Capa da publicação Responsabilidade civil por abandono afetivo
Capa: Sora

Responsabilidade civil por abandono afetivo

Exibindo página 2 de 2
07/07/2025 às 09:29
Leia nesta página:

6. A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO E O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS

Para Roberto Gonçalves (2011) só é cabível a indenização por danos morais em casos em que haja a demonstração cabal da influência negativa da ausência em qualquer um dos aspectos dos pais para com a formação de seus filhos, seu desenvolvimento e ações de constrangimento público. Dessa forma, somente o desamor ou omissão de afeto não justificam tal medida.

Ademais, Raquel Zanolla (2014) argumenta que apesar de resistência o entendimento judicial em tópico de jurisprudência já acatou algumas mudanças significativas. Portanto, já entendem ainda com ressalvas que a paternidade gera deveres materiais e também subjetivos. E por isso, há sim para além da possibilidade a necessidade de responsabilizar em âmbito civil os genitores que são ausentes no cumprimento das obrigações advindas da paternidade, sendo eles comprovados como danosos aos filhos, é coerente que aplique a indenização para ressarcir os danos sofridos.

Nada obstante, que seja claro que a responsabilização e possível indenização não deve ser feita de maneira desapegada da realidade, que se apegue aos moldes jurídicos já firmados, agindo nesses casos sob o direito de família (HIRONAKA, 2006). Acrescenta-se também que as indenizações nesses casos, se firma como medida de conscientização, logo, sendo uma compensação a ofensa sofrida, já que a omissão de deveres nesse caso se revela irreparável. Desse modo, a atuação é tão somente pedagógica para evitar que a prática delituosa seja repetida (BRANCO, 2006).

E para amparar a discussão a respeito da responsabilização nesse sentido cabe trazer duas decisões judiciais. O Tribunal de Justiça de São Paulo, no processo nº 1011023-04.2023.8.26.0071, intermediado pelo Relator Elcio Trujillo, da 10ª Câmara de Direito Privado decidiu negando a indenização por abandono afetivo. A decisão é referente a um recurso de apelação contra a sentença que julgara improcedente a condenação do requerido ao pagamento de indenização. No contexto processual evidenciou-se a dificuldade e responsabilizar a ausência de afeto, o que explicitou a dificuldade do Direito em lidar com aspectos subjetivos das relações familiares.

Já foi decidido em voto proferido pelo Ilustre Des. Luiz Antonio de Godoy (Apel. Cível nº 446.069-4/1-00, Catanduva, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 11/03/08) que:

“(...) em verdade não há como reconhecer o abandono afetivo como passível de reparação indenizatória. Não há como o Poder Judiciário impor a alguém que dê afeto e carinho a outrem, sendo que eventual condenação do pai em indenizar o filho por esse fato não traria benefício algum à relação já abalada de ambos. Prestar-se-ia, isto sim, a romper de vez eventuais tênues laços que ainda os pudessem ligar. Ficaria, na melhor das hipóteses, reduzida ao extremo a possibilidade de retomada de convivência familiar, vindo a ser afrontados, até mesmo, mandamentos constitucionais destinados à proteção desse grupo. (PIVA, 2024 apud BRASIL,2020).

Em contrapartida, a Relatora Ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, elucidou no julgamento ocorrido em 21 de dezembro de 2021 a perspectiva do entendimento que a concessão de indenização por danos morais referente ao abandono afetivo é coerente, pois houve um romper abrupto da relação parental, gerado pela iniciativa do genitor, uma vez que a criança envolvida estava na idade de 6 anos.

OBJETO DE TRANSAÇÃO NA AÇÃO DE ALIMENTOS. INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO NESTA AÇÃO. (...) 2- O propósito recursal é definir se é admissível a condenação ao pagamento de indenização por abandono afetivo e se, na hipótese, estão presentes os pressupostos da responsabilidade civil. 3- É juridicamente possível a reparação de danos pleiteada pelo filho em face dos pais que tenha como fundamento o abandono afetivo, tendo em vista que não há restrição legal para que se apliquem as regras da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares e que os arts. 186 e 927, ambos do CC/2002, tratam da matéria de forma ampla e irrestrita. Precedentes específicos da 3ª Turma. (...) 5- O dever jurídico de exercer a parentalidade de modo responsável compreende a obrigação de conferir ao filho uma firme referência parental, de modo a propiciar o seu adequado desenvolvimento mental, psíquico e de personalidade, sempre com vistas a não apenas observar, mas efetivamente concretizar os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da dignidade da pessoa humana, de modo que, se de sua inobservância, resultarem traumas, lesões ou prejuízos perceptíveis na criança ou adolescente, não haverá óbice para que os pais sejam condenados a reparar os danos experimentados pelo filho. 6- Para que seja admissível a condenação a reparar danos em virtude do abandono afetivo, é imprescindível a adequada demonstração dos pressupostos da responsabilização civil, a saber, a conduta dos pais (ações ou omissões relevantes e que representem violação ao dever de cuidado), a existência do dano (demonstrada por elementos de prova que bem demonstrem a presença de prejuízo material ou moral) e o nexo de causalidade (que das ações ou omissões decorra diretamente a existência do fato danoso). 7- Na hipótese, o genitor, logo após a dissolução da união estável mantida com a mãe, promoveu uma abrupta ruptura da relação que mantinha com a filha, ainda em tenra idade, quando todos vínculos
afetivos se encontravam estabelecidos, ignorando máxima de que existem as figuras do ex-marido e do ex-convivente, mas não existem as figuras do ex-pai e do ex-filho, mantendo, a partir de então, apenas relações protocolares com a criança, insuficientes para caracterizar o indispensável dever de cuidar. 8- Fato danoso e nexo de causalidade que ficaram amplamente comprovados pela prova produzida pela filha, corroborada pelo laudo pericial, que atestaram que as ações e omissões do pai acarretaram quadro de ansiedade, traumas psíquicos e sequelas físicas eventuais à criança, que desde os 11 anos de idade e por longo período, teve de se submeter às sessões de psicoterapia, gerando dano psicológico concreto apto a modificar a sua personalidade e, por consequência, a sua própria história de vida. 11- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, a fim de julgar procedente o pedido de reparação de danos morais, que arbitro em R$ 30.000,00), com juros contados desde a citação e correção monetária desde a publicação deste acórdão, carreando ao recorrido o pagamento das despesas, custas e honorários advocatícios em razão do decaimento de parcela mínima do pedido, mantido o percentual de 10% sobre o valor da condenação fixado na sentença.

(REsp n. 1.887.697/RJ, relatora MinistraNancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/9/2021, DJe de 2 3/9/2021.)
(PIVA, 2024 apud BRASIL,2020).

A decisão a favor da indenização propõe uma nova ótica sob a legislação e suas interpretações e retoma a ideia de que o afeto é um pilar essencial na responsabilidade e nos cuidados para com crianças e adolescentes. Desse modo, repensar e se adequar a dinâmica social se torna baluarte para uma legislação que atenda às necessidades dos grupos vulnerabilizados. (PIVA, 2024).

Diante do exposto, nota-se que a responsabilização civil por abandono afetivo demonstra um avanço na proteção dos direitos da criança e do adolescente, pois reconhece e iguala a importância dos vínculos afetivos no exercício da parentalidade. Mesmo diante das divergências nas decisões e jurisprudências, a tendência de alguns tribunais admitir a o dano moral causado revela uma sensibilização do Direito em relação as demandas contemporâneas.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto ao supracitado é coerente assumir que o abandono afetivo e sua responsabilização civil se encontram em um campo turvo sob suas interpretações jurisprudenciais, e por isso cabem em novas discussões e compreensões sobre o tema. Somado a isso é preciso compreender de modo abrangente os efeitos danosos nos âmbitos emocionais e uso de medidas pedagógicas para reagir ao abandono que origina os danos.

E para além disso, é preciso considerar os deveres materiais tanto quanto os imateriais para analisar as possibilidades de não cumprimento dos mesmos. Com isso, interpretar que as obrigações advindas da paternidade extrapolam a presença e também demandam o afeto e cuidado. Adicionalmente, firmar um consenso a respeito das interpretações e das possibilidades de responsabilização. Para tanto, em casos que se impute o pagamento de indenizações, conjunto a essa medida haja sempre o exame de perícia dos tipos de danos dos requerentes.

Nesse contexto, defende-se a aplicação sistemática da responsabilização civil e casos de abandono afetivo comprovado. Considerando, para isso, os elementos caracterizadores; a conduta omissiva, o dano e o nexo de causalidade e atentando-se a propor uma medida não punitiva, mas eficaz e coerente as demandas atuais. Pois, analisando os recortes estudados, é perceptível que a responsabilidade subjetiva, ainda que dominante tem se mostrado insuficiente frente as dificuldades probatórias dessas situações.

Além disso, é imprescindível que o ordenamento jurídico considere as atualizações das relações familiares. Por isso é necessário que os operadores do Direito atuem responsabilizando com coerência os que falharem em cumprir seus deveres de cuidado. Não com intuito punitiva, mas valorizando uma cultura jurídica que se alinhe com os valores do afeto, reconhecendo os danos provenientes de sua falta.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANCO, Bernardo Castelo. Dano moral no Direito de Família. São Paulo: Método, 2006, p. 116.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo:
Atlas: 2007.

CARDOSO, Juliana. Projeto de Lei nº 3.012, de 2023. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho
de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
(Código Civil), para dispor sobre a assistência afetiva e sobre medidas preventivas e
compensatórias do abandono afetivo dos filhos. Portal da Câmara dos Deputados, 2023.
Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2304831&filename=Avulso%20PL%203012/2023. Acesso em: 17 nov. 2024.

COSTA, Natália Winter da; RAMOS, André Luiz Arnt. Responsabilidade por abandono
afetivo nas relações paterno-filiais: um retrato do estado da questão na literatura e nos
tribunais. Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, 2020. Disponível em:
https://revistaiberc.responsabilidadecivil.org/iberc/article/view/106. Acesso em: 15 nov. 2024.

FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro:
Renovar, 1999

FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Danos Morais e a Pessoa Jurídica. São
Paulo: Método, 2008

GARROT, Tamis Schons; KEITEL, Ângela Simone Pires. Abandono afetivo e a obrigação de
indenizar. IBDFAM, São Paulo, 2015. Disponível em:
https://ibdfam.org.br/artigos/1048/Abandono+afetivo+e+a+obriga%C3%A7%C3%A3o+de+indenizar. Acesso em: 15 nov. 2024 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 2011. v. 4. p. 377.

GONÇALVES, L. P. Indenização por abandono afetivo: os pais frente à responsabilização afetiva. Pucgoias.edu.br, 2023. Disponível em: <https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/handle/123456789/7196>.Acesso em: mai, 2025.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressuposto, elementos e limites do dever de idenizar por abandono afetivo. IOB-Repertório de Jurisprudência: civil, processual, penal e comercial, n. 13, p. 418-411, 2006 Tradução. Acesso em: nov. 2024.

LÔBO, Paulo. Famílias. 4 ed. São Paulo. 2012

LASCH, C. Refúgio num mundo sem coração: a família: santuário ou instituição sitiada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente. Uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 138

PIVA, A. Natalia A responsabilidade civil pelo abandono afetivo: reconhecimento do afeto como valor jurídico nas relações familiares no Brasil. Ufsm.br, 2024. Disponível em: <http://repositorio.ufsm.br/handle/1/34132>. Acesso em: mar, 2025.

‌RODRIGUES, A. C.; OLIVEIRA, F. C. O abandono afetivo no direito das famílias à luz da teoria do reconhecimento. Revista Juridica, v. 1, n. 38, p. 328–348, 2015.

SANTOS, R. L. R. dos. (2025). CÓDIGO CÍVIL DE 1916 DE CLÓVIS BEVILÁQUA. REVISTA FOCO, 18(2), e7791. Disponível em: <https://doi.org/10.54751/revistafoco.v18n2-104>. Acesso em: mar, 2025.

SANTOS, Gilvan; PEIXOTO, Silvana Patrícia Ladeira. A Relação Mãe-Bebê e a Teoria do Apego de John Bowlby em Parceria com Mary Ainsworth Frente às Implicações na Pós-Infância e na Vida Adulta. Ciências Humanas e Sociais, v. 6, n. 2, p. 225-238, 2020

SCALETSCKY, C. Da responsabilidade civil pelo abandono afetivo. Revista IBERC, v. 7, n. 2, p. 50–61, 13 ago. 2024 Disponível em: < https://doi.org/10.37963/iberc.v7i2.298 >. Acesso em: mai, 2025..

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão
dos filtros da reparação à diluição dos danos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2013

SILVA, Heloisa Beatriz Nicacio da; OLIVEIRA, Karidja Bezerra de; OLIVEIRA, Bruno
Morais Gomes de. Abandono Afetivo: A Quantificação Do Amor A Luz Da
Responsabilidade Civil. 2022 Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito) -
Universidade Potiguar, Mossoró, 2022. Disponível em:
https://repositorio.animaeducacao.com.br/items/74268a80-5614-4895-ac49-ea66a61c29eb/full. Acesso em: 15 nov. 2024.

SILVÂNIO, L. Dyennifer. A responsabilidade civil por abandono afetivo. Pucgoias.edu.br, 2024. Disponível em: <http://repositorio.ufsm.br/handle/1/34132>. Acesso em: mar, 2025.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 10. ed. São Paulo: Atlas,
2010. v. 6

WALD, Arnoldo. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2011.

ZANOLLA, R.; VIECILI, M. ZANOLLA, Raquel; VIECILI, Mariza. A responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.univali.br/graduacao/direito-itajai/publicacoes/revista-de-iniciacao-cientifica-ricc/edicoes/Lists/Artigos/Attachments/1011/Arquivo%2033.pdf>. Acesso em: nov, 2024.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Projeto de Artigo Científico (ou Monografia Jurídica) apresentado à disciplina Trabalho de Curso I, do Curso de Direito da Fundação Educacional de Fernandópolis, como requisito essencial para aprovação na disciplina, sob a orientação da Professora Orientadora Roberta Favallessa.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos