EDUARDO PEREIRA NOGUEIRA DA GAMA
BRASÍLIA
2025
Resumo
O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo realizar um estudo sobre a metodologia ativa de aprendizagem conhecida como Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), a qual vem crescendo em utilização nas instituições educacionais brasileiras de todos os níveis, seja no superior, no médio e no fundamental. Estudaremos o conceito de metodologia, da metodologia tradicional de ensino-aprendizagem e das metodologias ativas de ensino-aprendizagem, as origens destas últimas e a sua correlação com o ambiente educacional motivador. Posteriormente, veremos algumas abordagens pedagógicas importantes para tal ambiente. Em seguida, estudaremos o conceito e a importância da aprendizagem significativa nas metodologias ativas de aprendizagem bem como sua relação com a educação transformadora. Seguiremos analisando alguns tipos de metodologias ativas de aprendizagem, incluindo a ABP. Entraremos na parte mais específica do estudo, analisando a ABP e suas origens e seus princípios. Discorreremos sobre as aparentes dificuldades que são encontradas pela ABP, para em seguida elucidar a importância de alguns de seus procedimentos. Faremos uma comparação entre metodologia tradicional de ensino-aprendizagem (com suas falhas) e a metodologia ativa da ABP (com suas virtudes), tendo em vista a utilidade menor ou maior delas para o mundo do trabalho. Depois disso, abordaremos brevemente os fundamentos da Andragogia e o embasamento da natureza científica da ABP. Ato seguinte, defenderemos a importância da Andragogia e da ABP para a formação de policiais civis e adultos em geral nos cursos da ESPC (Escola Superior de Polícia Civil do DF). Seguiremos dissertando sobre a importância do desenvolvimento de saberes e habilidades docentes para um processo de aprendizagem eficaz. Passaremos a fundamentar a importância da adoção das metodologias ativas de aprendizagem pela Matriz Curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública de 2014, bem como a eficácia da ABP como uma destas metodologias. Logo depois, citaremos algumas experiências de sucesso com a ABP. Ao final, discorreremos sobre os métodos de avaliação tradicional e inovador (no qual se encaixa a ABP).
Abstract
The present research conducts a study on the active learning methodology known as Problem-Based Learning (PBL), which has been growing in use in Brazilian educational institutions at all levels, whether in the higher, middle, and elementary ones. For this, We will start discussing the traditional teaching-learning methodology and the concept of methodology. Later, We will introduce the study on active teaching-learning methodologies (or simply "active learning methodologies"), addressing their origins and their connection with the motivating educational environment. Later, We will see some important pedagogical approaches to this environment. Next, We will study the concept and importance of “meaningful learning process” in active learning methodologies as well as its relationship with transforming education. We will continue by analyzing some types of active learning methodologies, including PBL. Then, We will enter the most specific part of the study, analyzing the PBL and its origins and its principles. We will discuss the apparent difficulties encountered by the PBL, and then describe the importance of some of its procedures. We will make a comparison between traditional teaching-learning methodology (with its failures) and the PBL active methodology (with its virtues), in view of the smaller or greater usefulness of them for the world of work. After that, We will briefly address the foundations of Andragogy and the basis for the scientific origin of PBL. On the next act, We defend the importance of Andragogy and PBL for the education of police officers and civil adults in general on the courses of ESPC (Civil Police Superior School of the Federal District of Brazil). We will continue by analyzing the importance of the teachers and professors to develop different kinds of knowledge and skills to help build an effective learning process. We will now base the importance of the adoption of active learning methodologies by the 2014 Curriculum Matrix of the National Secretariat of Public Security, as well as the effectiveness of PBL as one of these methodologies. Soon after, we will cite some successful experiences with the PBL. At the end, we will discuss the traditional and innovative evaluation methods (the PBL fits the latter).
1. A Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem
1.1. Conceito de metodologia
Para Guilherme Mendes, a palavra “metodologia”, consiste no “campo [do conhecimento humano] que estuda os melhores métodos praticados”. 1
Já segundo outro conceito, “metodologia é o ramo da lógica que estuda os métodos em diferentes ciências”.2
Segundo outro conceito do mesmo termo, “metodologia” é sinônimo de “método” - modo usado para realizar alguma coisa; técnica; método científico; reunião dos meios através dos quais é possível alcançar um objetivo.3
Assim, conforme os conceitos vistos, a metodologia pode tanto fornecer a justificativa lógica/científica para um determinado método/abordagem para se alcançar um objetivo, como também pode ser considerada o próprio método/abordagem a ser aplicado para o alcance de resultados em várias áreas do saber como: ensino, pesquisa, ciências, direito, engenharia, medicina e outras.
1.2. A Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem
Tem sido comum, para as gerações de estudantes que tem se formado na educação fundamental, na educação de nível médio e até mesmo na educação universitária, a adoção de uma metodologia com predominância do protagonismo do professor, na qual o aluno nunca participa ou participa muito pouco. A baixíssima participação dos alunos no próprio processo de aprendizagem acaba resultando de métodos e abordagens conhecidos como integrantes da metodologia tradicional de ensino-aprendizagem, conforme será visto.
Roberto Vatan dos Santos (2005)4 discorre sobre a “abordagem tradicional do ensino-aprendizagem”, a qual é plenamente aplicável para desvendar as características da Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem, que fundamenta exatamente tal abordagem/método de ensino.
Roberto Vatan dos Santos (2005)5 pontua bem as características do que ele chama de “abordagem tradicional” de Ensino-Aprendizagem:
Seria uma prática educativa caracterizada pela transmissão dos conhecimentos acumulados pela humanidade ao longo dos tempos, tarefa esta que caberia essencialmente ao professor em sala de aula, agindo independentemente dos interesses dos alunos em relação aos conteúdos das disciplinas;
Essa atividade envolve programas minuciosos, rígidos e coercitivos, exames seletivos, investidos de caráter sacramental. O objeto do ensino é o conhecimento, sendo o aluno seu depositário. Tal prática forma alunos passivos, produz cidadãos obedientes e prepara o terreno para o Ditador paternalista. A sociedade fica marcada pelo individualismo e não pela solidariedade;
O professor é o “transmissor” dos conteúdos aos alunos e predomina como autoridade;
O aluno é um ser “passivo” que deve assimilar os conteúdos transmitidos pelo professor. Deve dominar o conteúdo cultural universal transmitido pela escola;
Quanto ao ensino e à aprendizagem, os objetivos educacionais obedecem à sequência lógica dos conteúdos. Os conteúdos são baseados em documentos legais, selecionados a partir da cultura universal acumulada. Predominam aulas expositivas, com exercícios de fixação e leituras-cópia;
A escola é o lugar ideal para a realização da educação, organizada com funções claramente definidas e normas disciplinares rígidas. Deve preparar os indivíduos para a sociedade.
Verifica-se, dessa forma, que a Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem não se preocupa com os interesses dos alunos, os conteúdos a serem lecionados são selecionados segundo uma escala de critérios alheia aos educandos, que devem ser meros depositários passivos e obedientes dos conhecimentos que outras pessoas acharam necessários para os alunos. Nessa lógica, os alunos são formados para a competição e o individualismo, e não para agirem de forma solidária uns com os outros. O resultado disso, além da falência da aprendizagem, é o não desenvolvimento, pelos alunos, de habilidades para agirem de forma colaborativa ou cooperativa uns com os outros, o que prejudica o mundo do trabalho de hoje em dia, que necessita de pessoas com tais habilidades a fim de resolverem os problemas cada vez mais complexos que vêm surgindo.
Dessa forma, conclui-se que a Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem impõe métodos e abordagens que não levam a uma efetiva aprendizagem dos conteúdos educacionais pelos alunos, o que, em última instância, ou em essência, tendo-se em conta nossa Constituição Federal de 1988, materializa um desrespeito aos direitos educacionais dos educandos.
2. As metodologias ativas de aprendizagem
Conforme PAIVA, PARENTE, BRANDÃO e QUEIROZ (2016)6, não existe uma única, mas várias metodologias ativas de ensino-aprendizagem7. Para tais autores, as metodologias ativas de aprendizagem rompem com o modelo tradicional de ensino (o qual, como visto, é desestimulante e não motivador para o aluno) e se fundamentam em uma pedagogia problematizadora, onde o aluno é estimulado a assumir uma postura ativa em seu próprio processo de aprender, buscando a autonomia do educando e a sua aprendizagem significativa8.
Nesse sentido, apontam os pesquisadores que a educação do Século XXI está deslocando o seu enfoque meramente individual para outros enfoques como o social, o político e o ideológico. A educação passa a ser vista como um processo contínuo que dura a vida toda, o qual não é neutro. Lembram dos quatro pilares do conhecimento e da formação continuada que foram declarados pela UNESCO, quais sejam:
a) aprender a conhecer;
b) aprender a fazer;
c) aprender a conviver;
d) aprender a ser.
Tais pilares apontam novos rumos para as propostas educativas e indicam a necessidade de atualização das metodologias educacionais.
Já de acordo com a Cartilha “Cardápio de Metodologias – Versão Gratuita”9, distribuída pela Editora BR.INO Robótica Educacional, as Metodologias ativas são técnicas, estruturas, recursos, sistemas ou abordagens cujo objetivo é incentivar seus estudantes a aprender de forma mais autônoma. A proposta busca colocar o estudante no centro do processo de aprendizagem, participando ativamente e sendo responsável pela construção do conhecimento. Para cumprir com tal premissa, esses métodos utilizam atividades que envolvem colaboração, problemas reais, diversão, empatia, pensamento crítico e, em vários casos, tecnologia para engajar cada aluno da sala de aula.
Neste ponto, destacam os pesquisadores referidos PAIVA, PARENTE, BRANDÃO e QUEIROZ (2016) que diversos processos de ensino e de aprendizagem são pautados na aprendizagem pela interação social, preconizada por Lev Vygotsky (1896-1934), na aprendizagem pela experiência (Dewey, 1978), na aprendizagem significativa de David Ausubel (1918-2008) e na aprendizagem que leva em consideração a perspectiva freiriana da autonomia (Freire, 2015).
Dessa forma, cada vez mais a tendência no meio educacional é a adoção de metodologias ativas de ensino-aprendizagem sempre que o processo educativo e os atores envolvidos com suas características e contexto experiencial permitirem.
2.1. As origens das metodologias ativas de aprendizagem
As origens das práticas relacionadas às metodologias ativas de aprendizagem não são essencialmente novas. O primeiro indício dos métodos ativos de ensino-aprendizagem encontrar-se-ia na obra “Emílio”, do francês Jean Jacques Rousseau (1712-1778), tido como o primeiro tratado sobre filosofia e educação do mundo ocidental, e na qual a experiência assume destaque em detrimento da teoria. 10
Os pressupostos básicos de Rousseau a respeito da educação eram a crença na bondade natural do homem, e a atribuição, à civilização, da responsabilidade pela origem do mal. Para Rousseau, a educação deveria levar o homem a agir por interesses naturais e não por imposição de regras exteriores artificiais, pois só assim o homem poderia ser dono de si próprio.
Outro aspecto da educação natural de Rousseau está em não aceitar uma educação intelectualizada, levando ao ensino formal e livresco. O homem não é constituído apenas por intelecto, pois suas disposições primitivas, tais como os sentidos, os instintos, as emoções e os sentimentos existentes do pensamento elaborado são dimensões mais dignas de confiança.
Rousseau utiliza-se de novas ideias para combater as que prevaleciam em sua época há muito tempo, principalmente a de que a educação da criança deveria ser voltada aos interesses do adulto e da vida adulta. Introduz a concepção de que a criança é um ser com características próprias, e desse modo não podia ser vista como um adulto ou a partir de seu pensamento. Com estas ideias, derrubou concepções vigentes que pregavam ser, a educação, o processo pelo qual a criança adquire seus conhecimentos, atitudes, hábitos armazenados pela civilização, sem transformações.
Cada fase da vida, para Rousseau, tem suas características próprias. O homem e a sociedade modificam-se, e a educação é fundamental para a necessária adaptação a essas modificações. Rousseau afirma que a educação não vem de fora, é a expressão livre da criança no seu contato com a natureza.
No contexto de sua época, Rousseau formulou princípios educacionais que permanecem até os nossos dias, principalmente quando afirmava: que a verdadeira finalidade da educação era ensinar a criança a viver e aprender a exercer a liberdade. Pode-se afirmar que as ideias de Rousseau influenciam diferentes correntes pedagógicas, principalmente as tendências não diretivas, no século XX.
2.2. O ambiente educacional motivador das metodologias ativas
MAIA CAMARGO, FERREIRA CAMARGO e OLIVEIRA SOUZA (2019)11 após realizarem relevante pesquisa sobre motivação no processo ensino-aprendizagem, afirmam que um dos pressupostos para que o professor possa desenvolver um ambiente educacional motivador para os alunos é que ele tenha a sua própria motivação, enquanto presença fundamentada em sua missão profissional, para que possa bem desenvolver e exercer a sua capacidade/habilidade de estimular a motivação em cada aluno.
Por sua vez, os pesquisadores citados constataram que a motivação dos alunos pode ser derivada de estímulos internos ou de estímulos externos, entretanto foi predominante, nos estudos analisados, que o professor exerce grande influência para que seus alunos se mantenham motivados.
De qualquer forma, a título de discussão, os pesquisadores explicam que a motivação intrínseca da pessoa/aluno está fundamentada por três características: determinação, competência e satisfação em fazer algo próprio e familiar. Assim, na escola, a própria matéria de estudo poderá despertar na pessoa uma atração que o impulsiona a vencer obstáculos e ter sucesso na aprendizagem. Uma característica importante desta definição é a autonomia e o autocontrole. Já na motivação extrínseca, o estímulo é algo externo, que também impulsiona o indivíduo em determinada direção, fazendo-o agir. Todavia, nesse ponto, nem todo estímulo externo ou “motivação externa” merece ser acolhida no ambiente educacional.
Alguns exemplos destes “estímulos externos” que não merecem ser acolhidos no ambiente educacional são trazidos pelos autores MAIA CAMARGO, FERREIRA CAMARGO e OLIVEIRA SOUZA (2019), fazendo referência às abordagens pedagógicas comportamentalistas/behavioristas, que defendem o controle e a moldagem dos comportamentos dos alunos por meio de estímulos/recompensas materiais ou sociais (externos, portanto); punições e pressões (também externos).
A esse respeito, não concordamos com a aplicação das teorias/abordagens comportamentalistas no processo de ensino aprendizagem, uma vez que, conforme bem colocado por MIZUKAMI (1992)12, nelas, o homem não é livre, pode ser controlado e manipulado; o mundo “já é construído”, mas “o meio pode ser manipulado”, e “o homem é produto do meio”; os comportamentos reforçados devem servir ao poder; as escolas são agências educacionais de controle dos comportamentos, que mantém relações de interdependência com o governo, política, economia; a aprendizagem é uma prática reforçada; o professor deve controlar os passos dos alunos como um “engenheiro comportamental”.
As características das teorias comportamentalistas remetem a teorias e abordagens que desconsideram que cada ser humano é um ser dotado de inúmeros potenciais únicos a serem desenvolvidos (as pessoas não são robôs ou autômatos a serem programados de forma igual), tendo seus intelectos próprios, suas ideias e experiências próprias adquiridas. Cada ser humano é diferente do outro, seja em potencialidades inatas, seja em experiências adquiridas. Não observar isso no processo de ensino-aprendizagem, é desconsiderar a parte mais humana da natureza humana. É uma verdadeira violência da máquina do Estado.
Entendemos que todo estímulo externo que venha a ser adotado durante o ensino-aprendizagem e que tenha como finalidade e/ou resultado a anulação da autenticidade, da autonomia e das potencialidades próprias de cada aluno, a pretexto de se moldarem mecanicamente e artificialmente seres autômatos e subservientes às estruturas de poder, sem que se tornem seres críticos e sem que tenham real liberdade e autonomia de ação, NÃO DEVE SER considerado como uma motivação externa adequada para gerar um ambiente educacional motivador.
O ambiente educacional motivador deve ser tal que os alunos desenvolvam não somente seus potenciais inatos, mas também competências que os permitam pensar, agir e interagir corretamente com a sociedade, tendo pensamento crítico, reflexivo (aprendendo também com seus atos) e sendo também pessoas autônomas.
MAIA CAMARGO, FERREIRA CAMARGO e OLIVEIRA SOUZA (2019) lembram que é essencial que o professor conheça os fundamentos da aprendizagem e as teorias sobre a motivação, pois somente saberá motivar para aprendizagem aquele que conhece como os alunos aprendem.
Tendo em vista que a atividade escolar se realiza de forma coletiva e em um contexto social, MAIA CAMARGO, FERREIRA CAMARGO e OLIVEIRA SOUZA (2019) defendem os seguintes princípios para orientar a construção de um ambiente educacional motivador:
O professor é, por excelência, o principal agente motivador. Por isso, primeiramente, ele próprio precisa estar motivado, ter compromisso pessoal com a educação, demonstrar dedicação, entusiasmo, amor e prazer no que faz.
O educador deve ser aquele que estabelece uma relação de afetividade com o aluno, que busca mobilizar a energia interna do mesmo. Se o clima de calor humano, desenvolvido pelo professor, é percebido no processo de interação, passando a imagem de pessoa digna de confiança, amistosa, é provável que os estudantes se esforcem para corresponder às suas expectativas.
A qualidade das relações (professor-aluno e aluno-aluno) que se estabelecem no interior da sala de aula tem implicações na motivação dos alunos.
Respeitados os passos anteriores, cabe ao professor criar um ambiente motivador. Isto significa desenvolver em sala de aula situações de aprendizagem em que o aluno tenha papel ativo na construção do conhecimento, usando adequadamente os recursos didáticos, a avaliação formativa, as estratégias de ensino e o conteúdo, proporcionando atividades desafiadoras.
Segundo a escala de Maslow é preciso também levar em consideração que fatores socioeconômicos e biológicos também condicionam a motivação. O professor não pode considerar o problema do desinteresse do aluno apenas como uma questão psicológica, a falta de motivação pode ocorrer, também, pela não satisfação de necessidades como fome, cansaço e afeto. O importante é avaliar cada caso e procurar resolvê-lo na medida do possível.
A motivação pode ser algo pessoal da pessoa, mas isso não quer dizer que estímulos externos que acontecem na escola não possam vir a motivar os alunos, como no caso do professor atuando na motivação extrínseca.
A motivação extrínseca e intrínseca são processos diferentes, mas numa mesma pessoa podem ser identificadas em conjunto, com vantagens potenciais, dependendo das situações vivenciadas como aquelas que o professor possa ter proporcionado diante de seus objetivos.
A motivação tem uma relação recíproca com a aprendizagem e o desempenho; isto é, a motivação influencia a aprendizagem e o desempenho, e o que os alunos fazem e aprendem influencia sua motivação. Quando os alunos atingem as metas de aprendizado, a realização das metas transmite a eles que possuem as capacidades necessárias para o aprendizado. Essas crenças os motivam a estabelecer novos objetivos desafiadores. Os alunos que são motivados a aprender frequentemente descobrem que, quando o fazem, estão intrinsecamente motivados a continuar seu aprendizado.
Para motivar alunos é imprescindível analisar as formas de pensar e aprender para assim, desenvolver estratégias de ensino que partam das suas condições reais, inseridos no processo histórico. Os educandos devem sentir-se estimulados a aplicar seus esquemas cognitivos e a refletir sobre suas próprias percepções nos processos educacionais, de modo que avancem em seus conhecimentos e em suas formas de pensar e perceber a realidade.
Diante disso, a motivação e o estilo motivacional do professor são fundamentais para o envolvimento dos estudantes na escola.
Uma vez reconhecendo que a aprendizagem é um processo pessoal, reflexivo e sistemático, que depende do despertar das potencialidades do educando, de maneira que ele se desenvolva sozinho, mas se ele contar com a ajuda de um educador, ele terá uma otimização dessa aprendizagem, além de motivos para ver na escola um ambiente que ele goste de estar.
No aspecto motivacional, o papel dos professores é fundamental, pois a criação de uma atitude positiva incentiva a aprendizagem. O professor motivador é um facilitador da aprendizagem, ao traçar estratégias de ensino facilita o desenvolvimento de seus alunos, proporcionando um ambiente de respeito e estimulando as habilidades e peculiaridades de cada um.
2.3. Algumas abordagens pedagógicas para um ambiente educacional motivador
Podemos descrever, com base em MIZUKAMI (1992)13, pelo menos três abordagens pedagógicas que se preocupam em proporcionar um ambiente educacional motivador, cada uma com seu método:
a) Abordagem humanista14
A abordagem humanista, defendida por Carl Rogers, Alexander Neill e Erich Fromm, possui enfoque no sujeito como principal elaborador do conhecimento humano e coloca ênfase em suas relações interpessoais, em sua vida psicológica e emocional, em sua personalidade individual e em seus processos de construção pessoal da realidade, não deixando de ver a pessoa com um ser integrado na sociedade.
Para tal abordagem, cada pessoa é única e em processo contínuo de descoberta e não existem modelos prontos nem regras a seguir, mas um processo de autorrealização. Cada pessoa é um ser do presente (aqui e agora), com capacidade de se desenvolver e se autodirigir, interagindo com as outras pessoas, sendo a realidade é um fenômeno subjetivo, pois o ser humano reconstrói o mundo exterior a partir da sua percepção.
Nesse sentido, a abordagem humanista defende que a pessoa tem consciência autônoma e interna que permite significar e optar, e não aceita o controle e a manipulação das pessoas. A única autoridade necessária aos indivíduos é a de estabelecer qualidade de relacionamento interpessoal. Rege-se pelo pensamento de que a sociedade e a cultura devem tornar os seres humanos felizes e com sendo de autenticidade, com base em valores baseados no “ser” e não no “ter”.
Para a abordagem humanista, a educação é centrada na pessoa, no aluno, e é democrática. A finalidade da educação é criar condições que facilitem a aprendizagem, liberando no aluno a capacidade de autoaprendizagem (desenvolvimento intelectual e emocional), tornar os alunos pessoas de iniciativa, de responsabilidade, de autodeterminação, com espírito livre e criativo.
A ação pedagógica humanista deve ser crítica e consciente. Sua escola visa a estabelecer um clima adequado para a aprendizagem e o compromisso e a liberdade para aprender. Com efeito, o processo educacional adota métodos não diretivos: deve-se “dirigir” a pessoa à sua própria experiência, para que ela possa se estruturar e agir, afinal, os alunos têm personalidades únicas respondendo às circunstâncias únicas. Preconiza que a aprendizagem deve influir significativamente sobre o comportamento (autodescoberta, autodirigida e auto apropriada).
Na abordagem humanista, o professor é uma personalidade única que assume a função de facilitador da aprendizagem. O relacionamento entre professor e aluno é sempre pessoal e único, no qual deve haver uma compreensão empática e o apreço (aceitação e confiança). O aluno deve se responsabilizar pelos objetivos referentes à aprendizagem (um ser que se autodesenvolve).
Quanto à metodologia, as estratégias instrucionais são secundárias. Deve-se estimular a curiosidade e o interesse dos alunos, que escolhem o que querem aprender. Os conteúdos devem ser significativos, pesquisados pelos alunos, que devem ser capazes de analisa-los criticamente.
Quanto à avaliação, encontra-se um desprezo por qualquer padronização de produtos de aprendizagem e competências, uma vez que crianças e adultos aprendem o que desejam aprender. Utiliza-se a autoavaliação (com critérios), pois só o indivíduo pode conhecer a sua experiência.
Verifica-se nos trechos grifados acima como a abordagem pedagógica humanista converge de modo decisivo para criar um ambiente educacional motivador, tema sobre o qual havíamos discutido anteriormente.
b) Abordagem cognitivista15
Conforme MIZUKAMI (1992), essa abordagem, criada principalmente com base na obra de JEAN PIAGET, dentre outros, dá ênfase à aprendizagem, aos processos cognitivos, à investigação científica e à capacidade do aluno de integrar informações e processa-las. É uma abordagem interacionista. Parte do pressuposto de que o desenvolvimento do ser humano ocorre por fases que se interrelacionam e se sucedem (estágios). Haveria um processo progressivo (assimilação de novos conhecimentos acomodação dos novos conhecimentos junto aos conhecimentos já existentes superação, com reconfiguração dos conhecimentos anteriores com os novos. Em outras palavras, o conhecimento progride mediante a formação de estruturas. Tudo o que se aprende é assimilado por uma estrutura já existente e provoca uma reestruturação).
Segundo essa abordagem, o mundo, o meio, estão a serviço do ser humano, modificando-o. O ser humano adquire instrumentos de adaptação que lhe irão possibilitar enfrentar qualquer perturbação do meio, podendo usar a descoberta e a invenção como instrumentos de adaptação às suas necessidades. Para essa abordagem, a criança reinventa o mundo. No mesmo sentido, entendemos que isso também se pode dizer do adulto que esteja integrado de forma crítica à sua realidade.
Para a abordagem cognitivista, a sociedade e a cultura devem caminhar no sentido da democracia, que não é um produto final, mas uma tentativa constante de conciliação na sociedade, onde a liberdade implica na participação ativa da elaboração de regras comuns para o grupo. Ou seja, não se trata de uma liberdade sem responsabilidade, mas uma liberdade para poder participar de forma livre e crítica da construção das regras sociais. O “Contrato Social”, nesse sentido, seria uma forma conciliatória, contendo as regras de consenso do grupo, satisfazendo os membros do grupo.
Para essa abordagem, o conhecimento é o produto da interação entre homem/mundo e sujeito/objeto. Toda a atividade humana envolve inteligência e afetividade. As fases de aquisição do conhecimento seriam exógenas (cópia, repetição) e endógena (compreensão das relações, das combinações). Nesse contexto, a educação é um todo indissociável, considerando-se dois elementos fundamentais: o intelectual e o moral.
Nesse método, o objetivo da educação é que que o aluno aprenda por si próprio, que tenha autonomia intelectual (pela socialização, pelo desenvolvimento da personalidade e do instrumental lógico-racional). Ele defende que a escola deveria começar ensinando a criança a observar (ação real e material, investigação individual, tentativas), dando ao aluno a possibilidade de aprender por si próprio. Nessa concepção, a escola deve possibilitar ao aluno o desenvolvimento de suas possibilidades de ação motora, verbal e mental, para que possa intervir e inovar a sociedade.
Nesse sentido, o processo de ensino-aprendizagem deve oferecer liberdade de ação e propor trabalhos com conceitos. Deve desenvolver a inteligência, priorizando o sujeito ativo. Para ele, aprender significa assimilar o objeto a esquemas mentais. O ensino deve ser baseado no ensaio e erro, na pesquisa, na investigação, na solução de problemas.
Para abordagem cognitivista, deve haver livre cooperação dos alunos entre si e não apenas entre professor e aluno. O professor deve provocar desequilíbrios e fazer desafios, orientando o aluno para que tenha autocontrole e autonomia. Deve assumir o papel de investigador, pesquisador, orientador, coordenador. O aluno deve ser um sujeito ativo, independente.
Quanto à metodologia, conforme lembra MIZUKAMI (1992), PIAGET não chegou a construir um modelo ou uma abordagem pedagógica cognitivista, uma vez que ele construiu uma Teoria do Conhecimento. Todavia, a Teoria de PIAGET, mesmo assim, foi utilizada para a construção da abordagem pedagógica cognitivista ora tratada. E dentro dessa abordagem cognitivista, a inteligência se constrói a partir da troca do organismo com o meio, por meio das ações do indivíduo, que são o centro do processo. Demais disso, a didática é baseada na investigação (experiências e jogos feitos pelos alunos), em um ambiente desafiador, problematizador, em um método ativo.
Por fim, na abordagem cognitivista, a avaliação deverá ser realizada a partir de parâmetros extraídos da própria teoria e implicará em verificar se o aluno adquiriu noções, conservações, realizou operações, estabeleceu relações etc. O controle do aproveitamento deve ser apoiado em múltiplos critérios, considerando a assimilação e a aplicação do conhecimento.
Após o que foi exposto, percebe-se que a abordagem cognitivista, apesar de ter alguns pontos de diferença com a abordagem humanista (exemplificando-se o processo avaliativo), possui muitos aspectos direcionados para a construção do ambiente educacional motivador. Nesse sentido, foram grifados acima aqueles trechos da abordagem cognitivista que possuem relação mais direta com o tema do ambiente educacional motivador, descrito anteriormente.
c) Abordagem sociocultural16
Defendida por Vygotsky, Paulo Freire e Álvaro Vieira Pinto, conforme leciona MIZUKAMI (1992), a abordagem sociocultural enfatiza aspectos sociopolítico-culturais, preocupando--se com a cultura popular. Nesse sentido, defende que o Movimento de Cultura Popular deve possibilitar uma real participação do povo como sujeito de um processo cultural.
Nessa abordagem, o homem é o sujeito da educação, é o elaborador e criador do conhecimento. É um sujeito concreto, que através de uma consciência crítica, assumirá cada vez mais esse papel de sujeito, escolhendo, decidindo e libertando-se. Desse modo, a interação homem-mundo, sujeito-objeto é imprescindível para que o ser humano se desenvolva e se torne o sujeito de sua práxis. Demais disso, entende-se que o mundo é transformado pela ação e reflexão dos homens (seres situados no e com o mundo).
Para essa abordagem, a cultura constitui a aquisição sistemática (crítica e criadora) da experiência humana.
A presente abordagem sustenta que a participação do homem como sujeito na sociedade, na cultura e na história, se faz na medida de sua conscientização, a qual implica desmitificação (tomada de consciência crítica de uma realidade que se desvela). Com isso, passa a ser combatida a Cultura do Silêncio, feita com base na “dependência” e “domesticação” dos seres humanos fragilizados; passa a ser descontruída a Sociedade Objeto, feita com base nas pessoas dependentes e na cultura alienada. Todavia, para a abordagem sociocultural, a escola assume papel fundamental nesse processo de conscientização, já que se defende que a elaboração e o desenvolvimento do conhecimento estão ligados ao processo de conscientização. Deve haver a superação da dicotomia sujeito-objeto (não existe separação entre eles, mas interação com influências recíprocas). A conscientização deve ser um contínuo e progressivo desvelamento da realidade (reflexão crítica).
Sob a abordagem sociocultural, a ação educativa deve ser precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida desse homem concreto – o sujeito da educação. Por sua vez, a educação ocorre enquanto processo, e não é neutra, é um ato político. Ela tem também um caráter utópico, uma esperança utópica, o que em si não é ruim, pois transmite, aos participantes do processo, ideais de mudança para um mundo melhor. Nesse âmbito, a educação não é restrita à escola em si e nem a um processo de educação formal. Deve ser um local onde seja possível o crescimento mútuo do professor e dos alunos. Deve ser uma instituição que existe num contexto histórico de uma determinada sociedade.
Na abordagem sociocultural, o ensino-aprendizagem deverá procurar a superação da relação opressor-oprimido. A educação deve ser problematizadora: buscar o desenvolvimento da consciência crítica, o desvelamento da realidade e o ato de conhecimento, garantidos através do diálogo. Nesse sentido, nessa abordagem, a relação professor-aluno é horizontal e não imposta, mas a consciência ingênua deve ser superada. O professor procurará desmistificar e questionar com o aluno a cultura dominante, valorizando a linguagem e a cultura deste, criando condições para que cada um deles analise seu conteúdo e produza cultura. Nesse contexto, professor e aluno buscam conjuntamente a superação da consciência ingênua.
Nessa abordagem, a metodologia é dialógica e conscientizadora e possui as seguintes características básicas: o aluno é ser ativo, dialógico e crítico e deve criar um conteúdo programático próprio.
Por fim, a abordagem sociocultural propõe que a avaliação seja realizada por meio de autoavaliação e/ou avaliação mútua e permanente da prática educativa, por professor e aluno.
Após o que foi exposto sobre a abordagem sociocultural, verifica-se que ela também é uma abordagem pedagógica direcionada para a construção de um ambiente educacional motivador, o que pode ser verificado a partir dos trechos que foram grifados acima quando da exposição dessa abordagem.
Por fim, quanto às três abordagens educacionais analisadas, deve ser lembrado que MIZUKAMI (1992) observa de forma relevante que as três abordagens podem ser utilizadas conjuntamente, no todo ou em parte, conforme as necessidades e características da metodologia educacional que será aplicada. Portanto, percebe-se a abertura pedagógica para a aplicação de tais abordagens pelas metodologias ativas de aprendizagem.
2.4. A aprendizagem significativa nas metodologias ativas de aprendizagem e sua relação com uma educação transformadora
Conforme GOMES e MOTA (2013)17, o termo “aprendizagem significativa” constitui a ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel et. al (1968), segundo a qual a “aprendizagem significativa” ocorre por assimilação de novos conceitos e proposições na estrutura cognitiva do aluno. Novas ideias e informações são aprendidas, na medida em que existem pontos de ancoragem (conhecimentos prévios).
Contudo, a aprendizagem implica em modificações na estrutura cognitiva anterior também, e não apenas em “acréscimos isolados” de elementos do saber, pois os conhecimentos se interrelacionam, se fundamentam, se justificam uns aos outros, mas pode ocorrer que, também, um novo conhecimento modifique um anterior, ou até mesmo o invalide. Essas ressignificações ou novas significações do processo cognitivo, decorrentes da interação entre conhecimentos prévios e novos, constituem a aprendizagem significativa.
Também discorrendo sobre aprendizagem significativa, AUGUSTINHO e VIEIRA (2021)18 explicam, com base na obra de AUSUBEL, que o conceito de aprendizagem significativa se funda na teoria da assimilação da aprendizagem e da retenção significativas, a partir dos mecanismos de explicação dos processos psicológicos de aprendizagem e de retenção cognitivas humanas.
Assim, a aprendizagem significativa ocorre quando uma nova informação se relaciona com um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do aprendiz, produzindo novos significados. Os aspectos relevantes da estrutura cognitiva que servem de “ancoradouro” para a nova informação são chamados “subsunçores”. À medida que o conhecimento prévio serve de base para a atribuição de significados à nova informação, ele também se modifica, ou seja, os subsunçores vão adquirindo novos significados e se transmutando.
Nessa teoria da AUSUBEL, apud. AUGUSTINHO e VIEIRA (2021), o conhecimento é significativo por definição. É o produto significativo de um processo psicológico cognitivo (saber) que envolve a interação entre ideias logicamente (culturalmente) significativas, ideias anteriores (ancoradas) relevantes da estrutura cognitiva particular do aprendiz (ou estrutura dos conhecimentos deste) e o mecanismo mental do mesmo para aprender de forma significativa ou para adquirir e reter conhecimentos. Teríamos algo como:
Conhecimento => produto (resultado) significativo de um processo psicológico cognitivo
(saber) que envolve a interação de 3 fatores na mente humana:
Mecanismo mental Ideias anteriores (ancoradas) Ideias novas
do aprendiz para relevantes da estrutura logicamente
aprender de forma + cognitiva particular + (culturalmente) = CONHECIMENTO
significativa ou para do aprendiz (ou estrutura significativas NOVO
adquirir e reter dos conhecimentos dele)
conhecimentos
Esquema 1: dinâmica da aprendizagem significativa
Na Teoria de AUSUBEL, apud. AUGUSTINHO e VIEIRA (2021)19, existem algumas definições importantes. Ele apresenta os tipos de aprendizagem por recepção significativa como sendo: aprendizagem representacional, aprendizagem conceitual e aprendizagem proposicional.
A aprendizagem representacional é definida por ele como sendo aquela que se aproxima da aprendizagem por memorização, porém é significativa, pois ocorre sempre que o significado dos símbolos arbitrários se equipara aos referentes (objetos, acontecimentos, conceitos) e tem para o aprendiz o significado, seja ele qual for, que os referentes possuem. A aprendizagem conceitual é uma extensão da representacional e ocorre quando há formação e assimilação de conceitos, possuindo fases sucessivas de aperfeiçoamento. A aprendizagem proposicional é aquela que necessita do conhecimento prévio (de conceitos e símbolos) para atingir a compreensão sobre uma proposição.
Nesse contexto, o conhecimento prévio é condicionante para a nova aprendizagem, ocorrendo uma interação entre o novo e o já existente, sendo ambos modificados. Na aprendizagem significativa, o novo conhecimento nunca é internalizado de maneira literal porque no momento em que passa a ter significado para o aprendiz, entra em cena o componente idiossincrático da significação. Esse componente é único, pessoal, de cada indivíduo, e como tal é que é assimilado.
Outra distinção importante feita por AUSUBEL, cf. AUGUSTINHO e VIEIRA (2021), está relacionada à aprendizagem por recepção e aprendizagem pela descoberta, que são dois tipos de processos bastante diferentes. O autor destaca que a maior parte da instrução na sala de aula está organizada nas linhas da aprendizagem por recepção. E ele vai além, ao afirmar que a aprendizagem por recepção e a aprendizagem pela descoberta não só possuem basicamente uma natureza e processos essencialmente diferentes como também diferem no que toca aos próprios papéis principais no desenvolvimento intelectual e no funcionamento cognitivo. Essencialmente, adquirem-se grandes conjuntos de matérias na escola através de aprendizagem por recepção ao passo que os problemas cotidianos se resolvem através da aprendizagem pela descoberta.
A pesquisa promovida por AUGUSTINHO e VIEIRA20 concluiu que, de posse dos conceitos da Teoria Cognitiva de AUSUBEL (em especial o da aprendizagem significativa), várias metodologias ativas voltadas para o processo ensino-aprendizagem passaram a se preocupar com a aprendizagem significativa em sala de aula, incorporando-a em seus métodos.
Afinal, levar em consideração os conhecimentos prévios/adquiridos dos alunos para a produção de novos conhecimentos passou a ser não só uma forma inteligente, dignificadora e empática de envolver e motivar os alunos no processo de ensino-aprendizagem como também uma forma de fazer com que eles produzissem efetivamente novos conhecimentos a partir dos já existentes, intensificando o ambiente motivador e colocando os alunos como sujeitos ativos da própria aprendizagem.
Demais disso, conforme PAIVA, PARENTE, BRANDÃO e QUEIROZ (2016)21, a integração entre teoria e prática fomentada por meio das metodologias ativas lança um novo horizonte de possibilidade de formação, que faz mais sólida e coerente e efetiva o que se conhece por aprendizagem significativa. A relação com a realidade facilita a fixação dos conteúdos, uma vez que ganham significado e força, o que promove o desenvolvimento do pensamento crítico.
Percebe-se, portanto, que as metodologias ativas, por aliarem a teoria com a prática, tornarem o aluno o sujeito ativo de sua própria aprendizagem e criarem um ambiente educacional motivador, multiplicam muito as possibilidades educacionais da aprendizagem significativa.
Questiona-se, por fim, qual seria a relação entre aprendizagem significativa e educação transformadora. Nesse sentido, AUGUSTINHO e VIEIRA (2021)22 defendem que, nessa discussão, deve haver primeiramente uma parceria das metodologias ativas com o embasamento teórico da aprendizagem significativa (que decorre de uma teoria do conhecimento e de como ele é adquirido, produzido, processado, algo necessário para se pensar o ensino-aprendizagem), pois acredita-se que o ensino deve culminar com a aprendizagem significativa dos alunos, sujeitos de suas aprendizagens.
Essa abordagem vai ao encontro de uma perspectiva transformadora da realidade na qual, segundo GEMIGNANI, apud. AUGUSTINHO e VIEIRA (2021), “a complexidade dos problemas atuais exige novas competências, além do conhecimento específico, tais como: colaboração, conhecimento interdisciplinar, habilidade para a inovação, trabalho em grupo, educação para o desenvolvimento sustentável, regional e globalizado.” Ou seja, uma concepção na qual as questões sociais, culturais, éticas, econômicas, ambientais, políticas são problematizadas para uma tomada de decisão participativa e responsável.
Portanto, quando se fala em uma educação transformadora, está-se a falar sobre o que se quer para as instituições de ensino, a partir da adoção das metodologias ativas com foco na aprendizagem significativa:
Uma educação que transforme as pessoas em cidadãos livres pensantes; profissionais autônomos com competências cognitivas, operativas e atitudinais; pessoas reflexivas, críticas, cooperativas, democráticas, éticas;
Uma educação que transforme as instituições em espaços de debate e compartilhamento de ideias, produção de novos conhecimentos, cooperação e colaboração entre as pessoas.
MORAN (2016)23 defende que a transformação da educação é algo que hoje é indiscutível – por causa da necessidade de que ocorra. Em outros termos, ele afirma que o que se deve discutir é como realizar a transformação da educação.
Nesse sentido, a educação deve ser necessariamente transformadora. Ele defende alguns pontos importantes para essa transformação em sua pesquisa:
A cultura de escolas convencionais/tradicionais com seus modelos ultrapassados deve ser mudada;
As propostas novas devem envolver mais os alunos no processo de ensino e aprendizagem;
As escolas precisam de lideranças mais ousadas, grupos favoráveis à mudança e apoio político; devem persistir na transformação apesar das resistências e obstáculos;
O primeiro passo é a mudança mental e cultural, o que se pode conseguir demonstrando, com exemplos concretos, disponíveis na mídia (TV, internet), como as novas formas de aprender (ele se refere às metodologias ativas) fazem mais sentido, pois os alunos se engajam mais e obtém mais resultados. Com isso, desmontam-se as resistências;
Deve-se explicar aos alunos, pais, colegas por que faz sentido mudar a cultura tradicional da escola, as formas convencionais de ensinar; explicar as razões e o que se vai implementar num primeiro momento: metodologias ativas, aula invertida, trabalhar com projetos, alunos criando portfólios digitais, avaliação no processo e não só no final. Explicar o modelo proposto é fundamental para que todos saibam onde estamos e possam avaliar cada passo que será dado;
Um começo em que há maior consenso é focar principalmente em metodologias ativas e competências digitais. Envolver mais os alunos, torna-los mais protagonistas, aprender experimentando, desenvolver projetos, aprendizagem em times, aula invertida, jogar de forma inteligente...tudo para mobilizar os educandos com práticas que fazem e produzem sentido para eles, que dão resultados imediatos. O investimento em técnicas de aprendizagem ativa é importante, porque aponta formas concretas de começar e ver resultados;
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MORAN (2016) defende que a combinação de metodologias ativas e competências digitais é poderosa, pois dinamiza todos os processos, atrai o interesse dos alunos, mobiliza a escola. Não é uma revolução, mas uma movimentação, que prepara uma revolução mais estruturada. As metodologias com tecnologias podem começar dentro de uma disciplina e ir agregando progressivamente áreas de conhecimento. Vários professores planejam projetos importantes junto com os alunos, chegam a consensos viáveis e os realizam de forma integrada. São os projetos integradores, com apoio das tecnologias digitais móveis;
Já no médio prazo, o processo de pensar a transformação exige uma mobilização ampla da comunidade escolar (gestores, docentes, estudantes, famílias e organizações parceiras). As etapas principais seriam: realização de sessões de design de soluções (design thinking), visita a projetos mais inovadores (benchmarking), busca de um consenso sobre o modelo mais viável (protótipo) e implementação em pequena e em larga escala. É importante envolver toda a instituição na atitude de mudança, discutindo amplamente o projeto inovador, até chegar a um consenso, ideando um protótipo, que pode ser experimentado em pequena escala em algum curso, ou com algumas turmas. Esse processo implementado na prática em pequena escala deve ser avaliado criticamente por todos durante um tempo, até ser aprimorado e estendido a toda a organização;
Para realizar as mudanças de curto e médio prazo o principal é investir nas pessoas transformadoras, em bons gestores e educadores, apoiando-os, estimulando sua participação nas decisões estratégicas, investindo na sua atualização. Olhar para os que estão mais avançados é um caminho indispensável. Hoje há experiências bem sólidas de inovação, de universidades e escolas que estão abertas para intercâmbio e mentoria e inspiração para os que querem aprender com elas.
De tudo o que foi exposto, percebe-se que as metodologias ativas potencializam muito a aprendizagem significativa dos educandos no processo do ensino-aprendizagem, ao tempo em que são também um pressuposto metodológico fundamental para a existência de uma educação transformadora, para melhor, das pessoas e das instituições de nossa sociedade.
2.5. Alguns tipos de metodologias ativas de aprendizagem
As metodologias ativas de aprendizagem, por sua proposta, constituem alternativas viáveis e fundamentadas para permitir que os processos de aprendizagem em nossas instituições educacionais efetivamente formem cidadãos pensantes, críticos, reflexivos, hábeis tecnicamente, éticos, equilibrados emocionalmente, cooperativos e preparados para lidar com as situações práticas do dia-a-dia. Contudo, cada uma das várias metodologias ativas possui os seus próprios procedimentos para serem aplicadas.
Alguns dos tipos mais comuns de metodologias ativas que são citados são os seguintes:
Resolução de Problemas – Conforme PAIVA, PARENTE, BRANDÃO e QUEIROZ (2016), é referida como o caminho para a construção do saber significativo. A aprendizagem ocorre como resultado do desafio de uma situação-problema, assim, ela deriva de uma pesquisa em que o aluno passa de uma visão sincrética (resumida) ou global para uma visão analítica do problema – através de uma teorização – para chegar a uma síntese provisória, que equivaleria à compreensão. Durante todo o processo há a participação ativa de professores e alunos. O resultado final é construído por todos e com isso, a aprendizagem mostra-se significativa para todos os protagonistas da ação - alunos e professores.
b) POE - Previsão, Observação e Explicação (POE - Predict, Observe and Explain) – Conforme a já referida Cartilha “Cardápio de Metodologias”, a Metodologia POE foi criada por Richard White e Richard Gunstone e se aproxima muito do próprio método científico. Ela começa com uma pequena introdução ao conteúdo, de preferência algo que possa ser visto ou simulado imediatamente (para estimular o interesse dos alunos), e em seguida, os alunos devem trabalhar em grupos. O primeiro passo é a previsão: com base no tópico, os alunos devem prever o resultado de um experimento ou fenômeno . Com essa previsão em mãos, vem o segundo passo: é a hora de testá-la/observá-la na prática real. Para isso pode ser usado um experimento em algum tipo de laboratório ou um simulador como os encontrados em: https://phet.colorado.edu/pt_BR/simulations/browse . Como terceiro e último passo, temos a explicação, onde o professor deve relatar em mais detalhes o resultado e, principalmente, as suas causas.
c) Aprendizagem Baseada em Projetos (PBL - Project Based Learning) - Conforme a Cartilha “Cardápio de Metodologias”, a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) propõe a prática como ferramenta de ensino. Ao invés de ser levado a presenciar passivamente explicações maçantes e cansativas, o aluno é convidado a pôr em prática seu conhecimento e criatividade com desafios reais. A proposta se baseia em adquirir conhecimento no decorrer da construção do projeto e de todos os desafios encontrados ao longo do processo de investigação. Ter um projeto como objetivo final é um grande fator de motivação.
d) Aprendizagem baseada em pares ou times (TBL - Team Based Learning) - Conforme a Cartilha “Cardápio de Metodologias”, essa metodologia, desenvolvida pelo professor de Harvard Eric Mazur, propõe o debate/revisão do conteúdo elaborado individualmente pelos alunos/pesquisadores com seus pares, levando a um aprimoramento com a construção coletiva dos conhecimentos. Usando dessa metodologia, os alunos podem se aprofundar na matéria, tirando dúvidas e desenvolvendo diversas “soft skills”, como argumentação e outras habilidades comportamentais, com base na interação e colaboração.
e) ABP - Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL - Problem Based Learning) – Conforme o Curso Básico de Formação de Tutores em Aprendizagem Baseada em Problemas24, esta metodologia se aproveita da interdisciplinaridade e das experiências prévias dos alunos. Quanto mais diferentes forem os contextos experienciais de cada aluno, mais rico será o debate do grupo/turma. Após serem escolhidos (de preferência por autoindicação) três alunos para serem o coordenador da divisão do tempo e da ordem na sala de aula (para que cada fase da discussão seja alcançada), o secretário (que anotará no quadro as discussões realizadas e as conclusões alcançadas) e o revisor/relator (que elaborará a ata contendo as informações da reunião de abertura e da reunião de fechamento da discussão), será dada início à reunião de abertura (Dinâmica Tutorial de abertura) para leitura do texto referente a uma situação-problema escolhida pelo professor/tutor, a qual deve ser adequada às realidades dos alunos. A partir de então será adotado o método dos sete passos, que será melhor explicado adiante no item 3.5, alínea “c”.
Outras metodologias ativas que são listadas no artigo de PAIVA, PARENTE, BRANDÃO e QUEIROZ (2016)25 são as seguintes: Pedagogia da problematização; Problematização: Arco de Charles de Marguerez; Estudos de caso; Grupos reflexivos e grupos interdisciplinares; Grupos de tutoria e grupos de facilitação; Exercícios em grupo; Seminários; Relato crítico de experiência; Mesas-redondas; Socialização; Plenárias; Exposições dialogadas; Debates temáticos; Leitura comentada; Oficinas; Apresentação de filmes; Interpretações musicais; Dramatizações; Dinâmicas lúdico-pedagógicas; Portfólio; Avaliação oral (autoavaliação, do grupo, dos professores e do ciclo).
3. A metodologia ativa de aprendizagem conhecida como “Aprendizagem Baseada em Problemas” (ABP)
3.1. ABP: considerações introdutórias.
Há controvérsias sobre se a ABP – “Aprendizagem Baseada em Problemas”, seria uma técnica, um método, uma estratégia ou uma metodologia de ensino-aprendizagem.
Entendemos que, como ela é mais abrangente do que uma “técnica educacional” (um procedimento pedagógico aplicável em sala de aula), do que um “método educacional” (conjunto de técnicas pedagógicas aplicáveis em sala de aula) e do que uma “estratégia educacional” (conjunto de princípios pedagógicos aplicáveis para uma turma/série/nível educacional), possuindo justificativa científica com princípios próprios (como se verá adiante), pressupondo atuações do tutor antes das dinâmicas tutoriais (para planeja-las), durante as dinâmicas tutoriais (atuando como facilitador da aprendizagem e mediador das discussões) e depois das dinâmicas tutoriais (quando elabora e entrega os relatórios de feedback – apreciações devolutivas - para os alunos, bem como quando se reúne com outros tutores para fazer ajustes no andamento do curso), seria melhor definida como um tipo de metodologia ativa de aprendizagem, com suas próprias técnicas (dinâmicas tutoriais coletivas alunos-alunos com Tutor, estudo individual programado etc.), métodos de ensino-aprendizagem (ABP por meio de quatro passos, ABP por meio de sete passos) e princípios que a justificam cientificamente, conforme será explicitado adiante no item 3.3.
3.2. As origens da Aprendizagem Baseada em Problemas
Segundo a pesquisa de SOUZA e DOURADO26, por volta do final do século XIX e início do século XX, surgiu o movimento progressista na educação, conhecido como Escola Nova, que desenvolveu novas práticas de ensino centradas na aprendizagem e com o foco principal no aluno como protagonista de sua própria aprendizagem. Esse movimento teve como representantes exponenciais os educadores John Dewey (1859-1952), Maria Montessori (1870-1952), Henri Wallon (1879-1962), Célestin Freinet (1881-1966), Lev Vygotsky (1896-1934), Jean Piaget (1897-1980) e David Ausubel (1918-2008), entre outros que desenvolveram experiências educacionais inovadoras e que se contrapunham ao modelo tradicional de educação vigente.
De acordo com os pesquisadores SOUZA e DOURADO27, na teoria pedagógica de John Dewey (Pedagogia Ativa ou Pedagogia da Ação), encontra-se a mais significativa inspiração para a Aprendizagem Baseada em Problemas. Dewey propõe que a aprendizagem deve partir de problemas/situações que propiciam dúvidas ou descontentamento intelectual, ou seja, a partir de experiências reais que fazem surgir problemas, as experiências serão analisadas e problematizadas (com a organização e o processamento de suas informações disponíveis), estimulando a cognição para que sejam mobilizadas práticas de pesquisa até um passo seguinte, que é o da resolução criativa das situações problemáticas. Dewey acreditava que para estimular o pensamento de um aluno, o professor teria de partir de um assunto de natureza não formal, que viesse da vida; do cotidiano do aluno.
Prosseguindo com sua pesquisa, SOUZA e DOURADO28 identificaram que foi a partir da iniciativa de um grupo de professores da Escola de Medicina da Universidade de McMaster, no Canadá, que o modelo da Aprendizagem Baseada em Problemas propriamente dito nasceu – quando foi colocado em prática em 1969. A partir de então, ele se expandiu para muitas escolas de medicina em todo o mundo, e posteriormente, para cursos de outras áreas, como engenharia, matemática, física, biologia, química e bioquímica, direito, psicologia, geografia, dentre outras, bem como para outros níveis de ensino, indo atualmente da educação básica ao nível superior e à pós-graduação.
Dentre os professores da Universidade McMaster que criaram propriamente a ABP, Howard Barrows é apontado como um dos principais articuladores da equipe de professores envolvida no processo criativo, também formada por Jim Anderson e John Evans, os quais repensaram o currículo da faculdade de medicina citada, a partir de 1966, implantando oficialmente a ABP em 1969. Com o intuito de promover o desenvolvimento das capacidades dos alunos, para contextualizar os conhecimentos teóricos adquiridos na faculdade, pondo-os em prática no cotidiano, de forma competente e humana, Barrows compreendia que, para realizar esse objetivo, os médicos precisavam, além de possuir o conhecimento teórico, saber utilizá-lo na prática.
De acordo com os pesquisadores SOUZA e DOURADO29, a Aprendizagem Baseada em Problemas terminou por se constituir um método sistematizado, que permitiu aos professores das mais diversas áreas e níveis de ensino estimular a criatividade de seus alunos, desenvolver a capacidade investigativa e o raciocínio para a resolução de problemas, consolidando-se, assim, como um método de aprendizagem considerado eficaz nas mais diversas instituições de ensino e pesquisa em todo o mundo.
3.3. Os princípios da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)
Em se tratando a ABP de uma metodologia ativa de aprendizagem, isto é, voltada para a posição de protagonista do educando/aluno em sua própria aprendizagem, os princípios que a regem devem ser, a priori, princípios que regem o processo de aprendizagem, nos termos da pesquisa promovida por KUBRUSLY, RODRIGUES, MOITA et. al.30, que embasa a adoção dos seguintes princípios pela ABP:
a) Metacognição – refere-se ao “aprender a aprender”; está relacionada ao conhecimento do próprio conhecimento, à avaliação, à regulação e à capacidade de organização dos próprios processos cognitivos;
b) Motivação Epistêmica – é a motivação intrínseca que age como uma força interna impulsionando o sujeito/aluno a buscar o conhecimento sobre determinada situação;
c) Interação com a Vida Real – é o aprender em resposta a alguma coisa, em interação com situações da vida real;
d) Construção do Conhecimento – refere-se à aprendizagem autônoma; é a busca ativa do conhecimento, que é estimulada no educando;
e) Interação Social – é a aprendizagem realizada de forma colaborativa e cooperativa, na interação com os demais membros do grupo de alunos e eventualmente com o tutor.
Em correlação com os princípios acima, existe a pesquisa de LOPES, SILVA FILHO e ALVES31, na qual estes afirmam que os processos de ensino e aprendizagem na escola devem estar comprometidos com dois princípios fundamentais:
a) o aluno deve ter um papel ativo e de compartilhamento de responsabilidade no desenvolvimento do seu processo educativo;
b) o professor ou educador deve atuar como mediador da aprendizagem desses alunos.
Nesse contexto, LOPES, SILVA FILHO e ALVES (2019) 32 concluíram que o ensino escolar, sempre que possível, deve se desenvolver com conteúdos contextualizados dentro da realidade social e cultural dos alunos, visto que é neste meio que estes conteúdos são formados, reproduzidos e modificados.
Os pesquisadores LOPES, SILVA FILHO e ALVES (2019) também ressaltam, em sua obra, que Carl Rogers defendia uma aprendizagem pela pessoa inteira, onde se possa reunir a aprendizagem cognitiva com a aprendizagem afetiva, ou seja, uma aprendizagem capaz de integrar ideias e sentimentos. Ele se preocupava com a educação que se limita apenas do “pescoço para cima” e propôs princípios para facilitar a aprendizagem:
a) Seres humanos são curiosos e apresentam potencial para aprender, descobrir e ampliar conhecimentos e experiências a respeito do mundo em que vivem;
b) A aprendizagem torna-se mais rápida e significativa quando o aluno percebe que os conteúdos de ensino estão relacionados com objetivos que ele busca alcançar;
c) O professor tem um papel fundamental no aumento da segurança do aluno no processo ensino-aprendizagem, apoiando-o e reduzindo as ameaças, o medo da reprovação e de ridicularização diante dos colegas.
d) A aprendizagem é mais eficiente quando o aluno entra em confronto com problemas práticos – de natureza social, ética e filosófica ou pessoal – e com problemas de pesquisa.
e) A aprendizagem é facilitada quando o aluno participa escolhendo suas direções, descobrindo recursos de aprendizagem, formulando problemas e hipóteses, tornando-se responsável por essas escolhas.
f) A aprendizagem é mais duradoura e abrangente quando envolve aspectos cognitivos e afetivos do aprendiz.
g) A independência, a criatividade e a autoconfiança são facilitadas quando a autocrítica e a autoavaliação são básicas e a avaliação feita por outros tem importância secundária.
h) A aprendizagem mais útil no mundo moderno é a do próprio processo de aprendizagem, uma contínua abertura à experiência e à incorporação de novos conhecimentos.
Do que foi exposto, pode-se concluir que a ação fundamental do professor/tutor é facilitar a aprendizagem dos estudantes e, para isso, o docente deve ser autêntico, ter confiança e estima pelos alunos e ter a competência de compreender o estudante colocando-se no lugar dele – é o que Carl Rogers define como compreensão empática. 33
3.4. Os problemas enfrentados pela ABP
De início, deve ser registrado que o fato de a metodologia ativa Aprendizagem Baseada em Problemas, conforme a visão de algumas pessoas, enfrentar problemas para sua implementação ou desenvolvimento, não significa, necessariamente, que tais questões são impeditivas de sua aplicação. Até porque, como se verá, muitos desses “problemas” são apenas aparentes ou são inerentes à fase de implementação de uma nova metodologia de ensino-aprendizagem em si.
Deve ser citada, nesse tema, a pesquisa de SOUZA e DOURADO34 sobre a Aprendizagem Baseada em Problemas, na qual os pesquisadores levantaram as seguintes dificuldades para a implementação da ABP:
a) Insegurança inicial – em geral os envolvidos na implantação do novo método podem ficar inseguros, diante da mudança do método educacional, pois o novo traz inquietações, dúvidas e questionamentos, ao contrário de um método de ensino convencional. A ABP supõe assumir responsabilidades e realizar novas ações. Contudo, há que se explicar que esta dificuldade pode ser facilmente superada à medida que se coloca em funcionamento a metodologia da ABP e verificam-se os seus bons resultados, o que promove o engajamento e a motivação de todos os envolvidos;
b) O fator tempo – o tempo é uma das grandes limitações para o uso da ABP, pois nesta metodologia faz-se necessário mais tempo para que seja possível aos alunos alcançarem um nível de aprendizagem satisfatória. A dificuldade se apresenta, também, porque, ao fazer com que os alunos sejam ativos e autônomos em sua aprendizagem, se reconhece que o tempo da disciplina deve ser ampliado para a obtenção de um bom resultado, pois, caso não haja esse tempo, os alunos podem se sentir inseguros acerca do conhecimento adquirido. Também o professor tutor necessita de mais tempo para preparar os cenários problemáticos e para acompanhar os alunos no desenvolvimento da aprendizagem por meio da ABP. Todavia, esta dificuldade, ao ser analisada, percebe-se ser apenas relativa, uma vez que as adequações de tempo necessárias para o sucesso da nova metodologia trarão resultados tão superiores aos resultados da metodologia tradicional, que essa diferença de tempo utilizado beneficiará o aluno ao final do processo;
c) Inadequação do currículo – a incompatibilidade da ABP com um currículo elaborado para a abordagem tradicional de ensino também dificulta a aplicação da ABP. Como se trata de trabalhar com problemas, os conteúdos de aprendizagem podem ser abordados de forma distinta e com maior ou menor profundidade nas várias disciplinas. Assim, se o currículo não está adequado à ABP, haverá um desequilíbrio na aprendizagem do aluno, pois alguns professores trabalharão com a ABP e outros não. Nesse sentido, há uma necessidade de fazer uma análise das relações dos conteúdos das diferentes disciplinas no curso, para que não haja desequilíbrio na aprendizagem. Daí a necessidade de pensar um currículo por meio da ABP. Neste ponto, há que se ponderar que a inadequação do currículo por ocasião da adoção da ABP se deve ao fato de que o currículo foi elaborado tendo em mente a Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem. Isto é, o problema não está na ABP, o problema está no currículo que é inadequado para a ABP. Portanto, se a escola realmente pretende adotar a Metodologia da ABP, ela deve adequar os seus currículos para que passem a ser compatíveis com a ABP, ou ao menos flexíveis para permitirem a adoção da ABP;
d) Limitação dos recursos financeiros – esse problema constituiria um verdadeiro entrave para a implementação da ABP. Os professores e os alunos necessitam de referenciais bibliográficos atualizados (e em bom número), de salas amplas, equipadas com mesas, cadeiras e internet, que possibilitem o trabalho de pesquisa dos conteúdos e problemas apresentados; isso significa mais apoio institucional no que concerne à disponibilização de recursos financeiros. Defendemos que esta dificuldade é apenas aparente, já que a utilização dos recursos financeiros necessários para a adoção de uma metodologia de ensino-aprendizagem revolucionária, que representará um salto de qualidade no processo educativo dos cidadãos do País, é uma condição para que a nossa Nação saia do estágio de extremo atraso educacional em que se encontra. Não se trata de despesa, mas de um investimento que o País deve há séculos aos seus cidadãos, i.e., trata-se de uma dívida histórica do Estado Brasileiro para com seus nacionais;
e) A avaliação – o sistema de avaliação constitui um dos principais desafios na educação e para as instituições universitárias. Como etapa fundamental do processo educacional, a avaliação traz muitas dificuldades, incertezas e controvérsias. Na ABP, a avaliação é parte do processo de aprendizagem e da produção do conhecimento individual e grupal. É uma tarefa difícil para os alunos, pois não estão acostumados com a nova forma de avaliação da ABP, que inclui autoavaliação e avaliação dos membros do grupo na presença do professor tutor. Isso faz com que os alunos tenham medo de que seus companheiros recebam uma nota negativa. Assim, a avaliação é considerada difícil e uma complicada tarefa para os professores tutores atentos a uma série de aspectos e reclamações que terão de resolver. Além disso, os tutores ainda têm de se confrontar com sua própria avaliação, que é feita pelos alunos, o que faz com que muitos professores não se exponham, resguardando, particularmente, suas fragilidades, visto que sabem que estão sendo avaliados. Em relação a este tema, entendemos que, assim como em qualquer mudança, a adoção de uma nova metodologia educacional como a ABP pode causar algumas necessidades de adaptação às diferentes regras, mas com o tempo e a prática da nova metodologia, as pessoas envolvidas se adaptam e se acostumam com o novo ambiente de aprendizagem, não havendo mais que se falar nessa dificuldade quanto à avaliação;
f) Eventual falta de habilidades do professor tutor - Nem todos os professores possuem as habilidades necessárias para determinadas dinâmicas na ABP, o que pode gerar um verdadeiro fracasso na utilização do método. Assim, é de grande importância que o professor tutor conheça bem a ABP para dominar todas as suas etapas e esteja bem preparado para definir novas estratégias durante o processo quando surgirem imprevisibilidades no percurso. Ter competência nas técnicas e dinâmicas de grupo para ser um bom facilitador do processo de construção do conhecimento e aprendizagem é essencial na ABP. Entendemos que esta dificuldade é muito mais irreal do que real, seja porque, na prática, a utilização da Metodologia Ativa da ABP é feita por tutores experientes, seja porque, por outro lado, tem sido comum (em especial na Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal – ESPC-DF) a utilização de três tutores por Grupo de Aprendizagem/Dinâmica Tutorial, de forma que dois deles são tutores bastante experientes, e um deles é um tutor estagiário, que vai atuar juntamente com os tutores mais experientes e aprender com eles o trabalho da tutoria. Assim, com a tutoria sendo distribuída entre três profissionais tutores, o trabalho flui com muita qualidade e naturalidade.
3.5. A importância de alguns procedimentos (técnicas, método) da ABP
a) As Dinâmicas Tutoriais
As Dinâmicas Tutoriais, na Metodologia Ativa da ABP, são abordadas pela pesquisa de TOLEDO JÚNIOR, IBIAPINA, LOPES, RODRIGUES e SOARES (2008), na qual eles explicam que tais Dinâmicas, também chamadas de “grupos de aprendizagem” ou “grupos tutoriais”, além de facilitarem o processo de aquisição de conhecimentos, contribuem de maneira significativa para o desenvolvimento de outros atributos na formação do aluno, entre eles: habilidades de comunicação, trabalho em equipe, solução de problemas, respeito aos colegas e desenvolvimento de postura crítica. 35
Em sua pesquisa, TOLEDO JUNIOR, IBIAPINA, LOPES, RODRIGUES e SOARES (2008) optaram por descrever as dinâmicas tutoriais que ocorrem no método dos Sete Passos adotado pela Universidade de Maastricht, Holanda. Este método foi justamente o que inspirou o método dos Sete Passos adotado na Escola Superior de Polícia Civil do DF.36
Segue abaixo um quadro contendo a distribuição de funções na dinâmica tutorial, conforme construído na pesquisa de TOLEDO JUNIOR, IBIAPINA, LOPES, RODRIGUES e SOARES (2008), complementada pela experiência da ESPC:
Coordenador |
Relator |
Secretário |
Membros do Grupo |
Tutor |
|---|---|---|---|---|
Liderar o grupo em todo o processo, ouvir e respeitar a opinião dos colegas |
Registrar em ata os pontos relevantes apontados pelo grupo |
Registrar no quadro toda a evolução das discussões durante a dinâmica tutorial. |
Acompanhar todas as etapas do processo |
Estimular a participação do grupo; Auxiliar o coordenador na dinâmica do grupo; Verificar a relevância dos pontos anotados; Prevenir o desvio do foco da discussão; Assegurar que o grupo atinja os objetivos de aprendizagem; Verificar o entendimento do grupo sobre as questões discutidas |
Encorajar a participação de todos, evitar participar, somente se for necessário e em último. |
Ajudar o grupo a ordenar seu raciocínio; Participar das discussões, ouvir e respeitar as opiniões dos colegas; Registrar das fontes de pesquisa utilizadas pelo grupo; Procurar alcançar os objetivos de aprendizagem |
Conectar as falas dos membros do grupo de forma a fazer registros coerentes com cada passo da dinâmica |
Participar das discussões; Ouvir e respeitar a opinião dos colegas; Fazer questiona-mentos; Procurar alcançar os objetivos de aprendizagem |
|
|
Manter a dinâmica do grupo; Controlar o tempo; Assegurar que o relator possa anotar adequadamente os pontos de vista do grupo |
Organizar o quadro de forma a deixar espaço para os registros dos cinco primeiros passos e do sétimo passo |
|||
|
Ouvir e respeitar a opinião dos colegas; Procurar alcançar os objetivos de aprendizagem |
Quadro 1: o papel dos membros do grupo tutorial
b) As Situações-Problema
Quanto à importância das situações-problemas, cita-se a pesquisa de SOUZA e DOURADO (2015)37, a qual concluiu que a definição da situação-problema na ABP (também conhecida como “cenário” ou “contexto problemático”) é uma das etapas mais importantes desta metodologia de ensino-aprendizagem, pois a escolha de um bom contexto problemático é garantia de que a pesquisa desenvolvida pelos alunos seguirá com grande possibilidade de alcançar o objetivo pretendido, que é a aprendizagem do tema investigado. Por isso, a situação-problema deve ser escolhida a partir de um contexto real, que faz parte da vida dos alunos, para que haja uma identificação imediata do problema motivando-os a continuar o desenvolvimento da atividade investigativa.
Nessa linha de pesquisa, registre-se que, para a construção de uma boa situação-problema, é importante que seja dado um título que chame a atenção do aluno e que, de imediato, identifique o tema objeto de estudo. Este pode ser apresentado em diversos formatos; por exemplo: pequenos vídeos, diálogos impressos, reportagens jornalísticas, figuras, texto impresso, banda desenhada, entre outros.
Segundo a pesquisa de SOUZA e DOURADO (2015) referida, uma boa situação-problema deve ter algumas características básicas, não se esquecendo a necessidade de adaptar essas características ao curso, à disciplina e ao nível da turma:
a) Atrair o interesse dos alunos - um bom cenário deve ser capaz de atrair e de mobilizar o interesse do aluno para o tema a ser estudado; estimular a pesquisa para aprofundar os conceitos; ser autêntico, proporcionar a ligação do conteúdo programático da disciplina com situações do cotidiano dos alunos;
b) Haver correspondência entre conteúdos curriculares e aprendizagem - a correspondência entre o cenário e os objetivos da aprendizagem é fundamental para que os alunos identifiquem que há consistência entre os objetivos definidos no programa da disciplina para a aprendizagem e a aprendizagem de fato;
c) Possuir funcionalidade - o cenário é funcional quando pode ser facilmente apreendido por meio de leitura escrita (com um vocabulário acessível e bem construído); visual (com imagens de boa qualidade e tamanho); auditiva (o som deve ser limpo, sem ruídos permitindo uma boa audição para a compreensão dos alunos). Além disso, deve conter as informações necessárias e relevantes para despertar a curiosidade do aluno e ativar seu conhecimento prévio; não deve conter elementos que distraiam a atenção do tema principal da pesquisa; deve ser desafiante e trazer os conhecimentos necessários à formulação dos argumentos conceituais que levarão à resolução dos problemas;
d) Ter o tamanho ideal - O cenário não deve ser nem muito extenso nem curto demais, a ponte de impossibilitar os alunos de identificarem o contexto problemático; e nem ser complexo demais, que impeça a compreensão dos conceitos, ou simples demais que impossibilite a reflexão e a discussão acerca do que deve ser aprendido. Assim, o cenário deve ter o tamanho e a clareza necessários para apresentar a ideia e estimular os alunos a contextualizar e desenvolver a pesquisa para a resolução dos problemas.
Conclui-se, portanto, que a construção da situação-problema, em regra feita pelo tutor antes de se iniciar a dinâmica tutorial, é fundamental para que haja o sucesso do processo de aprendizagem que será alavancado pela ABP.
c) O Método dos Sete Passos na ABP
Conforme a pesquisadora SANTOS (2022)38, a ABP se aproveita das experiências prévias dos alunos. Quanto mais diferentes forem os contextos experienciais de cada aluno, mais rico será o debate do grupo/turma realizado ao longo dos setes passos da ABP, os quais ocorrem na seguinte ordem:
Após serem escolhidos (de preferência por autoindicação) três alunos para serem o coordenador, o secretário e o revisor/relator, será dado início à reunião (dinâmica de abertura ou análise) para leitura do texto referente a uma situação-problema escolhida pelo professor/tutor, a qual deve ser adequada às realidades dos alunos, que devem promover, em grupo, as discussões sobre a situação-problema referida.
Como o protagonismo é dos alunos, os tutores devem observar e somente intervir para manter o respeito e a ordem e evitar desvios dos passos da dinâmica coletiva ou dos objetivos de aprendizagem. Assim, serão adotados os seguintes sete passos:
Esclarecer os termos e conceitos desconhecidos referentes à situação-problema;
Identificar no problema as questões de aprendizagem;
Oferecer explicações para estas questões com base nos conhecimentos prévios dos alunos;
Resumir estas explicações identificando as lacunas do conhecimento;
Estabelecer os objetivos de aprendizagem para a situação-problema;
(Nesse momento, interrompe-se o trabalho coletivo e cada aluno vai para a sua casa para realizar seus estudos e pesquisas individuais, para responder às questões referentes aos objetivos de aprendizagem do 5º passo)
Momento para o Autoaprendizado – Horário de Estudo Individual de cada aluno, com base nos textos previamente selecionados pelos tutores para ajudarem no alcance dos objetivos de aprendizagem da situação-problema;
Retorno para a sala de aula, com todos os alunos e tutores, para a reunião de fechamento da discussão (dinâmica de fechamento ou resolução) sobre aquela situação-problema inicial, com cada aluno trazendo suas pesquisas e conclusões e contribuindo para uma discussão coletiva sobre o assunto, de forma que todos se sintam como protagonistas da construção do conhecimento sobre a situação-problema.
Conforme a pesquisa de TOLEDO JUNIOR, IBIAPINA, LOPES, RODRIGUES e SOARES (2008)39, existe total correlação entre os sete passos e os fundamentos do aprendizado dos alunos:
Passo da ABP |
Princípio do aprendizado |
|---|---|
1. Esclarecimento de termos e/ou expressões desconhecidas no problema |
- Dependência do contexto |
2. Definição do problema a ser discutido |
- Dependência do contexto |
3. Análise e troca de conhecimentos sobre o problema (“chuva de ideias”) |
- Ativação dos conhecimentos prévios |
4. Revisão dos passos 2 e 3, com sistematização das hipóteses do Passo 3 para resolução do problema |
- Elaboração preliminar de novas informações. - Motivação para a aprendizagem |
5. Definição dos objetivos de aprendizagem |
- Motivação para a aprendizagem |
6. Levantamento de recursos de aprendizagem e estudo individual |
- Aquisição e elaboração de novos conhecimentos |
7. Discussão e resolução do problema a partir da revisão do Passo 4 |
- Reformulação e sistematização, elaboração dos conhecimentos - Estruturação de redes de conhecimento |
Quadro 2: Relação entre os Sete Passos da ABP e os fundamentos do aprendizado
Quanto ao quadro acima, os pesquisadores TOLEDO JUNIOR, IBIAPINA, LOPES, RODRIGUES e SOARES (2008) explicam que, na prática, é difícil correlacionar cada princípio de aprendizado a um único passo da ABP. A aquisição de conhecimentos dentro de um contexto, por exemplo, decorre da própria utilização de problemas similares àqueles da prática profissional e está, assim, presente em todo o ciclo da ABP. Aspectos relacionados ao contexto do problema e/ou à dinâmica do grupo podem incrementar ou limitar a aplicação de determinado princípio nos diversos passos do ciclo. De modo geral, os passos três, quatro e cinco estão relacionados à estruturação do conhecimento em torno do problema e os passos seis e sete com a elaboração e aquisição de novos conhecimentos.40
3.6. As falhas da Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem em contraste com as virtudes da ABP para o Mundo do Trabalho
Na linha do que já foi explanado anteriormente, o ambiente educacional desenvolvido pela Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem se trata de um ambiente desmotivador para os alunos, pois desconsidera suas realidades, experiências, conhecimentos prévios e necessidades reais; estimula a competitividade e a classificação dos alunos pelo critério de quem consegue reproduzir melhor nas provas os conteúdos “transferidos” pelo professor, dando pouca importância para a real aprendizagem dos alunos, afinal nem aproveita os erros dos alunos na provas para transformá-los em fonte de aprendizagem pessoal e significativa (veremos esse ponto específico quando tratarmos do tema da avaliação, no item 3.12); impõe de forma autoritária um rol de conhecimentos que não tem uma repercussão significativa para os alunos, os quais, justamente por isso, tem dificuldade de aprender o que está sendo ensinado.
Em razão disso, vê-se que a Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem representa uma negligência estrutural do Sistema Educacional quanto aos direitos fundamentais sociais à educação dos alunos, que por sua vez descumpre o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, já que as pessoas dos alunos não estão sendo levadas em consideração pela Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem, está havendo uma lesão ao imperativo categórico universal de Immanuel Kant (1724-1804), segundo o qual devemos agir de tal maneira que tratemos a humanidade, tanto na minha pessoa como na pessoa do outro, como um fim em si mesmo e nunca como um meio. A humanidade, ou o ser humano, deve ser sempre o objetivo da ética. Todas as ações devem estar subordinadas ao respeito à humanidade, o que abrange todas as pessoas envolvidas na ação, tanto aquele que pratica a ação quanto aqueles que sofrem a ação direta ou indiretamente. Respeitar a si e ao outro é respeitar à humanidade. Nessa linha, um ser humano jamais pode ser entendido como um instrumento para se alcançar qualquer tipo de objetivos41. A humanidade é o fim das ações e nunca um meio.
Nesse sentido, obrigar os seres humanos a assistirem aulas em uma escola de acordo com a Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem é desrespeitar as realidades e os conhecimentos individuais dos alunos, os quais são encarados apenas como “receptáculos” de conhecimentos previamente formatados, para que sejam encaminhados de forma passiva para ocuparem posições no mercado de trabalho. Na escola eles são vistos como meros instrumentos/meios para o atendimento de necessidades de um mundo do trabalho capitalista e individualista, desconsiderando as necessidades mais abrangentes do mundo real do trabalho, que abrange habilidades de trabalho colaborativo e cooperativo.
É o velho: “Senta aí aluno, fica quieto, escuta e aprende porque eu sei o que estou dizendo”, multiplicado aos milhões no Brasil.
Opondo-se à essa tendência individualista, autoritária e massante da Metodologia Tradicional de Ensino-Aprendizagem, a pesquisadora Roseli Figaro traz um conceito complexo para o termo “Mundo do Trabalho”, o qual pressupõe a capacidade de dialogar e de se relacionar do ser humano. Senão confira-se:
“Mundo do trabalho é o conjunto de fatores que engloba e coloca em relação a atividade humana de trabalho, o meio ambiente em que se dá a atividade, as prescrições e as normas que regulam tais relações, os produtos delas advindos, os discursos que são intercambiados nesse processo, as técnicas e as tecnologias que facilitam e dão base para que a atividade humana de trabalho se desenvolva, as culturas, as identidades, as subjetividades e as relações de comunicação constituídas nesse processo dialético e dinâmico de atividade. Ou seja, é um mundo que passa a existir a partir das relações que nascem motivadas pela atividade humana de trabalho, e simultaneamente conformam e regulam tais atividades. É um microcosmo da sociedade, que embora tenha especificidade, é capaz de revela-la.”42 (grifos inseridos).
Na linha do que foi exposto, percebe-se a adequação das Metodologias Ativas de Aprendizagem, com destaque para a Aprendizagem Baseada em Problemas, para proporcionar a preparação dos alunos para o Mundo do Trabalho, em contraste com a Metodologia Tradicional, que se mostrou inadequada.
3.7. A Andragogia: a natureza científica da ABP
A Aprendizagem Baseada em Problemas se enquadra no contexto educacional da ciência da Andragogia43, que seria a “arte e a ciência de facilitar a aprendizagem de adultos”, difundida pelo educador norte-americano Malcom Knowles44, que surgiu da preocupação de educadores europeus e americanos de elaborarem um modelo alternativo ao pedagógico tradicional. Nesse sentido, a andragogia se mostrou eficaz contra a metodologia tradicional.
Enquanto no ensino/aprendizagem tradicional (modelo pedagógico), o professor conduz todo o processo, desde o planejamento, o diagnóstico de necessidades e o estabelecimento de objetivos educacionais, a execução de atividades docentes (“transmissão” do conhecimento), a avaliação e a pontuação, já no modelo andragógico, o “facilitador” transfere ao educando ou ao menos compartilha com ele todas as etapas do processo, desde a elaboração do plano de aprendizagem, o diagnóstico de necessidades, o estabelecimento de objetivos, as tipologias de planos de aprendizagem e as tecnologias de aprendizagem e avaliação.
O andragogo procura que os educandos se responsabilizem progressivamente por suas próprias aprendizagens e tenham, portanto, uma participação ativa durante todo o processo de aprendizagem.
Quanto a esse assunto, a pesquisadora Sônia Mairos Nogueira (2004) lembrou que, segundo Malcom Knowles, a andragogia se baseia em cinco premissas de base (ou princípios fundamentais) acerca das características dos aprendentes adultos, que os diferenciam das crianças, a saber, os adultos:
a) necessitam saber o motivo pelo qual devem realizar certas aprendizagens;
b) aprendem melhor experimentalmente;
c) concebem a aprendizagem como resolução de problemas;
d) aprendem melhor quando o tópico possui valor imediato para eles, uma vez que este representa para os alunos necessidades suas que serão atendidas, problemas seus que serão resolvidos, melhorias que terão em suas vidas ou experiências de vida pessoais que serão consideradas no processo de ensino-aprendizagem;
e) aprendem melhor quando os motivadores mais potentes para a aprendizagem são internos.45
Deve ser lembrado que, apesar de a ABP ter nascido no contexto da ciência da Andragogia, ela se expandiu para muitas escolas superiores em todo o mundo, para diversos cursos, bem como para outros níveis de ensino, indo atualmente da educação básica ao nível superior e à pós-graduação (vide item 3.2 supra), não ficando mais, portanto, restrita aos cursos para adultos.
Por fim, conforme KNOWLES, a andragogia, apesar de ter nascido como um modelo de educação para adultos, pode ser aplicado também para alunos de menor idade, até mesmo crianças, desde que preencham as seguintes condições:
- Os alunos não podem ser dependentes;
- Os estudantes devem possuir experiência prévia na área que estudarão;
- Os aprendentes devem compreender a relevância de determinado conteúdo nas suas tarefas diárias;
- Os discentes não devem ter a necessidade de acumular rapidamente os conhecimentos almejados para atingir certas performances.
Caso as condições acima não estejam todas preenchidas, então o modelo pedagógico é o mais adequado para o ensino de crianças e adultos.46
3.8. Da importância da Andragogia e da ABP para a formação de policiais e adultos em geral nos cursos da Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal
No contexto da discussão supra, percebe-se ser altamente recomendável e relevante, na formação de policiais e adultos em geral, a utilização do processo andragógico de ensino-aprendizagem, com ênfase para a Metodologia Ativa da ABP, nos cursos da Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal (o que já vem ocorrendo), uma vez que:
a) Os policiais já são adultos, e tem diversas experiências acumuladas ao longo de suas vidas, seja como oficiais da lei, seja como cidadãos, e essas experiências podem ser aproveitadas para a resolução coletiva (em grupos de alunos policiais e não-policiais) de problemas/situações, levando à construção de novos conhecimentos e de soluções práticas que podem vir a beneficiar o grupo envolvido, a Polícia e a sociedade como um todo;
b) A participação ativa de alunos policiais e não-policiais na resolução de problemas diretamente relacionados com as rotinas de trabalho policial gera motivação e aumenta a autoestima das pessoas envolvidas, pois elas passam a ver o resultado prático positivo de seu esforço coletivo, bem como a exercer naturalmente um protagonismo na resolução de problemas da PCDF (que também afetam a sociedade), o que resulta em deixar os policiais mais preparados para o exercício contínuo do ofício policial no futuro e para a resolução de problemas inusitados na prática, visto que estarão atuando coletivamente e cooperativamente com outros policiais e com cidadãos não policiais, sendo que estes também agregarão conhecimentos específicos e diferenciados, enriquecendo os debates e as soluções dos problemas.
3.9. Da importância do desenvolvimento dos saberes e habilidades docentes para um processo de aprendizagem eficaz
Apesar de a o termo Metodologia Ativa de Aprendizagem ter o seu foco no aluno, nem por isso o professor deixa de ser importante no processo, seja na ABP, seja em outras metodologias ativas.
Nesse sentido, os professores devem desenvolver ao máximo seus saberes e habilidades docentes, de forma a auxiliar na formação de todos os alunos, sejam eles policiais ou não.
Importante, dessa forma, explicitar o conceito de saberes e habilidades docentes. A respeito, tem-se a pesquisa de Maurice Tardif (2013)47, afirmando que existem quatro tipos diferentes de saberes docentes:
a) Saberes da Formação Profissional – conjunto de saberes que, baseados nas ciências da educação e na ideologia pedagógica, são transmitidos aos professores durante o processo de formação (Saberes da Formação Inicial e/ou Continuada, dimensão do saber). Abrangem também os conhecimentos pedagógicos relacionados às técnicas e métodos de ensino (dimensão do saber-fazer), legitimados cientificamente e igualmente transmitidos aos professores ao longo do seu processo de formação;
b) Saberes Disciplinares – São os saberes reconhecidos e identificados como pertencentes aos diferentes campos do conhecimento (linguagem, ciências exatas, ciências humanas, ciências biológicas etc.). Esses saberes, produzidos e acumulados pela sociedade ao longo da história da humanidade, são administrados pela comunidade científica e o acesso a eles deve ser possibilitado por meio das instituições educacionais (dimensão do saber);
c) Saberes Curriculares – São conhecimentos relacionados à forma como as instituições educacionais fazem a gestão dos conhecimentos socialmente produzidos (os saberes disciplinares) e que devem ser transmitidos aos estudantes. Apresentam-se, concretamente, sob a forma de programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que os professores devem aprender e aplicar (dimensão do saber-fazer);
d) Saberes Experienciais – São os saberes que resultam do próprio exercício da atividade profissional dos professores. Esses saberes são produzidos pelos docentes por meio da vivência de situações específicas relacionadas ao espaço da escola e às relações estabelecidas com alunos e colegas de profissão. Nesse sentido, incorporam-se à experiência individual e coletiva sob a forma de hábitos e de habilidades (dimensões do saber-fazer e do saber-ser).
Demais disso, Geraldo Silvestre Silva Junior e José Ângelo Gariglio (2014)48 trazem exemplos de saberes experienciais (no sentido visto acima no item d supra), que eles chamam de saberes experienciados ou experimentados:
Ter o domínio prático e técnico dos diversos aspectos do trabalho de professor, principalmente os pedagógicos (gestão da classe, planejamento do ensino, apropriação pessoal dos programas);
Ter os “macetes” da profissão de professor;
Saber avaliar o ato pedagógico;
Saber transmitir os conhecimentos ou mensagens necessários ao processo de aprendizagem, de maneira adequada à metodologia utilizada;
Ter capacidade de “seduzir” os alunos (capacidade de liderança).
e) Saber/experiência do chão de fábrica - A esses quatro tipos de saberes elencados acima, os pesquisadores Geraldo Silvestre Silva Junior e José Ângelo Gariglio (2014)49 acrescentam um quinto tipo de saber docente, o saber ou experiência proveniente do exercício de uma profissão “no chão de fábrica”, que é muito valorizado pelos professores de cursos técnico-profissionalizantes, em Escolas Técnicas com Ensino Médio integrado ou em Escolas Técnicas do Sistema S de ensino do Brasil. Trata-se de um saber eminentemente técnico, prático e dinâmico, como por exemplo, como operar determinada máquina, como fazer a sua manutenção, como agir em caso de acidente etc., estando enquadrado na dimensão do saber-fazer. 50
Com base nas pesquisas de TARDIF (2013); SILVA JUNIOR e GARIGLIO (2014); LIMA e CUNHA (2018), pode-se chegar à conclusão de que todos aqueles saberes docentes que pressupõem um “saber-fazer” e um “saber-ser” são habilidades docentes, por terem um viés técnico ou comportamental, motivo pelo qual seriam habilidades docentes:
Saber aplicar os conhecimentos pedagógicos relacionados às técnicas e métodos de ensino - saber-fazer;
Saber aplicar os programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) – saber-fazer;
Saber aplicar os saberes experienciais - saber-fazer e saber-ser;
Saber aplicar em sala de aula o saber proveniente do exercício de sua profissão “no chão de fábrica” (saber-fazer).
Por outro lado, nesse contexto, seriam saberes docentes em sentido estrito (por não incluírem as habilidades docentes acima referidas), as seguintes atividades de caráter mais teórico:
a) Os saberes da formação profissional – são aqueles baseados nas ciências da educação e na ideologia pedagógica, transmitidos aos professores durante o processo de formação (Saberes da Formação Inicial e/ou Continuada, dimensão do saber). Em sentido estrito não abrangem às técnicas e métodos de ensino, já que estas seriam habilidades docentes;
b) Os saberes disciplinares – são os saberes reconhecidos e identificados como pertencentes aos diferentes campos do conhecimento (linguagem, ciências exatas, ciências humanas, ciências biológicas etc.), produzidos e acumulados pela sociedade ao longo da história da humanidade, e administrados pela comunidade científica. O acesso a eles deve ser possibilitado por meio das instituições educacionais (dimensão do saber).
3.10. Da importância da adoção das metodologias ativas de aprendizagem pela Matriz Curricular da SENASP e a eficácia da ABP para tal finalidade
As metodologias ativas de aprendizagem estão sendo consideradas tão importantes para a formação dos profissionais da Segurança Pública (policiais civis, policiais militares e bombeiros militares) que a Matriz Curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP)51 declarou a sua opção por elas, nos seguintes termos:
a) uma abordagem para os currículos da Segurança Pública que seja pautada no paradigma da complexidade, que contemple a teoria e a prática articuladas pela inclusão da problematização, tendo as metodologias de ensino ativo como modelos de referência para gerar situações de aprendizagem que possibilitem a “transferência de conhecimento”, ou seja, a capacidade de aplicar conhecimentos prévios em novos contextos, com o objetivo de identificar similitudes e diferenças para agir na nova situação, gerando, portanto, adaptação a quaisquer situações inerentes às competências profissionais e as novas competências que se fizerem necessárias;
b) uma visão crítica da educação, comprometida com a concepção de que o profissional em formação é um ser que pensa, sente e age, situacionalmente, de modo que o currículo deve fortalecer a simbiose dos três eixos que, segundo BALESTRERI (1998), fundamentam a formação do policial: eixos ético, técnico e legal;
c) a construção de “um modelo de segurança do cidadão”, que abranja políticas sociais e projetos sociais preventivos, protagonizados pela articulação de diferentes forças sociais: administrações públicas, associações, terceiro setor, escolas, etc., do que se vê a necessidade da integração entre a Polícia e as comunidades locais, integração esta que é estimulada pelas adoção das metodologias ativas de ensino-aprendizagem, onde a diversidade de origens dos membros do grupo é uma vantagem para o produto coletivo na resolução de problemas;
d) A ideia de que a implantação do currículo abranja uma organização pautada em eixos e áreas de aprendizagem, reunindo disciplinas afins que interagem e dependem umas das outras, consolidando uma prática pedagógica com visão global e interdisciplinar, favorecendo a construção do conhecimento e o desenvolvimento/aquisição de competências;
e) A necessidade de reflexões e discussões sobre o “currículo oculto” presente nos rituais, práticas, relações hierárquicas, regras e procedimentos, nos modos de organizar o espaço e o tempo da escola, e que conformam saberes não desejados no cotidiano escolar.
Conforme declarado pela Matriz Curricular da SENASP, são as situações problematizadoras que mobilizam os saberes e geram esquemas de ação, filtros pessoais que tornam as situações compreensíveis, envolvendo esquemas de percepção, decisão e avaliação, contribuindo para que os policiais e os bombeiros em formação desenvolvam o analisar, o refletir, o justificar, considerados metacompetências imprescindíveis na construção da autonomia intelectual e, principalmente, nas atuações destes profissionais.52
Nessa linha de entendimento, a utilização das situações problematizadoras como recursos de aprendizagem nas ações formativas deverá considerar as seguintes orientações metodológicas53:
• A compreensão de quais são as competências necessárias à prática policial e à prática de bombeiro é o elemento-chave para direcionar a prática pedagógica;
• Os conhecimentos prévios dos policiais e dos bombeiros em formação e as competências a serem desenvolvidas passam a ser o eixo estruturador para o planejamento das propostas de atividades;
• As situações problematizadoras a serem apresentadas aos policiais e aos bombeiros em formação devem ter um enfoque contextual, interdisciplinar e transversal, favorecendo a busca, a seleção e a utilização dos conteúdos pautados nos eixos legal, técnico e ético para auxiliar na compreensão dos processos e fenômenos tais como eles se apresentam na realidade do trabalho policial e de bombeiro;
• Os conteúdos devem ser considerados ferramentas, meios articuladores, dos quais os policiais e os bombeiros em formação devem lançar mão para compreender a realidade e auxiliar na resolução de problemas;
• As situações problematizadoras deverão criar condições para que os policiais e os bombeiros em formação utilizem as habilidades mentais, levantando hipóteses e estimulando o processo de reflexão que deverá ocorrer antes, durante e após a ação;
• O professor, como mediador do processo de aprendizagem, é o responsável pela seleção e pelo planejamento das técnicas que conduzirão às situações-problema e, principalmente, pelas intervenções por meio de questionamentos e feedback durante a execução.
Demais disso, como a Matriz Curricular da SENASP declara ser importante a utilização dos conhecimentos prévios dos profissionais de segurança pública para resolução coletiva e ativa pelos alunos de situações-problema novas, ficou claro que a aprendizagem significativa dos profissionais da Segurança Pública também é levada em consideração pela Matriz Curricular da SENASP. Nesse sentido, o processo cognitivo dos policiais, a ser potencializado com a adoção das metodologias ativas, incorpora novos conhecimentos, somados aos anteriores, levando não somente a novos significados para os alunos, mas também construindo em sua mente uma ressignificação de seus conhecimentos prévios.
Nesse ponto, questiona-se de que maneira a Metodologia Ativa da ABP, com o foco na aprendizagem significativa, irá possibilitar que os alunos adquiram novas competências cognitivas, operativas e atitudinais, já que tais competências são declaradas pela Matriz Curricular da SENASP54 como necessárias para a formação dos profissionais de Segurança Pública e, portanto, teriam que necessariamente ser desenvolvidas nos cursos da ESPC.
De acordo com a Matriz Curricular da SENASP, competência é entendida como a capacidade de mobilizar saberes para agir em diferentes situações da prática profissional, em que as reflexões antes, durante e após a ação estimulem a autonomia intelectual.55 Conforme previsão da Matriz Curricular Nacional da SENASP, existem três espécies de competências que devem ser desenvolvidas durante a formação dos profissionais da Segurança Pública:
a) Competências cognitivas - são competências que requerem o desenvolvimento do pensamento por meio da pesquisa e da organização do conhecimento. Elas habilitam o indivíduo a pensar de forma crítica e criativa, posicionar-se, comunicar- se e estar consciente de suas ações. Relacionam-se com: o pilar da educação aprender a pensar da Unesco; a dimensão do conhecimento saber; o eixo legal de atuação dos profissionais da Segurança Pública.
b) Competências operativas - são as competências que preveem a aplicação do conhecimento teórico em prática responsável, refletida e consciente. Relacionam-se com: o pilar da educação aprender a atuar da Unesco; a dimensão do conhecimento saber fazer; o eixo técnico de atuação dos profissionais da Segurança Pública.
c) Competências atitudinais - são competências que visam a estimular a percepção da realidade, por meio do conhecimento e do desenvolvimento das potencialidades individuais; a conscientização de sua pessoa e da interação com o grupo; a capacidade de conviver de forma equilibrada, afetiva e emocionalmente, em diferentes ambientes: familiar, profissional e social. Relacionam-se com: os pilares da educação aprender a ser e aprender a conviver da Unesco; a dimensão do conhecimento saber ser; o eixo ético de atuação dos profissionais da Segurança Pública.56
Portanto, de acordo com a Matriz Curricular da SENASP, as atividades de formação educacional para profissionais da Segurança Pública devem levar em consideração a necessidade de se desenvolverem as três competências acima referidas.
Nesse sentido, destaca-se a pesquisa de SOUZA e DOURADO57, que concluiu que a Metodologia Ativa da ABP representa um método de aprendizagem que tem por base a utilização de problemas como ponto de partida para a aquisição e integração de novos conhecimentos. Em essência, promove uma aprendizagem centrada no aluno, sendo os professores meros facilitadores do processo de produção do conhecimento. Nesse processo, os problemas são um estímulo para a aprendizagem e para o desenvolvimento das habilidades de resolução.
Como a Metodologia Ativa da ABP pressupõe que situações-problema sejam resolvidos com a participação preponderante dos alunos, que ora participam coletivamente, ora participam individualmente desta resolução (momento em que tem que pesquisar e processar textos sobre o assunto), o que os obriga a refletirem de forma crítica, tanto considerando seus conhecimentos prévios quanto os novos conhecimentos adquiridos, ao tempo em que têm que negociar a resolução do problema em grupo, mediando eventuais conflitos de forma respeitosa, todas essas práticas estimulam o desenvolvimento de conhecimentos (competências cognitivas), habilidades de como fazer as coisas/resolver problemas (competências operativas) e atitudes éticas em relação aos colegas e ao tutor (competências atitudinais).
Nesse sentido, SOUZA e DOURADO (2015) concluem que, na extensa literatura produzida sobre a Metodologia Ativa da ABP, existe um consenso acerca de suas características básicas. Numa percepção comum, todos admitem que a ABP promove a aquisição de conhecimentos, o desenvolvimento de habilidades, de competências e atitudes em todo processo de aprendizagem, além de favorecer a aplicação de seus princípios em outros contextos da vida do aluno. Assim, de acordo com a pesquisa de SOUZA e DOURADO, a ABP apresenta-se como uma Metodologia Ativa de Aprendizagem que promove uma aprendizagem integrada e contextualizada.
Com base na pesquisa referida acima, vê-se a eficácia da ABP no desenvolvimento de competências cognitivas, operativas e atitudinais que ela pode proporcionar, com foco na aprendizagem significativa de profissionais autônomos, críticos e capazes de resolver problemas reais e novos, motivo pela qual se verifica que a ABP é eficaz para a tanto para a boa preparação dos cidadãos para o mundo do trabalho, bem como para a boa preparação dos profissionais de segurança pública para o mundo policial.
3.11. De algumas experiências de sucesso com a ABP
Quanto aos casos exitosos de aplicação da Metodologia Ativa ABP, pode-se citar os seguintes, com base nas pesquisas do policial civil do Distrito Federal Marcelino de Andrade Amaral58, com ênfase para Instituições de Ensino e Formação de Policiais:
The Police Society for Problem Based Learning (PSPBL) - A “Sociedade Policial para Aprendizagem Baseada em Problemas” é uma organização norte-americana sem fins lucrativos criada por profissionais de segurança pública com o objetivo de melhorar a qualidade do treinamento policial. Apoia internacionalmente a utilização da aprendizagem baseada em problemas no treinamento da polícia por meio de cursos de formação de formadores, consultoria e realização de uma conferência anual;
CACP Executive Global Studies Program (CACP Global): O “Programa Executivo de Estudos Globais da Associação Canadense de Chefes de Polícia” foi originalmente concebido em 2001 com base na experiência e nos talentos de uma seleção nacional de educadores policiais. O programa foi projetado para introduzir novas competências e perspectivas globais para os atuais e futuros líderes do Canadá em policiamento e agências de segurança pública ao mesmo tempo em que aprimora as capacidades coletivas e individuais de organismos que compõem a comunidade canadense de justiça criminal. O CACP Global baseia-se em um modelo empírico de aprendizagem baseada em problemas que combina sessões em sala de aula, estudo on-line independente e conferências mediadas por computador com pesquisa de campo internacional em uma variedade de aspectos operacionais e administrativos do policiamento e da administração da Justiça.
The Canadian Association of Police Educators (CAPE): A “Associação Canadense de Educadores de Polícia” promove a excelência no treinamento e formação policial por meio de pesquisas em inovação, desenvolvimento de programas de formação, transferência de conhecimento, facilitação de intercâmbio policial e iniciativas de treinamento colaborativo, tendo a Aprendizagem Baseada em Problemas como uma de suas metodologias de ensino-aprendizagem.
Além disso, em sua dissertação do Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UnB, orientada pelo Professor Dr. Lúcio França Teles, o Prof. Mestre Marcelino de Andrade Amaral discorreu sobre a experiência exitosa da Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal, sob título “Aprendizagem baseada em problemas na formação policial: O caso da Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal”, onde relatou os resultados de pesquisa sobre a utilização da ABP pela primeira vez em um curso de pós-graduação da ESPC/DF. 59 Desde então, a ESPC/DF tem adotado a ABP em diversos de seus cursos, sejam cursos básicos, sejam cursos de maior duração, como especializações e pós-graduações.
3.12. Os métodos de avaliação tradicional e inovador
Por fim, mas não menos importante, tem-se a discussão sobre os métodos de avaliação. Como se verá, o método de avaliação utilizado comumente pela metodologia tradicional de ensino-aprendizagem contrasta com o método de avaliação utilizado pela ABP.
Segundo a pesquisa de MENDES60, o passo-a-passo das práticas avaliativas tradicionais comumente ocorre da seguinte maneira: o professor apresenta um conteúdo novo por meio de exposição, às vezes dialogada; aplica exercícios para fixação, tirando dúvidas durante a correção dos exercícios; em seguida avalia os alunos, em geral com provas ou testes; realiza a correção contando os acertos obtidos; depois desse processo, inicia uma nova unidade com um novo conteúdo. Todavia, dificilmente o professor da metodologia tradicional de ensino-aprendizagem se detém nos erros, embora sejam eles que possibilitam detectar as “não aprendizagens” e, muito menos para a fim de pensar sobre o que fazer para que as dificuldades sejam superadas.
Segundo a pesquisa promovida por MIZUKAMI61, o método tradicional de avaliação está, em regra, inserido na abordagem tradicional de ensino e teria as seguintes características:
a) a avaliação é realizada visando a medir a quantidade e a exatidão da reprodução, pelo aluno na prova, dos conteúdos trabalhados nas aulas (reflexo da educação conteudista que somente avalia competências cognitivas, deixando de lado outras competências relevantes, como as operativas e as atitudinais);
b) o exame/prova/teste é um fim em si mesmo, não sendo aproveitado como uma oportunidade para corrigir, enriquecer e potencializar o processo contínuo de aprendizagem;
c) as notas, na sociedade, são uma mera demonstração de patrimônio cultural. Nesse sentido, podemos concluir que, para aqueles que obtiveram boas notas, isso levará ao seu reconhecimento social, já para os que tiveram notas baixas, isso levará à sua estigmatização social, uma vez que não há outras finalidades para a avaliação no método tradicional de avaliação.
Na linha investigativa de MENDES (2005), verifica-se que ele propõe um método de avaliação inovador, compatível com a metodologia ativa da ABP e sua aprendizagem significativa, pois nele os instrumentos e momentos de avaliação são aproveitados não apenas para verificar a aprendizagem dos alunos, mas também para que os sujeitos envolvidos no processo retirem consequências novas e significativas do processo avaliativo, incluindo aquelas decorrentes do reconhecimento de erros cometidos, os quais podem ser aproveitados positivamente para aumentar a aprendizagem significativa dos alunos, sua motivação e engajamento nas atividades educacionais.
Esse novo método de avaliação deve necessariamente ser materializado enquanto processo contínuo e formado por inúmeras atividades avaliativas e correlacionadas, ao invés de ser formado por uma sucessão de unidades temáticas estanques com avaliações isoladas (presente no método de avaliação tradicional).
De acordo com a pesquisa de MENDES (2005), enquanto o método tradicional de avaliação, caracterizado pela mera verificação de aprendizagem, confirma um ensino centrado no professor e fundado no desempenho dos alunos em função dos objetivos pré-estabelecidos, baseando-se em padrões de aprendizagem desejáveis e estando vinculado à avaliação somativa (verificação de acertos obtidos por cada aluno nas atividades avaliativas, ao final de cada ciclo temático de ensino), já o método de avaliação inovador (adequado às finalidades pedagógicas da Metodologia ABP) é caracterizado pela avaliação formativa, a qual ocorre durante todo o processo de ensino-aprendizagem e não somente em dias pré-estabelecidos, afinal, neste método, todas as atividades dos alunos, e até mesmo as atividades desempenhadas pelos professores, estão sujeitas a avaliação, sempre com o objetivo maior de viabilizar a aprendizagem e o desenvolvimento de todos os atores envolvidos. E conforme PAIVA, PARENTE, BRANDÃO e QUEIROZ (2016), a avaliação formativa é adotada pelas metodologias ativas de ensino-aprendizagem (dentre as quais está a ABP).62
No contexto da avaliação formativa, a avaliação é um processo contínuo, no qual se observam constantemente os alunos, que são acompanhados e ajudados em suas dificuldades, e dessa forma, tanto a prova, quanto a nota e a reprovação perdem sua importância, pois não mais se valorizam os momentos estanques e todos os dias passam a ser avaliados por meio de diversos instrumentos. Desse modo, a nota passa a ser conseqüência e não motivação para o estudo. Quanto à reprovação, ela tende a desaparecer, pois cada resultado ruim significa fazer de tudo para ajudar os alunos a superarem suas dificuldades.
Por outro lado, o sistema de avaliação tradicional, com aparência de avaliar igualmente todos os alunos, oculta os reais interesses da sociedade capitalista e contribui para manutenção e perpetuação de um sistema autoritário, estratificado, hierárquico e extremamente desigual. Além disso, ajusta os indivíduos “aos seus lugares”, pois ao serem submetidos a esse tipo de avaliação, os alunos são treinados a aceitar o controle, os julgamentos, as recompensas e as punições como naturais, assim como naturais são as divisões da sociedade em que se encontram inseridos.
Todavia, a partir da amplitude ou limitação da compreensão do seu fazer na avaliação, o professor pode reforçar uma realidade social seletiva e excludente ou se mobilizar para a construção de alternativas de avaliação que visam a uma educação efetivamente democrática, que não seja só formalmente aberta a todos enquanto continuar sendo realmente reservada a uns poucos detentores da cultura dominante, mas que seja de fato democrática no sentido de oferecer condições concretas de inclusão àqueles que se encontram excluídos.
Conforme a pesquisa de MENDES (2005) referida, alguns autores, em oposição à concepção autoritária na qual a avaliação é vista como um instrumento disciplinador, gerador de uma aprendizagem de submissão, de dependência e de reprodução social (método tradicional de avaliação), têm se dedicado a investigar, discutir e propor a avaliação num enfoque crítico, dialético, diagnóstico e formativo (método inovador de avaliação). Eles põem em questão as práticas de avaliação vigentes nos sistemas de ensino e suas relações com concepções conservadoras de educação de caráter puramente seletivo e classificatório. Para eles, a avaliação deve ser concebida como ferramenta importante no acompanhamento da aprendizagem do aluno e não mais como instrumento de controle no interior da sala de aula.
Nesse contexto, defende-se o processo de ressignificação da avaliação, em todas as suas dimensões, explicando-se que ele depende do compromisso de seus agentes, sejam os órgãos institucionais, seja o educador na sala de aula, através da visão de educação explicitada mais pela ação concreta do que pelo discurso professado. Repensar as concepções, as políticas ou mesmo as práticas avaliativas implementadas aponta para a necessidade de se produzir um novo paradigma de avaliação em que:
• O professor compreenda os limites e as possibilidades da avaliação na sociedade capitalista;
• Os aspectos formativos da avaliação sobreponham-se aos técnicos;
• O processo de avaliar seja compreendido como prática de pesquisa e não de classificação, daí as práticas de apreciações devolutivas serem constantes (feedbacks);
• O ato de avaliar esteja aliado ao desenvolvimento pleno do aluno em suas múltiplas dimensões (humana, cognitiva, política, ética, operativa etc.);
• A avaliação sirva à formação, à implementação de políticas públicas e, só posteriormente à certificação, dentre outras.
Com relação ao fato de as práticas de “apreciações devolutivas” (chamadas de feedbacks) serem constantes no processo da avaliação formativa, tanto do professor em relação ao aluno, quanto do aluno em relação ao professor, destacam-se algumas conclusões obtidas pela pesquisa de NORCINI (2010)63, no sentido de que:
• A prática de feedback teve influência sobre 79% dos profissionais que o receberam, sendo uma das práticas com maior potencial de influência;
• Com base em tal estatística, conclui-se que o feedback pode ter um efeito muito poderoso no processo de aprendizagem;
• Ainda que analisado isoladamente, o feedback teve um efeito positivo em 74% dos profissionais que o receberam;
• Para que o feedback ocorra no contexto da educação profissional, é necessário que o desempenho dos profissionais seja observado;
• O foco do feedback pode influenciar a sua efetividade. Nesse sentido, o feedback pode ser dado sobre uma tarefa em particular, sobre o processo utilizado para realizar a referida a tarefa, sobre autorregulação e sobre a pessoa em si. Apesar de essas quatro categorias não serem mutuamente excludentes, foi observado que o feedback que foca sobre os três primeiros objetos referidos é diferencialmente benéfico a depender da natureza do estudante e seu desempenho. Já o feedback dado sobre o aspecto pessoal do aluno (como por exemplo com elogios pessoais) é raramente efetivo.
• Do item anterior, conclui-se que o tipo de foco do feedback influencia a sua efetividade.
Nessa linha, ressalta-se a pesquisa de MENDES (2005), que traz alguns princípios a fim de orientar o método inovador de avaliação (avaliação formativa):
a) Todas as situações em sala de aula podem ser avaliadas. Desde que os professores estejam atentos, registrando os fatos e tomando atitudes frente ao que está sendo avaliado, estas são as atitudes chamadas de apreciações devolutivas (feedbacks);
b) É fundamental a perspectiva daquele que aprende, o aluno. Ter a regulação como característica básica da avaliação formativa exige que tanto professor quanto aluno participem de todo processo como sujeitos e, por isso mesmo, o aluno também deve adquirir consciência de seus acertos e erros, propor ações de superação e repensar sua forma de estudo junto com o professor. Desse modo, professores e alunos devem registrar, desde o início, suas observações e impressões no sentido de indicar ajustes ou propostas para que as dificuldades detectadas sejam superadas. Instrumentos como observação e entrevista são fundamentais e o diálogo como metodologia de trabalho é condição básica;
c) Na linha do exposto do item anterior, é preciso renunciar ao uso autoritário da avaliação;
d) É preciso alterar a metodologia de trabalho em sala de aula. A avaliação não é o único problema enfrentado. Uma nova prática avaliativa requer, necessariamente, novas práticas metodológicas. Isso significa que não basta mudar a forma de avaliar se não se mudam as formas de organização das aulas. A metodologia precisa ser diversificada, problematizadora e ter como princípio o diálogo (o que é justamente a proposta da ABP). Se o aluno não aprendeu de uma forma, é preciso tentar outras formas até que ele aprenda. Para isso é preciso ter coragem de atrasar o programa e atender às necessidades dos alunos. Isso quer dizer que é preciso retomar, rever, reenfocar, replanejar, alterar o ritmo, buscar novas estratégias de abordagem. É necessário partir de onde os alunos estão e não de onde deveriam estar. Dessa forma, não importa tanto o que já foi dado e sim o que foi realmente assimilado. Esse princípio representa uma significativa mudança metodológica. O conteúdo deve ser mais significativo e a metodologia mais participativa, para que diminua a necessidade de recorrer à nota como instrumento de coerção. Se o professor conseguir ser mais criativo e dar aulas mais interessantes, também os alunos se interessarão mais pelas aulas: “Não se pode conceber uma avaliação reflexiva, crítica, emancipatória, num processo de ensino passivo, repetitivo, alienante”. Além do mais, por mais óbvio que possa parecer, é preciso estudar para aprender, para compreender o mundo, para usufruir o patrimônio acumulado pela humanidade e transformar esse mundo, para participar ativamente, conscientemente desse mundo. Infelizmente, assim como na educação básica, os alunos do ensino superior também são incentivados a estudar apenas para tirar nota e não para aprender, o que nem sempre é a mesma coisa. Essa é uma forte perversão do processo ensino-aprendizagem. Uma prática metodológica que possa colaborar com uma sólida aprendizagem precisa privilegiar a problematização, o debate, a exposição interativa-dialogada, a pesquisa, a experimentação, o trabalho de grupo, a construção de modelos, o estudo do meio, os seminários, os exercícios de aplicação, as aulinhas dadas por alunos, dentre outras tantas práticas as mais participativas e mais diversificadas possível. É a dúvida que revela ao professor o percurso que o aluno está fazendo na construção do conhecimento. É preciso incentivar e garantir a prática de perguntar durante as aulas. Muitas vezes, mais importante que responder é saber ou conseguir elaborar uma boa pergunta;
e) É preciso redimensionar o uso da avaliação, retirando a sua centralidade e diversificando a sua aplicação por meio de diferentes tipos de avaliação. Assim, deve-se avaliar em diferentes oportunidades, sem se prender apenas em provas. Mas se o professor for aplicar uma prova, ele pode diversificar os tipos de questões, contextualizá-las, colocar questões a mais como opção de escolha; pode dimensionar o tempo a ser gasto durante a prova, para diminuir a ansiedade dos alunos; deixar claro quais serão os critérios utilizados durante qualquer prática avaliativa, especialmente se for atribuída alguma nota; avaliar no dia a dia, para que não seja necessário marcar o conteúdo a ser cobrado na prova, para que os alunos não caiam no vício de estudar apenas o que é cobrado em avaliações quantitativas; diversificar a forma de avaliar, fazendo avaliações em dupla ou em grupos, claro sem dispensar a individual; fazer avaliação com consulta; elaborar avaliações interdisciplinares; deixar que os alunos elaborem questões ou propostas de trabalhos para avaliações; eliminar uma das notas de um conjunto, para que o aluno fique menos tenso; não incentivar a competição, nem comparar alunos entre si; para não sobrecarregar o professor, fazer correções por amostragem, autocorreção ou correção-mútua pelos alunos com supervisão do professor; introduzir novas práticas de reflexão sobre as experiências de avaliação, de forma a saber o que os alunos acham do método avaliativo ou mesmo do instrumento utilizado;
f) É necessário redimensionar o conteúdo da avaliação. Os conteúdos a serem cobrados na avaliação devem ser justamente aqueles que correspondem aos objetivos do ensino;
g) É fundamental alterar a nossa postura diante dos resultados. Deve-se perceber as necessidades/dificuldades dos alunos e conseguir intervir na realidade para ajuda-los na superação delas. Aqui, o erro passa a ser muito importante para o trabalho do professor. O erro revela que o aluno precisa de ajuda do professor. Através de seu erro, saber-se-á como ajudá-lo e o que, ou em que, ele precisa de ajuda. Se o professor não puder fazer nada pelos alunos que não aprenderam, então qual será o papel dele? Será que o professor é capaz de ensinar apenas aos alunos que não têm nenhuma dificuldade? Com certeza não.
h) É preciso que sejam implementados os conselhos de turma durante todo o processo de ensino e de aprendizagem. Um conselho representa uma forma coletiva de conhecer um aluno e obter maiores informações sobre ele, além de propiciar decisões descentralizadas. Assim, estar-se-á dividindo tamanha responsabilidade para aprovar ou reprovar um aluno, por exemplo, quando se tomam decisões coletivas sobre o futuro dos alunos;
i) Faz-se necessário criar uma nova mentalidade junto aos alunos, aos professores e à comunidade acadêmica. Dificilmente conseguiremos grandes mudanças se não trabalharmos na conscientização da comunidade acadêmica como um todo. Essa é a forma de ampliar o grupo de adesão às novas concepções de avaliação e, consequentemente, de educação. Só muda quem adquire consciência e desejo de mudança.
Ressalta-se, ainda, a existência da Avaliação Diagnóstica, a qual, segundo a pesquisa de OLIVEIRA (2022)64, é a que proporciona informações acerca das capacidades do aluno antes de iniciar um processo de ensino-aprendizagem, ou, ainda, busca a determinação da presença ou ausência de habilidades e pré-requisitos, bem como a identificação das causas de repetidas dificuldades na aprendizagem (portanto, podendo ser realizada também durante o processo de ensino-aprendizagem, sempre que o professor achar necessário). A avaliação diagnóstica seria uma típica avaliação a ser utilizada pela ABP no início ou no decorrer de seu processo de ensino-aprendizagem, já que ela se preocupa com os conhecimentos prévios dos alunos e com a evolução de suas aprendizagens.
Diante das diferentes formas de avaliação e seus instrumentos, bem como seus momentos de aplicação e os sujeitos envolvidos na avaliação, fez-se um resumo do assunto. Faz-se referência à pesquisa de MENDES (2005)65 já citada, a qual traz diversos instrumentos de avaliação a serem utilizados ao longo do processo de ensino-aprendizagem, o que inclui metodologia ativa da ABP, ou outra metodologia inovadora:
a) Entrevista
A entrevista permite ampliar os dados que o professor já tem, tratar de um problema específico detectado nas observações, esclarecer dúvidas quanto a determinadas atitudes e hábitos dos alunos, dentre outros assuntos. Portanto, precisa ocorrer sempre que o professor sentir necessidades de esclarecimentos, seja no início ou no decorrer do processo de ensino-aprendizagem. A esse respeito, o professor, se quiser, pode inclusive aplicar um teste (verbal ou escrito) para averiguar o nível de conhecimento do aluno e com isso aferir o que precisa ser trabalhado com ele, sem aplicar-lhe qualquer nota.
b) Painel Integrado
Essa atividade permite ao aluno, por meio da pesquisa, um conhecimento mais aprofundado sobre um assunto e uma visão geral sobre temas correlatos. Permite ao professor acompanhar o desenvolvimento do aluno e de sua capacidade de compreensão por meio do estudo individual, num primeiro momento, e coletivo no segundo momento. A partir de uma questão a ser investigada, os alunos podem ser motivados a pesquisar, individualmente, em busca de respostas. Num segundo momento, juntam-se as pesquisas com temáticas comuns para que os alunos complementem a pesquisa individual, fazendo, dessa forma, a integração horizontal. Para que aconteça uma integração vertical, os alunos devem formar novos grupos, compostos por alunos que pesquisaram temáticas diferentes e nesse momento, cada membro do grupo apresenta o seu estudo ao outro, permitindo a todos uma visão geral de todas as temáticas pesquisadas. Para possibilitar a avaliação é importante que cada etapa seja registrada pelos alunos e acompanhada pelo professor. Não podemos nos esquecer de registrar as dificuldades dos alunos para que sejam trabalhadas. É recomendável que aconteça um último momento em que haja um grande debate com o envolvimento de todos os alunos e com a coordenação do professor, inclusive para tirar dúvidas e preencher lacunas.
c) Observação como instrumento de pesquisa
A observação visa a investigar, informalmente, as características individuais e grupais dos alunos, tendo em vista identificar fatores que influenciam a aprendizagem e o estudo das matérias e, na medida do possível, modificá-los. Através da observação é possível desenvolver a capacidade de percepção dos comportamentos manifestos ou não dos alunos. Entretanto, ela está sujeita à subjetividade do professor e, portanto, a erros de percepção e a tendenciosidade. Por essa razão não se deve tirar conclusões na base de ocorrências esporádicas e de julgamentos apressados que estão por trás. Devem ser levados em conta os condicionantes econômicos e socioculturais e as possibilidades de que sejam modificados pela ação pedagógico-didática e pela própria reação dos alunos. A observação não deve ser mera opinião, mas sim uma avaliação fundamentada em várias situações e com critérios. A observação deve ser sistematizada através de uma ficha. O registro pode ser feito através de uma apreciação que pode ser: sempre, quase sempre, raramente; ou muito bom, satisfatório, insatisfatório. A pesquisa de MENDES (2005) apresentou alguns itens que podem ser objeto de observação tendo como base a proposta de LIBÂNEO:
Quanto ao desenvolvimento intelectual:
1. Presta atenção nas aulas e no trabalho independente;
2. É persistente na realização das tarefas;
3. Tem facilidade de assimilação do conteúdo;
4. Demonstra atitude positiva em relação ao estudo;
5. Tem facilidade de expressão verbal;
6. Lê e escreve corretamente;
7. Tem pensamento criativo e independente.
Quanto à organização de hábitos pessoais:
1. Apresenta seus materiais em ordem e em tempo hábil;
2. Apresenta as atividades acadêmicas no prazo solicitado;
3. Demonstra comportamento de estudo necessário às atividades acadêmicas;
4. Dispõe dos instrumentos de apoio necessários ao desenvolvimento do estudo, e outros.
Outros itens poderão ser construídos coletivamente pelos professores e alunos da turma ou curso. Também aqui os registros são importantes, e pensar alternativas que possam alterar os comportamentos apresentados como inadequados ao trabalho acadêmico é que torna o instrumento avaliativo.
d) Diário reflexivo
Esse instrumento tem como objetivo registrar diariamente o conteúdo estudado, através de conceitos básicos trabalhados em sala de aula, na percepção do aluno. Ao final de um conteúdo trabalhado, o aluno é convidado a escrever sobre o conceito básico da aula dada. O professor recolhe e faz observações na aula seguinte a partir do que o aluno conseguiu registrar da aula. Pode ser feito por amostragem para superar a falta de tempo que exige acompanhamento diário.
e) Autoavaliação
Visa à autocrítica e à corresponsabilidade em relação ao desenvolvimento intelectual do aluno. A autoavaliação colabora para promover a socialização e o amadurecimento do aluno. Ela deve ser feita através de roteiros que avaliem diferentes aspectos das atividades acadêmicas, constituindo-se em um importante instrumento de formação do aluno.
f) Portfólio
Seu objetivo é encorajar a reflexão e o estabelecimento de objetivos. O aluno tem a oportunidade de relatar suas experiências durante o processo de aprendizagem e refletir sobre elas. O portfólio é uma coleção de itens que revela, conforme o tempo passa, os diferentes aspectos do desenvolvimento do aluno. Através do portfólio o aluno consegue perceber sua evolução acadêmica.
g) Trabalho monográfico
Por meio de um projeto de pesquisa e com a ajuda de um professor orientador, o aluno vivencia o processo de produção de conhecimento, a partir da problematização de uma dada realidade. Esse trabalho avaliativo é mais comum nos cursos de graduação, especialmente para os alunos de iniciação científica.
h) Seminário
Esse instrumento tem sido muito utilizado no ensino superior, entretanto com várias deturpações acerca de seu procedimento, especialmente em se falando do papel do professor na realização do seminário. Na verdade, o seminário deve acontecer a partir de um grupo de estudos em que se debate um ou mais temas apresentados por um ou vários alunos, sob a direção do professor responsável pela disciplina do curso. Seu objetivo é investigar um problema, sob diferentes perspectivas, tendo em vista alcançar profundidade de compreensão, enquanto o professor coordena e avalia o processo. Comum tem sido, a cada semana, um aluno diferente apresentar um tema a ser discutido, um aluno ser o “revisor” (que, portanto, avalia e faz críticas à apresentação do colega) e os demais membros da turma serem também chamados a avaliar/comentar/criticar a apresentação, sob supervisão do professor.
i) Provas escritas dissertativas
Tais instrumentos de avaliação comumente são utilizados no contexto das avaliações somativas (isoladas) do método tradicional de avaliação, contudo, nada impede que tais instrumentos sejam adaptados para que também haja uma ressignificação deles, de forma a romperem com os problemas do método tradicional de avaliação e a existirem como parte da avaliação formativa:
As provas podem ser ministradas para duplas de alunos, para que eles treinem de forma cooperativa para exames que terão que enfrentar nesses moldes no futuro (a resolução deve ser monitorada para que um aluno não se aproveite do outro). Os estudos prévios para a prova são fundamentais e devem ser incentivados e especificados;
As provas podem ser feitas individualmente, mas com consulta, de forma que cada aluno possa contribuir para a resolução da prova com os recursos de que dispõe (livros, conhecimentos, internet, biblioteca);
As provas devem ser corrigidas em sala de aula perante os alunos, de forma que todos aprendam os assuntos que eventualmente erraram em suas provas, e aprendam o motivo de seus erros, para não os repetirem, com isso gerando aprendizagem significativa a partir do que erraram;
Os professores devem incorporar aos registros acadêmicos dos alunos a aprendizagem acadêmica que cada um deles teve com seus erros nas provas ministradas, de modo a que os alunos possam ser avaliados positivamente e assim lembrados no futuro sobre seus aprendizados específicos.
j) Conselho de turma
Por fim, em sua pesquisa, MENDES propõe que a avaliação também aconteça de forma coletiva e que haja momentos para que professores e alunos possam discutir os problemas de aprendizagem e propor sugestões em conjunto para solucioná-los, em especial quanto a certos temas mais delicados e sensíveis. E o mais importante: que a decisão de reprovar um aluno passe pela avaliação de um conselho criado especialmente para participar do processo de avaliação formativa e que esse conselho se reúna durante todo o semestre letivo e não apenas ao final. De qualquer modo, o conselho de turma deve ter um acompanhamento criterioso de todos os alunos de uma turma e deve ser mais abrangente por contar com a avaliação dos professores e alunos da turma.
Do exposto, apresenta-se o seguinte quadro de instrumentos de avaliação:
Instrumentos e forma de avaliação |
Momentos de sua aplicação |
Sujeito avaliador |
Sujeito/objeto avaliado |
|---|---|---|---|
|
Entrevista e/ou observação individualizada (Avaliação diagnóstica) |
Antes do início do processo ensino-aprendizagem (para auxiliar no planejamento) |
Professor |
Aluno e seus conhecimentos |
|
Painel Integrado (Avaliação formativa) |
Durante o processo ensino-aprendizagem |
Professor e alunos |
Alunos e professor, e conhecimentos estudados |
|
Observação (Avaliação formativa) |
Durante o processo ensino-aprendizagem |
Professor (alguns itens da observação podem ser propostos pelos alunos) |
Alunos e seus comportamentos |
|
Diário reflexivo (Avaliação formativa) |
Durante o processo ensino-aprendizagem |
Aluno repassa o diário ao Professor, que faz observações na aula seguinte |
Conteúdo trabalhado em sala de aula |
|
Autoavaliação (Avaliação formativa) |
Durante o processo ensino-aprendizagem |
Aluno |
Aluno e suas competências |
|
Portfólio (Avaliação formativa) |
Durante o processo ensino-aprendizagem |
Aluno |
Experiências ao longo da aprendizagem |
|
Entrevista (Avaliação formativa) |
Durante o processo ensino-aprendizagem |
Professor |
Aluno e seus conhecimentos |
|
Trabalho Monográfico (Avaliação formativa) |
Durante o processo de ensino-aprendizagem |
Professor e Aluno |
Objeto do conhecimento pesquisado |
|
Seminário (Avaliação formativa) |
Durante o processo de ensino-aprendizagem |
Professor e Aluno |
Alunos e objetos de conhecimento pesquisados |
|
Provas escritas dissertativas (Avaliação somativa+ formativa, ressignificadas) |
Durante o processo de ensino-aprendizagem |
Professor (ressignificação do método de avaliação) |
Alunos e seus conhecimentos desenvolvidos nas provas + os erros a serem trabalhados |
|
Conselho de Turma (Avaliação formativa ou Avaliação somativa) |
Durante o processo ensino-aprendizagem ou ao final de um ciclo de aprendizagem, a depender do tema |
Todos os professores e alunos da turma |
Problemas de aprendizagem, reprovação de um aluno |
Quadro 3: Instrumentos de Avaliação
Nesse ponto, questiona-se quais são as formas de avaliação mais adequadas para uma aprendizagem significativa. Nos termos já expostos, e diante das três formas de avaliação referidas anteriormente (diagnóstica, somativa e formativa), identifica-se duas formas de avaliação como as mais adequadas para uma aprendizagem significativa dos alunos, conforme as pesquisas já referidas de OLIVEIRA (2022) e MENDES (2005):
a) Avaliação diagnóstica
De acordo com a pesquisa de OLIVEIRA (2022), referida anteriormente, a avaliação diagnóstica é a que proporciona informações acerca das capacidades do aluno antes de iniciar um processo de ensino-aprendizagem, ou, ainda, busca a determinação da presença ou ausência de habilidades e pré-requisitos, bem como a identificação das causas de repetidas dificuldades na aprendizagem, podendo dessa forma ocorrer durante o processo de ensino-aprendizagem.
Percebe-se que a primeira forma de avaliação adequada para uma aprendizagem significativa é justamente a avaliação diagnóstica, uma vez que é dirigida para identificar a presença ou ausência das capacidades, habilidades e pré-requisitos necessários ao processo de ensino aprendizagem nos alunos que irão cursar determinado período letivo. Isso faz com que o educador já possua, de antemão, informações relevantes para adequar as atividades que serão ministradas em sala de aula. Ele saberá quais conteúdos serão mais adequados para serem trabalhados, quais conteúdos serão inviáveis por hora etc. Com isso, poderá conduzir a turma de forma a que todos possam alcançar uma aprendizagem relevante e significativa.
b) Avaliação formativa ou contínua (durante todo o processo de ensino-aprendizagem)
Com relação ao processo de ensino-aprendizagem em si considerado, a pesquisa de MENDES (2005) concluiu que, para que o sujeito da aprendizagem retire dela consequências novas e significativas, os erros cometidos durante o processo de avaliação não podem ser ignorados, ou seja, os erros devem ser “aproveitados” para que os sujeitos envolvidos revejam o seu trabalho, rediscutam o conteúdo dado e modifiquem a realidade verificada.
Em outras palavras, para que a avaliação possibilite uma aprendizagem significativa, ela não pode ficar restrita à mera “verificação” ou “aferição” de resultados obtidos pelos alunos (que seria equivalente à avaliação somativa do método tradicional de avaliação). Ela deve pressupor um processo contínuo de avaliação e reavaliação, em que as eventuais falhas dos alunos estarão sempre sendo trabalhadas e retrabalhadas de uma forma motivadora, para que eles possam superar suas dificuldades e avançar no processo de ensino aprendizagem.
Nesse contexto é que se insere a avaliação formativa, que é toda prática de avaliação contínua que pretenda contribuir para melhorar as aprendizagens em curso, qualquer que seja o quadro e qualquer que seja a extensão concreta da diferenciação do ensino. Levam-se em consideração os propósitos estabelecidos por professores e alunos para garantir-se a regulação das aprendizagens (PERRENOUD, 1999, apud. MENDES, 2005). Portanto, percebe-se como a aprendizagem significativa é considerada importante na avaliação formativa.
c) Aproveitamento inovador de instrumentos do método tradicional de avaliação
Conforme visto anteriormente, faz-se necessário que as práticas da metodologia tradicional de avaliação sejam revistas, o que permitiria a aplicação de provas escritas de modo inovador e inseridas em um processo contínuo de avaliação formativa (e não mais somativa, derivada de atos isolados). Nesse contexto, haveria uma ressignificação de tais instrumentos de avaliação, de forma a romperem com os problemas do método tradicional de avaliação e a existirem como parte da avaliação formativa:
As provas podem ser ministradas para duplas de alunos, para que eles treinem de forma cooperativa para exames que terão que enfrentar nesses moldes no futuro (a resolução deve ser monitorada para que um aluno não se aproveite do outro). Os estudos prévios para a prova são fundamentais e devem ser incentivados e especificados;
As provas podem ser feitas individualmente, mas com consulta, de forma que cada aluno possa contribuir para a resolução da prova com os recursos de que dispõe (livros, conhecimentos, internet, biblioteca);
As provas devem ser corrigidas em sala de aula perante os alunos, de forma que todos aprendam os assuntos que eventualmente erraram em suas provas, e aprendam o motivo de seus erros, para não os repetirem, com isso gerando aprendizagem significativa a partir do que erraram;
Os professores devem incorporar aos registros acadêmicos dos alunos a aprendizagem acadêmica que cada um deles teve com seus erros nas provas ministradas, de modo a que os alunos possam ser avaliados positivamente e assim lembrados no futuro sobre seus aprendizados específicos.
4. Considerações finais
Diante da complexidade crescente dos problemas a serem resolvidos pelas pessoas no mundo do trabalho, seja ele da esfera policial ou da esfera cidadã, faz-se necessário rever a metodologia tradicional de ensino-aprendizagem, nos diversos níveis educacionais, e adotar uma metodologia que estimule na prática a formação de pessoas e profissionais autônomos e com capacidade criativa e cooperativa, aptos a resolver problemas e trabalhar em equipe.
A metodologia ativa de aprendizagem estudada, conhecida como ABP (Aprendizagem Baseada em Problemas), por utilizar o ambiente educacional motivador como pano de fundo na sala de aula e a aprendizagem significativa como foco das dinâmicas tutoriais, nas quais os alunos são os protagonistas, apenas orientados pelos tutores, possibilita de fato a construção de uma aprendizagem muito mais sólida do que a resultante da educação tradicional.
Enquanto nesta os alunos são praticamente “condicionados” a terem apenas competências cognitivas, na metodologia ativa ABP, assim como em outras metodologias ativas de aprendizagem, os alunos são estimulados a desenvolverem suas competências cognitivas, operativas e atitudinais, tornando-se muito mais aptos para exercerem uma profissão no mundo do trabalho.
Nesse contexto, as metodologias ativas e em especial a ABP proporcionam uma educação capaz de transformar para melhor as pessoas e as instituições sociais.
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