5. Políticas públicas e ações afirmativas/discriminações positivas
As políticas públicas voltadas à capacitação feminina, à inclusão de mulheres em setores estratégicos e à fiscalização do cumprimento da igualdade salarial são essenciais para alterar o cenário atual.
As ações afirmativas podem ser conceituadas como medidas transitórias de cunho legislativo, administrativo ou até mesmo privado, destinadas a neutralizar as desigualdades vivenciadas por grupos historicamente discriminados, não se limitando a estabelecer cotas, e sim também contemplando, por exemplo, incentivos fiscais e sistema de bônus. Por isso também são chamadas de discriminação positiva.
Como exemplos de ações afirmativas em relação ao mercado de trabalho da mulher cita-se, dentre outras:
artigo 10, §3º da Lei nº 9.504/97, que prevê que cada partido preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.
artigo 4º da Convenção da ONU sobre a Eliminação da Discriminação em face da Mulher de 1979, que prevê medidas especiais de caráter temporário por parte dos países signatários destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher, enquanto persistir a desigualdade substancial;
artigo 373-A p.ú CLT, também prevê medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher.
artigo 17, §§7ª e 8º da CF incluídos em 2022 na CF pela Emenda Constitucional nº 117, prevê que o montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da parcela do fundo partidário destinada a campanhas eleitorais, bem como o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão a ser distribuído pelos partidos às respectivas candidatas, deverão ser de, no mínimo, 30% (trinta por cento), proporcional ao número de candidatas, e a distribuição deverá ser realizada conforme critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias, considerados a autonomia e o interesse partidário.
Lei nº. 14.457/2022, denominada “Lei Emprega mais Mulheres”, que traz diversas ações afirmativas em prol das mulheres no mercado de trabalho;
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Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), no seu art. 25, §9º, I, prevê que o edital da licitação poderá exigir que percentual mínimo da mão-de-obra responsável pela execução do objeto da contratação seja constituído por mulheres vítimas de violência doméstica;
Lei nº.14.683/2023, que instituiu o selo empresa amiga da amamentação concedido pelo Poder Executivo para estimular o desenvolvimento de ações de incentivo ao aleitamento materno. Visa ao cumprimento do art. 386. da CLT, que prevê a manutenção de locais, horário e condições adequadas para uso das mulheres lactantes para amamentação ou coleta de leite materno, execução de campanhas internas para conscientização da importância do aleitamento materno e iluminação de seus espaços com a cor dourada do mês de agosto. O selo será válido por 1 ano e pode ser utilizado em anúncios publicitário e embalagens;
Lei nº. 14.151/2021, no seu artigo 1º, previu, no período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, que a empregada gestante deveria permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração;
Lei nº. 13.872/2019, que prevê que as mães têm o direito de amamentar os filhos durante a realização de concurso na Adm. Pública Direta e Indireta dos Poderes da União.
Nesse sentido, também há decisões afirmativas em prol da proteção da mulher no mercado de trabalho na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), senão vejamos:
No RE-AgR 140.3904, o STF reconheceu a constitucionalidade do art. 386. da CLT, que estabelece a obrigatoriedade de o empregador organizar escala de revezamento quinzenal para que o repouso semanal remunerado das empregadas coincida com o domingo pelo menos uma vez a cada quinze dias, não sendo aplicável às mulheres a regra geral do art. 6º da Lei 10.101/2000, que estabelece a obrigatoriedade de o repouso semanal remunerado, nas atividades do comércio, coincidir com o domingo pelo menos uma vez a cada três semanas, mas sim a regra específica do art. 386. da CLT.
A decisão do Supremo Tribunal Federal reforça a noção de que as normas trabalhistas devem ser interpretadas à luz da realidade socioeconômica das trabalhadoras brasileiras, pois não há igualdade entre homens e mulheres no exercício de uma mesma atividade. Nos últimos anos, infelizmente, o que se viu foi o aprofundamento das desigualdades existentes entre homens e mulheres.
Há que se registrar que esse cenário perdura desde 1943, data da criação da CLT, quando o legislador celetista lançou um olhar diferenciado sobre o trabalho da mulher, considerando especiais os aspectos físicos e sociais da trabalhadora, o que, por si só, torna o art. 386. da CLT atualíssimo. A decisão, sem dúvidas, é uma grande vitória para todas as trabalhadoras do Brasil que lutam para não perderem os direitos legalmente garantidos.
Nesse contexto, também decidiu o TST:
Prevalência do art. 386. da CLT em detrimento do art. 6º da Lei 10.101/2000 – julgamento da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais - PROTEÇÃO AO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER - ART. 7º, XX, DA CF/88. TRABALHO AOS DOMINGOS NAS ATIVIDADES DO COMÉRCIO EM GERAL. APLICAÇÃO DA ESCALA DE REVEZAMENTO QUINZENAL PREVISTA NO ART. 386. DA CLT, que permanece intacto com a reforma trabalhista. Fundamentos: o ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha uma mulher trabalhadora" e "o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher; condição fisiológica da mulher e histórica exclusão do mercado de trabalho. a) o art. 7º, XX da Constituição prevê, entre os direitos fundamentais, a "proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei", o que induz à relevância de preceitos de lei que viabilizem progressivamente o ingresso das mulheres no mundo institucional do trabalho, sem embargo do tempo maior que dedicam à reprodução, formação e sociabilização da força de trabalho. b) o art. 386. da CLT revela um estágio evolutivo na concretização do art. 7º, XX da Constituição que não comporta retrocesso se a restrição que se busca, por meio da atividade jurisdicional, não atende à exigência de ser "medida compatível com a natureza desses direitos e exclusivamente com o objetivo de favorecer o bem-estar geral em uma sociedade democrática" (art. 4º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais); c) a progressividade dos direitos humanos e fundamentais - prevista no art. 2º.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no art. 26. da Convenção Americana de Direitos Humanos e, na espécie, no caput do art. 7º da Constituição - reveste-se de caráter normativo e se submete ao controle jurisdicional; e) o critério da especialidade, entre aqueles que servem à resolução de antinomias entre normas jurídicas, não é oponível à prevalência do art. 386. da CLT, em lugar do art. 6º da Lei n. 10.101/2000, dado que é aquele, e não este, o dispositivo que veicula a norma especial, vale dizer: da norma generalíssima contida na Lei n. 605/1949, raiz de todo o debate, destacam-se os destinatários da Lei n. 10.101/2000 (art. 6º), ou seja, todos os trabalhadores do comércio, e, dentre estes, destacam-se as mulheres trabalhadoras no comércio em geral - tuteladas, com maior especificidade, pelo art. 386. da CLT
(Processo: E-ED-RR - 619-11.2017.5.12.0054 Data de Julgamento: 02/12/2021, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 11/02/2022)”.
Outro exemplo de ações afirmativas, encontra-se no Tema 542 do STF, decidido em 2023, em que foi firmada a tese de que:
“a trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado”.
Referido tema superou o Incidente de Assunção de Competência nº. 02. do TST, cuja tese, firmada em agosto de 2020, entendeu que a empregada temporária não teria direito à garantia provisória de emprego, não sendo aplicado a ela o item 244, III S. TST.
Foi reconhecida, ainda, pelo STF, a recepção do art. 384. da CLT pela Constituição Federal, em acórdão publicado 06/12/21 no tema 528 , com os seguintes fundamentos:
“O princípio da igualdade não é absoluto, sendo mister a verificação da correlação lógica entre a situação de discriminação apresentada e a razão do tratamento desigual (homens e mulheres são diferentes fisicamente/biologicamente). A Constituição Federal de 1988 utilizou-se de alguns critérios para tratamento diferenciado entre homens e mulheres: i) em primeiro lugar, levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho; ii) considerou existir um componente orgânico a justificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher; e iii) observou um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho – o que é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma”.
Dessa forma, foi firmada a seguinte tese jurídica: “O art. 384. da CLT, em relação ao período anterior à edição da Lei n. 13.467/2017, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras”.
Importante salientar que a decisão do STF quanto à recepção do artigo 384 da CLT pela Constituição Federal, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras” refere-se apenas às situações jurídicas anteriores à 11/11/2017. A partir de tal data, houve a revogação de tal norma com a Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017).
Conclusão
O direito à igualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho é um princípio fundamental que encontra respaldo na Constituição e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, além da legislação infraconstitucional. Contudo, sua efetividade ainda depende de políticas públicas eficazes, de uma mudança cultural profunda e da responsabilização de práticas discriminatórias. O desafio contemporâneo é transformar a igualdade formal prevista em lei em igualdade real nas relações laborais.
A discriminação da mulher no mercado de trabalho constitui uma grave violação dos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Embora haja avanços legislativos relevantes, a realidade demonstra que a efetividade desses direitos depende de mudanças estruturais na sociedade e no ambiente organizacional. Urge a adoção de políticas públicas eficazes, campanhas de conscientização e mecanismos de punição rigorosos para práticas discriminatórias, a fim de promover um mercado de trabalho mais justo e igualitário.
Referências
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BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 ago. 1943.
BRASIL. Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995. Proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeito de acesso ou manutenção da relação jurídica de trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 abr. 1995.
BRASIL. Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023. Dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 jul. 2023.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: LTr, 2021.
COSTA, Adriana; MAIA, Ana Cláudia. Discriminação de Gênero no Trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2020.
LOPES, Otávio Brito. Minorias, discriminação no trabalho e ação afirmativa judicial. Disponível em: https://www.tst.jus.br/documents/1295387/1313830/Minorias,%20discrimina%C3%A7%C3%A3o+no+trabalho+e+a%C3%A7%C3%A3o+afirmativa+judicial, acesso em 28 de abril de 2025.
MIGALHAS, disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/393151/stf-reforca-atualidade-do-art-386-da-clt, acesso em 28 de abril de 2025.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), 1979. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/convention-elimination-all-forms-discrimination-against-women. Acesso em: 25 abr. 2025.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 100 sobre Igualdade de Remuneração, 1951. Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 25 abr. 2025.
São Paulo: DIEESE, 2023. Disponível em: https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2023/mulheres2023.pdf. Acesso em 28 abril de 2025.
Abstract: This article proposes to analyze the legal foundations of gender equality in the workplace, assessing the normative progress and the obstacles that remain for its concrete realization, from a legal perspective, considering Brazilian legislation and international treaties. It also explores the trajectory of women in the labor market and the various forms of discrimination, including direct, indirect, subtle, institutional, associative discrimination, and stereotypes. It examines the current legislation (international, constitutional, and infraconstitutional) and the actions of the Judiciary in combating these practices, as well as the social and economic implications of discrimination in the workplace. It presents various forms of affirmative actions provided by law and confirmed by the Supreme Court's jurisprudence concerning the solidification of the material equality of women's work. It is concluded that, although there have been legislative advances in Brazil and other countries, discrimination continues to pose a persistent challenge, requiring the evolution of public policies, affirmative actions, and social awareness.
Key words : History of Women's Work. Normative protection. Forms of Discrimination. Challenges. Affirmative Actions.