Capa da publicação Posse é direito real? Efeitos e proteção legal
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Posse como direito real: implicações jurídicas e reflexões contemporâneas

22/07/2025 às 07:51

Resumo:


  • A posse é um sinal exterior da propriedade, sendo um direito real com proteção jurídica própria.

  • A detenção é a conservação da posse em nome de outro, sem gerar direito à proteção possessória.

  • A aquisição da posse pode ocorrer de forma derivada ou originária, seguindo regras semelhantes à propriedade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A posse é direito real com proteção autônoma, conforme doutrina e jurisprudência. Como diferenciar posse e detenção segundo o Código Civil?

Posse

Existem duas teorias que explicam a posse: a teoria objetiva e a teoria subjetiva. O Código Civil Brasileiro adotou a teoria objetiva, onde para configurar a posse basta o estado de fato que se traduz na exteriorização da propriedade (visibilidade do domínio), não sendo necessário o ânimo de proprietário, como ocorre na teoria subjetiva. A teoria objetiva está tipificada no artigo 1.196, do Código Civil:

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Assim, a posse nada mais é do que o sinal exterior da propriedade (poder de dispor da coisa), pelo qual o proprietário afirma seu poder sobre a bem que lhe pertence. Haverá posse quando o sujeito: a) tenha poder de fato sobre a coisa; b) exerça, plenamente ou não, esse poder de fato; e, c) esse poder de fato exteriorize algum dos elementos inerentes da propriedade.

A posse sempre foi objeto de intensos debates na doutrina e na jurisprudência, oscilando entre a visão tradicional, que a considera um mero fato jurídico, e uma perspectiva mais moderna, que a reconhece como um direito real dotado de proteção autônoma. A doutrina de Orlando Gomes, inspirada nas concepções de Rudolf von Ihering, sustenta que a posse não pode ser reduzida a uma simples situação de fato, mas deve ser compreendida como um direito real com eficácia jurídica própria. Esse entendimento decorre da necessidade de conferir à posse uma proteção mais ampla, independentemente da propriedade, em razão de sua função econômica e social. Essa definição demonstra que, mesmo sem o título de propriedade, o possuidor detém uma tutela jurídica específica, o que fortalece a tese de que a posse não é apenas um fato transitório, mas sim um direito que gera efeitos jurídicos próprios.

A jurisprudência dos tribunais superiores também tem consolidado essa tendência. Decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) frequentemente reconhecem que o possuidor, ainda que não seja proprietário formal do bem, pode gozar de proteções semelhantes às do titular do domínio, especialmente quando a posse se reveste de boa-fé e cumpre sua função social. Os institutos da usucapião e da função social da posse, previstos na Constituição Federal e na legislação civil, demonstram a valorização da posse como meio de acesso à propriedade e como instrumento para a regularização fundiária.

Outro reflexo da evolução desse entendimento está no reconhecimento da posse como elemento passível de ser negociado e transmitido, sendo utilizada, por exemplo, como garantia em transações imobiliárias. A cessão de direitos possessórios, amplamente aceita em situações de imóveis irregulares, confirma a relevância jurídica da posse no mercado imobiliário e reforça seu caráter de direito real.

Portanto, a posse, mais do que um simples fato, tem sido amplamente reconhecida como um direito real que merece tutela específica e proteção jurídica efetiva. A doutrina, a legislação e a jurisprudência têm evoluído para consolidar esse entendimento, garantindo maior segurança aos possuidores e ampliando as possibilidades de regularização fundiária e negociação imobiliária no Brasil.

Sustentamos, com esteio na doutrina de Orlando Gomes que, com arrimo em Ihering, defende que a posse não é simples fato, mas um direito real. Percebemos que a evolução jurisprudencial e a legislação têm caminhado para esse reconhecimento.

Destaca-se que a posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.


Detenção

Detentor ou fâmulo da posse é aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas, como, por exemplo, o caseiro de um sítio que exerce sobre o bem não uma posse própria, mas apenas conserva a posse que é do proprietário (dono do sítio) em nome dele. Também pode-se citar como exemplo de detentor o Arrendatário no contrato de arrendamento, assunto importante quando se trata de crédito e regularização de áreas rurais.

Aquele que começou a comportar-se como detentor, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário. Deste modo, havendo comportamento típico de detentor, este será assim considerado até que prove que em decorrência de alguma circunstância fático-jurídica deixou de ser detentor e passou a ser possuidor do bem. Pode-se citar como exemplo o locatário que exerce o direito de preferência na compra do imóvel e consequentemente passa a ser possuidor, deixando de ser mero detentor.

Também não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância (detenção precária), assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade (detenção violenta ou clandestina).

A mera detenção não gera direito à proteção possessória.


Aquisição da Posse

Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

A posse pode ser adquirida pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante legal ou ainda, por instrumento de mandato. Pode também ser adquirida por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação. Se o Adquirente for pessoa incapaz, carecerá de representação ou assistência.

Por entendermos, como Orlando Gomes, ser a posse um direito real, conclui-se que sua aquisição e transmissão devem seguir regras semelhantes às aplicadas à propriedade.

Para a aquisição derivada da posse, ou seja, quando há a transferência da posse de um possuidor para outro, deve-se observar a exigência legal da escritura pública, sempre que o imóvel tiver valor superior a trinta salários-mínimos. Esse requisito se justifica porque, embora a posse não seja equivalente à propriedade, sua transmissão envolve um bem de grande valor, devendo haver maior formalidade para garantir segurança jurídica às partes envolvidas. Assim, a cessão de posse, seja ela onerosa (mediante pagamento) ou gratuita, deve ser formalizada por instrumento público, conferindo publicidade ao ato e prevenindo litígios futuros.

Já na aquisição originária da posse, que ocorre quando o possuidor estabelece sua relação com o bem sem uma transmissão anterior formalizada, faz-se necessário o reconhecimento documental dessa posse. Isso pode ocorrer de duas formas principais: pela escritura pública de declaração de posse, na qual o tabelião registra a manifestação do possuidor sobre sua relação com o imóvel, ou pela ata notarial de comprovação de posse, documento lavrado por um tabelião de notas, que registra fatos que demonstrem o tempo e a qualidade da posse exercida.

Ambos os instrumentos são fundamentais para garantir a publicidade e autenticidade da posse, tornando-a passível de ser utilizada para fins de usucapião ou até mesmo para possibilitar futuras regularizações fundiárias. Além disso, a formalização notarial da posse pode ser utilizada como elemento de prova em disputas judiciais, dando maior respaldo ao possuidor contra possíveis contestações de terceiros.

A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres. Ou seja, transmite-se também o tempo de posse do falecido para os herdeiros. O sucessor universal sucede automaticamente na posse de seu antecessor, por força de direito. Já ao sucessor singular é facultado somar sua posse à do antecessor, para fins legais, desde que haja justo título e continuidade.

A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem. No entanto, por tratar-se de pertenças - isto é, por se destinarem, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento do bem principal, não constituem partes integrantes dele -, não acompanham o principal se isto não dispuser o contrato ou a lei expressamente, pois, os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso.

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Trata-se de tema de extrema relevância, especialmente na hipótese de contratos de arrendamento ou de locação, uma vez que as pertenças que guarneciam o imóvel anteriormente à celebração do negócio jurídico não se presumem incluídas em seu objeto, mesmo que permaneçam no local após a posse do arrendatário ou locatário, salvo disposição legal, convenção entre as partes ou circunstâncias específicas que autorizem tal conclusão.

Por essa razão, é indispensável a averbação, na matrícula do imóvel, de direitos ou ônus incidentes sobre bens integrantes do respectivo acervo, mas de titularidade de terceiros — como ocorre, por exemplo, no arrendamento ou no penhor cedular — a fim de conferir-lhes a necessária publicidade, evitando-se dúvidas, litígios ou vícios que possam comprometer a segurança jurídica de futuras negociações imobiliárias.


Efeitos da Posse

Por tratar-se de direito real, a posse gera efeitos jurídicos; tem o poder de criar direitos. Se assim não fosse; se a posse não fosse direito, mas tão somente poder de fato, não geraria efeitos jurídicos.

Como efeito da posse, o possuidor tem direito a sua proteção, manutenção e restituição. Assim, o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. A posse é um direito tão importante que nem mesmo a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa é capaz de obstar à manutenção ou reintegração na posse. O direito de propor ações possessórias (conhecidas como interditos proibitórios) para garantir o possuidor, é o mais importante efeito da posse, podendo ser intentadas até contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era.

Também é efeito da posse a legitima defesa e o desforço imediato como forma de defender a posse, deste modo, o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. Ou seja, o possuidor pode usar os meios necessários e imediatos para defender a sua posse de ataques, porém, referida ação não pode ser exagerada.

Interessante situação revela-se em caso de mais de uma pessoa alegar ser possuidora do bem. Nesse caso, a posse manter-se-á provisoriamente a quem tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.

O possuidor tem, ainda, direito aos frutos e às benfeitorias, bem como, não se responsabiliza pela perda ou pela deterioração da coisa, desde que de boa-fé.

Em todos os casos, a documentação da posse por meio de escritura pública ou ata notarial torna o resguardo desse direito bem mais facilitado.


Perda da Posse

Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem. No entanto, só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.

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Sobre o autor
Pedro Roberto Meireles Lopes

Tabelião e Oficial de Registro. Ex-Delegado de Polícia Federal. Especialista em Combating Corruption pela George Washington University – DC – Estados Unidos. . Especialista em Criminologia (Curso de Progressão - Classe Especial) pela Academia Nacional de Polícia – Brasília – DF. Especialista em Direito Notarial e Registral e em Direito Imobiliário pela Universidade UNIAMÉRICA. Aprovado em mais de 10 concurso públicos, dentro os quais, Conciliador na Justiça Federal do TRF 1.ª Região, Analista do INSS,Juiz do Trabalho, Delegado de Polícia Federal, Delegatário de Serventia de Notas e Registros. Professor e Palestrante. Autor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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