O comércio internacional há muito deixou de ser apenas um mecanismo econômico para troca de bens e serviços. Ele se tornou, também, uma poderosa ferramenta de influência política e estratégica entre nações. Tarifas, subsídios e embargos têm sido utilizados por grandes potências para exercer pressão, impor sanções e, muitas vezes, para proteger aliados políticos ou punir opositores.
Os Estados Unidos anunciaram, em 9/7/2025, uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros como resposta direta ao que o governo norte-americano chamou de “perseguição política” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Essa medida, justificada por motivações políticas explícitas, marca um episódio emblemático no uso do comércio internacional como arma geopolítica e suscita importantes questionamentos sobre sua legalidade, legitimidade e impactos.
Neste artigo, analisa-se o contexto jurídico e político dessa decisão americana, os impactos econômicos e diplomáticos para o Brasil, bem como as implicações para o sistema multilateral de comércio. Ao final, busca-se refletir sobre os desafios éticos e jurídicos que esse episódio revela para a ordem internacional contemporânea.
1. Contexto Jurídico e Político da Tarifa de 50% dos EUA
A tarifa imposta pelos EUA ao Brasil não surge num vácuo histórico ou jurídico. Para entendê-la, é preciso analisar tanto o contexto político brasileiro — marcado por acusações judiciais e polarização social — quanto o contexto norte-americano, onde a retórica política influenciou diretamente decisões de política comercial.
Após deixar a presidência, Jair Bolsonaro tornou-se alvo de diversos inquéritos e ações judiciais no Brasil, com acusações que vão de tentativa de golpe a incitação contra instituições democráticas. Para seus apoiadores, porém, esses processos configuram uma perseguição política orquestrada por seus adversários. Esse discurso ganhou eco no exterior, principalmente entre aliados ideológicos como Donald Trump.
Reeleito em 2024, Donald Trump reforçou sua aliança com Bolsonaro, descrevendo-o como “um guerreiro pela liberdade” e denunciando as investigações no Brasil como “uma farsa”. A tarifa de 50% foi apresentada como uma demonstração de solidariedade ao ex-presidente brasileiro e como um aviso ao governo brasileiro para “respeitar a vontade do povo”. Essa justificação, porém, destoa das práticas convencionais do comércio internacional, que devem ser pautadas por critérios econômicos e não políticos.
A imposição dessa tarifa levanta sérias dúvidas sobre sua compatibilidade com as normas da OMC, que exigem que tarifas estejam fundamentadas em práticas comerciais desleais ou necessidade de proteção do mercado interno — não em motivos políticos internos de um terceiro país.
2. Impactos Econômicos e Diplomáticos para o Brasil
A tarifa teve efeitos imediatos e significativos sobre diversos setores da economia brasileira, especialmente o agronegócio e a indústria de transformação. O Brasil é um dos maiores exportadores de produtos agrícolas para os EUA, e um aumento tarifário dessa magnitude tornou os produtos brasileiros menos competitivos no mercado americano.
Com custos mais altos para entrar no mercado americano, as exportações brasileiras de soja, carne bovina e açúcar caíram drasticamente, forçando produtores a buscar outros mercados e gerando prejuízos bilionários ao setor.
O governo brasileiro denunciou a tarifa como uma ingerência indevida em assuntos internos, prometeu recorrer à OMC e intensificou esforços para diversificar seus parceiros comerciais, aproximando-se ainda mais da China, da União Europeia e dos BRICS.
A medida também enfraqueceu a relação bilateral entre Brasil e EUA, historicamente sólida em áreas como defesa e tecnologia. A confiança mútua foi abalada, e a diplomacia brasileira precisou trabalhar para conter danos.
3. Conformidade com o Direito Internacional Econômico
Sob a ótica do Direito Internacional Econômico, a imposição de tarifas para pressionar decisões políticas internas de um país terceiro contraria princípios fundamentais da OMC. A tarifa americana, sem alegação de dumping, subsídio proibido ou emergência econômica, parece carecer de fundamento jurídico legítimo.
Esse episódio também reflete a fragilidade do sistema multilateral, já que a OMC, atualmente paralisada em suas funções jurisdicionais, não conseguiu oferecer uma resposta rápida à demanda brasileira. Esse vácuo incentiva o unilateralismo e mina a confiança nas instituições globais.
4. O Comércio como Ferramenta Geopolítica
A tarifação como retaliação política não é nova. Embargos e sanções têm sido usados ao longo da história para isolar regimes ou pressionar mudanças. Porém, usá-la para defender um indivíduo aliado, e não para proteger princípios universais, é um desvio ético que escancara a instrumentalização do comércio para fins pessoais e ideológicos.
Essa tendência ameaça transformar o comércio internacional numa nova arena de conflitos políticos, colocando em risco sua estabilidade e previsibilidade.
Conclusão
A tarifa americana de 50% sobre produtos brasileiros evidencia os perigos de submeter o comércio internacional a disputas políticas internas. Essa prática fere princípios do direito econômico internacional, prejudica economias emergentes e mina o sistema multilateral.
O episódio ressalta a importância de fortalecer mecanismos de governança global capazes de proteger a soberania dos Estados e garantir que o comércio permaneça uma atividade orientada por regras justas, e não um instrumento arbitrário de poder.
Para o Brasil, fica a lição de que a diversificação de parceiros comerciais e a defesa firme da soberania e do multilateralismo são estratégias indispensáveis para enfrentar as pressões externas e garantir seus interesses nacionais.