5. Considerações Finais
O Orçamento Participativo (OP) se consolida como um processo educativo e um "contrato social" que transcende a mera alocação de recursos. Ele opera como um regulador de direitos e um elemento construtor de uma cultura pública democrática, onde são definidos critérios de equidade e justiça para a aplicação dos recursos municipais. Os exemplos contemporâneos demonstram a viabilidade de se edificar uma cidadania ativa e qualificada na gestão dos recursos públicos, capaz de formular proposições concretas para o desenvolvimento urbano e social.
Embora o OP tenha impulsionado a perspectiva democrática, especialmente na superação da exclusão social, é imperativo reconhecer que o processo não está imune a contradições e potenciais manipulações. A consolidação de uma cultura participativa genuinamente republicana e democrática, em uma sociedade com raízes autoritárias e clientelistas, enfrenta ameaças constantes de retrocesso. Essa vulnerabilidade se acentua quando a experiência participativa se converte em uma fonte de poder efetiva. Fundamentalmente, por se tratar de um processo de cogestão, o OP exige um esforço contínuo de democratização por parte de ambos os lados: governo e cidadania.
A participação direta do cidadão no levantamento de suas necessidades e na priorização dos investimentos públicos promove uma transformação nas relações sociais e políticas, possibilitando o resgate da soberania popular como um dos fundamentos do poder público. O Orçamento Participativo, por meio da participação e fiscalização ativa da sociedade, pode se configurar como um instrumento crucial no combate à corrupção e ao clientelismo. Contudo, se não forem estabelecidos internamente parâmetros públicos sólidos para o processamento das demandas, o OP pode, paradoxalmente, tornar-se uma nova via de dominação, através da cooptação de lideranças ou da oferta de cargos e contratos de terceirização de serviços públicos. A autonomia popular, portanto, é uma condição sine qua non para o bom funcionamento dos processos de cogestão.
O OP é um processo educativo engenhoso que, a partir de demandas particularistas e locais, e mediante um processo de filtragem e negociações, permite a discussão de questões mais amplas da cidade. Nesse sentido, ocorre um aprendizado da política como uma arena de alianças, negociações, conflitos e barganhas. Adicionalmente, a mobilização da sociedade gera transformações político-administrativas. Em diversas experiências, o Poder Legislativo Municipal, inicialmente refratário ao novo procedimento, acaba por ceder ou, no mínimo, reduzir consideravelmente o exercício de seu poder de veto às prioridades definidas pelo Orçamento Participativo, ao reconhecer a legitimidade social do processo e sentir a pressão da sociedade organizada durante o trâmite legislativo. Além de mitigar as práticas clientelistas de alocação de recursos, o maior mérito do Orçamento Participativo reside em sua capacidade de combinar características democráticas e progressistas com a habilidade de competir vantajosamente com tais práticas. Há, ainda, o impacto modernizador produzido pelo OP, que se manifesta em transformações e no aumento da eficiência dos órgãos públicos municipais responsáveis por obras e prestação de serviços sociais, como consequência da pressão e da maior capacidade de fiscalização dos cidadãos, propiciadas pelos instrumentos disponibilizados pelo Orçamento Participativo.
Em suma, a relevância do Orçamento Participativo como mecanismo de aprimoramento da governança democrática é inegável. No entanto, sua efetividade e sustentabilidade dependem de um compromisso contínuo com a transparência, a inclusão e a superação dos desafios inerentes à sua implementação, garantindo que o processo não seja desvirtuado e que os retrocessos sejam evitados. O OP representa um caminho promissor para a construção de uma sociedade mais justa e participativa, onde a voz do cidadão ressoa na definição dos rumos da gestão pública.
Referências
1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
2 BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm.
3 PIRES, Valdemir. Orçamento Participativo: o que é, para que serve e como se faz. São Paulo: Manole, 2000.
4 UNITED NATIONS. Habitat II: The City Summit. Istanbul, Turkey, 3-14 June 1996. Disponível em: https://unhabitat.org/habitat-ii-the-city-summit.
5 WORLD BANK. Participatory Budgeting. Disponível em: https://www.worldbank.org/en/topic/governance/brief/participatory-budgeting.