2 de julho e o direito à memória nacional.

Reparação histórica e consolidação democrática da independência do Brasil

02/07/2025 às 23:29
Leia nesta página:

1. INTRODUÇÃO

Sabendo da entrevista do presidente Lula a um telejornal matinal no dia 2 de julho, tratei de ligar a TV cedo para acompanhar a entrevista, com o caderno de anotações ao lado para não deixar escapar as informações importantes que foram trazidas. Foram muitas notícias importantes: a redução do desemprego aos menores índices dos últimos tempos; o aumento do emprego formal, aquele com carteira assinada, a necessidade de acionar o Supremo Tribunal Federal para discutir o veto do IOF e a aprovação da proposta para a construção da tão sonhada Salvador x Itaparica, investimento que deve acelerar o processo de crescimento econômico da região. Mas, a notícia que nos deixou mais alegre foi a menção ao projeto de lei que pretende transformar o 2 de julho como uma data comemorativa nacional, reconhecendo essa data como consolidação da independência do Brasil.

Desde o primeiro momento que ouvi a notícia fui buscar o número do projeto de lei na internet para iniciar o acompanhamento com o nosso projeto de pesquisa Marcos legais, colocando às mãos na massa: Acesso à Justiça, Direitos Humanos e da Natureza e sustentabilidade, investigação científica que tem como propósito romper com a visão dogmática e descontextualizado do Direito, ao promover o acompanhamento por parte de estudantes de Direito, dos projetos de lei de maior interesse da sociedade. Ao nosso olhar a pesquisa jurídica é feita dessa forma, ou seja, buscamos conhecer a legislação em formação, analisar seus principais aspectos, integrar com o ordenamento jurídico vigente e, se possível, propor alterações ou inovação legislativas, assim como, socializar com o cidadão essas normas. Mas o projeto de lei ainda não tem número e vamos aguardar que isso aconteça para ampliar o monitoramento.


2. DIREITO À MEMÓRIA NACIONAL

Este ato do presidente Lula, ao nosso olhar, tem um grande valor simbólico para a população brasileira, especialmente, para os baianos, assim como, é um ato de reparação histórica com as pessoas, grupos sociais e povos que lutaram pela independência do Brasil na Bahia. Este ato dá mais visibilidade ao 2 de julho e reconhece a contribuição do povo baiano e nordestino na luta final pela independência, ocorrida em 1823 - e que reforça o Direito à história, a memória e verdade.

Talvez algumas pessoas não saibam da importância do Direito à Memória, História e Verdade, mas, como ativista de Direitos Humanos, sei que o primeiro passo para a violação de Direito, é a "coisificação" da pessoa, lhe tirar o nome, a história, à memória, fazendo que se sinta vazio, sem identidade. Vi de perto isso, quando participei de oficinas no centenário de Canudos, onde historiadores contavam para as pessoas do povo detalhes sobre a guerra e como tudo aconteceu.

Os depoimentos dos jovens que participavam dessas oficinas eram renovadores, pois, estudantes que antes não queriam ouvir falar da guerra de Canudos, passaram a acreditar que seus ancestrais foram heróis e lutaram pela dignidade da pessoa humana. Isso faz muita diferença na cabeça de um ser humano, saber de suas origens fortalecem seu espirito e mente. Lembro aqui o filósofo Sorem Kierkegaard para quem:

"A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para a frente." (O PENSADOR, 2025).

Nós baianos temos é que comemorar essa possibilidade e pensar como fazer desse reconhecimento um momento de ampliação das comemorações visando gerar trabalho, emprego, renda e inclusão produtiva e social. Acredito que projeto de lei é uma política pública que pode trazer benefícios se soubermos utilizar isso ao nosso favor. Se estivesse no governo do Estado, trataria de realizar um estudo para saber como agregar valor a esta data, criando alternativas de fomento a cultural, economia criativa e educação patrimonial para começar, além de investir em uma literatura que reforce esse reconhecimento.


3. As lutas na Bahia como um marco essencial na independência do Brasil

A data do 2 de julho de 1823 marca a expulsão definitiva das tropas portuguesas de Salvador, resultado de uma intensa resistência cívica e popular, liderada por baianos e baianas - incluindo mulheres heroínas - que consolidaram a soberania do Brasil e continuam a fazer isso. O projeto de lei busca institucional a data como "Dia nacional da Consolidação da Independência do Brasil", sem que isso represente um feriado nacional. O objetivo é criar uma data nacional para reflexão sobre as lutas populares, inclusão do 2 de julho no calendário cívico nacional, incorporando o 2 de julho a história da independência no Brasil. Reconhecendo a importância de Maria Felipa aos encourados de Pedrão, de Maria Quitéria a Joana Angélica. Cada um desempenhou seu papel social com coragem e bravura.


4. Reparação histórica simbólica e estruturante

Ao reconhecer formalmente o 2 de julho como data nacional, trata-se de uma reparação histórica e simbólica, valorizando a memória coletiva daqueles que lutaram pela independência efetiva do país e promovendo uma inserção democrática da história regional na história nacional. É como frisou o presidente Lula na entrevista: " pouca gente sabe que somente com essa vitória final na Bahia é que se garantiu a liberdade brasileira".


5. 2. de julho e Direitos Humanos

Para nossa metodologia chamada Abordagem Baseadas em Direitos Humanos ou Human Rights-Based Approaches - HRBA toda sonegação de Direitos sociais básicos é uma violação a Direitos Humanos. Essa iniciativa do projeto de lei tem também um impacto direto sobre os Direitos Humanos, de nossos ancestrais, das gerações presentes e futuras. O Direito à memória, história e verdade é fundamental para a construção de uma sociedades mais justas, pluralistas e democráticas.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Ao dar visibilidade nacional a um evento frequentemente subestimado nos livros didáticos, o projeto reforça o princípio da reparação de narrativas e promove justiça simbólica às gerações cujas lutas ficaram marginalizadas. Afinal negar ou silenciar parte da história é privar o povo brasileiro do direito à sua própria identidade e trajetória.


6. Conclusão

Concluindo provisoriamente uma discussão, ao nosso olhar, a proposta de instituir o Dia Nacional da Consolidação da Independência do Brasil, a ser comemorado em 2 de julho, representa um passo decisivo rumo ao reconhecimento pleno da participação da Bahia na independência brasileira. Mais do que uma homenagem, o ato corrige silêncios históricos e reafirma o direito à verdade e à memória - pilares dos direitos humanos. Ao integrar essa data ao calendário nacional, reforça-se construção de uma narrativa histórica mais justa, inclusiva e democrática, capaz de fortalecer a identidade nacional a partir de suas múltiplas vozes.

Aos movimentos populares e ao povo baiano cabe ressignificar essa data, dando menos atenção ao desfile de políticos interessados em votos e valorizando essa data como um momento de reparação histórica que deve ser utilizado em benefício da população, gerando alternativas de desenvolvimento humano e social.


Referências

BRASIL. Presidente propõe PL que institui o Dia Nacional da Consolidação da Independência do Brasil. Na data, 2 de julho, já é celebrada a Independência da Bahia e continuaria sendo apenas feriado estadual. Brasília: Presidência da República. Disponível em https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2025/07/presidente-propoe-pl-que-institui-o-dia-nacional-da-consolidacao-da-independencia-do-brasil. Acesso em 02.07.2025.

EBC. Lula propõe tornar 2 de julho Dia da Consolidação da Independência. Brasília: EBC. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2025-07/lula-propoe-tornar-2-de-julho-dia-da-consolidacao-da-independencia. Acesso em 02.07.2025.

O PENSADOR. A vida só pode ser compreendida... Soren Kierkegaard. Disponível em https://www.pensador.com/frase/MjEy/ Acesso em 02.07.2025.

ROCHA, J.C. 2. de julho, independência da Bahia: direito à memória, democracia e direitos humanos. Teresina: Jus, 2025. Disponível em https://jus.com.br/artigos/114687/2-de-julho-independencia-da-bahia-direito-a-memoria-democracia-e-direitos-humanos. Aceso em 02.07.2025.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
José Cláudio Rocha

Advogado (UFBA), Economista (UFBA), Analista e Desenvolvedor de sistemas (UNINASSAU) e professor pleno da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professor na graduação (presencial e EAD) e pós-graduação (mestrado e doutorado) é pesquisador público e coordenador do Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades da Universidade do Estado da Bahia (CRDH/UNEB), centro de pesquisa e instituto de tecnologia social, multiusuário e transdisciplinar, considerado estratégico para o desenvolvimento sustentável do Estado da Bahia. Tem pós-doutorado em Direito; Doutorado e mestrado em educação e especialização em diversas áreas como: Direito Digital (Faculeste); Administração Pública (UEFS); Ética, Capital Social e Desenvolvimento (INEAM/OEA); Gestão em Direitos Humanos (SEDH/PR) e Gestão de Projetos (UNIRIO). Atua como consultor para organizações públicas, privadas e não governamentais. Contato: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos