Resumo: A política brasileira, muitas vezes mascarada por discursos éticos e promessas de transformação, revela-se palco de um verdadeiro teatro onde o caráter é frequentemente flexibilizado em nome da perpetuação no poder. Este artigo propõe uma análise crítica e jurídica sobre como o jogo político se contamina pela prática do nepotismo, do favorecimento ilícito e da corrupção estrutural, desrespeitando princípios constitucionais e normas de probidade. A pesquisa ancora-se na Constituição Federal, na Lei de Improbidade Administrativa, na Lei Anticorrupção, na Lei das Estatais, na Convenção de Mérida e em entendimentos sumulados, como a Súmula Vinculante nº 13 do STF. A conclusão propõe um despertar da consciência nacional diante do apodrecimento moral travestido de normalidade institucional.
Palavras-chave: Política, Nepotismo, Corrupção, Ética Pública, Lei de Improbidade, Convenção de Mérida, Administração Pública.
INTRODUÇÃO
O jogo da política é previsível e cíclico. No seu início, o candidato veste a máscara da moralidade: aperta as mãos de todos, promete respeito à coisa pública, combate ao nepotismo, transparência nos contratos, valorização dos servidores, saúde de qualidade, escolas bem equipadas e uma infraestrutura digna. Apresenta-se nas redes sociais como paladino da moralidade, jurando romper com a farra do dinheiro público e com os vícios de gestões anteriores.
Mas, tão logo se veem vitoriosos nas urnas, os mesmos se deixam envolver pelo sistema que juraram destruir. Os compromissos de campanha dão lugar a acordos obscuros. A “nova política” rapidamente se amolda às práticas da velha: surgem apadrinhamentos, contratos com empresas de reputação duvidosa, gastos desproporcionais com itens supérfluos, e o retorno do círculo vicioso de poder — desta vez, com nova roupagem.
DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A liberdade de expressão, baluarte das sociedades democráticas, não é mera faculdade, mas um direito fundamental consagrado no artigo 5º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil, em perfeita simbiose com o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos — o Pacto de San José da Costa Rica — incorporado ao ordenamento jurídico nacional por meio do Decreto nº 678/1992.
Erigida à condição de direito de primeira geração, a liberdade de expressão encontra eco na própria história da humanidade, representando o grito ancestral pela emancipação da consciência e pela resistência ao silêncio imposto pelo autoritarismo. Em consonância com a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, esse direito transcende fronteiras e proclama, em uníssono, que a palavra é o primeiro bastião contra a tirania.
Silenciá-la é calar a alma de um povo. Protegê-la é manter acesa a chama da democracia constitucional. E nessa toada, cabe ao Estado não apenas respeitá-la, mas garanti-la com vigor, mesmo diante das vozes dissonantes, pois é no dissenso que a liberdade verdadeiramente se revela.
ANÁLISE CRÍTICA
A corrupção administrativa não é um fenômeno isolado nem exclusivamente moral, mas jurídico, estrutural e cultural. A Constituição Federal de 1988, no art. 37, caput, impõe os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Entretanto, esses pilares são ignorados diante da prática recorrente do favorecimento político e do uso privado do aparato estatal.
A Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal é clara ao vedar o nepotismo, mas ainda assim gestores públicos encontram subterfúgios para driblar o seu conteúdo normativo, nomeando parentes ou indicados de aliados por meio de brechas técnicas ou jurídicas. A “flexibilização do caráter” é, na prática, uma transgressão da moralidade administrativa travestida de legalidade aparente.
A Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) fornecem os instrumentos necessários para a repressão dos atos ímprobos e lesivos ao erário. A primeira prevê sanções civis severas, enquanto a segunda introduz a responsabilização objetiva de pessoas jurídicas. No entanto, a efetividade dessas normas depende de instituições fortes, de uma imprensa vigilante e de uma sociedade civil ativa.
A Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) também tenta blindar a administração indireta contra ingerências políticas nefastas, exigindo critérios técnicos para nomeações e licitações. Contudo, muitas vezes essa norma é ignorada ou manipulada nos bastidores por meio de interpretações convenientes.
A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), ratificada pelo Brasil, clama por integridade, transparência e responsabilização. O Estado brasileiro, como signatário, tem o dever internacional de adotar medidas para prevenir e punir atos de corrupção, inclusive no campo eleitoral e nas nomeações públicas.
É nesse cenário que o “poder da política” transforma o caráter humano, promovendo uma gradual erosão da consciência ética, onde o vício vira norma e o imoral se torna aceitável sob a luz do pragmatismo político. A corrupção, nesse contexto, não é apenas desvio de dinheiro, mas desvio de humanidade.
CONCLUSÃO
Ao observarmos a trajetória de tantos gestores públicos, resta evidente que o verdadeiro projeto de muitos não é a cidade, o povo ou a justiça — é o poder. A política, quando divorciada da ética, deixa de ser instrumento de bem comum e se transforma em mecanismo de perpetuação de privilégios.
Como espectros de um teatro macabro, muitos gestores encenam com perfeição seus papéis de heróis durante a campanha, mas bastam os holofotes do poder para revelarem sua real face: atores da desonra, protagonistas da impunidade.
A corrupção não começa no contrato superfaturado, mas na primeira promessa não cumprida. Não é apenas a falha de um sistema jurídico, mas o reflexo de uma sociedade que se habituou a conviver com a mentira como método. É preciso romper com essa lógica. Urge refundar o caráter da República, reerguer os alicerces morais da gestão pública e lembrar que o verdadeiro poder não corrompe, apenas revela a essência de quem o detém.
E assim, que a política deixe de ser o palco da farsa e volte a ser o templo da justiça, onde a ética habita e o povo, enfim, seja soberano.
Eis o teatro da política partidária, onde a esperança é encenada e a ética é assassinada em praça pública. A cortina se abre com promessas de redenção, e o povo, crédulo, aplaude o messias da vez — aquele que, de paletó e discurso inflamado, jura extirpar os vícios da velha ordem. Mas bastam os primeiros aplausos do poder para que as palavras ditas em tom de compromisso se tornem ecos dissonantes de um passado incômodo. O herói de ontem torna-se cúmplice do sistema que jurou combater. A caneta, antes símbolo de mudança, converte-se em instrumento de traição.
Assim, o discurso moral, inflamado de virtudes, rende-se às tentações do compadrio, da troca de favores, das licitações viciadas, da nomeação de parasitas em cargos de confiança. A lógica da politicagem suplanta o ideal republicano. Instala-se o consórcio da vergonha: contratos obscuros, secretarias loteadas, famílias inteiras transformadas em estruturas de governo. A cidade — outrora prometida como reduto de dignidade — afunda no pântano da conveniência.
É a consagração da farsa: quem subiu no palanque como salvador desce as escadas do poder como réu do próprio caráter. E nessa marcha apodrecida, o que se revela é a mais grotesca contradição: o político que vociferava contra o sistema, hoje o alimenta com a alma vendida e os bolsos cheios. O caráter, antes proclamado como inegociável, foi rifado em troca de cargos e contratos. O poder, esse velho corruptor de intenções, mostra novamente sua face nojenta — e o povo, uma vez mais, sangra em silêncio.
No final, resta apenas o aviso eterno gravado nas paredes da história: quem se curva ao sistema se perde na infâmia. E quem vende o caráter para governar, governa sem honra e será lembrado como traidor da esperança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula Vinculante nº 13. A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, viola a Constituição Federal.
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