contradição: o político que vociferava contra o sistema, hoje o alimenta com a alma vendida e os bolsos cheios. O caráter, antes proclamado como inegociável, foi rifado em troca de cargos e contratos. O poder, esse velho corruptor de intenções, mostra novamente sua face nojenta — e o povo, uma vez mais, sangra em silêncio.

No final, resta apenas o aviso eterno gravado nas paredes da história: quem se curva ao sistema se perde na infâmia. E quem vende o caráter para governar, governa sem honra e será lembrado como traidor da esperança.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.

BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 jun. 1992.

BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 ago. 2013.

BRASIL. Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 jul. 2016.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Viena: Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime, 2003. Ratificada pelo Brasil em 15 de junho de 2006.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula Vinculante nº 13. A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, viola a Constituição Federal.

FILGUEIRAS, Fernando. Corrupção, democracia e legitimidade: uma análise da política brasileira contemporânea. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 29, n. 84, 2014.

PRADO, Mariana Mota. O combate à corrupção no Brasil: desafios e perspectivas. Revista Direito GV, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 179–202, jan./abr. 2019.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

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