Resumo: A proteção de dados pessoais tornou-se um tema central nas agendas legislativa, empresarial e institucional no Brasil, especialmente após a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Em um cenário marcado pela intensificação do fluxo informacional, o presente artigo analisa a interseção entre os programas de compliance e a LGPD, examinando como os mecanismos de integridade corporativa podem contribuir para a efetiva proteção dos direitos dos titulares de dados. A metodologia adotada é qualitativa, de abordagem dogmática, com base em revisão bibliográfica e análise documental de diplomas normativos, documentos institucionais e relatórios técnicos. O estudo identifica o compliance, quando estruturado com foco em privacidade — o chamado privacy compliance —, como instrumento estratégico de governança, prevenção de riscos legais e fortalecimento da cultura organizacional orientada à ética e à responsabilidade digital. Também são discutidos os principais desafios enfrentados pelas empresas privadas, especialmente de pequeno porte, na implementação das exigências legais, considerando a escassez de recursos, a ausência de cultura institucional e a carência de profissionais especializados. A efetividade da LGPD, nesse contexto, depende da articulação entre políticas públicas, capacitação contínua e adesão empresarial aos princípios da proteção de dados, sendo o compliance um elemento essencial para garantir não apenas conformidade legal, mas também confiança e transparência nas relações entre organizações e titulares.
Palavras-chave: compliance; LGPD; proteção de dados; responsabilidade civil; governança corporativa.
INTRODUÇÃO
A transformação digital e a crescente dependência de tecnologias da informação intensificaram a coleta e o compartilhamento de dados pessoais em escala global, tornando a proteção dessas informações um dos maiores desafios jurídicos da atualidade. No Brasil, essa realidade se manifesta em sucessivos episódios de vazamentos de dados, colocando o país entre os líderes mundiais em incidentes de segurança informacional e demonstrando a fragilidade de muitos sistemas corporativos de governança digital.
Diante desse cenário, a promulgação da Lei nº 13.709/2018 — a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) — representa um marco na consolidação de um regime jurídico voltado à proteção da privacidade, liberdade e autodeterminação informativa dos indivíduos. A elevação da proteção de dados ao status de direito fundamental pela Emenda Constitucional nº 115/2022 reforça a centralidade do tema e impõe às instituições públicas e privadas o dever de implementar medidas efetivas para assegurar os direitos dos titulares.
Nesse contexto, este artigo defende que a efetividade da LGPD, especialmente no setor privado, depende da adoção de programas estruturados de compliance digital, capazes de integrar princípios legais às rotinas organizacionais e fomentar uma cultura corporativa orientada à ética, à responsabilidade e à transparência no tratamento de dados. Mais do que simples cumprimento normativo, o compliance passa a ser compreendido como um instrumento estratégico de governança e competitividade empresarial.
O objetivo geral do estudo é analisar a interseção entre a LGPD e os programas de compliance no Brasil, com ênfase no papel das empresas privadas na concretização dos direitos previstos na legislação. Especificamente, pretende-se: (i) compreender como os mecanismos de integridade corporativa contribuem para a conformidade com a LGPD; (ii) identificar os principais instrumentos jurídicos e operacionais adotados pelas organizações; e (iii) examinar os desafios enfrentados na implementação efetiva dessas medidas, sobretudo por pequenas e médias empresas.
A metodologia utilizada é qualitativa, com abordagem dogmática e fundamentação bibliográfica e documental, com base na legislação vigente, relatórios técnicos e estudos especializados. A relevância do tema reside na urgente necessidade de adaptação das práticas empresariais ao novo modelo normativo de proteção de dados, evidenciando o compliance como eixo central entre segurança jurídica e responsabilidade social corporativa.
1. FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS
A proteção de dados pessoais constitui atualmente um dos pilares da tutela jurídica dos direitos fundamentais na era digital. Com o advento da sociedade da informação e o crescimento exponencial do uso de tecnologias que permitem a coleta, o armazenamento e o compartilhamento de informações pessoais, tornou-se imprescindível a formulação de um arcabouço normativo robusto e coerente que assegure a autodeterminação informativa dos indivíduos. No Brasil, tal proteção se estrutura a partir de fundamentos constitucionais, civis e infraconstitucionais, com destaque Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), Código Civil (2002), Marco Civil da Internet (2014) e Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (2018).
No plano constitucional, a proteção de dados encontra respaldo direto nos direitos e garantias fundamentais. O artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, o que impõe ao Estado e à sociedade o dever de assegurar a cada indivíduo o respeito à sua integridade física, moral e informacional (Brasil, 1988). A dignidade, nesse contexto, não se limita à existência física, mas abrange o reconhecimento da pessoa como sujeito de direitos, inclusive no ambiente digital, como destaca Sarlet (2012, p. 59), ao afirmar que “a dignidade da pessoa humana possui um conteúdo mínimo irredutível, dentro do qual se insere, inquestionavelmente, a proteção da intimidade e da vida privada”.
O artigo 5º, inciso X, da Constituição reforça essa proteção ao garantir a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (Brasil, 1988). Já o inciso XII protege o sigilo das comunicações telefônicas, de dados e telemáticas, salvo por ordem judicial, reafirmando o compromisso com a privacidade comunicacional. De forma ainda mais expressa, o inciso LXXIX, incluído pela Emenda Constitucional nº 115/2022, passou a assegurar o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais, tornando tal proteção um direito fundamental autônomo (Brasil, 2022).
No campo do direito civil, o Código Civil de 2002 dedica o Capítulo II do Livro I da Parte Geral aos direitos da personalidade (arts. 11 a 21), os quais se caracterizam por serem intransmissíveis, irrenunciáveis e indisponíveis (Brasil, 2022). Tais dispositivos consagram a proteção à imagem, ao nome, à vida privada e à integridade física e moral das pessoas. De forma específica, o artigo 21 estabelece que “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma” (Brasil, 2002). Essa previsão permite ao titular da informação requerer medidas preventivas ou repressivas diante de violações, incluindo o uso indevido de seus dados pessoais.
A Lei nº 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, constitui um marco normativo fundamental para a regulação do ambiente digital no Brasil, ao estabelecer os direitos dos usuários e os deveres dos provedores quanto à privacidade, proteção de dados e liberdade de expressão. Embora tenha natureza principiológica, sua promulgação pavimentou o caminho para a LGPD, oferecendo diretrizes básicas sobre a coleta, uso e armazenamento de dados pessoais. Conforme Diniz (2021), “a LGPD veio complementar o Marco Civil, estabelecendo normas mais detalhadas sobre como os dados devem ser coletados, processados e armazenados, além de prever sanções para o seu uso indevido”.
A consolidação normativa da proteção de dados no Brasil deu-se com a promulgação da Lei nº 13.709/2018 – a LGPD. Inspirada na General Data Protection Regulation (GDPR) da União Europeia, a LGPD estabeleceu regras claras sobre o tratamento de dados pessoais por pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas. De acordo com o artigo 1º, a finalidade da lei é “proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” (Brasil, 2018).
A LGPD define dado pessoal como “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável” (art. 5º, I), e estabelece categorias especiais, como os dados sensíveis — que dizem respeito à origem racial ou étnica, convicções religiosas, opiniões políticas, dados genéticos, biométricos, entre outros — e os dados anonimizados, os quais escapam ao escopo da lei, desde que não possam ser revertidos por meios razoáveis (Brasil, 2018).
As atividades de tratamento de dados devem observar os princípios da finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação e responsabilização (Brasil, 2018). Esses princípios estruturam a base ética e jurídica da proteção de dados, exigindo que o tratamento seja justificado, proporcional e realizado com respeito à vontade e aos direitos do titular. Como destaca o Guia da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), “a LGPD procurou estabelecer uma relação de equilíbrio entre, de um lado, a proteção de dados pessoais [...] e, de outro, a liberdade acadêmica e o livre fluxo de informações necessário para a realização de estudos e pesquisas” (ANPD, 2023, p. 6).
Os direitos dos titulares estão elencados no artigo 18 da LGPD e compreendem, entre outros: acesso aos dados, correção de dados incompletos, eliminação de dados desnecessários ou excessivos, portabilidade dos dados, revogação do consentimento e informação sobre o compartilhamento com terceiros. Conforme preceitua o artigo 17, a titularidade dos dados pessoais é assegurada a toda pessoa natural, garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade.
A LGPD ainda introduz figuras jurídicas essenciais para a operacionalização do regime de proteção, como o controlador, o operador e o encarregado pelo tratamento de dados (DPO), além de instituir a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável pela fiscalização, orientação e aplicação de sanções administrativas.
É importante destacar que a LGPD não se propõe a restringir a circulação de informações, mas sim a promovê-la de forma segura, responsável e transparente. Como observa o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, “a LGPD é uma qualificação da transparência. [...] não são leis antagônicas, mas complementares” (Brasil, 2023, p. 2). Tal percepção é reiterada por Nascimento, Barros e Pinto (2024, p. 3683), ao afirmarem que “a LGPD garante aos indivíduos maior controle sobre seus dados pessoais, assegurando direitos como acesso, retificação, exclusão e oposição ao tratamento”.
Portanto, a proteção de dados pessoais no Brasil se fundamenta em um sistema jurídico coerente e multifacetado, que articula normas constitucionais, civis e setoriais com o objetivo de garantir o controle dos indivíduos sobre suas informações. Trata-se de uma proteção que transcende o mero aspecto patrimonial ou técnico da informação, alcançando o núcleo essencial dos direitos da personalidade e da cidadania digital.
2 . COMPLIANCE NO CONTEXTO JURÍDICO-EMPRESARIAL
A crescente complexidade regulatória e a intensificação da responsabilização das pessoas jurídicas no cenário global impulsionaram o desenvolvimento e a consolidação dos programas de compliance no ambiente empresarial. O termo “compliance” deriva do verbo inglês “to comply”, que significa “agir de acordo” ou “estar em conformidade”, e no contexto jurídico-empresarial refere-se ao conjunto de mecanismos adotados por organizações para assegurar o cumprimento das normas legais, regulatórias e éticas aplicáveis às suas atividades (Bittar, 2021).
2.1. Origem e Evolução Histórica do Compliance
O compliance corporativo tem origem nos Estados Unidos, especialmente no contexto de escândalos financeiros e casos de corrupção que marcaram o século XX. Ainda na década de 1930, com a criação da Securities and Exchange Commission (SEC), passaram-se a exigir controles internos mínimos de conformidade por parte das empresas que operavam no mercado financeiro. Contudo, foi nas décadas de 1970 e 1980 que o compliance assumiu papel central, a partir da promulgação do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) de 1977, resposta ao escândalo envolvendo a Lockheed Aircraft Corporation, acusada de pagar subornos a funcionários públicos estrangeiros (Castro, 2016).
A partir da década de 2000, casos emblemáticos como os da Enron, WorldCom, Tyco e Adelphia, demonstraram a gravidade das fraudes contábeis e a necessidade de maior controle das práticas corporativas. Como resposta, foi promulgada a Lei Sarbanes-Oxley (SOX), em 2002, que instituiu rigorosos requisitos de governança corporativa e transparência na gestão financeira das empresas com ações negociadas na bolsa norte-americana (Dattos, 2024). A SOX estabeleceu normas sobre auditoria, controles internos e responsabilização penal de executivos, conferindo novo caráter ao compliance, antes uma ferramenta de autorregulação, passou a ser uma exigência legal obrigatória — o chamado “mandatory compliance” (Ribeiro, 2018).
2.2. A Expansão Global e os Reflexos no Brasil
O fortalecimento do combate à corrupção em âmbito internacional impulsionou a criação de tratados e convenções multilaterais, como a Convenção da OCDE (Decreto n.º 3.678/2000) e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Decreto n.º 5.687/2006), das quais o Brasil é signatário. Esses tratados contribuíram para a formulação de políticas públicas e legislações nacionais voltadas à integridade corporativa.
No Brasil, a promulgação da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e do Decreto nº 8.420/2015 introduziu formalmente o “Programa de Integridade” como mecanismo institucional de combate à corrupção, incentivando empresas públicas e privadas a desenvolverem estruturas organizacionais voltadas à prevenção e detecção de ilícitos (Bittar, 2021). O artigo 41 do Decreto define o programa de integridade como “o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades” (Brasil, 2015).
A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), desde 2003, tem promovido ações integradas entre mais de 60 órgãos dos Três Poderes, sendo um vetor relevante na difusão da cultura de integridade empresarial no país.
2.3. Conceito Jurídico e Estrutura do Compliance
O compliance aplicado à LGPD configura-se como um sistema de governança corporativa especializado, com natureza jurídica híbrida que combina obrigações legais e boas práticas voluntárias. Conforme estabelecido no artigo 41 da Lei 13.709/2018 e nas diretrizes regulamentares da ANPD (2023), esse modelo de compliance específico para proteção de dados transcende a mera conformidade formal para se tornar um instrumento estratégico de gestão empresarial (Bittar, 2021). Sua estrutura normativa assenta-se em três eixos fundamentais que refletem a evolução do pensamento jurídico sobre governança corporativa.
O primeiro eixo compreende os mecanismos de prevenção de riscos, que envolvem tanto medidas técnicas quanto administrativas. No aspecto técnico, a LGPD estabelece no seu artigo 46 a obrigatoriedade de adoção de medidas de segurança como criptografia e pseudonimização, enquanto o artigo 47 trata especificamente da segurança da informação. Já no plano administrativo, destacam-se a elaboração de políticas de privacidade claras e a realização de treinamentos periódicos para colaboradores. Esses controles encontram respaldo nas diretrizes da ISO 37301:2021, que fornece um framework internacional para sistematização de programas de compliance (França, 2021).
O segundo eixo estrutural consiste nos sistemas de monitoramento contínuo e auditoria, que representam a dimensão dinâmica do compliance. Como observa Martins (2023), a efetividade de um programa de privacidade depende da capacidade de identificar e corrigir desvios em tempo hábil. Essa função é exercida por meio de auditorias periódicas, canais de denúncia protegidos e, especialmente, pela atuação do DPO, figura central prevista no artigo 41 da LGPD. A experiência internacional demonstra que organizações com estruturas de monitoramento robustas apresentam índices significativamente menores de violações e sanções regulatórias.
Por fim, o terceiro eixo compreende os mecanismos de responsabilização e melhoria contínua. Neste aspecto, o compliance na LGPD diferencia-se dos modelos tradicionais por incorporar a lógica da responsabilização demonstrada ("accountability"), conforme explicitado no artigo 50 da lei. Isso significa que as organizações devem não apenas cumprir as exigências legais, mas também demonstrar de forma ativa e documentada seus esforços de conformidade. Como destacam Mendes et al. (2023), essa abordagem reflete a influência direta do GDPR europeu, que estabeleceu novos paradigmas para a governança de dados pessoais.
A estruturação prática desses eixos varia conforme o porte e complexidade da organização. Para empresas de menor tamanho, a ANPD tem recomendado modelos simplificados de compliance, conforme estabelecido na Resolução CD/ANPD nº 2/2022. Já para grandes corporações, especialmente aquelas com operações internacionais, a implementação costuma envolver a criação de comitês especializados, adoção de certificações internacionais e integração com outros sistemas de gestão, como os de compliance anticorrupção e segurança da informação. Essa diferenciação de abordagens demonstra a flexibilidade do modelo de compliance da LGPD, que busca equilibrar a necessária proteção dos direitos fundamentais com a viabilidade econômica para organizações de diversos portes.
3. INTERSEÇÃO ENTRE COMPLIANCE E LGPD
A entrada em vigor da LGPD (Lei nº 13.709/2018) introduziu novos desafios jurídicos, técnicos e organizacionais no cenário empresarial brasileiro. Ao estabelecer um regime jurídico próprio para o tratamento de dados pessoais, a LGPD passou a exigir das organizações não apenas a adoção de medidas técnicas de segurança da informação, mas também a incorporação de práticas de governança, transparência e responsabilização que se inserem diretamente no escopo dos programas de compliance. Assim, emerge o conceito de privacy compliance, ou compliance em proteção de dados, como um dos pilares fundamentais para a conformidade legal e ética das empresas frente às obrigações impostas pela LGPD. (Brasil, 2018; ANPD, 2023)
3.1. O Alinhamento entre Compliance Jurídico e a LGPD
O compliance jurídico, tradicionalmente voltado à prevenção de riscos legais, à integridade corporativa e à conformidade normativa, assume nova dimensão diante da LGPD. Passa-se a demandar das organizações um conjunto de medidas estruturadas voltadas ao cumprimento de princípios como a finalidade, a necessidade, a segurança, a transparência e a responsabilização no tratamento de dados pessoais (Brasil, 2018).
A obtenção do consentimento livre, informado e inequívoco constitui uma das bases legais centrais para o tratamento de dados pessoais sob a LGPD, sendo também um dos elementos mais desafiadores para a conformidade legal. Furlaneto (2020) observa que “é preciso desenvolver mecanismos transparentes e eficientes para garantir que o titular dos dados esteja ciente das finalidades do tratamento e possa exercer seus direitos”. Essa preocupação é reforçada por Peck Pinheiro (2019), que destaca a necessidade de assegurar mecanismos de revogação do consentimento e de proteção contra consentimentos viciados. Tais exigências impõem às organizações a obrigação de revisar suas práticas contratuais, formulários eletrônicos e políticas de privacidade, integrando-as aos programas de compliance como forma de mitigar riscos legais e proteger os direitos dos titulares.
A implantação de programas de compliance voltados à privacidade requer, entre outras ações, a nomeação de um encarregado pelo tratamento de dados (Data Protection Officer – DPO), a realização de relatórios de impacto à proteção de dados (DPIA), o mapeamento dos fluxos de dados e a criação de políticas internas que assegurem o respeito aos direitos dos titulares (Silva, 2023). Essas medidas devem estar integradas aos demais mecanismos de controle, auditoria e mitigação de riscos que já compõem os programas tradicionais de integridade empresarial.
3.2. Responsabilidade e Sanções na LGPD: Perspectivas Administrativas, Civis e Penais
A LGPD estabelece um regime de responsabilização ampla, que inclui sanções administrativas, responsabilidade civil e, em determinados casos, consequências penais. Nos termos do artigo 52 da Lei, as sanções administrativas variam desde advertências e multas (limitadas a 2% do faturamento, com teto de R$ 50 milhões por infração), até a suspensão ou proibição total do exercício de atividades relacionadas ao tratamento de dados (Brasil, 2018).
O Regulamento de Dosimetria da ANPD, publicado em 2023, detalhou os critérios para a aplicação dessas sanções, estabelecendo parâmetros objetivos como a gravidade da infração, o grau do dano, a boa-fé do agente e a adoção de medidas preventivas. A norma visa assegurar a proporcionalidade e a segurança jurídica, respeitando o devido processo legal e o contraditório (ANPD, 2023).
Além da esfera administrativa, a LGPD prevê responsabilidade civil objetiva do controlador e do operador pelos danos decorrentes de tratamento irregular ou inseguro de dados (art. 42), impondo-lhes o dever de reparação por danos morais, materiais ou à imagem dos titulares. Já no campo penal, embora a LGPD ainda careça de um regime punitivo próprio, aplicam-se dispositivos do Código Penal e de leis complementares, como os artigos 153 e 325 (violação de sigilo e função pública) e a Lei nº 14.155/2021, que endureceu a repressão a crimes cibernéticos (Gonçalves, 2021).
3.3. Riscos Jurídicos e a Importância da Conformidade
O descumprimento da LGPD expõe as empresas a riscos reputacionais, financeiros e jurídicos severos. Vazamentos de dados, por exemplo, podem resultar não apenas em multas elevadas, mas também na perda de confiança por parte dos clientes e parceiros, na deterioração da imagem institucional e na judicialização de demandas coletivas e individuais (Silva, 2023).
Por essa razão, estar em conformidade com a LGPD não deve ser entendido como mero cumprimento formal de obrigações legais, mas como parte de uma estratégia mais ampla de governança, sustentabilidade e competitividade empresarial. Nesse sentido, conforme destaca Gonçalves (2021), a LGPD é um marco normativo que não apenas limita condutas, mas promove a maturidade institucional e a ética no uso das informações pessoais.