Capa da publicação Mérito da ação x mérito do recurso: diferenças
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Mérito da demanda e mérito do recurso de apelação

Resumo:


  • O direito processual civil envolve complexidades, principalmente na esfera recursal, com requisitos indispensáveis para julgamento de recursos.

  • A observância estrita ao procedimento e respeito ao rito são essenciais para garantir a consideração das formalidades e expectativas das partes no processo.

  • A ausência de requisitos para admissibilidade de recursos pode levar ao não conhecimento do recurso, impedindo a análise do mérito e resultando na inadmissibilidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O mérito não se confunde com requisitos de admissibilidade recursal. Qual a diferença entre mérito da demanda e mérito do recurso?

O direito processual civil é um ramo autônomo do direito que envolve diversas complexidades, mormente no que diz respeito à esfera recursal. Para que um recurso seja julgado, são necessários, assim como para a tramitação da demanda em primeiro grau de jurisdição, alguns requisitos e condições indispensáveis.

Importante mencionar que o processo é uma cadeia de atos bem definido, devendo observação estrita ao procedimento. O respeito ao rito é de interesse público, mas sobretudo apto a resguardar as expectativas do litigante contrário, que confia na consideração das formalidades para pautar a sua atuação em determinada demanda.

Avançando na questão, caso as condições da ação ou os pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento do processo não se façam presentes na ação, inviável será o seu prosseguimento, tendo por consequência o indeferimento da petição inicial ou mesmo a extinção do feito sem o julgamento do mérito.

Na instância revisora não é diferente. Na hipótese de ausência de algum dos requisitos para a admissibilidade do recurso, esse sequer será conhecido, não ostentando interesse o órgão julgador para analisar o seu mérito.

Ou seja, quando falamos no recurso de apelação, caso o relator entenda pela ausência dos pressupostos, será necessário o não conhecimento do recurso. O recorrido poderá alegar esse fato em contrarrazões, no que restou convencionado na prática jurídica como preliminares recursais.

É importante diferenciar, primeiramente, o que seria mérito da demanda e mérito do recurso. No processo civil, o mérito da demanda é analisado quando o juízo de admissibilidade é transpassado, após a detecção do cumprimento dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo.

Desse modo, caso não haja a incidência de nenhuma das defesas de mérito indiretas 1 em preliminar de contestação ou elas sejam rejeitadas, o magistrado está autorizado a passar para as próximas fases do processo, com a posterior e desejável análise do mérito na sentença.

Já no que diz respeito ao mérito dos recursos, é o seu pedido e causa de pedir. Em verdade, tudo aquilo que não se confunda com os requisitos de admissibilidade, as ditas preliminares recursais. Assim, o que não disser respeito ao conhecimento da apelação fará parte do seu mérito. 2

Nota-se que essa cadeia de atos bem delineados, seja em primeiro ou em segundo grau, faz-se necessária para que o processo tenha um caminhar previsível e sem prejuízos para qualquer das partes.

Na esfera de jurisdição que for, ressaltando a força que o princípio da primazia do julgamento do mérito vem adquirindo, é sempre almejado pelo sistema a análise dos pedidos.

Porém, caso os requisitos de admissibilidade não se façam presentes, é de rigor que o fundo da demanda ou do recurso não seja examinado. Ao mesmo tempo que revela-se aconselhável a pacificação dos conflitos pela resolução do mérito, também impõe-se a sua não análise caso processualmente isso não seja possível, revelando-se temerário ignorar institutos processuais seculares, como a preclusão, em desmedida busca por aquela satisfação.

A título de exemplo, caso não seja perfeito o requisito da dialeticidade recursal, estará preclusa a oportunidade de complementação da insurgência, em prol da segurança jurídica, bem como da observação do contraditório e da ampla defesa, privilegiando a atuação do recorrido.

Pois bem. Adentrando ao centro do texto, tem-se que preliminares da demanda são aquelas listadas, principalmente, no rol do artigo 337 do Código de Processo Civil, em que pese existir opinião no sentido de que esse rol é exemplificativo 3. Tudo mais será mérito da ação.

Adiante, nos recursos, as preliminares apenas e unicamente dizem respeito à admissibilidade, ao conhecimento recursal, ao passo que tudo mais será mérito. Ou seja, ainda que seja suscitada, em grau recursal, matéria referente à preliminar da demanda, ainda assim será mérito da apelação.

Apenas para exemplificar, caso o órgão colegiado acolha o pedido recursal de incompetência do juízo originário e casse a sentença determinando o retorno dos autos à primeira instância, ainda que essa causa de pedir recursal tenha a nomenclatura de preliminar, estaremos diante de mérito da apelação e não de acolhimento de preliminar, que levaria apenas e unicamente à inadmissibilidade sem análise do mérito.

Afinal, diferentemente das questões prejudiciais que condicionam o julgamento de fundo, as preliminares serão determinantes para que os pedidos sejam julgados. Caso acolhidas, não haverá essa incursão.

A distinção terminológica ecoa efeitos no campo prático. Ora, quando o órgão colegiado acolher determinada preliminar, a única opção será a inadmissão do recurso. Por essa razão se faz necessária a diferenciação técnica.

É fato que a prática sedimentou algumas condutas colegiadas, as quais, longe de ser incompetência dos magistrados, misturam preliminar e mérito recursal.

Sem a necessidade de citar ementas e nomes, por diversas vezes há a menção de acolhimento de preliminar recursal, que na maioria das vezes se confunde com a preliminar da demanda, para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à origem.

Poderia-se ventilar a exceção do artigo 1.009, do Código de Processo Civil, a qual positiva a preclusão diferida, onde matérias não agraváveis poderão ser alegadas em preliminar de apelação ou contrarrazões. 4

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Vale mencionar que essa exceção perdeu força com a tese da taxatividade mitigada desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça 5. O aludido posicionamento indica que questões urgentes não apeláveis, mas que padeceriam de inutilidade caso alegadas apenas em apelação podem ser atacadas pela via do agravo de instrumento, evitando-se, assim, a movimentação desnecessária da máquina judiciária posteriormente.

Ainda que essas matérias, irrecorríveis em momento anterior, sejam de mérito ou preliminares da demanda e sejam alegadas em “preliminar” de apelação, ainda assim se tratará de mérito do recurso, tendo o legislador apenas adotado essa terminologia para determinar que sejam alegadas em primeiro lugar.

Não haverá qualquer interesse ou até mesmo legitimidade para o recorrente, em nenhuma hipótese processual, alegar preliminares em seu recurso de apelação ou em qualquer outro. Afinal o recorrente busca o provimento do seu recurso e não o seu não conhecimento.

As preliminares da apelação, àquelas destinadas a sua inadmissibilidade, serão postas pelo recorrido em contrarrazões. E o tribunal ao acolher alguma delas, não conhecerá do recurso, e não cassará a sentença determinando o retorno dos autos.

Uma última curiosidade reside na dinâmica de julgamento junto aos órgãos fracionários de tribunal competentes para o julgamento da apelação. Há o hábito de dividir o julgamento entre as preliminares recursais, para somente após analisar os demais pedidos.

Por exemplo, a turma vota primeiramente a “preliminar” de incompetência absoluta do juízo sentenciante, para após deliberar acerca da reforma da sentença.

É verdade que essa cronologia do julgamento deve ser respeitada, de modo que a validade da sentença deve, anteriormente, ser analisada para após advir o exame da possibilidade de sua reforma.

Porém, não se trata de votação de uma preliminar recursal, de modo que preliminar, conforme insistentemente afirmado, é assunto atinente ao conhecimento do recurso 6. O que se tem do presente exemplo é uma votação lógica dos pedidos recursais, a qual pode, primeiramente, anular a sentença, e, caso superado esse pedido recursal, reformá-la.

Preliminares recursais referem-se ao conhecimento dos recursos, preliminares da demanda a impedir a análise do mérito e pode-se cogitar de uma terceira categoria: preliminar (prejudicial) ao mérito como é a prescrição. 7 Caso o vício elencado na preliminar seja suprível, como regularização da representação processual, deverá ser dada a oportunidade de saneá-lo, nos termos do artigo 932, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

Portanto, a título de conclusão e com alguma relevância prática, as preliminares e o mérito da demanda e do recurso são bem delineados. Entretanto, em se tratando de mérito recursal poderá haver identidade com o mérito da demanda, bem como entre o mérito daquele e as preliminares dessa.

Em relação à essa última questão é que se pode notar a mistura nos conceitos de acolhimento de preliminar recursal e preliminar da demanda, que é mérito do recurso.

Ressalta-se: caso acolhido o pedido recursal, a apelação sempre deverá ser provida, seja para cassar ou reformar a sentença. O acolhimento de eventual preliminar recursal, levará, sem dúvidas, a um único caminho: o seu não conhecimento.


Notas

  1. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III, 7ª ed., Malheiros, p. 550

  2. LUIZ HENRIQUE VOLPE CAMARGO, Os Poderes do Relator nos Recursos: o CPC/1973, a Lei 8.038/90 e o CPC/2015, in Novo Código de Processo Civil, Impactos na Legislação Extravagante e Interdisciplinar, Vol. 1, Saraiva, 2016

  3. MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES, Direito Processual Civil Esquematizado, 10ª ed., Saraiva, p. 469.

  4. LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA e FREDIE DIDIER JR., Apelação contra decisão interlocutória não agravável: a apelação do vencido e a apelação subordinada do vencedor: duas novidades do CPC/2015, in Coleção Novo CPC, v. 6, 2ª ed., Editora JusPodivm, 2016, p. 771

  5. Tema 988 do Superior Tribunal de Justiça.

  6. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil, Vol. III, 48ª ed., Forense, p. 785.

  7. ARAKEN DE ASSIS, Manual dos Recursos, RT, 2007, p. 308

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Sobre o autor
Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

Membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil; Membro da Comissão de Processo Civil da OAB/DF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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