Posse
Existem duas teorias que explicam a posse: a teoria objetiva e a teoria subjetiva. O Código Civil Brasileiro adotou a teoria objetiva, onde para configurar a posse basta o estado de fato que se traduz na exteriorização da propriedade (visibilidade do domínio), não sendo necessário o ânimo de proprietário, como ocorre na teoria subjetiva. A teoria objetiva está tipificada no artigo 1.196, do Código Civil:
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Assim, a posse nada mais é do que o sinal exterior da propriedade (poder de dispor da coisa), pelo qual o proprietário afirma seu poder sobre a bem que lhe pertence. Haverá posse quando o sujeito: a) tenha poder de fato sobre a coisa; b) exerça, plenamente ou não, esse poder de fato; e, c) esse poder de fato exteriorize algum dos elementos inerentes da propriedade.
A posse sempre foi objeto de intensos debates na doutrina e na jurisprudência, oscilando entre a visão tradicional, que a considera um mero fato jurídico, e uma perspectiva mais moderna, que a reconhece como um direito real dotado de proteção autônoma. A doutrina de Orlando Gomes, inspirada nas concepções de Rudolf von Ihering, sustenta que a posse não pode ser reduzida a uma simples situação de fato, mas deve ser compreendida como um direito real com eficácia jurídica própria. Esse entendimento decorre da necessidade de conferir à posse uma proteção mais ampla, independentemente da propriedade, em razão de sua função econômica e social. Essa definição demonstra que, mesmo sem o título de propriedade, o possuidor detém uma tutela jurídica específica, o que fortalece a tese de que a posse não é apenas um fato transitório, mas sim um direito que gera efeitos jurídicos próprios.
A jurisprudência dos tribunais superiores também tem consolidado essa tendência. Decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) frequentemente reconhecem que o possuidor, ainda que não seja proprietário formal do bem, pode gozar de proteções semelhantes às do titular do domínio, especialmente quando a posse se reveste de boa-fé e cumpre sua função social. Os institutos da usucapião e da função social da posse, previstos na Constituição Federal e na legislação civil, demonstram a valorização da posse como meio de acesso à propriedade e como instrumento para a regularização fundiária.
Outro reflexo da evolução desse entendimento está no reconhecimento da posse como elemento passível de ser negociado e transmitido, sendo utilizada, por exemplo, como garantia em transações imobiliárias. A cessão de direitos possessórios, amplamente aceita em situações de imóveis irregulares, confirma a relevância jurídica da posse no mercado imobiliário e reforça seu caráter de direito real.
Portanto, a posse, mais do que um simples fato, tem sido amplamente reconhecida como um direito real que merece tutela específica e proteção jurídica efetiva. A doutrina, a legislação e a jurisprudência têm evoluído para consolidar esse entendimento, garantindo maior segurança aos possuidores e ampliando as possibilidades de regularização fundiária e negociação imobiliária no Brasil.
Sustentamos, com esteio na doutrina de Orlando Gomes que, com arrimo em Ihering, defende que a posse não é simples fato, mas um direito real. Percebemos que a evolução jurisprudencial e a legislação têm caminhado para esse reconhecimento.
Destaca-se que a posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.
Detenção
Detentor ou fâmulo da posse é aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas, como, por exemplo, o caseiro de um sítio que exerce sobre o bem não uma posse própria, mas apenas conserva a posse que é do proprietário (dono do sítio) em nome dele. Também pode-se citar como exemplo de detentor o Arrendatário no contrato de arrendamento, assunto importante quando se trata de crédito e regularização de áreas rurais.
Aquele que começou a comportar-se como detentor, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário. Deste modo, havendo comportamento típico de detentor, este será assim considerado até que prove que em decorrência de alguma circunstância fático-jurídica deixou de ser detentor e passou a ser possuidor do bem. Pode-se citar como exemplo o locatário que exerce o direito de preferência na compra do imóvel e consequentemente passa a ser possuidor, deixando de ser mero detentor.
Também não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância (detenção precária), assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade (detenção violenta ou clandestina).
A mera detenção não gera direito à proteção possessória.
Aquisição da Posse
Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
A posse pode ser adquirida pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante legal ou ainda, por instrumento de mandato. Pode também ser adquirida por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação. Se o Adquirente for pessoa incapaz, carecerá de representação ou assistência.
Por entendermos, como Orlando Gomes, ser a posse um direito real, conclui-se que sua aquisição e transmissão devem seguir regras semelhantes às aplicadas à propriedade.
Para a aquisição derivada da posse, ou seja, quando há a transferência da posse de um possuidor para outro, deve-se observar a exigência legal da escritura pública, sempre que o imóvel tiver valor superior a trinta salários-mínimos. Esse requisito se justifica porque, embora a posse não seja equivalente à propriedade, sua transmissão envolve um bem de grande valor, devendo haver maior formalidade para garantir segurança jurídica às partes envolvidas. Assim, a cessão de posse, seja ela onerosa (mediante pagamento) ou gratuita, deve ser formalizada por instrumento público, conferindo publicidade ao ato e prevenindo litígios futuros.
Já na aquisição originária da posse, que ocorre quando o possuidor estabelece sua relação com o bem sem uma transmissão anterior formalizada, faz-se necessário o reconhecimento documental dessa posse. Isso pode ocorrer de duas formas principais: pela escritura pública de declaração de posse, na qual o tabelião registra a manifestação do possuidor sobre sua relação com o imóvel, ou pela ata notarial de comprovação de posse, documento lavrado por um tabelião de notas, que registra fatos que demonstrem o tempo e a qualidade da posse exercida.
Ambos os instrumentos são fundamentais para garantir a publicidade e autenticidade da posse, tornando-a passível de ser utilizada para fins de usucapião ou até mesmo para possibilitar futuras regularizações fundiárias. Além disso, a formalização notarial da posse pode ser utilizada como elemento de prova em disputas judiciais, dando maior respaldo ao possuidor contra possíveis contestações de terceiros.
A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres. Ou seja, transmite-se também o tempo de posse do falecido para os herdeiros. O sucessor universal sucede automaticamente na posse de seu antecessor, por força de direito. Já ao sucessor singular é facultado somar sua posse à do antecessor, para fins legais, desde que haja justo título e continuidade.
A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem. No entanto, por tratar-se de pertenças - isto é, por se destinarem, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento do bem principal, não constituem partes integrantes dele -, não acompanham o principal se isto não dispuser o contrato ou a lei expressamente, pois, os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso.
Trata-se de tema de extrema relevância, especialmente na hipótese de contratos de arrendamento ou de locação, uma vez que as pertenças que guarneciam o imóvel anteriormente à celebração do negócio jurídico não se presumem incluídas em seu objeto, mesmo que permaneçam no local após a posse do arrendatário ou locatário, salvo disposição legal, convenção entre as partes ou circunstâncias específicas que autorizem tal conclusão.
Por essa razão, é indispensável a averbação, na matrícula do imóvel, de direitos ou ônus incidentes sobre bens integrantes do respectivo acervo, mas de titularidade de terceiros — como ocorre, por exemplo, no arrendamento ou no penhor cedular — a fim de conferir-lhes a necessária publicidade, evitando-se dúvidas, litígios ou vícios que possam comprometer a segurança jurídica de futuras negociações imobiliárias.
Efeitos da Posse
Por tratar-se de direito real, a posse gera efeitos jurídicos; tem o poder de criar direitos. Se assim não fosse; se a posse não fosse direito, mas tão somente poder de fato, não geraria efeitos jurídicos.
Como efeito da posse, o possuidor tem direito a sua proteção, manutenção e restituição. Assim, o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. A posse é um direito tão importante que nem mesmo a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa é capaz de obstar à manutenção ou reintegração na posse. O direito de propor ações possessórias (conhecidas como interditos proibitórios) para garantir o possuidor, é o mais importante efeito da posse, podendo ser intentadas até contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era.
Também é efeito da posse a legitima defesa e o desforço imediato como forma de defender a posse, deste modo, o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. Ou seja, o possuidor pode usar os meios necessários e imediatos para defender a sua posse de ataques, porém, referida ação não pode ser exagerada.
Interessante situação revela-se em caso de mais de uma pessoa alegar ser possuidora do bem. Nesse caso, a posse manter-se-á provisoriamente a quem tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.
O possuidor tem, ainda, direito aos frutos e às benfeitorias, bem como, não se responsabiliza pela perda ou pela deterioração da coisa, desde que de boa-fé.
Em todos os casos, a documentação da posse por meio de escritura pública ou ata notarial torna o resguardo desse direito bem mais facilitado.
Perda da Posse
Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem. No entanto, só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.