Capa da publicação Supersalários no poder: quando a lei vira privilégio
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Supersalários no Brasil: a corrupção legalizada sob o manto da legalidade aparente

02/07/2025 às 16:35
Leia nesta página:

Supersalários violam os princípios da moralidade e legalidade? O artigo denuncia a corrupção institucionalizada por agentes públicos e propõe responsabilização com base na CF e na Lei de Improbidade.

Resumo: O presente artigo analisa de forma crítica e técnica os supersalários de ministros, senadores, deputados e tantos outros artistas do Poder no Brasil, prática que afronta os princípios constitucionais da moralidade e da legalidade. Sob o pretexto de legalidade formal, agentes políticos e públicos acumulam benefícios e privilégios que, embora autorizados por normas, configuram grave desvio ético, funcional e financeiro, caracterizando uma corrupção institucionalizada e permissiva. Com base na Constituição Federal, na Lei de Improbidade Administrativa, na Lei das Estatais, na Lei Anticorrupção e na Convenção de Mérida, o texto denuncia a farra com o dinheiro público e propõe a responsabilização dos autores desse descalabro.

Palavras-chave: Supersalários; corrupção institucionalizada; moralidade administrativa; improbidade; desvio ético; legalidade aparente.


INTRODUÇÃO

Num país em que a fome assola milhões e o salário mínimo é insuficiente até para uma cesta básica mensal, a elite do funcionalismo público nada em privilégios que afrontam o povo e a Constituição. A Carta Magna de 1988, em seu artigo 37, inciso XI, delimitou com clareza o teto remuneratório do serviço público, tomando como referência o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, em plena vigência desse comando constitucional, o Brasil assiste ao escárnio dos chamados supersalários, turbinados por penduricalhos legais e ilegítimos, numa espécie de “corrupção legalizada”, em que a lei serve não ao povo, mas a interesses corporativistas de castas burocráticas.

É nesse cenário distorcido que se escancara a falência ética da Administração Pública: enquanto professores, enfermeiros e agentes de segurança mal sobrevivem com salários aviltantes, altos membros do poder recebem valores que, somados aos benefícios, ultrapassam os R$ 100, 200, 300 mil mensais. Trata-se de um desrespeito às cláusulas pétreas da República, à moralidade administrativa e à própria ideia de justiça social. A presente reflexão técnica e crítica visa descortinar essa realidade, apontar responsabilidades e sugerir caminhos para a reversão desse ciclo de perversão legal.


ANÁLISE CRÍTICA

O sistema remuneratório do funcionalismo público brasileiro está corrompido por dentro. Não por ausência de leis, mas por sua manipulação habilidosa e silenciosa em favor de quem legisla, julga e executa. A legalidade passou a ser um biombo que oculta interesses escusos e desprezo à moralidade. O teto constitucional foi deturpado por manobras engenhosas que agregam auxílios, verbas indenizatórias, gratificações especiais, diárias internacionais, cartões corporativos e até ressarcimentos fictícios, criando verdadeiros “salários ocultos”.

O mais grave é que essas distorções são, muitas vezes, autorizadas por normas criadas pelos próprios beneficiários — parlamentares que legislam em causa própria, magistrados que interpretam a Constituição em benefício da própria carreira, gestores que autorizam despesas escandalosas como se fossem legítimas ações administrativas. A impunidade é o solo fértil que alimenta essa estrutura. As instituições de controle, por sua vez, têm agido com timidez, ou, em alguns casos, com cumplicidade institucionalizada.

Esse sistema viciado compromete a credibilidade do Estado, reduz o espaço para políticas públicas essenciais, fomenta a desigualdade e mina a esperança do cidadão comum. Ao final, instala-se um sentimento generalizado de impunidade e revolta, pois o povo percebe que há dois brasis: o Brasil dos privilégios e o Brasil da sobrevivência.


CORRUPÇÃO LEGALIZADA NO BRASIL

Chama-se corrupção legalizada o fenômeno em que práticas moralmente inaceitáveis, ainda que formalmente amparadas por normas internas, afrontam os princípios constitucionais da administração pública. O agente político que cria, vota ou sanciona leis que autorizam o aumento de seus próprios salários, incorpora gratificações e cria benesses absurdas — como auxílio maquiagem, auxílio paletó ou auxílio moradia para quem já possui imóvel funcional — atua em desvio de finalidade.

Quando esses valores não correspondem à realidade social e à razoabilidade orçamentária, e ainda causam prejuízo ao erário, estamos diante de uma espécie de peculato por extensão normativa, uma forma de apropriação indébita institucionalizada. Os dispositivos que tentam legitimar essas práticas violam frontalmente o artigo 37, caput, da Constituição Federal, que impõe os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência como norteadores da administração pública.

Além disso, a autorização, o pagamento e o recebimento dessas vantagens podem configurar improbidade administrativa, nos termos do artigo 9º da Lei nº 8.429/1992 (atualmente alterada pela Lei nº 14.230/2021), além de ensejar responsabilidade penal, especialmente se restar configurada a intenção dolosa de enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário.

A título de ilustração, a jurisprudência já reconheceu que o desvio de finalidade no uso de verbas públicas, mesmo quando respaldado em ato normativo interno, pode configurar ato de improbidade, sendo necessário, porém, o engajamento firme do Ministério Público e dos tribunais de contas para coibir tais abusos com eficácia.


CONCLUSÃO

Agente político não enriquece da noite para o dia — salvo raras exceções da vida, como um bilhete premiado da Megasena acumulada, um casamento com herdeiro de dinastias ou uma herança generosa de ancestrais longínquos. Fora desses milagres estatísticos, não há ciência, alquimia ou tecnologia que faça brotar dinheiro em árvores plantadas no quintal do serviço público.

Se o patrimônio de um agente público revela um crescimento que desafia a lógica aritmética da folha de pagamento — se os bens ostentados ultrapassam, em muito, a evolução natural da renda declarada — então é chegada a hora da verdade: deve-se instaurar o devido processo administrativo, com base no artigo 9º, inciso VII e IX da Lei de Improbidade Administrativa, para investigar a origem da fortuna.

O servidor público, por essência constitucional, é vocacionado ao serviço, não ao luxo. Seu salário, ainda que digno, é compatível com uma vida honesta, modesta, pautada pelo decoro e pela responsabilidade. Alimentar a família, educar os filhos, morar com simplicidade — eis o destino legítimo da remuneração pública.

Coberturas luxuosas, carros importados de alto padrão, fazendas cinematográficas, aeronaves particulares, helicópteros à disposição e embarcações de lazer em marinas milionárias — tudo isso destoa, frontalmente, da natureza republicana do serviço público. São símbolos de um enriquecimento que, se não for devidamente explicado, clama por investigação.

A legalidade se prova com documentos; mas a moralidade exige coerência. E quem serve ao povo deve dar exemplo — não espetáculo.

Como bem adverte o professor Jeferson Botelho, “nenhum agente público ou agente político consegue ficar rico apenas com a percepção dos próprios salários; se não ganhou sozinho na megasena de final de ano, se não arrumou um bom casamento ou herdou uma fortuna ancestral, deve ser investigado”.

O patrimônio desproporcional ao rendimento declarado é sinal de alerta e deve ser objeto de apuração rigorosa, com base no artigo 9º, inciso VII e IX da Lei de Improbidade Administrativa. A nação brasileira não pode mais tolerar o escárnio de um Estado que premia seus príncipes com fortunas mensais, enquanto impõe ao povo o salário mínimo da miséria.

Urge um novo pacto ético entre o poder e o povo, em que a moralidade seja mais que uma formalidade: seja um compromisso inegociável com a justiça social. Que a Constituição volte a ser farol, e não ornamento. Que o servidor público volte a servir, e não a se servir do Estado.

Que a pátria não seja refém da toga dourada, do mandato blindado ou da caneta recheada. Que o Brasil, enfim, seja de todos — e não apenas de poucos.

Por fim, os chamados supersalários — verdadeiros monumentos de privilégio ostentados por ministros, senadores, deputados e outros protagonistas do teatro estatal — devem ser firmemente repudiados por qualquer sociedade que se pretenda democrática e republicana.

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Em uma autêntica democracia representativa, o poder emana do povo, e a ele pertence. Os parlamentares apenas recebem, por delegação, a nobre missão de legislar em nome da coletividade. O povo não outorga mandato para que seus representantes enriqueçam à sombra do Estado, tampouco consente em pagar salários astronômicos a quem transforma a res pública em fonte de ostentação, luxo e vaidade.

O setor público não é campo fértil para a acumulação de fortunas pessoais — é, ou deveria ser, espaço sagrado para a administração ética dos tributos arrancados com o suor do trabalhador brasileiro. Cada centavo ali movimentado tem origem no sacrifício diário de milhões que acordam cedo, enfrentam transporte precário, vivem com o salário mínimo e mal conseguem manter a dignidade.

Aqueles que, em vez de servir, se servem do poder; que legislam em causa própria, aprovando reajustes salariais indecorosos, licitando iguarias finas — castanhas nobres, chocolates belgas, vinhos importados — e ainda bancam com verba pública maquiagens, unhas, harmonizações faciais e outros luxos estéticos… estão, simbolicamente, fazendo continência com o chapéu alheio.

Usam o chapéu do povo, a verba do povo, a paciência do povo — e ainda desfilam soberbos, como se a República fosse propriedade particular.

Mas não é.

A República tem dono.

E o dono é o povo.

Do modo como o Brasil avança — ou melhor, desliza para trás —, o destino só pode ser o abismo institucional, ético e civilizatório. A metáfora mais precisa não é outra: o Brasil tornou-se um muro torto, instável, inclinado por décadas de negligência, corrupção, apatia cívica e conivência silenciosa.

E como ensina o profeta Amós, em sua visão revelada:

“O Senhor estava sobre um muro levantado a prumo, e tinha um prumo na mão… Eis que eu porei o prumo no meio do meu povo; nunca mais passarei por ele” (Amós 7:7-8).

Muro torto não se endireita. Não se ajusta. Não se escora. Quando a base está corrompida, a estrutura inteira está condenada. E o juízo é iminente.

Neste cenário, não há espaço para paliativos ou soluções cosméticas. A única saída é a reconstrução total: derrubar o que está viciado, romper com os alicerces corroídos pela desigualdade, pelo clientelismo e pela impunidade. A refundação da pátria exige coragem para começar de novo, com novos valores, nova consciência social e novo pacto ético.

Construir um novo Brasil — não sobre o entulho do velho, mas a partir do solo fértil da justiça, da educação, da dignidade e da verdade.

Não se trata de destruir por destruir, mas de refazer com coragem e lucidez. Porque um muro torto nunca será morada segura.

E o povo brasileiro merece viver em uma casa sólida, onde o alicerce seja a ética, o telhado seja a justiça e as janelas, a esperança.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOTELHO, Jeferson. Escritos Críticos sobre Ética, Estado e Justiça. 2023.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Lei nº 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa (com redação da Lei nº 14.230/2021).

BRASIL. Lei nº 13.303/2016 – Lei das Estatais.

BRASIL. Lei nº 12.846/2013 – Lei Anticorrupção Empresarial.

BRASIL. Decreto nº 5.687/2006 – Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida).

BRASIL. Código Penal Brasileiro.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2022.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 36. ed. São Paulo: Atlas, 2023.

Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 02 de julho de 2025.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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