O instituto do Credenciamento nas empresas estatais: análise à luz da lei nº 13.303/2016

25/06/2025 às 17:12

Resumo:


  • O credenciamento é um instituto de contratação direta aplicável às empresas estatais, regulamentado pela Lei nº 13.303/2016.

  • Para utilizar o credenciamento como forma de contratação direta, as empresas estatais devem regulamentar esse instituto em seus regulamentos internos, conforme autorizado pela Lei nº 13.303/2016.

  • O Tribunal de Contas da União (TCU) destaca a importância de as empresas estatais evitarem a aplicação direta da Lei 14.133/2021 em suas contratações, devendo disciplinar o credenciamento em seus regulamentos internos, conforme previsto no art. 40, inciso IV, da Lei nº 13.303/2016.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O INSTITUTO DO CREDENCIAMENTO NAS EMPRESAS ESTATAIS: ANÁLISE À LUZ DA LEI Nº 13.303/2016

Júlio Serpa

Resumo

O presente artigo aborda o instituto do credenciamento como forma de contratação direta aplicável às empresas estatais, com fundamento na Lei nº 13.303/2016, conhecida como a "Lei das Estatais". Analisa-se o conceito, requisitos legais e sua analogia com a Lei nº 14.133/2021. O estudo objetiva esclarecer a natureza jurídica do credenciamento, destacando suas peculiaridades no contexto das contratações públicas por empresas estatais e sua conformidade com os princípios da isonomia, eficiência e economicidade.

Palavras-chave: Credenciamento. Empresas Estatais. Contratação Direta. Lei nº 13.303/2016. Licitação.

  1. Introdução

Diante da evolução normativa das contratações públicas no Brasil, impõe-se aos gestores públicos maior precisão conceitual e procedimental. Nesse cenário, o credenciamento destaca-se como um instrumento relevante, permitindo à Administração Pública contratar múltiplos interessados sem a necessidade de competição típica da licitação.

A Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, institui o estatuto jurídico das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias. Dentre os instrumentos de contratação previstos, destaca-se o credenciamento como uma forma simplificada e direta de contratar, especialmente útil em casos em que a Administração visa formar uma rede de prestadores para serviços homogêneos.

  1. Fundamentação Legal

O instituto jurídico do credenciamento não está previsto diretamente na Lei nº 13.303/2016, da forma que está formalmente positivada na Lei nº 14.133/2021, como um procedimento auxiliar da licitação.

Assim, para a sua utilização como forma de contratação direta, dispensando o processo competitivo de licitação tradicional, deve ser regulamentado tal instituto no regulamento de licitações e contratos da estatal.

A norma interna permite à empresa estatal, mediante prévia chamada pública, credenciar interessados que preencham requisitos objetivos e predefinidos, sem seleção competitiva entre eles, respeitando a isonomia.

  1. Conceito e Aplicabilidade do Credenciamento

O credenciamento é definido como um processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados.

Tal conceito acima, é retirado da Lei nº 14.133/2021, que estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Contudo, vale ressaltar que o § 1º, do inciso II, do art. 1º da Lei nº 14.133/2021, diz claramente que:

“Art. 1º (...)

(...)

§ 1º Não são abrangidas por esta Lei as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, ressalvado o disposto no art. 178 desta Lei.”

A própria nova lei de licitações, em seu art. 6º, conceitua credenciamento, vejamos:

“Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

(…)

XLIII - credenciamento: processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados;”

Pode-se definir credenciamento, como um processo que visa a habilitação de fornecedores para a realização de serviços ou fornecimento de bens à Administração Pública.

Antes da promulgação da Lei 14.133/2021, o credenciamento era uma prática já observada em alguns segmentos, mas sempre cercada por incertezas e lacunas legais. Pois, tal instrumento jurídico era utilizado por uma construção jurisprudencial e doutrinária e não estava positivada na lei nº 8.666/1993.

O credenciamento é um procedimento por meio do qual a Administração Pública chama interessados previamente habilitados para prestar determinado serviço ou fornecer bens, sem a exigência de competição direta entre eles. Ou seja, não se trata de uma licitação propriamente dita, mas sim de um chamamento público, em que todos que atendam aos critérios previamente estabelecidos podem ser contratados.

De acordo com Ronny Charles Lopes de Torres (2021), o credenciamento não representa uma contratação direta nos moldes do art. 74, mas sim um instrumento prévio de habilitação ampla, no qual a Administração convida todos os interessados a se habilitarem conforme critérios previamente definidos.

“Importante destacar que o credenciamento não se confunde com a hipótese de inexigibilidade. Ele é um instrumento (procedimento auxiliar), apto para essas hipóteses de contratação direta, em que a administração quer todos os fornecedores aptos disponíveis.” (Leis de Licitações Públicas Comentadas. Ed. JusPodivm, 2021)

Também, conforme Júlio Serpa, temos que:

“Nesse diapasão, o credenciamento pode ser realizado de forma prévia, com lançamento de chamamento público, onde, o referido edital fica aberto para todo e quaisquer interessado participar, sem prazo fatal seu término, e, ao tempo que forem surgindo interessados, ao cumprirem os ditames do edital de chamamento, são credenciados pelo gestor. Assim, após o credenciamento, seria aberto um processo de inexigibilidade de licitação com cada um dos credenciados, ou seja, etapas distintas, institutos distintos.” (https://jus.com.br/artigos/113594/o-credenciamento-na-administracao-publica-natureza-juridica-e-distincao-da-inexigibilidade)

Destarte, um dos pontos de discussão refere-se à adoção do modelo de credenciamento, com base na aplicação direta da Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos), por empresa pública, sujeita à Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais).

O próprio Tribunal de Contas da União – TCU, já se manifestou em outro momento favoravelmente à aplicação subsidiária da Lei 14.133/2021 pelas empresas públicas e sociedades de economia mista, especialmente no uso do credenciamento, por meio da aplicação analógica das regras previstas nos seus arts. 6º, XLIII, e 79 às empresas estatais, conforme decidido no Acórdão 533/2022 – Plenário (rel. ministro Antonio Anastasia).

“16.10. Em que pese a Lei 14.133/2021 não ser diretamente aplicável ao caso, já que o Banco do Brasil foi constituído na forma de sociedade de economia mista, a recepção do credenciamento pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos evidencia que tal instituto é relevante e se coaduna com o interesse público. Vale assinalar que, tradicionalmente, o ordenamento pátrio se mostra mais restritivo nas contratações pela administração direta. Nesse sentido, parece ser razoável que a jurisprudência desta Corte se posicione pela validade de tal instituto também para as estatais, apesar de não constar do texto da Lei 13.303/2016.

(...)

Reúno as premissas expressas e subjacentes dos enunciados listados e formulo o seguinte enunciado global, que abrange o caso em questão neste processo:

o credenciamento é legítimo quando a administração planeja a realização de múltiplas contratações de um mesmo tipo de objeto, em determinado período, e demonstra que a opção por dispor da maior rede possível de fornecedores para contratação direta, sob condições uniformes e pré definidas, é a única viável ou é mais vantajosa do que as alternativas sob avaliação para atendimento das finalidades almejadas, tais como licitação única ou múltiplas licitações, obrigando-se a contratar todos os interessados que satisfaçam os requisitos de habilitação, sem exclusão, e que venham a ser selecionados segundo procedimento objetivo e impessoal, a serem remunerados na forma estipulada no edital, aplicável igualmente a todas as contratações.

16.13. Desse modo, consideramos que a questão foi esclarecida. Adicionalmente, em atendimento ao item 18 do Despacho de peça 414 do Ministro Raimundo Carreiro (peça 414, p. 9-10), manifestamos o entendimento de que não há impropriedade no uso do credenciamento para contratação de escritórios de advocacia por entidades sujeitas à Lei 13.303/2016, desde que atendidos princípios e regras básicas quanto a esse instituto, insculpidos na jurisprudência desta Corte (a exemplo do Acórdão 2977/2021-TCU-Plenário, de Relatoria do Ministro Weder de Oliveira) e, como boa prática, no art. 79 da Lei 14.133/2021.” (GRIFO NOSSO)

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Contudo, o próprio TCU, em processo mais recente, sob a relatoria do Ministro Benjamin Zymler (Acórdão 1.008/2025 – Plenário.), chamou atenção para o fato de a ABGF, empresa pública vinculada ao Ministério da Economia, ter se valido da lei geral de licitações para o procedimento, apesar da expressa menção no texto da Lei 14.133/2021 (art. 1º, § 1º) de que ela não abrange as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, ressalvado o disposto no seu art. 178 (normas penais).

O relator destacou que as empresas estatais não devem aplicar essa norma diretamente em suas contratações. Isso porque a própria lei geral de licitações exclui expressamente essas entidades de sua abrangência. Além disso, as contratações dessas empresas devem seguir regulamentos específicos, elaborados conforme as regras da Lei nº 13.303/2016.

O ministro Benjamin Zymler afirmou que uma empresa estatal pode até utilizar o procedimento de credenciamento em suas contratações, já que esse tema não é regulado diretamente pela Lei nº 13.303/2016. Contudo, tal utilização só seria permitido, se a estatal preenchesse as lacunas com normas próprias, conforme a autorização prevista no art. 40, inciso IV, da referida lei.

Ou seja, de forma clara, o TCU disse que a estatal só poderia utilizar o Credenciamento, se estivesse regulamentado em seu regulamento interno.

Não obstante, o TCU também foi claro e disse:

“30. De todo modo, entendo que as empresas estatais devem evitar recorrer à aplicação direta da Lei 14.133/2021, em suas contratações, seja porque o próprio legislador previu a não abrangência da norma às empresas públicas e sociedades de economia mista, seja porque a conformação das contratações das empresas estatais deve ser realizada, nos espaços permitidos pela Lei 13.303/2016, mediante a edição de regulamentos.

31. Esse é o caso do credenciamento. A meu ver, as estatais podem disciplinar o tema, na via infralegal, com amparo no art. 40, inciso IV, da Lei 13.303/2016.”

(Acórdão 1.008/2025 – Plenário.) - (GRIFO NOSSO)

Nesse sentido, vejamos o que reza o art. 40, inciso IV, da Lei nº 13.303/2016:

"Art. 40. As empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão publicar e manter atualizado regulamento interno de licitações e contratos, compatível com o disposto nesta Lei, especialmente quanto a:

(...)

IV - procedimentos de licitação e contratação direta."

Como vemos, não há impedimento para que uma empresa estatal utilize o procedimento de credenciamento em suas contratações, uma vez que a Lei nº 13.303/2016 não trata especificamente sobre essa matéria. A própria lei permite que as estatais normatizem aspectos não disciplinados, nos termos do art. 40, inciso IV.

Ademais, mesmo antes da promulgação da Lei 14.133 de 2021, o credenciamento era uma prática já observada em alguns segmentos por uma construção jurisprudencial e doutrinária e não estava positivada na lei nº 8.666/1993.

No entanto, entende-se ser recomendável que cada empresa elabore regulamento próprio sobre o tema, de modo a adaptar o instituto às suas particularidades e assegurar sua aplicação objetiva e uniforme pelos agentes responsáveis.

  1. Considerações Finais

O credenciamento é ferramenta legítima e eficaz para contratações públicas não exclusivas nas empresas estatais, desde que regulamentado em seus normativos internos, com transparência e critérios objetivos. Sua correta aplicação reforça os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e eficiência, contribuindo para uma gestão pública mais moderna e plural.

Referências

Sobre o autor:

Júlio Serpa. Doutor em Direito. Advogado e Contador. Sócio do Di Lorenzo Serpa Advogados. Especializado em contratações públicas, com atuação na assessoria jurídica de órgãos de controle e na advocacia pública.

@julioserpa

[email protected]

Sobre o autor
Júlio Cesar Lopes Serpa

Doutor em Direito. Advogado e Contador. Sócio do Di Lorenzo Serpa Advogados. Com atuação na assessoria jurídica de órgãos de controle e na advocacia pública e empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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