Capa da publicação Alimentos sem prazo: em defesa da justiça de gênero
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A perspectiva de gênero nas ações de alimentos entre ex-cônjuges.

Uma proposta de aplicação imediata do protocolo do CNJ no caso concreto

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03/07/2025 às 16:58
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Conclusão

A análise da obrigação alimentar entre ex-cônjuges à luz da perspectiva de gênero revela a urgência de se abandonar abordagens normativas neutras, que desconsideram as assimetrias reais de poder, trabalho e acesso à autonomia econômica que historicamente marcam as relações conjugais. Como demonstrado ao longo deste artigo, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, ao positivar a excepcionalidade e transitoriedade dos alimentos, estabelece uma diretriz coerente com determinadas hipóteses de independência econômica pós-divórcio, mas que não pode ser aplicada de forma indiscriminada, sob pena de aprofundar desigualdades estruturais já existentes.

A proposta legislativa de reforma do Código Civil ao incorporar essa lógica jurisprudencial, reforça a necessidade de um juízo de ponderação atento às peculiaridades do caso concreto, especialmente quando envolvidas mulheres com trajetória de dedicação exclusiva ao lar e ao cuidado da família. Nesses contextos, a técnica do distinguishing e a hermenêutica com perspectiva de gênero não são apenas ferramentas complementares, mas imperativos constitucionais e convencionais de justiça material.

A aplicação prática do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ se revela, assim, não como um adendo retórico, mas como instrumento metodológico capaz de promover julgamentos sensíveis à realidade social das partes. Isso inclui o reconhecimento do trabalho de cuidado como contribuição econômica invisibilizada, bem como a crítica à expectativa abstrata de reinserção no mercado de trabalho em condições de vulnerabilidade etária, educacional e familiar, cenário que, como demonstram os dados da OIT, afeta de maneira desproporcional as mulheres brasileiras.

Fixar alimentos por prazo determinado em tais condições equivale a ignorar o caminho que levou à dependência econômica, responsabilizando individualmente quem foi socialmente condicionado à renúncia. Portanto, a perspectiva de gênero, mais do que uma diretriz hermenêutica, impõe-se como um critério de legitimidade das decisões judiciais no Direito das Famílias.

Cabe à magistratura brasileira assumir o compromisso de tornar efetivos os instrumentos já disponíveis para a promoção da equidade substancial. Julgar com perspectiva de gênero é romper com automatismos normativos, enxergar a história que pesa sobre o processo e decidir com responsabilidade transformadora. Diante de um sistema que ainda penaliza quem cuida, cabe ao Judiciário corrigir trajetórias de desigualdade com decisões reparadoras, sensíveis e justas.


Referências

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Brasília: CNJ, 2022. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/03/Protocolo_para_Julgamento_com_Perspectiva_de_Genero_CNJ.pdf. Acesso em: 2 jul. 2025.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 2.111.631/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13 fev. 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/2549313857/inteiro-teor-2549313860. Acesso em: 2 jul. 2025.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1.951.351/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 14 set. 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/1659993227/inteiro-teor-1659993241. Acesso em: 2 jul. 2025.

DANTAS JÚNIOR, Ivo. O distinguishing no sistema brasileiro de precedentes vinculantes. Revista de Processo, v. 46, n. 314, p. 317-339, 2021.

INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Alcançar a igualdade de gênero nas taxas de emprego: alguns números do mercado de trabalho do Brasil. 2024. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_916982/lang--pt/index.htm. Acesso em: 2 jul. 2025.

MIGUEZ, Brunella Poltronieri. Justiça em uma perspectiva de gênero: o reconhecimento do trabalho de cuidado no direito das famílias. IBDFAM, 6 maio 2025. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/2316/Justiça+em+uma+perspectiva+de+gênero:+o+reconhecimento+do+trabalho+de+cuidado+no+direito+das+famílias. Acesso em: 2 jul. 2025.


Notas

  1. DANTAS JÚNIOR, João Fabrício. O distinguishing: a adequada prestação jurisdicional como um direito à luz da Constituição Federal. Revista de Doutrina da 1ª Região, Brasília, DF, v. 16, n. 1, p. 01–17, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37885/640228. Acesso em: 2 jul. 2025.

  2. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 2.111.631/SP. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, DF, 13 maio 2024. Diário da Justiça Eletrônico, 15 maio 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/2549313857/inteiro-teor-2549313860. Acesso em: 2 jul. 2025.

  3. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1.951.351/MG. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, DF, 27 jun. 2022. Diário da Justiça Eletrônico, 1º jul. 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/1659993227/inteiro-teor-1659993241. Acesso em: 2 jul. 2025.

  4. ACOSTA LÓPEZ, Juana I. The Cotton Field Case: gender perspective and feminist theories in the Inter-American Court of Human Rights jurisprudence. Revista Derecho Internacional, Bogotá, n. 21, p. 17–54, jul./dez. 2012. Disponível em: https://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1692-81562012000200002. Acesso em: 2 jul. 2025.

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  5. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero. Brasília: CNJ, 2022. p. 17. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-para-julgamento-com-perspectiva-de-genero-cnj-24-03-2022.pdf. Acesso em: 2 jul. 2025.

  6. MIGUEZ, Brunella Poltronieri. Justiça em uma perspectiva de gênero: o reconhecimento do trabalho de cuidado no direito das famílias. IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, 6 maio 2025. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/2316/Justiça+em+uma+perspectiva+de+gênero:+o+reconhecimento+do+trabalho+de+cuidado+no+direito+das+famílias. Acesso em: 2 jul. 2025.

  7. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Alcançar a igualdade de gênero nas taxas de emprego: alguns números do mercado de trabalho do Brasil. Brasília: OIT, 7 mar. 2025. Disponível em: https://www.ilo.org/pt-pt/resource/article/alcancar-igualdade-de-genero-nas-taxas-de-emprego-alguns-numeros-do-mercado. Acesso em: 2 jul. 2025.

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Sobre a autora
Beatrice Merten Rocha

Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Beatrice Merten. A perspectiva de gênero nas ações de alimentos entre ex-cônjuges.: Uma proposta de aplicação imediata do protocolo do CNJ no caso concreto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8037, 3 jul. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114716. Acesso em: 18 dez. 2025.

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